Dois deles estavam
diretamente abaixo, mas invisíveis por trás de troncos e do mato cerrado; um terceiro
estava à sua esquerda, e ela já o tinha visto duas vezes, tão perto que ela
podia ver o demônio em seus olhos. O quarto estava silencioso e invisível a não
ser pelo assobio sinistro, intermitente, que permitia aos outros saber onde ele
estava.
Estavam chegando mais perto.
Ó Senhor Jesus, ajude-me a correr!
— Ei, quem é aquele lá? — perguntou um dos três visitantes.
Seus amigos esperavam ver
outra celebridade. O que viram foi um homem de cabelos prateados, de terno e
gravata, correndo como um louco através do jardim das ervas.
— Caras, estou apenas com uma
impressão...
Kholl, o peito ainda avermelhado do corte, tinha a maleta de Goring cheia com as cartas de Sally numa das mãos e as chaves do furgão na outra. Ele estava em pé ao lado do furgão, incapaz de encontrar a chave certa para abri-lo. Podia ver a chave da porta, mas ela ficava a cair de seus dedos e balançando da argola do chaveiro.
Guilo estava ao lado dele,
dando piparotes nas chaves com a ponta do dedo, fazendo-as dançar, escorregar, revirar,
e voltar-se em todas as direções menos na que Kholl queria que fossem.
Tal precipitou-se numa
rasante sobre o estacionamento com uma mensagem:
— Eles estão vindo!
— Esplêndido! — exclamou
Guilo.
Santinelli estava arquejante e quase perdendo os sentidos quando chegou ao estacionamento, mas a visão de Kholl segurando a maleta de Goring alimentou-lhe a fúria e sua fúria o fez continuar em frente. Ele chegou ao furgão em questão de segundos, apontando seu dedo trêmulo.
— Ficarei... com... elas! — arquejou
ele. Kholl sorriu zombeteiro.
— Huh? Está falando destas?
— Era uma grande piada para ele.Santinelli estava perdendo a aparência de
dignidade.
— Seu diabo! Como se atreve a
nos trair? Kholl ergueu a mão.
— Ei, quem é que ia trair
quem? Somos todos diabos, certo? O senhor
mesmo o disse. Estou levando estas como garantia: número um, para
garantir que serei pago, e número dois, para garantir que o senhor e eu
permaneçamos sempre amigos íntimos, de confiança!
Santinelli estava com mais
fúria que juízo, e agarrou a maleta. Kholl não estava disposto a soltá-la.
Guilo deixou que continuassem em frente e se atracassem. Estava esperando o momento certo.
— Muito bem. Já bastava.
Com a rebatida de sua mão
enorme, ele soltou a maleta. Ela bateu no asfalto, revirou duas vezes, depois
escancarou-se, atirando as cartas por toda a parte.
Santinelli, o advogado
dignificado, honrado, distinto e muito poderoso, agachou-se a fim da agarrar as
cartas, mas o mesmo fez o assassino Kholl, sedento de sangue, endemoninhado,
satanista. Eles caíram de joelhos, jogando um contra o outro, empunhando mais
depressa, empunhando mais, empurrando, acotovelando, agarrando, rasgando...
Até que chegaram aos pés.
Três pares de pés. Sapatos bonitos. Ternos bonitos. Três homens.
Um dos homens estendeu seu
distintivo. FBI.
Destruidor preparou-se para ouvir, mas dessa vez o Homem Forte não rugiu. Nem mesmo esmurrou Destruidor pelo aposento. Em vez disso, com a derrota nos olhos, ele olhou para cima e por toda a volta, apenas observando seu império ruir.
A nuvem de demônios estava
tão esfacelada a essa altura que a luz dos Céus estava recaindo sobre o
Instituto Summit em manchas alarmantemente grandes, transformando a
Conferência de Consciência Global em um desastre. Os médiuns não estavam
conseguindo fazer nenhuma leitura, as entidades espirituais dos canalizadores
não estavam falando, os cartomantes não se lembravam do que suas cartas
estavam dizendo, e cada "eu superior" no campus estava almoçando fora
e não atendia.
Enquanto isso, a notícia
corria pelo campus de que três agentes federais haviam acabado de prender
alguém e ainda estavam examinando os arredores. Algo grande estava caindo, e
poucos delegados tinham as mentes voltadas para seu próprio potencial oculto e
sua divindade, um encorajamento que os demônios podiam ter usado.Tudo isso já
era suficientemente inquietante, mas então outros espíritos começaram a chegar
de Baskon, do Centro Ômega, da Universidade Bentmore, e de outros centros de
poder demoníaco desintegrados pelas ondas espirituais de choque. Um a um, em
várias fases de desmembramento e machucadura, eles reviraram adentro do porão
do chalé, berrando, arranhando, usando as garras em busca de socorro,
respostas, alguém a quem culpar.
Terga, o Príncipe de Baskon,
estava murchando lentamente, e apontou ao Homem Forte com a mão que ainda prestava.
— Você trouxe isso sobre nós.
Você e o seu Plano ridículo! Corruptor, com apenas metade do tamanho original,
rolou pelo chão como um rato manco e proferiu sua acusação.
— Será que construímos nosso
império em Bentmore apenas para entregá-lo ao Exército dos Céus?
Barquit mantinha as asas
apertadas em torno de si, humilhado pela derrota e agora desarmado.
— Seu Plano! Sempre o seu Plano!
É por isso que jamais me avisaram de que a mulher viria aqui, ou que
havia uma emboscada armada contra meu principado?
Então, de toda a volta, das
bocas colmilhadas que babavam e cuspiam, veio a grande pergunta:
— Que providência tomou com
relação à mulher?
O Homem Forte tinha uma
resposta simples para todas as perguntas. Ele apontou Destruidor.
— Aí está o seu
traidor! Se ele a tivesse matado quando devia, não estaríamos nesta condição
hoje! Foi dele a idéia de capturar suas cartas, e agora o testemunho
dela está por escrito e nos derrota! Ele é o autor das perseguições que
não a destruíram, mas empurraram-na à Cruz.
A Cruz! Era tudo o que os
espíritos precisavam ouvir. Espadas apareceram.
— Você pagará por isto!
Destruidor encontrou seus
olhos assassinos com os olhos deles, desembainhou sua espada chamejante, e
retalhou o ar com fitas de luz vermelha.
— Então são melhores do que
eu? Mostrem-no agora!
Eles se deixaram ficar em
seus lugares, cuspindo nele e xingando-o de uma distância segura.
Ele esbravejou contra eles
enraivecido.
— Ao Abismo com todos vocês!
Eu terminarei o que comecei! O Homem Forte meneou a cabeça.
— Não vai, não, Destruidor.
Ela pertence ao Cordeiro. Ele a redimiu de nossas garras!
Destruidor cerrou os dentes e
rosnou:
— Terminarei!O Homem
Forte estendeu as asas à frente de Destruidor.
— Estamos nos retirando,
Destruidor, e os capangas de Kholl não irão com você. Sem homens para matar por
você, a mulher terá poder sobre você!
— Ela não sabe disso! — Destruidor
apontou a espada bem ao ventre do Homem Forte. — Terminarei o que comecei!
O Homem Forte estudou
Destruidor com olhos perscrutadores, e depois deu um passo para o lado. O
demônio endoidecido de ódio disparou para fora do chalé.
— Não o veremos mais — disse o Homem Forte. Ele
voltou-se para o ajuntamento ferido, esfarrapado.— Príncipes, estamos
restringidos! Aguardaremos uma ocasião melhor.
Numa explosão de asas negras,
jatos de enxofre e trilhas de fumaça vermelha, o Homem Forte e seus príncipes
espalharam-se em todas as direções saindo do Instituto Summit, abandonando-o
como um navio que afundava, deixando o clamor e a fumaça se encolherem na distância
atrás de si.
Sigam a mulher, sigam a mulher, peguem-na! Os espíritos do Vidoeiro Quebrado só pensavam na mulher e mantinham-se perto do chão em perseguição encarniçada, guiando e dando forças aos quatro assassinos que agora caminhavam debatendo-se e agarrando-se pela floresta à procura de sua presa fugitiva.
Lá! Os assassinos
descobriram-na, subindo com esforço um íngrime aterro, perdendo as forças,
tropeçando, caindo.
Lágrimas escorriam pelo rosto
de Sally; sua camisa estava grudada às costas, ensopada de suor. Ela trepou por
sobre umas pedras e depois deixou-se cair no chão, os pulmões arfando. Cada
músculo em seu corpo tremia e estremecia; suas pernas e braços já não conseguiam
mover-se. Ela não podia ver, não podia pensar; sentiu que estava sonhando.
Os demônios pularam nas costas dos assassinos. Matem-na! Matem-na! Piquem-na em pedacinhos!
Um som fragoroso fez-se ouvir
atrás deles. A floresta estava inundada de luz.
Atrás deles?
Alguns olharam para trás.
Berraram, e os outros também olharam para trás.
Eles já não podiam ver o
Instituto Summit, seu abrigo, sua fortaleza, tudo o que podiam ver era o
Exército Celestial!
Isolados! Presos numa
cilada!— Peguem-nos! — ordenou Tal.
Fumaça vermelha.
O assassino Número Um desmoronou ao chão, sem poder respirar. Não podia continuar subindo a montanha.
O assassino Número Dois,
pouco mais acima na subida, voltou-se ao ouvir o Número Um bater no chão.
— Ei, vamos lá!
O Número Um não respondeu.
Apenas queria respirar. O Número Três havia acabado de chegar a uma clareira e
podia ver o Instituto. Ele assobiou para os outros.
— Olhem! Parecem os agentes
federais lá embaixo! Eles pegaram Kholl! O Número Quatro viu a mulher cair
atrás de umas pedras. Ele tomou a
faca na mão. Estava quase lá.
Pausou apenas um momento para olhar para trás, e então praguejou. É Kholl
mesmo!
Dali de cima, o Instituto
Summit parecia um modelo de si próprio, com fileiras certinhas de carros de
brinquedo alinhados no estacionamento de asfalto e telhados rústicos de
fasquias de madeira aninhados entre as árvores. Kholl não era difícil de
reconhecer, cambaleando entre dois homens de terno, com a frente da camisa toda
vermelha e as mãos às costas. Aquele sujeito atrás dele tinha de ser
Santinelli, sendo empurrado pelo terceiro homem. Não havia sinal de Goring, mas
só ver aquilo já era o suficiente.
— Até logo — disse o Número
Três, voltando a descer a montanha. O Número Um seguiu-o.
— Vamos à cidade. Roubarei um
carro. Houve acordo imediato.
Sally não os ouviu partir.
Ela ficou deitada entre as pedras num desmaio total. Os satanistas haviam
chegado a apenas um metro e pouco do seu esconderijo antes de voltar.
Em Claytonville, o ex-sargento de polícia Haroldo Mulligan trancou a porta da frente da casa do legista Joey Parnell e colocou as chaves da casa de Parnell no bolso. Ele havia apenas passado pela residência de Parnell numa visita de negócios, mas não de negócios da policia. Mulligan estava vestido à paisana, e dirigia seu veículo particular, um Ford meio velho. Ele não se demorou por ali, mas entrou naquele Ford, saiu de ré pela entrada de carro, e afastou-se daquela vizinhança, daquela cidade, e, para todos os fins práticos, da existência. Jamais seria visto de novo.
Dentro de alguns dias, os
jornais noticiariam as misteriosas mortes a tiros de Parnell e sua esposa,
ambos encontrados mortos na residência Parnell, aparentemente de um pacto mútuo
de suicídio. literatura satânica seria encontrada na casa, juntamente com
evidência que ligava Parnell a diversos assassinatos não solucionados naquela
parte do estado.
Sally despertou sobressaltada e ficou rígida. Não se mova! Eles podem estar perto de você! Ela sufocou a respiração e permaneceu imóvel, ouvindo.
Não havia som algum exceto o
da brisa fria. As sombras estavam mais longas. Era a única maneira pela qual
ela podia saber que algum tempo se havia passado. Estava deitada entre umas
grandes pedras, as costas no chão. Ergueu a cabeça um tantinho. Estava com
frio.
Então sentiu medo.
Inflexível. Triturante. Crescente. Como passos atrás de si no escuro, como
alguma... alguma coisa escondida atrás da próxima curva fechada, como um
monstro rastejante, impossível de ser detido, que se aproximava enquanto ela
era incapaz de mover-se.
Ela sussurrou tão baixinho
que apenas os lábios formaram as palavras:
— Quem está aí?
OLHOS! Escamas! Negror,
poder, enxofre, ódio!
Ele postou-se alto diante dela,
um pesadelo tornado realidade, uma silhueta preta, muito elevada contra um céu
surrealista vermelho-sangue, os olhos amarelos esbugalhados olhando-a
maliciosamente, sem jamais piscar, sem jamais vacilar.
Ela sabia que ele estava ali.
Não era material, e olhos físicos não o podiam ver, mas ela havia recebido
visitações como essa antes, e sabia que era real. Ficou tensa, ergueu-se sobre
os cotovelos, elevando o olhar para ele enquanto ele baixava o olhar para ela,
o enxofre soprando em mechas sedosas de suas ventas, as presas à mostra
enquanto ele ria com deleite diabólico.
Ele falou com ela em sua
mente. Você me conhece.
Ela conhecia, e agora tinha
boa razão para estar aterrorizada. Ela empurrou-se para longe, contorcendo-se
para trás, usando as mãos e os cotovelos, muda, tremendo.
As palavras da coisa
latejavam-lhe na cabeça. Você me conhece, Sally Roe, e não escapará!
A enorme espada vermelha
desceu como um cutelo de açougueiro.
Tal ouviu o berro de Sally acima da batalha e gritou: — Guilo!
— IAHHH! veio a
resposta de Guilo enquanto ele arremetia do centro da nuvem desvanescente. Ele
também o ouvira.
Lado a lado, com asas
totalmente desfraldadas e deixando um rasto luminoso, eles mergulharam como
meteoros na montanha, rolaram abruptamente à direita, e então deixaram-se cair
dentro da floresta, iluminando os topos das árvores.
Sally revirou por cima das pedras e foi rolando pela encosta íngreme, os braços se debatendo, mandando para o alto folhas de pinheiro, terra e pedregulhos. O chão estava banhado de vermelho com a luz daquela enorme espada enquanto a coisa deslizava pela encosta atrás dela, asas abertas como um dossel. Ela podia ouvir seu resfolegar, o ondular de suas asas secas.
Ela parou, detida por uma
árvore.
VUUUPT! A espada cortou os ares mais uma vez. Sally
desviou-se, foi as trambolhões pela montanha, caiu e rolou novamente.
Tal inclinou-se à esquerda, Guilo à direita; eles golpeariam de lados opostos. Tal arremeteu encosta acima, o peito logo acima das pedras e do matagal, depois pôs as asas em concha, estirou os pés para diante à sua frente, e voltou atrás.
Ele podia ver Sally revirando
pela encosta com o espírito negro atacando-a como um abutre assassino, a
espada vermelha rebrilhando vez após vez. Além do espírito, ele viu Guilo como
uma bola de luz aproximando-se à toda. Tal içou a espada para trás, pronto para
atacar.
O espírito odioso os viu
chegando e ficou firme, pronto para o encontro. Eles vieram sobre ele como
dois trens em colisão. Com força incrível, ele os rebateu para o lado. Guilo
foi revirando encosta acima, tentado sair de um rodopio, enquanto Tal desceu a
montanha como uma bala de canhão, passando através de pinheiros e entre eles,
desaparecendo na espessa floresta lá em baixo.
Você é minha, disse o
espírito, e terminarei o que comecei!
— Não! — implorou Sally. Era
a única palavra que lhe vinha à mente.
ZING! A espada apanhou-a na perna. Ela caiu contra uma árvore
e depois ao chão. A espada desceu novamente, passando pertinho do seu ombro.
Luz brilhante! Dois cometas!
Guilo, vindo de cima, e Tal, vindo de baixo, chegando de novo!
Guilo golpeou primeiro. O
espírito rebateu-o para o lado, mas levou nas costas uma pancada estonteante da
espada de Tal e oscilou para diante antes de rodopiar e aparar a espada de Tal
com um golpe violento que mandou Tal adejando para dentro da floresta
novamente.
Guilo mergulhou e atingiu o
pescoço da coisa. Ela deu-lhe uma cotovelada que o mandou a diversos
quilômetros de distância.Tal endireitou-se, agarrou com força a espada, e
gritou: Sally Roe! Enfrente-o! Mande-o embora!
Sally não pareceu ouvir.
Estava gritando, tentando colocar-se de pé. A coisa saltou sobre ela,
enterrando nela as garras. Ela podia senti-las dilacerando-lhe a carne. Estava
engasgando com o hálito fétido. A coisa ergueu a espada de novo.
UUF! Um raio de luz passou por cima, e a coisa caiu para a frente.
Guilo volteou num círculo fechado e deu outra passada, e lá vinha Tal, descendo
do alto em linha reta.
O espírito colocou-se de pé e
enfrentou-os de cabeça, olhos desvairados, espada pronta. Guilo veio por
baixo; a coisa chutou-o para o lado. Tal caiu de cima; ela rebateu-o para
dentro dos topos das árvores.
Manifeste-se, Sally! disse
Tal.
— Saia da frente — rugiu a
coisa. — A mulher me pertence!
Dito isso, ele pisoteou com
seu pé preto, escamoso, a perna da mulher que fugia, prendendo-o ali.
Tal gritou:
— Ela é nossa — e
mergulhou em cima do demônio de novo, pelo menos para mantê-lo distraído.
Dessa vez suas espadas se
encontraram numa chuva de fagulhas. O choque fez Tal sair rodopiando.
Assuma a autoridade! disse
Tal.
Você é minha, Sally Roe! disse
o demônio.
— Não! — disse Sally. Ela
havia encontrado algumas palavras. — Eu pertenço a Jesus, o Filho de Deus!
Isso mesmo, isso mesmo,
isso mesmo! rugiu Guilo, arremetendo
através das árvores com fúria incrível.
Seu golpe derrubou o demônio
para trás. A coisa brandiu a espada ao redor, mas Guilo tirou o pé bem a tempo
e escapou.
Você não pertence a Jesus!
berrou o monstro. Ele jamais poderia amá-la!
Sally estava agitada, tateando
em busca das palavras certas.
— Jesus me ama! A Bíblia
assim o diz! — Um corinho infantil da escola dominical. Era tudo o que ela
sabia.
Tal marcou um ponto e mandou
o demônio revirando para dentro das árvores.
Sally saiu correndo para
salvar a vida, clamando:
— Jesus, ajude-me! Ajude-me!
O demônio recuperou-se e
rugiu atrás dela, as asas trovejando. Você arderá no Inferno comigo! Eu
mesmo a arrastarei para lá! Ele girou a espada para atingi-la, mas não
conseguiu alcançá-la.
Ela caiu, retorceu-se, ergueu
o olhar para aqueles olhos amarelos.Ele aterrissou sobre ela, fazendo-a estirar-se
no chão com os joelhos, prendendo-a.
Seus olhos se encontraram
— Jonas! — berrou ela.
Ele abriu-se em um sorriso
amplo, hediondo, as presas pingando, a fronte enrugada com risada maldosa. A
espada ergueu-se bem alto sobre a sua cabeça.
— Jonas — disse ela,
estendendo a mão aberta na direção da cara retorcida — PARE!
A espada permaneceu acima da
cabeça do demônio. Os olhos se estreitaram. Você é minha!
Ela ergueu-se sobre um
cotovelo. Estava adquirindo nova coragem.
— Não sou sua!
Pertenço a Jesus! Não... não, Sally Roe!
Ela ficou pasmada. A espada
oscilou acima da cabeça do demônio. Ele não conseguia abaixá-la. Ela falou
novamente.
— Eu pertenço a Jesus agora; ele pagou por meus pecados
com o seu sangue, e você já não pode atormentar-me!
Farei o que quiser! Vou
matá-la! De repente, o demônio não
parecia muito convincente.
— O meu Senhor o derrotou!
Destruidor colocou-se de pé
num tropeção, segurando frouxamente a espada, seus olhos perdendo o seu fogo.
— Saia da minha vida, Jonas!
Para sempre! Está ouvindo?
BUM! Tal veio com um golpe que fez Destruidor sair
rodopiando. O demônio negro endireitou-se e segurou a espada de prontidão.
Guilo veio do lado e atacou-o novamente com um choque de lâminas e explosões de
luz.
— A mulher me pertence!
— rugiu Destruidor.
— Ela e nossa! — disse
Tal.
A voz de Sally veio num berro
desesperado, cortando a distancia:
— Eu pertenço a Jesus! Jonas,
eu renuncio a você! Você não tem direitos sobre mim! Saia da minha vida!
As palavras atingiram
Destruidor como setas envenenadas. Então uma revelação o atingiu como uma salva
de artilharia, e Destruidor ficou imóvel, enfrentando seu arquiinimigo, o
Capitão do Exército.
— Você sabia, Capitão
do Exército! Sabia que ela faria isso comigo, conosco!
Tal segurou a espada de
prontidão, mas respondeu:
— Eu sabia o que você faria
com ela; que você fora designado para destruí-la.
A boca de Destruidor
escancarou-se, e as presas se secaram.
— Você a colocou lá,
em Baskon?— E você tentou matá-la, como sempre! Destruidor começou a murchar.
— Ela... era minha, desde
a sua juventude!
— Nossa, do nosso Senhor —
disse Tal — desde o ventre de sua mãe.
— Saia da minha vida, Jonas!
— bradou Sally. — Jesus o venceu — portanto, dê o fora!
A espada tremeu na mão de
Destruidor.
— Ela me tomou o nome!
Com um rugido agoniado e uma
última explosão de fúria, o demônio enfraquecido mergulhou sobre Tal, trazendo
a espada para baixo num arco flamejante. Tal aparou o golpe, espetou, deixou
que ele continuasse vindo. A espada vermelha arqueou pelo lado, veio novamente,
cortou os ares. Tal desviou-se, golpeou-a para o lado com força suficiente para
desequilibrar o demônio. Então atirou um chute estonteante ao flanco do
demônio, sacudindo-o, derrubando-o. O demônio retorceu-se no lugar, atacou-o;
Tal revidou aquele ataque desajeitado facilmente, depois abaixou sua própria
lâmina num arco fulgurante.
O ar encheu-se de fumaça
vermelha. Destruidor gemeu como uma sirene lúgubre, agarrando a abertura em seu
lado, flutuando, murchando, sumindo. Ele empurrou-se para trás com um pé,
pairando sobre asas erráticas. Tal voltou-se para mais um golpe, mas não seria
necessário. Enquanto os olhos do demônio se fixavam sobre ele, vermelhos-rubi,
esbugalhados de ódio, as asas silenciaram-se.
Com os lábios moribundos,
tateantes, formando uma maldição silenciosa, a coisa caiu para a frente,
expirando enxofre, e deslizou para o esquecimento.
A floresta estava subitamente
quieta. Agora Tal podia ouvir o choro sufocado de Sally Roe. Ele embainhou a
espada.
Ela estava ali perto, deitada de bruços na terra, chorando, fisicamente exausta e emocionalmente esgotada. Guilo estava sentado ao seu lado, as asas abertas sobre ela, acariciando-lhe a cabeça e falando-lhe palavras tranqüilizantes à alma. Tal aproximou-se em silêncio, ajoelhou-se ao lado deles, e abriu bem as asas ao alto, unindo-as às de Guilo a fim de formar um dossel para manter o mundo fora por algum tempo.
— Mais uma era de restrição —
disse ele. — Ela a conseguiu por todos nós. — Ele tocou-lhe a cabeça, agora
arranhada e suja, e disse suavemente: Acabou, Sally. Você venceu.
No vale abaixo, os sons de batalha
continuavam — roncos, guinchos, choques, raios de luz como relâmpagos
distantes. Mas eventualmente se acalmariam. O resultado era certo e apenas uma
questão de tempo. No momento, eles permaneceram com ela.