terça-feira, 8 de junho de 2021

Este mundo tenebroso - parte 2 - capítulo 44


 O coração de Sally martelava e doía em seu peito enquanto ela corria e tropeçava sobre as úmidas folhas pontiagudas de pinheiro e rodelas de neve endurecida, se agarrava e tateava por espinhentos galhos mortos, e tentava com toda a força que rapidamente se esvaia manter-se adiante dos estalidos, dos bufos, do farfalhar e das passadas dos demônios que a perseguiam.

Dois deles estavam diretamente abaixo, mas invisíveis por trás de troncos e do mato cerrado; um terceiro estava à sua esquerda, e ela já o tinha visto duas vezes, tão perto que ela podia ver o demônio em seus olhos. O quarto estava silencioso e invisível a não ser pelo assobio sinistro, intermitente, que permitia aos outros saber onde ele estava.

Estavam chegando mais perto. Ó Senhor Jesus, ajude-me a correr!

— Ei, quem é aquele lá? — perguntou um dos três visitantes.

Seus amigos esperavam ver outra celebridade. O que viram foi um homem de cabelos prateados, de terno e gravata, correndo como um louco através do jardim das ervas.

— Caras, estou apenas com uma impressão...

Kholl, o peito ainda avermelhado do corte, tinha a maleta de Goring cheia com as cartas de Sally numa das mãos e as chaves do furgão na outra. Ele estava em pé ao lado do furgão, incapaz de encontrar a chave certa para abri-lo. Podia ver a chave da porta, mas ela ficava a cair de seus dedos e balançando da argola do chaveiro.

Guilo estava ao lado dele, dando piparotes nas chaves com a ponta do dedo, fazendo-as dançar, escorregar, revirar, e voltar-se em todas as direções menos na que Kholl queria que fossem.

Tal precipitou-se numa rasante sobre o estacionamento com uma mensagem:

— Eles estão vindo!

— Esplêndido! — exclamou Guilo.

Santinelli estava arquejante e quase perdendo os sentidos quando chegou ao estacionamento, mas a visão de Kholl segurando a maleta de Goring alimentou-lhe a fúria e sua fúria o fez continuar em frente. Ele chegou ao furgão em questão de segundos, apontando seu dedo trêmulo.

— Ficarei... com... elas! — arquejou ele. Kholl sorriu zombeteiro.

— Huh? Está falando destas? — Era uma grande piada para ele.Santinelli estava perdendo a aparência de dignidade.

— Seu diabo! Como se atreve a nos trair? Kholl ergueu a mão.

— Ei, quem é que ia trair quem? Somos todos diabos, certo? O senhor  mesmo o disse. Estou levando estas como garantia: número um, para garantir que serei pago, e número dois, para garantir que o senhor e eu permaneçamos sempre amigos íntimos, de confiança!

Santinelli estava com mais fúria que juízo, e agarrou a maleta. Kholl não estava disposto a soltá-la.

Guilo deixou que continuassem em frente e se atracassem. Estava esperando o momento certo.

— Muito bem. Já bastava.

Com a rebatida de sua mão enorme, ele soltou a maleta. Ela bateu no asfalto, revirou duas vezes, depois escancarou-se, atirando as cartas por toda a parte.

Santinelli, o advogado dignificado, honrado, distinto e muito poderoso, agachou-se a fim da agarrar as cartas, mas o mesmo fez o assassino Kholl, sedento de sangue, endemoninhado, satanista. Eles caíram de joelhos, jogando um contra o outro, empunhando mais depressa, empunhando mais, empurrando, acotovelando, agarrando, rasgando...

Até que chegaram aos pés. Três pares de pés. Sapatos bonitos. Ternos bonitos. Três homens.

Um dos homens estendeu seu distintivo. FBI.

Destruidor preparou-se para ouvir, mas dessa vez o Homem Forte não rugiu. Nem mesmo esmurrou Destruidor pelo aposento. Em vez disso, com a derrota nos olhos, ele olhou para cima e por toda a volta, apenas observando seu império ruir.

A nuvem de demônios estava tão esfacelada a essa altura que a luz dos Céus estava recaindo sobre o Instituto Summit em manchas alarmantemen­te grandes, transformando a Conferência de Consciência Global em um desastre. Os médiuns não estavam conseguindo fazer nenhuma leitura, as entidades espirituais dos canalizadores não estavam falando, os cartoman­tes não se lembravam do que suas cartas estavam dizendo, e cada "eu superior" no campus estava almoçando fora e não atendia.

Enquanto isso, a notícia corria pelo campus de que três agentes federais haviam acabado de prender alguém e ainda estavam examinando os arredores. Algo grande estava caindo, e poucos delegados tinham as mentes voltadas para seu próprio potencial oculto e sua divindade, um encorajamento que os demônios podiam ter usado.Tudo isso já era suficientemente inquietante, mas então outros espíritos começaram a chegar de Baskon, do Centro Ômega, da Universidade Bentmore, e de outros centros de poder demoníaco desintegrados pelas ondas espirituais de choque. Um a um, em várias fases de desmembramen­to e machucadura, eles reviraram adentro do porão do chalé, berrando, arranhando, usando as garras em busca de socorro, respostas, alguém a quem culpar.

Terga, o Príncipe de Baskon, estava murchando lentamente, e apontou ao Homem Forte com a mão que ainda prestava.

— Você trouxe isso sobre nós. Você e o seu Plano ridículo! Corruptor, com apenas metade do tamanho original, rolou pelo chão como um rato manco e proferiu sua acusação.

— Será que construímos nosso império em Bentmore apenas para entregá-lo ao Exército dos Céus?

Barquit mantinha as asas apertadas em torno de si, humilhado pela derrota e agora desarmado.

— Seu Plano! Sempre o seu Plano! É por isso que jamais me avisaram de que a mulher viria aqui, ou que havia uma emboscada armada contra meu principado?

Então, de toda a volta, das bocas colmilhadas que babavam e cuspiam, veio a grande pergunta:

— Que providência tomou com relação à mulher?

O Homem Forte tinha uma resposta simples para todas as perguntas. Ele apontou Destruidor.

está o seu traidor! Se ele a tivesse matado quando devia, não estaríamos nesta condição hoje! Foi dele a idéia de capturar suas cartas, e agora o testemunho dela está por escrito e nos derrota! Ele é o autor das perseguições que não a destruíram, mas empurraram-na à Cruz.

A Cruz! Era tudo o que os espíritos precisavam ouvir. Espadas aparece­ram.

— Você pagará por isto!

Destruidor encontrou seus olhos assassinos com os olhos deles, desem­bainhou sua espada chamejante, e retalhou o ar com fitas de luz vermelha.

— Então são melhores do que eu? Mostrem-no agora!

Eles se deixaram ficar em seus lugares, cuspindo nele e xingando-o de uma distância segura.

Ele esbravejou contra eles enraivecido.

— Ao Abismo com todos vocês! Eu terminarei o que comecei! O Homem Forte meneou a cabeça.

— Não vai, não, Destruidor. Ela pertence ao Cordeiro. Ele a redimiu de nossas garras!

Destruidor cerrou os dentes e rosnou:

Terminarei!O Homem Forte estendeu as asas à frente de Destruidor.

— Estamos nos retirando, Destruidor, e os capangas de Kholl não irão com você. Sem homens para matar por você, a mulher terá poder sobre você!

— Ela não sabe disso! — Destruidor apontou a espada bem ao ventre do Homem Forte. — Terminarei o que comecei!

O Homem Forte estudou Destruidor com olhos perscrutadores, e depois deu um passo para o lado. O demônio endoidecido de ódio disparou para fora do chalé.

Não o veremos mais — disse o Homem Forte. Ele voltou-se para o ajuntamento ferido, esfarrapado.— Príncipes, estamos restringidos! Aguar­daremos uma ocasião melhor.

Numa explosão de asas negras, jatos de enxofre e trilhas de fumaça vermelha, o Homem Forte e seus príncipes espalharam-se em todas as direções saindo do Instituto Summit, abandonando-o como um navio que afundava, deixando o clamor e a fumaça se encolherem na distância atrás de si.

Sigam a mulher, sigam a mulher, peguem-na! Os espíritos do Vidoeiro Quebrado só pensavam na mulher e mantinham-se perto do chão em perseguição encarniçada, guiando e dando forças aos quatro assassinos que agora caminhavam debatendo-se e agarrando-se pela floresta à procura de sua presa fugitiva.

Lá! Os assassinos descobriram-na, subindo com esforço um íngrime aterro, perdendo as forças, tropeçando, caindo.

Lágrimas escorriam pelo rosto de Sally; sua camisa estava grudada às costas, ensopada de suor. Ela trepou por sobre umas pedras e depois deixou-se cair no chão, os pulmões arfando. Cada músculo em seu corpo tremia e estremecia; suas pernas e braços já não conseguiam mover-se. Ela não podia ver, não podia pensar; sentiu que estava sonhando.

Os demônios pularam nas costas dos assassinos. Matem-na! Matem-na! Piquem-na em pedacinhos!

Um som fragoroso fez-se ouvir atrás deles. A floresta estava inundada de luz.

Atrás deles?

Alguns olharam para trás. Berraram, e os outros também olharam para trás.

Eles já não podiam ver o Instituto Summit, seu abrigo, sua fortaleza, tudo o que podiam ver era o Exército Celestial!

Isolados! Presos numa cilada!— Peguem-nos! — ordenou Tal.

Fumaça vermelha.

O assassino Número Um desmoronou ao chão, sem poder respirar. Não podia continuar subindo a montanha.

O assassino Número Dois, pouco mais acima na subida, voltou-se ao ouvir o Número Um bater no chão.

— Ei, vamos lá!

O Número Um não respondeu. Apenas queria respirar. O Número Três havia acabado de chegar a uma clareira e podia ver o Instituto. Ele assobiou para os outros.

— Olhem! Parecem os agentes federais lá embaixo! Eles pegaram Kholl! O Número Quatro viu a mulher cair atrás de umas pedras. Ele tomou a

faca na mão. Estava quase lá. Pausou apenas um momento para olhar para trás, e então praguejou. É Kholl mesmo!

Dali de cima, o Instituto Summit parecia um modelo de si próprio, com fileiras certinhas de carros de brinquedo alinhados no estacionamento de asfalto e telhados rústicos de fasquias de madeira aninhados entre as árvores. Kholl não era difícil de reconhecer, cambaleando entre dois homens de terno, com a frente da camisa toda vermelha e as mãos às costas. Aquele sujeito atrás dele tinha de ser Santinelli, sendo empurrado pelo terceiro homem. Não havia sinal de Goring, mas só ver aquilo já era o suficiente.

— Até logo — disse o Número Três, voltando a descer a montanha. O Número Um seguiu-o.

— Vamos à cidade. Roubarei um carro. Houve acordo imediato.

Sally não os ouviu partir. Ela ficou deitada entre as pedras num desmaio total. Os satanistas haviam chegado a apenas um metro e pouco do seu esconderijo antes de voltar.

Em Claytonville, o ex-sargento de polícia Haroldo Mulligan trancou a porta da frente da casa do legista Joey Parnell e colocou as chaves da casa de Parnell no bolso. Ele havia apenas passado pela residência de Parnell numa visita de negócios, mas não de negócios da policia. Mulligan estava vestido à paisana, e dirigia seu veículo particular, um Ford meio velho. Ele não se demorou por ali, mas entrou naquele Ford, saiu de ré pela entrada de carro, e afastou-se daquela vizinhança, daquela cidade, e, para todos os fins práticos, da existência. Jamais seria visto de novo.

Dentro de alguns dias, os jornais noticiariam as misteriosas mortes a tiros de Parnell e sua esposa, ambos encontrados mortos na residência Parnell, aparentemente de um pacto mútuo de suicídio. literatura satânica seria encontrada na casa, juntamente com evidência que ligava Parnell a diversos assassinatos não solucionados naquela parte do estado.

Sally despertou sobressaltada e ficou rígida. Não se mova! Eles podem estar perto de você! Ela sufocou a respiração e permaneceu imóvel, ouvindo.

Não havia som algum exceto o da brisa fria. As sombras estavam mais longas. Era a única maneira pela qual ela podia saber que algum tempo se havia passado. Estava deitada entre umas grandes pedras, as costas no chão. Ergueu a cabeça um tantinho. Estava com frio.

Então sentiu medo. Inflexível. Triturante. Crescente. Como passos atrás de si no escuro, como alguma... alguma coisa escondida atrás da próxima curva fechada, como um monstro rastejante, impossível de ser detido, que se aproximava enquanto ela era incapaz de mover-se.

Ela sussurrou tão baixinho que apenas os lábios formaram as palavras:

— Quem está aí?

OLHOS! Escamas! Negror, poder, enxofre, ódio!

Ele postou-se alto diante dela, um pesadelo tornado realidade, uma silhueta preta, muito elevada contra um céu surrealista vermelho-sangue, os olhos amarelos esbugalhados olhando-a maliciosamente, sem jamais piscar, sem jamais vacilar.

Ela sabia que ele estava ali. Não era material, e olhos físicos não o podiam ver, mas ela havia recebido visitações como essa antes, e sabia que era real. Ficou tensa, ergueu-se sobre os cotovelos, elevando o olhar para ele enquanto ele baixava o olhar para ela, o enxofre soprando em mechas sedosas de suas ventas, as presas à mostra enquanto ele ria com deleite diabólico.

Ele falou com ela em sua mente. Você me conhece.

Ela conhecia, e agora tinha boa razão para estar aterrorizada. Ela empurrou-se para longe, contorcendo-se para trás, usando as mãos e os cotovelos, muda, tremendo.

As palavras da coisa latejavam-lhe na cabeça. Você me conhece, Sally Roe, e não escapará!

A enorme espada vermelha desceu como um cutelo de açougueiro.

Tal ouviu o berro de Sally acima da batalha e gritou: — Guilo!

IAHHH! veio a resposta de Guilo enquanto ele arremetia do centro da nuvem desvanescente. Ele também o ouvira.

Lado a lado, com asas totalmente desfraldadas e deixando um rasto luminoso, eles mergulharam como meteoros na montanha, rolaram abrup­tamente à direita, e então deixaram-se cair dentro da floresta, iluminando os topos das árvores.

Sally revirou por cima das pedras e foi rolando pela encosta íngreme, os braços se debatendo, mandando para o alto folhas de pinheiro, terra e pedregulhos. O chão estava banhado de vermelho com a luz daquela enorme espada enquanto a coisa deslizava pela encosta atrás dela, asas abertas como um dossel. Ela podia ouvir seu resfolegar, o ondular de suas asas secas.

Ela parou, detida por uma árvore.

VUUUPT! A espada cortou os ares mais uma vez. Sally desviou-se, foi as trambolhões pela montanha, caiu e rolou novamente.

Tal inclinou-se à esquerda, Guilo à direita; eles golpeariam de lados opostos. Tal arremeteu encosta acima, o peito logo acima das pedras e do matagal, depois pôs as asas em concha, estirou os pés para diante à sua frente, e voltou atrás.

Ele podia ver Sally revirando pela encosta com o espírito negro atacan­do-a como um abutre assassino, a espada vermelha rebrilhando vez após vez. Além do espírito, ele viu Guilo como uma bola de luz aproximando-se à toda. Tal içou a espada para trás, pronto para atacar.

O espírito odioso os viu chegando e ficou firme, pronto para o encon­tro. Eles vieram sobre ele como dois trens em colisão. Com força incrível, ele os rebateu para o lado. Guilo foi revirando encosta acima, tentado sair de um rodopio, enquanto Tal desceu a montanha como uma bala de canhão, passando através de pinheiros e entre eles, desaparecendo na espessa floresta lá em baixo.

Você é minha, disse o espírito, e terminarei o que comecei!

— Não! — implorou Sally. Era a única palavra que lhe vinha à mente.

ZING! A espada apanhou-a na perna. Ela caiu contra uma árvore e depois ao chão. A espada desceu novamente, passando pertinho do seu ombro.

Luz brilhante! Dois cometas! Guilo, vindo de cima, e Tal, vindo de baixo, chegando de novo!

Guilo golpeou primeiro. O espírito rebateu-o para o lado, mas levou nas costas uma pancada estonteante da espada de Tal e oscilou para diante antes de rodopiar e aparar a espada de Tal com um golpe violento que mandou Tal adejando para dentro da floresta novamente.

Guilo mergulhou e atingiu o pescoço da coisa. Ela deu-lhe uma coto­velada que o mandou a diversos quilômetros de distância.Tal endireitou-se, agarrou com força a espada, e gritou: Sally Roe! Enfrente-o! Mande-o embora!

Sally não pareceu ouvir. Estava gritando, tentando colocar-se de pé. A coisa saltou sobre ela, enterrando nela as garras. Ela podia senti-las dilace­rando-lhe a carne. Estava engasgando com o hálito fétido. A coisa ergueu a espada de novo.

UUF! Um raio de luz passou por cima, e a coisa caiu para a frente. Guilo volteou num círculo fechado e deu outra passada, e lá vinha Tal, descendo do alto em linha reta.

O espírito colocou-se de pé e enfrentou-os de cabeça, olhos desvaira­dos, espada pronta. Guilo veio por baixo; a coisa chutou-o para o lado. Tal caiu de cima; ela rebateu-o para dentro dos topos das árvores.

Manifeste-se, Sally! disse Tal.

— Saia da frente — rugiu a coisa. — A mulher me pertence!

Dito isso, ele pisoteou com seu pé preto, escamoso, a perna da mulher que fugia, prendendo-o ali.

Tal gritou:

— Ela é nossa — e mergulhou em cima do demônio de novo, pelo menos para mantê-lo distraído.

Dessa vez suas espadas se encontraram numa chuva de fagulhas. O choque fez Tal sair rodopiando.

Assuma a autoridade! disse Tal.

Você é minha, Sally Roe! disse o demônio.

— Não! — disse Sally. Ela havia encontrado algumas palavras. — Eu pertenço a Jesus, o Filho de Deus!

Isso mesmo, isso mesmo, isso mesmo! rugiu Guilo, arremetendo através das árvores com fúria incrível.

Seu golpe derrubou o demônio para trás. A coisa brandiu a espada ao redor, mas Guilo tirou o pé bem a tempo e escapou.

Você não pertence a Jesus! berrou o monstro. Ele jamais poderia amá-la!

Sally estava agitada, tateando em busca das palavras certas.

— Jesus me ama! A Bíblia assim o diz! — Um corinho infantil da escola dominical. Era tudo o que ela sabia.

Tal marcou um ponto e mandou o demônio revirando para dentro das árvores.

Sally saiu correndo para salvar a vida, clamando:

— Jesus, ajude-me! Ajude-me!

O demônio recuperou-se e rugiu atrás dela, as asas trovejando. Você arderá no Inferno comigo! Eu mesmo a arrastarei para lá! Ele girou a espada para atingi-la, mas não conseguiu alcançá-la.

Ela caiu, retorceu-se, ergueu o olhar para aqueles olhos amarelos.Ele aterrissou sobre ela, fazendo-a estirar-se no chão com os joelhos, prendendo-a.

Seus olhos se encontraram

— Jonas! — berrou ela.

Ele abriu-se em um sorriso amplo, hediondo, as presas pingando, a fronte enrugada com risada maldosa. A espada ergueu-se bem alto sobre a sua cabeça.

— Jonas — disse ela, estendendo a mão aberta na direção da cara retorcida — PARE!

A espada permaneceu acima da cabeça do demônio. Os olhos se estreitaram. Você é minha!

Ela ergueu-se sobre um cotovelo. Estava adquirindo nova coragem.

Não sou sua! Pertenço a Jesus! Não... não, Sally Roe!

Ela ficou pasmada. A espada oscilou acima da cabeça do demônio. Ele não conseguia abaixá-la. Ela falou novamente.

Eu pertenço a Jesus agora; ele pagou por meus pecados com o seu sangue, e você já não pode atormentar-me!

Farei o que quiser! Vou matá-la! De repente, o demônio não parecia muito convincente.

— O meu Senhor o derrotou!

Destruidor colocou-se de pé num tropeção, segurando frouxamente a espada, seus olhos perdendo o seu fogo.

— Saia da minha vida, Jonas! Para sempre! Está ouvindo?

BUM! Tal veio com um golpe que fez Destruidor sair rodopiando. O demônio negro endireitou-se e segurou a espada de prontidão. Guilo veio do lado e atacou-o novamente com um choque de lâminas e explosões de luz.

— A mulher me pertence! — rugiu Destruidor.

— Ela e nossa! — disse Tal.

A voz de Sally veio num berro desesperado, cortando a distancia:

— Eu pertenço a Jesus! Jonas, eu renuncio a você! Você não tem direitos sobre mim! Saia da minha vida!

As palavras atingiram Destruidor como setas envenenadas. Então uma revelação o atingiu como uma salva de artilharia, e Destruidor ficou imóvel, enfrentando seu arquiinimigo, o Capitão do Exército.

— Você sabia, Capitão do Exército! Sabia que ela faria isso comigo, conosco!

Tal segurou a espada de prontidão, mas respondeu:

— Eu sabia o que você faria com ela; que você fora designado para destruí-la.

A boca de Destruidor escancarou-se, e as presas se secaram.

Você a colocou lá, em Baskon?— E você tentou matá-la, como sempre! Destruidor começou a murchar.

— Ela... era minha, desde a sua juventude!

— Nossa, do nosso Senhor — disse Tal — desde o ventre de sua mãe.

— Saia da minha vida, Jonas! — bradou Sally. — Jesus o venceu — portanto, dê o fora!

A espada tremeu na mão de Destruidor.

— Ela me tomou o nome!

Com um rugido agoniado e uma última explosão de fúria, o demônio enfraquecido mergulhou sobre Tal, trazendo a espada para baixo num arco flamejante. Tal aparou o golpe, espetou, deixou que ele continuasse vindo. A espada vermelha arqueou pelo lado, veio novamente, cortou os ares. Tal desviou-se, golpeou-a para o lado com força suficiente para desequilibrar o demônio. Então atirou um chute estonteante ao flanco do demônio, sacudindo-o, derrubando-o. O demônio retorceu-se no lugar, atacou-o; Tal revidou aquele ataque desajeitado facilmente, depois abaixou sua própria lâmina num arco fulgurante.

O ar encheu-se de fumaça vermelha. Destruidor gemeu como uma sirene lúgubre, agarrando a abertura em seu lado, flutuando, murchando, sumindo. Ele empurrou-se para trás com um pé, pairando sobre asas erráticas. Tal voltou-se para mais um golpe, mas não seria necessário. Enquanto os olhos do demônio se fixavam sobre ele, vermelhos-rubi, esbugalhados de ódio, as asas silenciaram-se.

Com os lábios moribundos, tateantes, formando uma maldição silen­ciosa, a coisa caiu para a frente, expirando enxofre, e deslizou para o esquecimento.

A floresta estava subitamente quieta. Agora Tal podia ouvir o choro sufocado de Sally Roe. Ele embainhou a espada.

Ela estava ali perto, deitada de bruços na terra, chorando, fisicamente exausta e emocionalmente esgotada. Guilo estava sentado ao seu lado, as asas abertas sobre ela, acariciando-lhe a cabeça e falando-lhe palavras tranqüilizantes à alma. Tal aproximou-se em silêncio, ajoelhou-se ao lado deles, e abriu bem as asas ao alto, unindo-as às de Guilo a fim de formar um dossel para manter o mundo fora por algum tempo.

— Mais uma era de restrição — disse ele. — Ela a conseguiu por todos nós. — Ele tocou-lhe a cabeça, agora arranhada e suja, e disse suavemente: Acabou, Sally. Você venceu.

No vale abaixo, os sons de batalha continuavam — roncos, guinchos, choques, raios de luz como relâmpagos distantes. Mas eventualmente se acalmariam. O resultado era certo e apenas uma questão de tempo. No momento, eles permaneceram com ela.