— Mulligan controla você,
não? — perguntou Marshall. Ele sabe a respeito daquele atropelamento do qual
você fugiu, e tem estado a usar isso a fim de intimidá-lo.
A porta não se fechou.
— Quem lhe contou acerca
disso?
— Uma fonte chegada ao
Departamento de Policia de Baskon. Você fez um trato com Mulligan, e ele o teve
em seu poder desde então. — A porta começou a fechar-se. Marshall falou
depressa. — Você atropelou uma aluna do colegial chamada... umm... Kelly Otis,
e Mulligan o encontrou, e você naquele momento trabalhava num caso de suspeita
de homicídio, uma mulher que estava de passagem por lá, e Mulligan fez um trato
com você: se falsificasse a causa da morte daquela mulher, ele deixaria o caso
de atropelamento e fuga passar. Estou certo até aqui?
A fresta da porta alargou-se
um tantinho mais.
— E o que é que deseja de
mim?
Marshall tentou parecer
compassivo apesar da urgência que fazia com que sua voz ficasse tensa.
— Quanto tempo mais quer que
isso continue? Você pode ser marionete deles pelo resto da vida, ou pode
ajudar-nos a dar um basta nisso.
Parnell ficou silencioso por
um momento. Então, abriu a porta o suficiente para dar passagem.
— Entrem antes que alguém os
veja.
A esposa de Parnell
encontrava-se ao lado dele. Era uma mulher de cabelos escuros, corpulenta e
parecia tão perturbada quanto o marido.
— Esta é Carol. Podemos falar
à vontade na frente dela; contei-lhe tudo.
— Gostariam de um cafezinho?
— perguntou ela mecanicamente. Estava claro que ela não sabia que outra coisa
fazer.
— Sim, obrigado — disse
Marshall, e Ben também aceitou.
— Vamos nos sentar na sala de
jantar — disse Parnell, guiando-os pela casa.
Eles se sentaram em torno de
uma grande mesa debaixo de um candelabro que produzia uma luz pálida. A
iluminação baixa, sombria parecia combinar com a disposição de Parnell; ele
parecia desgastado, cansado, no fim das forças.
Sem deixa ou pergunta, ele
começou a falar como se tivesse guardado essa história por anos.
— A mulher que estava de
passagem tinha trinta e dois anos de idade e se chamava Louise Barnes — não
tinha onde morar, era uma gari sem família. Foi encontrada morta no mato que
fica ao lado do Rio Snyder, cerca de dez quilômetros ao norte de Baskon.
Lembro-me perfeitamente dos detalhes porque desejo muito esquecê-los.Ele se
deteve a fim de reunir os pensamentos e controlar as emoções, depois continuou.
— O corpo dela foi encontrado
pendurado de um galho de árvore pelos tornozelos, o sangue drenado. Havia sinais
abundantes de assassinato bizarro, ritualista, nos quais não me alongarei. Os
caçadores que a encontraram haviam aparentemente assustado os assassinos, que
fugiram antes de poderem dispor totalmente do corpo.
— Recebi os restos mortais e
terminei a autópsia. Descobri que a causa da morte ela homicídio, naturalmente.
Mas então... como você já ouviu falar, envolvi-me num infortúnio perto do
colégio quando voltava para casa. Não vi a garota, Kelly Otis, até ela sair de
trás de uma árvore e chegar à rua, e... atropelei-a. Diminui a velocidade
apenas o suficiente para olhar, para ver que ela ainda estava viva, embora
machucada. Outras pessoas corriam para ajudá-la. Eu... simplesmente não podia
permitir que o incidente prejudicasse a minha carreira. Havia acabado de
conseguir o cargo de legista, e vocês sabem como é o mundo da política, quanto
uma reputação pode ser frágil. Fugi.
— O sargento Mulligan veio ao
meu gabinete no dia seguinte, e tivemos um encontro particular. Esperava que
ele me questionasse acerca do atropelamento, mas ele imediatamente perguntou-me
sobre o corpo de Louise Barnes e quais eram as minhas conclusões. Eu lhe disse,
e foi então que ele fez a oferta de deixar o incidente de atropelamento e fuga
passar, ser enterrado, se eu alterasse minhas conclusões e não reportasse a
verdadeira causa da morte.
Parnell apenas fixou o olhar
na mesa, o rosto sulcado de dor.
— Aceitei a oferta, registrei a causa da morte como
acidental, e foi a pior decisão da minha vida.
— Houve três assassinatos
rituais desde então pelo que estou sabendo, e estou certo de que muitos outros
dos quais ninguém jamais ficará sabendo. Dos três que me foram trazidos eu me
descartei depressa como mortes acidentais. Eram desconhecidos, possíveis
fugitivos. Eu tinha esperança de que ninguém desse pela falta deles, mas que
fossem simplesmente enterrados e esquecidos, e foi o que aconteceu.
— Mas, vejam, o sargento
Mulligan e seus amigos estariam a vigiar-me. Eu sabia que teria de oferecer um
desempenho satisfatório, e por isso, a cada assassinato que eu ocultava, caía
mais e mais profundamente sob o controle deles, e é assim que as coisas estão
no momento.
Marshall perguntou: — E quem
são essas pessoas? O que são?
Parnell enfiou a mão num
armário e tirou uma pasta, depois colocou-a fechada diante de si, as mãos
cruzadas descansando sobre ela. Carol trouxe o café e sentou-se ao lado do
marido, colocando-lhe a mão no braço e não dizendo nada.
— Se quiser dar-lhes um nome,
pode usar o termo Vidoeiro Quebrado.É um rotulo secreto que eles partilham
entre si. São um bando de bruxos, satanistas, ocultistas, seja lá o que quiser.
Estão ligados a centenas de outros grupos semelhantes por todo o pais. E se as
juntar, essas pessoas dispõem de um poder incrível, na maior parte através do
terror.
— E elas são responsáveis por
esses assassinatos rituais? Parnell olhou para o telefone dependurado na
parede.
— Você deveria saber que
neste exato momento eu posso apanhar esse telefone, chamar qualquer um de seis
números diferentes, e fazer com que vocês dois sejam mortos dentro de vinte e
quatro horas. A outra face disso, contudo, é que existem outros interessados
que podem fazer o mesmo chamado a meu respeito, e eu poderia estar morto com a
mesma rapidez, e pode muito bem ser que esteja se eles descobrirem que
conversei com vocês. Desconhecidos e pessoas que estão de passagem são usados
para sacrifícios rituais; pessoas conhecidas e cuja falta seria notada são...
Bem, arranjam-se acidentes fatais para elas.
— Pode nos dizer quem
pertence a esse bando? Parnell sacudiu a cabeça lentamente para enfatizar.
— Antes de tudo, não conheço
todos. Depois, não lhe diria mesmo que conhecesse. Posso apenas confirmar o que
você já sabe: que o sargento Mulligan está envolvido, e tem estado há anos.
Pelo que sei, ele e alguns outros homens da loja maçônica local examinaram o
Vidoeiro e acharam a transição muito fácil. Como ele tem tanto poder na cidade
e é o chefe do departamento que faz cumprir a lei, eles estavam muito dispostos
a incluí-lo.
— Pode confirmar Claire
Johanson? Parnell hesitou, e depois respondeu: — Sim.
— E o namorado dela, Jon
Schmidt?
— Sim, ele participa disso.
Ben quis saber
— E toda aquela gente envolvida
na comunidade do Círculo Vital? Estão ligados a isto?
Parnell sacudiu a cabeça
enfaticamente.
— Não é para eles saberem a
respeito da coisa. Toda aquela gente bem intencionada sendo puxada para dentro
do Círculo Vital está simplesmente sendo usada e manipulada; não têm a mínima
idéia de que no centro dele está o Vidoeiro Quebrado, e não têm a mínima idéia
do que seus líderes estão verdadeiramente tramando.
Marshall perguntou: — E Donna
Hemphile? Ela faz parte do Vidoeiro Quebrado?
— Creio que sim. É difícil
saber ao certo algumas vezes, pois eles escondem muito bem. — Parnell inspirou
a fim de mudar de marcha, depois abriu a pasta. — Aqui está o que realmente
querem saber, é tudo o que realmente quero contar-lhes.
Ele distribuiu o conteúdo da
pasta sobre a mesa à frente de Marshall e Ben. Com grande interesse, os dois
homens examinaram diversas fotos policiais e o prontuário de uma jovem e linda
mulher de cabelos pretos.
— Não é Sally Roe, obviamente
— disse Parnell. Ben reconheceu-a.
— A morta que encontramos no
barracão das cabras.
— Fiz uma investigação por
conta própria. O nome dela é Alicia Von Bauer, de vinte e sete anos, satanista,
membro do Vidoeiro Quebrado. Podem ver o que diz a sua ficha criminal:
mutilação de animais, nudez pública e comportamento pervertido, prostituição,
pornografia. Eu poderia acrescentar a essa lista assassinato ritualista, mas
quem poderia jamais prová-lo?
Marshall perguntou: — Então
você acha que este caso da Sally Roe era outro assassinato ritualista, ou pelo
menos uma tentativa?
— Exatamente. Está claro para
mim que a morte dela foi arranjada, e supostamente devia parecer ter sido
suicídio.
— É assim que foi registrado
pelo menos — disse Ben. Parnell assentiu com a cabeça.
— Com um serviço adicional
não previsto: a identificação do corpo de Alicia Von Bauer como se fosse o de
Sally Roe. Faço o que mandam, Sr. Cole. Mas obviamente, algo deu terrivelmente
errado, e tudo o que posso imaginar é que Sally Roe — ou alguma outra coisa —
subjugou a Von Bauer, e Roe escapou.
— Essa é a nossa teoria —
disse Ben. Ele apanhou a foto mais recente de Alicia Von Bauer para olhar mais
de perto. Os profundos olhos negros pareciam olhar fixamente da foto para ele.
Era esquisito.
Marshall perguntou: — Onde
está o corpo agora?
— Cremado. Fizemos isso assim
que foi possível.
— Dando sumiço na evidência?
— Exatamente.
Marshall não sabia se sua próxima
pergunta seria respondida.
— Dr. Parnell, temos bastante
razão para crer que essa tentativa de homicídio não e apenas um negócio do
Vidoeiro Quebrado. Que me diz do pessoal graúdo com quem Claire Johanson e Jon
Schmidt estão ligados? Essas pessoas teriam alguma coisa a ganhar?
— Acho que está no caminho
certo. Estou certo de que a ordem para o assassinato veio de alguém que está
mais acima.
— Como sabe?
Parnell chegou mesmo a sorrir
um tantinho.
— Porque foi a primeira vez
que vi o sargento Mulligan amedrontado. Não muito depois de eu ter recolhido o
corpo, Mulligan me chamou,perguntando se eu havia encontrado algum objeto de
uso pessoal no corpo, e eu não tinha. Dava para perceber que ele sofria pressão
de alguém muito acima, muito mais poderoso do que ele ou seus amigos do
Vidoeiro Quebrado. Estava desesperado o suficiente para me dizer o que deveria
procurar, algo que faltava e que deveria estar lá.
— É — relembrou Ben. —
Perguntei-lhe sobre isso. Alguém chegou mesmo a revistar a casa de aluguel.
— E o que havia sumido? —
perguntou Marshall.
— Um anel de ouro — respondeu
Parnell. - Alguém o tirou do dedo da Von Bauer com óleo de cozinha.
Encontrei vestígios do óleo ainda no dedo da Von Bauer. A outra coisa que
faltava era dez mil dólares em dinheiro.
Marshall e Ben se
entreolharam. Os dois pensaram a mesma coisa. Ben expressou o pensamento.
— Alguém a contratou.
— Quem? — perguntou Marshall.
Parnell deu de ombros.
— Eu lhe aconselharia a
procurar alguém rico, influente, e muito poderoso.
Ben respondeu: — Uma toupeira
bem grande, Marshall.
Marshall não fez nenhum
comentário. Naquele momento ele sentia-se subjugado por um medo súbito,
arrepiante, que não sentia desde uns anos atrás em Ashton, quando parecia que
todo o mal do mundo estava para desabar sobre ele. Uma toupeira? De repente, a
analogia era inadequada. O que Marshall sentia era mais como um dragão, um
monstro — sombrio, insidioso, esperto, e grande o suficiente para encher o céu,
com mandíbulas abertas logo acima deles, caindo para a matança, comprimindo
como um torno.
Bem longe de Baskon, e ainda escondida de seus inimigos, Sally Roe estava sentada entre as estantes que iam do chão até o teto da biblioteca no centro de Henderson, flanqueada de todos os lados por guardas angelicais invisíveis, e folheando uma lista maciça dos advogados que pertenciam à Ordem Nacional dos Advogados. Ela tinha um palpite, apenas uma hipótese, mas em seu pensamento era a mais forte possibilidade.
Perto do seu cotovelo estava
o Volume IV das quatro listas que ela havia roubado da sala do professor Samuel
W. Lynch, cujo título completo era: Uma Continuação da História e Rol da
Real e Sagrada Ordem da Nação. Cada um dos quatro volumes continha cerca de
duzentas páginas. A maioria das páginas era dedicada a palavrório cerimonial
esquisito, esotérico, ritos e iniciações secretos, atas de reuniões e
diretrizes. Pelo menos cinqüenta páginas em cada volume eram dedicadas aos
nomes dos membros. As páginas de nomes atraíam sua atenção por enquanto; ela
havia estado a examiná-las atentamente por horas.
Sally tinha agora outro
volume atravessado sobre o Volume IV a fim de mantê-lo aberto na página 68, A
168ª Irmandade de Iniciados. Como as 167 páginas neste e nos três volumes
que vinham antes, essa página enumerava os nomes dos novos membros que entraram
para a Ordem da Nação num ano particular, e continha duas colunas de quinze
nomes cada. A coluna da esquerda continha nomes bizarros, esotéricos como
Isenstar, Marochia e Pendorrot. A coluna da direita continha nomes verdadeiros,
alguns deles até conhecidos. No começo do último terço da coluna da esquerda,
ela havia encontrado o nome pelo qual tivera de olhar através das páginas
equivalentes a diversos anos: Exetor.
A princípio, Exetor era
apenas uma palavra misteriosa que ela encontrara gravada na parte de dentro do
anel que ela havia tirado do dedo da que quase fora sua assassina. Até ter
roubado e estudado as listas, a gravação não fazia sentido algum. Quando ela
finalmente encontrou a página 68 no Volume IV das listas, fez muito mais
sentido. Exetor era um nome ou título secreto, nono na lista de quinze.
Diretamente oposto ao nome Exetor, na coluna da direita, encontrava-se o
verdadeiro nome do homem que havia recebido o título.
"James Everett
Bardine."
James Bardine. Ele havia sido
iniciado na Sagrada Ordem da Nação juntamente com quatorze outros homens doze
anos antes, e ao ser iniciado havia recebido o nome secreto da Irmandade de
Exetor e o Anel de Fraternidade que trazia seu nome secreto.
Muito impressionante,
fantasmagórico mesmo, e nada de que se caçoar. A Nação podia ter sido apenas
outro grupo ou organização fraternal, alguma sociedade ou clube secreto onde
todos os velhos amigos podiam se reunir, ter um encontro secreto com seus
juramentos, apertos de mão, chapéus e rituais engraçados, e depois mandar para
baixo umas cervejas e fazer desordens. Quase toda cidade tinha um grupo ou
ordem secreta de algum tipo.
Mas a Nação ia além disso.
Ligava entre si uma porção de nomes conhecidos e dava-lhes pelo menos essa
sociedade em comum. Ela havia encontrado o nome de Samuel W. Lynch entre os 129
Iniciados da Irmandade — ele havia sido iniciado na Nação cinqüenta e um anos
antes, e como lhe havia mostrado em sua sala, ainda guardava seu querido Anel
de Fraternidade.
O segundo anel que estava com
ela — aquele que ela havia escondido dez anos antes debaixo do peitoril de
tijolo em Fairwood — trazia outro nome secreto, Gawaine, mas ela já sabia a
quem ele pertencia. Ela encontrou depressa o nome na posição sete, oposto ao
nome Gawaine, na 146a Irmandade dos Iniciados: Owen Jefferson
Bennett, iniciado trinta e quatro anos antes, quando estava no último ano da
Universidade Bentmore.
Caro e velho Owen. Havia
muitas coisas que ele jamais lhe havia contado.
Tudo isso era fascinante, naturalmente,
mas antes de toda e qualquer coisa na mente de Sally naquele momento estava o
nome de James Everett Bardine. A Nação era uma organização estritamente
masculina, mas uma mulher usava o anel dele. Qual era a conexão? Quem era
Bardine em primeiro lugar?
Talvez fosse a presente ação
judicial que causava tanta onda em Baskon que a fez achar que Bardine podia ser
um advogado; talvez fosse o fato de que a Nação parecia não ter gente comum,
operários, entre seus membros, mas apenas banqueiros, homens de negócios,
educadores, advogados e estadistas — fornecedores de poder.
Qualquer que fosse o caso,
ela agora estreitava sua busca na secção "B" dos membros da Ordem dos
Advogados, e estava chegando cada vez mais perto.
Barcliff... Barclyde...
Barden... Bardetti... Bardine. James Everett Bardine.
Em cima. O sujeito era
advogado. A lista era atualizada, publicada aquele ano. Bardine trabalhava para
uma grande firma de advocacia em Chicago: Evans, Santinelli, Farnsworth e
McCutcheon. Eles eram membros da Associação dos Cidadãos Americanos em prol da
Liberdade.
Sally teve de recostar-se e
pensar sobre isso. James Bardine é membro da ACAL... A ACAL está movendo essa
ação judicial contra a escola... A assassina usava o anel de Bardine.
Será que isso significava uma
conexão entre a ACAL e a quase-assassina? Sally achava que sim. Ela estaria
examinando outros nomes, com certeza. Não podia esperar para escrever a Tom e
contar-lhe.
Mas quem poderia ser aquela
demoníaca mulher de preto?
Na manhã de sexta-feira, o pastor Mark Howard conseguiu passar através da ruidosa, movimentada, azafamada Fábrica de Portas Bergen, com óculos e tampões de ouvido protetores no lugar, desviando-se da empilhadeira, dando a volta ao redor de portas sendo empilhadas, lixadas, e movidas de lugar. Ele engajou um supervisor de prancheta na mão numa conversa breve, gritada, e ficou sabendo onde encontrar o cubículo que era o escritório de Donna Hemphile, Supervisora de Acabamento. Mark podia ver Donna através da parede de vidro. Ele adiantou-se e bateu de leve na porta.
— Sim, entre!
Mark entrou.Donna Hemphile
girou na cadeira de sua escrivaninha e estendeu a mão.
— Ei, Mark! Que surpresa! O
que o traz aqui?
Mark não tinha tempo para
frases doces-e-fáceis, para ficar arrodeando.
— Umas questões bem sérias,
Donna. Donna olhou pata o relógio.
— Bem, sabe, tenho de sair
daqui até...
— Já falei com o Sr. Bergen.
Ele pôs outra pessoa para cuidar daquela nova serra de fita. Ele disse que eu
podia ter uma hora para conversar com você.
Donna teve de digerir aquilo
por um momento, e então relaxou e se recostou na cadeira.
— Muito bem. Sente-se.
Mark girou a única outra
cadeira e sentou-se de frente para Donna.
— Tenho estado a correr por
toda a cidade desde quarta-feira à noite, tentando descobrir algumas coisas, e
não tenho dormido muito. Você sabe o tipo de problemas que temos tido na igreja
desde que essa ação judicial surgiu. Tenho-me sentido como um marujo tentando
remendar os vazamentos num navio que está afundando antes que ele vá de vez
para o fundo.
Donna assentiu com a cabeça.
— É, tem sido duro.
— De qualquer forma, finalmente
reuni três famílias para uma conferência: os Warings, os Jessups e os
Walroths. Acho que foi uma reunião bem boa. Ed e Judy Waring ainda estão
descontentes, mas os Jessups e os Walroths podem estar mudando de idéia. — Mark
pausou. Ia mudar de rumo. — Mas eu queria perguntar-lhe a respeito de uma coisa
que todos me disseram, e, sabe, sobre a qual nunca pensei antes disto. Você
está na corrente de oração, e o seu nome vem antes dos nomes dos Jessups, dos
Walroths e dos Warings.
— Mm-hm. — Donna apenas ficou
ali sentada, ouvindo. Mark investiu objetivamente.
— Por isso, deixe-me
perguntar-lhe francamente: Você disse a June Walroth que Tom Harris surra a
filha Rute e é por isso que ele a veste com mangas compridas tantas vezes?
Donna deu uma risada ao ouvir
isso.
— Não.
— Você disse a Judy Waring
que Cathy e eu temos problemas conjugais porque fui infiel e tive um caso há
muitos anos?
Donna sorriu e meneou a
cabeça.
— Não.
— Você disse a Ed Waring que
a escola estava bastante endividada porque Tom e a Sra. Fields roubavam o
dinheiro da escola?
— Não.— Você disse a Andréa
Jessup que Tom tem tido sérios problemas com desvios sexuais desde que Cindy
morreu?
— Não.
Mark achava as respostas
extremamente breves de Donna um tanto chocantes.
— Você não tem nenhum outro
comentário sobre tudo isto? Donna sorriu e meneou a cabeça em aparente
incredulidade.
— Por que eu deveria dizer
alguma coisa, Mark? Essa gente está fofocando. Esse é o tipo de coisa que
inventariam.
— Por que você acha que todos
eles deram a mesma fonte para a informação que tinham?
Ela jogou as mãos para o
alto.
— Sei lá. Devem ter algo
contra mim, não sei. Então... o que mais você tem na lista?
— Bem... alguém que nem vai à
nossa igreja. Kyle Krantz, o rapazinho que foi despedido terça-feira por estar
com maconha no armário.
Ao ouvir isso, Donna rolou os
olhos
— Minha nossa!
— Bem, ele tem uma história
interessante para contar, e, sabe, muito do que ele tem a dizer foi confirmado.
Acho que você conhece o lado dele da história, certo? De que alguém colocou
aquele pacote de maconha no armário dele para incriminá-lo?
— Oh, sim, já a ouvi, sim.
Ele podia ter arrumado algo mais original. Todos os garotos usam essa desculpa.
— Eu também já a ouvi antes,
de Ben Cole. Alguém colocou maconha confiscada no armário dele na delegacia, e
Mulligan o demitiu. Naturalmente, foi Mulligan, de acordo com Kyle, que veio à
fábrica aqui e fez um trato com Kyle e não o autuou por posse de droga, não
foi?
— Essa parte da coisa não me
diz respeito. Apenas mandei-o embora seguindo a política da companhia.
Mark falou mais devagar para
dar ênfase
— Kyle diz que Mulligan lhe
disse que deixaria a coisa passar se Kyle ficasse de boca fechada com relação a
certas coisas que sabia.
Donna ficou um tanto tensa.
— Bem, escute, Mark. O que
acontece aqui nesta fábrica é minha responsabilidade, e você nada tem a ver com
isso.
Mark não voltou atrás, mas
continuou.
— Alguém matou o cachorro de
Kyle também; abriram-no e o deixaram no banco da frente do carro dele. Talvez
tentassem dar-lhe um pequeno lembrete de que deveria cuidar-se.
Donna apoiou o cotovelo na escrivaninha,
colocou a mão debaixo da face, e tentou por todos os modos parecer ser
pacientemente indulgente com um ministro infantil, presunçoso e super
imaginativo. Mark continuou.
— Isso em si já foi
esquisito, e não sei se teria acreditado em Kyle se algo semelhante não nos
tivesse acontecido, bem na igreja. Na segunda-feira de manhã, alguém borrifou
sangue de cabra na porta da frente e deixou duas pernas de cabra cruzadas sobre
a entrada. Foi algum tipo de despacho, ou talvez um aviso, não sei Mas no dia
anterior, na manhã de domingo, Ben Cole foi ao sítio dos Potters investigar a
morte de uma cabra que pertencia antes a Sally Roe. Todo o sangue havia sido
drenado, e as portas haviam sido removidas.
— Então, segundo Kyle,
naquele domingo à noite, ele e um amigo estavam no sítio dos Bensons e viram um
bando de bruxos conduzindo um ritual no celeiro, e imagine só — os bruxos, ou
satanistas, seja lá o que forem, bebiam sangue de cabra, e colocados num
círculo feito em torno de duas outras pernas de cabra, clamavam pela derrota
dos cristãos e pela morte de Sally Roe.
Isso finalmente evocou pelo
menos um pequeno comentário de Donna Hemphile.
— É, isso é bem extravagante.
Mark atingiu-a em cheio com a próxima sentença.
— E Kyle diz que você estava
lá, que fazia parte do grupo que conduzia o ritual, juntamente com o sargento
Mulligan, Claire Johanson e Jon Schmidt, provavelmente os piores inimigos de
Tom Harris e da nossa igreja no momento.
Donna nada disse. Apenas
reclinou-se na cadeira e continuou ouvindo surpreendentemente desinteressada.
— Também averiguamos a
história com o amigo de Kyle e lhe fizemos um teste bem completo com algumas
fotos que Marshall tinha das pessoas que Kyle alegava que haviam estado
presentes, bem como fotografias de pessoas que não haviam estado lá, e umas
informações falsas que alegamos nos ter sido dadas por Kyle. O amigo confirmou
todos os detalhes. Estou convencido de que temos duas testemunhas de confiança.
— É uma história bem maluca —
relembrou-lhe Donna.
— Bem... depois de tudo pelo
que passamos, e tudo que temos visto e aprendido, não é tão maluca assim. É
repugnante, é trágica, é chocante, mas neste ponto acho incontrovertida,
especialmente visto que Mulligan — e talvez você mesma — se rebaixaram a tais
táticas de terror e intimidação a fim de manter os garotos calados a respeito.
— Donna não parecia ter qualquer comentário a fazer sobre isso, mas Mark não
esperou por um. — Donna, você disse que o que acontece aqui na fábrica é
responsabilidade sua, e que nada tenho a ver com isso. Bem, o que acontece na
minha igreja é minha responsabilidade, por isso deixe-me apenas fazer uma pergunta
direta: Você esteve no sítio dos Bensons na noite de domingo?
— Não — disse ela
simplesmente.— Você está envolvida em bruxaria ou ocultismo? — Não.
— Você está tentando destruir
a minha igreja com maledicência e divisão?
Ela deu uma risada, e a
risada tinha um toque de zombaria.
— Claro que não. Ei, vocês
estão passando por tempos difíceis. Se não ficarem unidos, não sobreviverão.
— E que me diz de Sally Roe?
— Nunca ouvi falar dela.
Uma pergunta não planejada
ocorreu a Mark.
— E a assistente social do DPC
que tomou os filhos de Tom, Irene Bledsoe? Ela está propositadamente trabalhando
contra nós, tentando destruir a reputação de Tom?
Donna riu.
— Ei, pelo que sei, ela está
apenas fazendo o trabalho dela. Se quer saber, acho que Tom está doente, e acho
que ela pode ver isso.
— E aquela vez em que viu Ben
Cole fazendo a primeira visita a Abby Grayson aqui na fábrica? Você contou isso
ao sargento Mulligan?
— Você quer saber se o dedei?
— Qualquer coisa assim.
— Eu não conheço realmente
Mulligan. Por que me incomodaria em contar-lhe a respeito de um de seus
próprios tiras?
Mark olhou para Donna e ela
devolveu-lhe o olhar. Não havia mais perguntas pendendo entre eles.
— Donna... você não mente
muito bem. Ela sorriu o mesmo sorriso sutil, zombeteiro.
— Ao contrário, Mark: — Você
aprovou o meu pedido de tornar-me membro da igreja.
Mark assentiu com a cabeça.
— Foi mesmo. Foi mesmo. — Ele
ouvira o bastante. — Bem, eu poderia usar o método bíblico e voltar com algumas
testemunhas para passar por tudo isto novamente com você, mas... o que acha?
Provavelmente não vale a pena, vale?
Donna apenas continuou a
sorrir.
— Não precisa, realmente.
O telefone tocou. Donna o
apanhou.
— Sim. Está bem. Já estou
indo. — Ela desligou. — Bem, desculpe, mas era o Sr. Bergen. Ele quer ter uma
reunião comigo imediatamente.
— Eu sei — disse Mark,
erguendo-se da cadeira. Ele mesmo abriu a porta e saiu pelo corredor. Donna o
seguiu de perto.
O escritório do Sr. Bergen
estava a meio do caminho no andar de cima. Mark olhou pelo vidro; Abby Grayson,
Kyle Krantz, Billy, o amigo de Kyle, e Marshall Hogan já haviam estado ali uma
porção de tempo. O Sr. Beigen,um homem de aparência severa de seus sessenta e
poucos anos de idade, andava de um lado para outro no escritório, esperando
impaciente, visivelmente zangado.
Mark abriu a porta um
tantinho e enfiou a cabeça pela fresta o tempo suficiente para atrair a atenção
do Sr. Bergen. Bergen olhou imediatamente em sua direção; esperava por ele.
— É tudo verdade — disse
Mark.
Em seguida, ele fechou a porta
e continuou em frente, pausando apenas o tempo suficiente de olhar para trás e ver
Donna Hemphile entrar no escritório do chefe.