— E assim, esperamos que o tribunal
tenha o cuidado de proteger o direito constitucional do Sr. Harris ao devido
processo e seu direito de defrontar seu acusador. Confirmamos mais uma vez que
não temos intenção de prejudicar Amber Brandon ou causar nenhum outro trauma.
Apenas desejamos chegar à verdade, e cremos ser esse o mínimo que nosso sistema
judicial deva permitir a qualquer acusado. Obrigado.
Ele tomou o seu lugar ao lado
de Tom Harris. Tom havia estado olhando para o relógio. Eram quase quatro horas
da tarde.
Os três juizes também haviam
estado a olhar para o relógio. O do meio, o mais velho, ajuntou seus papeis.
— Obrigado, Sr. Corrigan, e
obrigado, Sr. Jefferson e Sr. Ames. Os argumentos foram completos e bem
apresentados. O tribunal entrará em recesso por hoje. Teremos uma decisão para
os senhores até quinta-feira, depois de amanhã.
BAM! O meirinho bateu o martelo e ordenou:
— Levantem-se todos! — e
todos se levantaram, e os juizes saíram. Ames e Jefferson pareciam um pouco
sombrios, raivosos mesmo; ao se levantarem, fuzilaram Corrigan e Tom com um
olhar cuidadosamente esculpido, e deixaram o tribunal.
— Hum — murmurou Corrigan. —
Não achei que me saí tão bem assim.
— Achei que se saiu
otimamente — comentou Tom. Corrigan deu de ombros.
— Bem... temos estado orando.
Está nas mãos do Senhor. — Ele deu um sorriso amarelo, olhou para o chão, e
admitiu: — Mas não sei, Tom. Às vezes ponho-me a pensar se sou apenas uma
porcaria de advogado ou se Deus prefere ficar fora dos tribunais. Não tenho
tido muitos motivos para me sentir bem ultimamente.
O sorriso de Tom veio lá de
dentro.
— Oh, aconteça o que
acontecer, não se zomba de Deus. Ele é Senhor, Wayne. Seja como for que ele
queira que isto seja resolvido, aceitarei. — Ele deu um tapa nas costas de
Corrigan. — Vamos comer alguma coisa.
Corrigan remexeu-se um pouco.
— Espero que tenha algum
dinheiro com você.
— Umm... tenho três dólares,
eu acho.
— Está bem. Acho que esse
tanto eu tenho.
— Iremos ao McDonald's!
O lago estava calmo, como um espelho, refletindo as árvores da margem com linhas distintas, sólidas e as cores vívidas da primavera,enquanto logo acima da superfície da água miríades de insetos dançavam ao sol como minúsculas faíscas douradas. O pescador solitário sentava-se em seu barco de alumínio, contente com o silêncio, contente por estar a sós. Ele tinha seus cinqüenta e tantos anos, cabelos pretos salpicados de branco e um rosto jovem; usava calças de brim e camisa de flanela, e um chapéu mole de pescador que tinha de ter sido o seu predileto por anos. Os peixes não estavam mordendo muito a isca, mas ele estava tendo a paz que havia ido buscar, e estava satisfeito. No momento, reclinava-se preguiçosamente contra uma almofada do barco, apenas flutuando, relaxando, e não pensando muito.
Lá pelo meio do dia, ele
ouviu um ruído e as suaves batidas de remos, e espiou por baixo da aba do
chapéu. Sim, vinha vindo alguém na sua direção num pequeno bote de madeira.
Quando o visitante chegou
mais perto, o pescador sentou-se ereto. Ele conhecia aquele homem levemente
rotundo, de óculos e de chapéu de palha. Não eram exatamente amigos, mas já se
haviam cruzado em diversas ocasiões. O que estava ele fazendo ali? Este era
supostamente um esconderijo de pescadores.
O visitante olhou por cima do
ombro, sorriu, e continuou a remar para aproximar-se, sem dizer palavra alguma.
O pescador teve uma sensação
sinistra a respeito desse encontro. Se o visitante não ia falar, então ele falaria.
— Jim?
Jim olhou por cima do ombro.
— Ei, Owen. — Com umas
últimas pancadas dos remos, ele fez o botezinho encostar ao lado do outro. Owen
usou um curto pedaço de corda para unir os dois barcos. — Ah, muito obrigado.
— A que devo esta visita? —
perguntou Owen Bennett. — Espero que não sejam negócios. Estou fora do
escritório no momento.
— Oh, achei que este seria um
ótimo lugar para termos uma conversinha, só eu e você. — Jim voltou o olhar na
direção do balneário. Algumas famílias faziam piquenique perto da margem do
lago. — Mas falarei baixinho, Owen. O som está realmente se propagando hoje.
Owen abaixou a voz e falou:
— Então, diga a que veio.
Estou muito ocupado fazendo nada hoje e gostaria de voltar a essa atividade.
Jim arrancou do peito um
profundo suspiro, descansou os braços sobre os joelhos, e apenas ficou olhando
para Owen por um momento.
— Irei direto ao assunto, mas
mesmo isso levará algum tempo. Suponho que você tem-se mantido informado a
respeito daquele caso em Baskon?
Owen fitou-o com olhar perplexo
e depois meneou a cabeça.
— Nunca ouviu falar do lugar?
— Não, sinto muito.— Bem...
Eu também nunca tinha ouvido falar dele. Nem queria, exceto que a ACAL iniciou
uma ação judiciai lá, e sei que estavam pensando em procurar você a respeito.
Eles estavam indo atrás de uma escola cristã novamente, e acharam que tinham
todos os seus patos enfileirados, inclusive você.
— Bem, se é um caso que está
pendente, obviamente não posso discuti-lo...
Jim ergueu a mão.
— Oh, não, não... não se preocupe com isso. Não
precisamos discutir o caso, não senhor. Podemos falar a respeito de outras
coisas.
— Está bem.
Jim olhou através do lago,
reunindo seus pensamentos. — Podemos falar a respeito de alguns itens pessoais,
suponho... como uma sociedade secreta em particular, a Ordem Real e Secreta da
Nação? Owen sorriu.
— Ora essa, se eu falasse a
respeito dela, não permaneceria secreta, não é mesmo?
Jim assentiu com a cabeça.
— É o que entendi. Sabe, estou
abismado em ver quantos dos meus supostos amigos sabem tudo acerca desse bando,
menos o que quero descobrir.
— É apenas uma sociedade,
Jim. Nada com que se preocupar. Jim não estava disposto a deixar o assunto
passar.
— Ehhhh... você tem de
entender, um homem na minha posição fica meio assustado quando homens na sua
posição começam a proteger-se mutuamente e manter pequenos segredos entre si.
Bem, eu disse pequenos segredos, mas não sei de que tamanho eles são,
sei?
Owen manteve os lábios
firmemente fechados. Essa reunião era de Jim; ele que se incumbisse da
conversa. Foi o que Jim fez.
— Ouvi dizer que Carl
Santinelli é membro, e isso me preocuparia, pelo tanto que o nome dele é
mencionado em Washington. Pensar que vocês dois são amigos do peito na mesma
sociedade secreta me arrepia um pouquinho os cabelos.
Owen ficou um tanto tenso, e
sua voz adquiriu certa aspereza.
— Isso para mim levanta uma
pergunta óbvia, embora eu duvide que venha a obter uma resposta: Como foi que
descobriu?
— Estive lendo umas cartas,
Owen. Uma porção de cartas. — Jim fitou-o diretamente.
— Cartas escritas por Sally
Beth Roe.
Acertou em cheio. Jim podia
ver uma reação inegável em todo o rosto de Owen. Owen abaixou a cabeça e
resmungou:
— Caramba.— Ora, todos nós
temos alguns esqueletos nos armários, Owen. Você sabe isso a meu respeito, e
sei isso a seu respeito.
Owen não conseguiu conter a
curiosidade.
— O quê... Ela escreveu a você?
— Oh, não. Escreveu ao
diretor daquela escola cristã — acho que para dar-lhe umas informações confidenciais
e ajudá-lo.
— Bem... espero que você
possa reconhecer a diferença entre a verdade e mentiras vingativas.
— Mmmm... uma das primeiras
coisas que ela escreveu foi que não estava morta, e fiquei impressionado com a
sua veracidade.
— Jim, acho que você está
falando por enigmas!
— Ora, está bem, faça-me
parar se já tiver ouvido esta: Sally Roe escreveu toda uma pilha de cartas ao
diretor daquela escola, acho que para ajudá-lo. O único problema foi que ele
jamais recebeu as cartas porque alguém se intrometeu na correspondência dos
Estados Unidos e surrupiou todas elas. E quem fez isso foi a chefe do correio
local, que era também a acusadora na ação judicial, mas ela concordou em
cooperar e nos disse aonde mandou todas as cartas. Você nem pode imaginar: o
Instituto Summit! Alguns agentes do FBI foram lá e encontraram cada uma das
cartas nas mãos de — está pronto para isto? — Carl Santinelli, o próprio Sr.
ACAL. Ele está metido em grandes apuros no momento.
— Isso nada tem a ver comigo.
Jim ficou um tanto chocado.
— Onde está o velho espírito
de equipe, Owen? Achei que vocês dois eram irmãos na sociedade secreta.
— Não quer dizer nada.
— Está bem, está bem,
tentaremos não culpar ninguém por associação.
— Eu apreciaria muito.
— Mas apenas para minha
informação, todos vocês, sócios da Nação, não têm algum tipo de anel de membro,
um anel de ouro esquisito com uma cara feia desenhada em cima dela, e com o seu
nome secreto de código dentro?
— Eu não tenho nenhum anel
desses.
— Ora, sei que não está com o
seu. Sally Roe está com ele. Bem, estava com ela. Agora está conosco.
Owen apenas ficou olhando.
— Sim, é o seu mesmo.
Verificamos seu nome secreto contra as listas oficiais dos membros da Nação.
"Gawaine", não é verdade?
O rosto de Owen era como
pedra fria.
— Que jogo está jogando aqui?
— O jogo que todos jogamos,
Owen. Sally diz que o aprendeu com você. É por isso que ela guardou o anel
todos esses anos. É um ás muito bom para ela jogar, e torna crível a sua
história, especialmente visto que outroanel lhe caiu nas mãos, um que pertencia
a um seu irmão mais novo na Nação, James Bardine, um advogado noviço metido a
importante da firma de Santinelli. O anel de Bardine apareceu no dedo de uma
satanista. — Jim acrescentou com um toque apropriado, sinistro. — Uma mulher que
foi contratada para matar Sally Roe. — Ele acrescentou depressa: — A assassina
deu-se mal. Ela própria foi morta, e agora temos esse anel também.
— Portanto, isso mais ou
menos une vocês quatro nessa coisa: você, Carl Santinelli, James Bardine, e
aquela senhora satanista.... pode dizer mulher, ou como a quiser chamar.
Jim tirou o chapéu e enxugou
a testa.
— Owen, estou disposto a
apostar que você já sabe o resto, toda a ação judicial a respeito de aquela
garotinha ter tido algum tipo de colapso psicótico ou de personalidade, e da
ACAL culpar a escola cristã apenas para meter o governo pela porta da escola,
e... Bem, foi um belo plano, sim senhor. — Jim olhou diretamente para Owen ao
fazer seu próximo comentário. — Para proteger esse plano valia a pena matar
Sally Roe ... para proteger esse plano valia a pena encobrir o fato de que
alguém tentou matar Sally Roe. Para proteger esse plano valia a pena
intrometer-se na correspondência e sair caçando Sally Roe por aí.
Owen ocupou-se com sua vara
de pescar, e não olhou para cima. — Jim, creio que estou ficando cansado da sua
companhia.
— O nenê era seu, não era?
Owen ficou rígido por um
momento. Se Jim estava tentando chocá-lo, a tentativa foi bem sucedida. Ele
abaixou a mão e começou a desamarrar a corda que unia os dois barcos.
— Acho melhor você ir embora.
Jim colocou sua mão sobre a
de Owen a fim de detê-lo.
— Você estava no conselho
consultivo do Centro Ômega, e conseguiu-lhe aquela posição no Centro depois que
ela se formou em Bentmore. Você passava uma porção de tempo com ela, não é
mesmo, todas as vezes que voava até lá para reuniões com Steele e os outros?
— Até que ela teve aquele
nenê em vez de abortar. Ora, essa era uma encrenca no meio da sua carreira! Ela
podia ter movido uma ação contra você para obter sustento para a criança,
exposto a coisa toda ao público, certo? Que jeito melhor de resolver o problema
do que removendo o único elo tangente entre vocês dois — e destruir a mulher ao
fazer isso?
Owen endireitou-se
desafíadoramente.
— Você realmente pretende
argumentar que sou eu o culpado pelas incríveis ilusões de Sally Roe?
— Você acredita nesse
negócio de espíritos, não acredita?
— Isso é coisa pessoal minha.
— E naquela época, ela acreditava
neles — com bastante ajuda sua e daquele bando lá do Ômega.— Isso nada prova.
— Quem disse que os jornais e
a televisão alguma vez precisaram provar algo tão suculento quanto isto? Eles
publicarão agora e provarão mais tarde. Você mesmo lhes passou uns petiscos de
tempos em tempos, você sabe disso.
— E podíamos passar-lhes
outros mais — você devia saber disso! Jim assentiu com a cabeça.
— É, isso mesmo. Poderíamos
tornar a vida bem difícil um para o outro, sem dúvida. — Então ele deu uma
risada. — Mas realmente me divirto com o quadro que me vem à cabeça de você
ouvindo um caso trazido pelos seus companheiros de irmandade na ACAL, sabendo
que eles tentaram proteger seu caso matando uma mulher com quem já teve um
caso. Veja se consegue algo melhor que isso, Owen!
Owen Bennett olhou através do
lago e pensou por um momento.
— Então, o que quer? Jim
sorriu.
— Será que consegui, Owen? Será
que realmente tenho uma alavanca para mexer com você?
Owen retorquiu rispidamente:
— O que quer?
— Lembre-se de que o som se
propaga. — Jim deteve-se a pensar por um momento. — Owen, acho que tenho sido
um Ministro da Justiça bem bom, e acho que poderia fazer um trabalho melhor
ainda se certas pessoas pegassem toda a sua influência e a fossem usar em outras
partes. Quero tirar essa trela do meu pescoço.
Owen parecia sombrio.
— Não fui eu que a coloquei
aí.
— Mas você tem influência com
o pessoal que colocou. É um de seus melhores jogadores.
— Não posso traí-los, Jim.
Você sabe disso. Jim deu de ombros.
— Bem, suponho que sempre
poderia demitir-se.
— Também não posso fazer
isso. Jim estava resoluto.
— Estou-lhe dando uma
escolha, Owen.
Tom Harris agarrou o jornal Estrela do Condado de Hampton na varanda da frente da sua casa e voltou para dentro saudado pelo aroma de pãezinhos quentes, ovos, fritada de batatas, toicinho defumado, uma refeição daquelas.
— O que há de novo? —
perguntou Marshall.— Oh, muita coisa — disse Tom, examinando atentamente a
primeira página.
Era a manhã de sexta-feira;
tinha sido uma semana como nenhuma outra, e o grupo central, os jogadores
principais, estavam reunidos na casa de Tom para um grande café da manhã,
apenas para estarem juntos: Ben e Bev Cole, Mark e Cathy Howard, Marshall e
Kate Hogan, e Tom. Apenas Tom. Se a assistente social Irene Bledsoe tinha
ouvido falar de toda essas mudanças, não estava admitindo, e até então não
estava atendendo aos chamados de Tom.
Ben perguntou:
— Algum discurso dos rapazes
da ACAL a respeito da decisão do tribunal?
— Uma questão meio irrelevante
agora, de qualquer maneira — disse Mark. — A ação judicial foi cancelada. Está
tudo encerrado de vez.
— Que pena — brincou Tom. —
Eu estava com hora marcada para depor na semana que vem. Agora perderei essa
experiência maravilhosa.
— Mas ainda não está
terminado, pelo menos por enquanto — disse Bev. — Isto é, estamos falando de
uma grande investigação aqui. Estamos falando de algumas pessoas irem parar na
cadeia!
Marshall sorriu um sorrisinho
amarelo e meneou a cabeça.
— Provavelmente não.
— Você está louco?
— Às vezes, fico sem saber...
Mark perguntou:
— Ora, as autoridades irão
examinar isso?
— Meu amigo do FBI, John
Harrigan, acha que não. Existem casos e casos. Alguns você investiga, outros,
não. Uma coisa como esta... bem, uma embrulhada muito complexa; existe muita
coisa relacionada a ela ocorrendo em muitos lugares, e não se pode prender todo
o mundo.
— Ei, escutem isto — disse
Tom. — Aqui está uma declaração de Gordon Jefferson. Tem até uma foto dele
aqui, de pé no lado de fora do tribunal...
— Espere — disse Ben. — Quero
sentar. Tom leu a declaração do advogado da ACAL.
— Sinceramente lamentamos
esta monumental falha da justiça e dos direitos das crianças em toda a parte. O
relógio do progresso foi atrasado severamente por essa decisão. Se o tribunal
tivesse decidido em favor da criança, esta ação judicial poderia ter continuado,
e poderíamos ter lutado contra o flagelo do fanatismo e da intolerância
religiosa contra nossos filhos. A Sra. Brandon deseja que eu expresse seu
profundo pesar e seus agradecimentos a todos os que a apoiaram em toda a parte,
e seu sonho querido de que a luta por nossos filhos continue. No momento, ela
pediu, e concordamos, que a ação seja cancelada, que apanhemos o que sobrou, e
que continuemos com nossas vidas da melhor maneira possível.Kate ficou
abismada.
— Que monte de mentiras!
— Mas que golpe publicitário!
— disse Marshall. — Política oficial da ACAL: Não importa o que aconteça, dê
uma de herói!
— Deixe-me ver isso — veio
uma voz lá da cozinha. Tom entregou o jornal à própria Lucy Brandon quando ela
chegou à sala. Ela examinou atentamente a história e apenas meneou a cabeça. —
Cancelei aquela ação na terça-feira, antes da audiência! — Ela passou o
jornal para Ben e disse enraivecida: — Mas eles jamais contarão isso, não é
mesmo?
Tom comentou:
— Wayne Corrigan e eu
estávamos sem saber porque Ames e Jefferson nos fuzilaram com o olhar. Eles sabiam
que a ação havia sido cancelada!
— Mas mesmo assim queriam
aquela decisão — disse Marshall. — Cada passinho ajuda.
— Bem, para falar a verdade —
disse Mark — acho que eles se saíram muito bem. Os juizes passaram umas
diretrizes bem restritas.
Ben vasculhou o jornal
sombriamente.
— Nada mais a respeito de
Joey e Carol Parnell. Bev colocou a mão no ombro de Ben.
— Ben, você acabou de
conseguir seu emprego de volta. Não vá sair atrás de outro suicídio falso. Deixe
isso para os tiras de Claytonville.
Mas Ben estava obviamente
frustrado.
— É que estou achando muito
difícil ser paciente com toda essa falta de ação que estou vendo!
— Eu deveria tê-lo avisado
sobre essa parte — disse Marshall. — É difícil fazer as autoridades agirem
quando o caso é tão vago e inexplicável... e quando as autoridades fazem parte
do problema.
Ben passou o jornal para
Marshall, ainda furioso.
— Ora, este é policial que
vai fazer por merecer o que ganha. Tem de haver uma forma de detê-los!
Marshall examinou rapidamente
as primeiras páginas e então sorriu.
— Acho que conseguimos.
— Conseguimos, coisa nenhuma!
Não houve investigação, nenhuma prisão, nem mesmo a história verdadeira nos
jornais acerca do que de fato aconteceu. Todos nós sabemos o tipo de coisa com
que essa gente se está safando!
— Oh... nós os ferimos, Ben.
Nós os ferimos. Ganhamos esta rodada. — Marshall passou o jornal para Kate. —
E... bem, acho que temos uma boa chance de recuperar os nossos prisioneiros de
guerra também.
— Josias e Rute? — perguntou
Tom.
Marshall fez um gesto
afirmativo com a cabeça.
— Se socar uma toupeira em
seu quintal, terá matado a toupeira do quintal do seu vizinho também. Veremos.—
E a nossa desaparecida em ação? — perguntou Kate.
— Sally... — disse Marshall.
O pensamento era doloroso.
— O que Harrigan disse?
Marshall hesitou um pouco
antes de responder a essa pergunta.
— É uma situação difícil.
Kholl e sua gente aparentemente estavam no meio de um ritual satânico no porão
de Goring quando os agentes federais chegaram lá. Eles precisavam ter tido uma
vítima, mas não havia sinal de Sally, e Kholl não está falando. A única coisa
que encontraram foram as cartas de Sally. Ela podia ter escapado, ou talvez os
satanistas — Kholl e seu bando — a tivessem matado e dado um sumiço no corpo
antes que os agentes federais chegassem. Simplesmente não sabemos.
Tom ficou muito sombrio.
— Devemos-lhe tudo. Ela tem
de estar viva em algum lugar.
— Vamos estar orando por
aquela garota, com toda a certeza — disse Bev.
— E quero vê-la — disse Tom.
— Depois de ler todas as suas cartas, sinto-me como se a conhecesse. Não. De
fato a conheço.
— Uma mulher incrível — disse
Kate.
— Era mesmo — disse Marshall.
Nos arredores de Claytonville, um pintor de paredes encostou seu furgão amassado e carregado de escadas no acostamento da rodovia e saltou alguém que lhe havia pedido carona.
— Está certa de que não quer
que eu a leve mais adiante? Não tem nada aqui por perto.
— Não, obrigada — disse Sally
Roe.
Ela ficou ali no acostamento,
uma nômade muito cansada, suja, manchada, de calças de brim, jaqueta azul
enodoada, e lenço xadrez, vendo o velho furgão afastar-se, fazendo ruído, o
escapamento soltando fumaça, as molas curvando-se debaixo de todas as escadas e
latas de tinta.
Sentia-se exatamente como o
furgão. Seus rosto estava sulcado com os quilômetros, sua alma estava exausta
de dor, seu corpo estava contundido e amolgado pelos maus tratos. Mas... ela ainda
estava rodando, ainda resfolegando pelo caminho, e pelo menos agora sabia que
tinha um bom motivo.
Atravessou a rodovia assim
que teve uma chance e meteu-se no mato, seguindo a velha estrada sulcada dos
topógrafos que ela havia percorrido na escuridão da noite... Quando tinha sido
isso? Parecia que fazia anos. Quase duvidou que fosse a mesma estrada, pois
tinha um aspecto muito diferente à luz do dia — convidativa, tranqüila, debaixo
de um dossel formado pelas folhas frescas, recém-nascidas da primavera, e de
forma alguma o inferno horripilante, infestado de demônios que tinha sido na
última vez em que ali estivera.
Ela andou certa distância,
seguindo a estrada sinuosa pelas subidas e baixadas que a trilha fazia através
da espessa floresta, da galharia emaranhada e dos galhos baixos. Não se
lembrava de ter sido tão longe assim. Talvez tivesse perdido uma volta em algum
lugar. Talvez tivesse escondido aquela caminhonete um pouco bem demais.
Oh! Ali, através dos galhos e
das folhas, ela entreviu uma tinta azul conhecida. Bem! Ainda estava ali!
Mota e Signa postavam-se perto da velha caminhonete Chevrolet, as mãos nas espadas, olhos alertas, esperando a chegada de Sally. Seus guerreiros haviam guardado de perto aquela máquina desde que Sally a deixara ali. A criançada nas bicicletas sujas, os caminhantes, os que praticavam a equitação, e quaisquer pretensos vândalos tinham todos passado por ela sem a ver, por isso o veículo permanecia intocado, levemente fechado no meio do mato crescido, mas pronto para rodar.
Sally afastou as plantas novas para passar, tirando as chaves do bolso da jaqueta. A porta abriu-se com o conhecido rangido; o cheiro da cabine era o mesmo; ela ainda se lembrava de evitar aquele pequeno rasgo no banco para que ele não ficasse maior. Seu coração dançou um tantinho. Essa velha caminhonete era uma bênção porque era familiar, era sua, era um pedaço de sua casa.
O motor gemeu um pouco,
hesitou, girou algumas vezes, e então, com a bombada bem acostumada de Sally no
acelerador — algo que tinha de ser feito bem certinho — ele pôs-se a funcionar!
Mota e Signa deram-lhe um
empurrão, e com pouca dificuldade, ela fez a caminhonete virar na direção
oposta. Os dois guerreiros pularam na rabeira, e puseram-se todos a caminho de
Baskon.