terça-feira, 8 de junho de 2021

Este mundo tenebroso - parte 2 - capítulo 36


 Aquela noite, Marshall e Ben encontraram o legista muni­cipal Joey Parnell em casa, em Westhaven. Como sempre, ele não se mostrou contente em vê-los, nem estava disposto a bater um papo.— Agora saiam daqui e não voltem! — ordenou ele através da abertura de uma fresta da porta da frente.

— Mulligan controla você, não? — perguntou Marshall. Ele sabe a respeito daquele atropelamento do qual você fugiu, e tem estado a usar isso a fim de intimidá-lo.

A porta não se fechou.

— Quem lhe contou acerca disso?

— Uma fonte chegada ao Departamento de Policia de Baskon. Você fez um trato com Mulligan, e ele o teve em seu poder desde então. — A porta começou a fechar-se. Marshall falou depressa. — Você atropelou uma aluna do colegial chamada... umm... Kelly Otis, e Mulligan o encontrou, e você naquele momento trabalhava num caso de suspeita de homicídio, uma mulher que estava de passagem por lá, e Mulligan fez um trato com você: se falsificasse a causa da morte daquela mulher, ele deixaria o caso de atropelamento e fuga passar. Estou certo até aqui?

A fresta da porta alargou-se um tantinho mais.

— E o que é que deseja de mim?

Marshall tentou parecer compassivo apesar da urgência que fazia com que sua voz ficasse tensa.

— Quanto tempo mais quer que isso continue? Você pode ser marionete deles pelo resto da vida, ou pode ajudar-nos a dar um basta nisso.

Parnell ficou silencioso por um momento. Então, abriu a porta o suficiente para dar passagem.

— Entrem antes que alguém os veja.

A esposa de Parnell encontrava-se ao lado dele. Era uma mulher de cabelos escuros, corpulenta e parecia tão perturbada quanto o marido.

— Esta é Carol. Podemos falar à vontade na frente dela; contei-lhe tudo.

— Gostariam de um cafezinho? — perguntou ela mecanicamente. Estava claro que ela não sabia que outra coisa fazer.

— Sim, obrigado — disse Marshall, e Ben também aceitou.

— Vamos nos sentar na sala de jantar — disse Parnell, guiando-os pela casa.

Eles se sentaram em torno de uma grande mesa debaixo de um candelabro que produzia uma luz pálida. A iluminação baixa, sombria parecia combinar com a disposição de Parnell; ele parecia desgastado, cansado, no fim das forças.

Sem deixa ou pergunta, ele começou a falar como se tivesse guardado essa história por anos.

— A mulher que estava de passagem tinha trinta e dois anos de idade e se chamava Louise Barnes — não tinha onde morar, era uma gari sem família. Foi encontrada morta no mato que fica ao lado do Rio Snyder, cerca de dez quilômetros ao norte de Baskon. Lembro-me perfeitamente dos detalhes porque desejo muito esquecê-los.Ele se deteve a fim de reunir os pensamentos e controlar as emoções, depois continuou.

— O corpo dela foi encontrado pendurado de um galho de árvore pelos tornozelos, o sangue drenado. Havia sinais abundantes de assassinato bizarro, ritualista, nos quais não me alongarei. Os caçadores que a encon­traram haviam aparentemente assustado os assassinos, que fugiram antes de poderem dispor totalmente do corpo.

— Recebi os restos mortais e terminei a autópsia. Descobri que a causa da morte ela homicídio, naturalmente. Mas então... como você já ouviu falar, envolvi-me num infortúnio perto do colégio quando voltava para casa. Não vi a garota, Kelly Otis, até ela sair de trás de uma árvore e chegar à rua, e... atropelei-a. Diminui a velocidade apenas o suficiente para olhar, para ver que ela ainda estava viva, embora machucada. Outras pessoas corriam para ajudá-la. Eu... simplesmente não podia permitir que o incidente prejudicasse a minha carreira. Havia acabado de conseguir o cargo de legista, e vocês sabem como é o mundo da política, quanto uma reputação pode ser frágil. Fugi.

— O sargento Mulligan veio ao meu gabinete no dia seguinte, e tivemos um encontro particular. Esperava que ele me questionasse acerca do atropelamento, mas ele imediatamente perguntou-me sobre o corpo de Louise Barnes e quais eram as minhas conclusões. Eu lhe disse, e foi então que ele fez a oferta de deixar o incidente de atropelamento e fuga passar, ser enterrado, se eu alterasse minhas conclusões e não reportasse a verdadeira causa da morte.

Parnell apenas fixou o olhar na mesa, o rosto sulcado de dor.

Aceitei a oferta, registrei a causa da morte como acidental, e foi a pior decisão da minha vida.

— Houve três assassinatos rituais desde então pelo que estou sabendo, e estou certo de que muitos outros dos quais ninguém jamais ficará sabendo. Dos três que me foram trazidos eu me descartei depressa como mortes acidentais. Eram desconhecidos, possíveis fugitivos. Eu tinha espe­rança de que ninguém desse pela falta deles, mas que fossem simplesmente enterrados e esquecidos, e foi o que aconteceu.

— Mas, vejam, o sargento Mulligan e seus amigos estariam a vigiar-me. Eu sabia que teria de oferecer um desempenho satisfatório, e por isso, a cada assassinato que eu ocultava, caía mais e mais profundamente sob o controle deles, e é assim que as coisas estão no momento.

Marshall perguntou: — E quem são essas pessoas? O que são?

Parnell enfiou a mão num armário e tirou uma pasta, depois colocou-a fechada diante de si, as mãos cruzadas descansando sobre ela. Carol trouxe o café e sentou-se ao lado do marido, colocando-lhe a mão no braço e não dizendo nada.

— Se quiser dar-lhes um nome, pode usar o termo Vidoeiro Quebrado.É um rotulo secreto que eles partilham entre si. São um bando de bruxos, satanistas, ocultistas, seja lá o que quiser. Estão ligados a centenas de outros grupos semelhantes por todo o pais. E se as juntar, essas pessoas dispõem de um poder incrível, na maior parte através do terror.

— E elas são responsáveis por esses assassinatos rituais? Parnell olhou para o telefone dependurado na parede.

— Você deveria saber que neste exato momento eu posso apanhar esse telefone, chamar qualquer um de seis números diferentes, e fazer com que vocês dois sejam mortos dentro de vinte e quatro horas. A outra face disso, contudo, é que existem outros interessados que podem fazer o mesmo chamado a meu respeito, e eu poderia estar morto com a mesma rapidez, e pode muito bem ser que esteja se eles descobrirem que conversei com vocês. Desconhecidos e pessoas que estão de passagem são usados para sacrifícios rituais; pessoas conhecidas e cuja falta seria notada são... Bem, arranjam-se acidentes fatais para elas.

— Pode nos dizer quem pertence a esse bando? Parnell sacudiu a cabeça lentamente para enfatizar.

— Antes de tudo, não conheço todos. Depois, não lhe diria mesmo que conhecesse. Posso apenas confirmar o que você já sabe: que o sargento Mulligan está envolvido, e tem estado há anos. Pelo que sei, ele e alguns outros homens da loja maçônica local examinaram o Vidoeiro e acharam a transição muito fácil. Como ele tem tanto poder na cidade e é o chefe do departamento que faz cumprir a lei, eles estavam muito dispostos a incluí-lo.

— Pode confirmar Claire Johanson? Parnell hesitou, e depois respondeu: — Sim.

— E o namorado dela, Jon Schmidt?

— Sim, ele participa disso. Ben quis saber

— E toda aquela gente envolvida na comunidade do Círculo Vital? Estão ligados a isto?

Parnell sacudiu a cabeça enfaticamente.

— Não é para eles saberem a respeito da coisa. Toda aquela gente bem intencionada sendo puxada para dentro do Círculo Vital está simplesmen­te sendo usada e manipulada; não têm a mínima idéia de que no centro dele está o Vidoeiro Quebrado, e não têm a mínima idéia do que seus líderes estão verdadeiramente tramando.

Marshall perguntou: — E Donna Hemphile? Ela faz parte do Vidoeiro Quebrado?

— Creio que sim. É difícil saber ao certo algumas vezes, pois eles escondem muito bem. — Parnell inspirou a fim de mudar de marcha, depois abriu a pasta. — Aqui está o que realmente querem saber, é tudo o que realmente quero contar-lhes.

Ele distribuiu o conteúdo da pasta sobre a mesa à frente de Marshall e Ben. Com grande interesse, os dois homens examinaram diversas fotos policiais e o prontuário de uma jovem e linda mulher de cabelos pretos.

— Não é Sally Roe, obviamente — disse Parnell. Ben reconheceu-a.

— A morta que encontramos no barracão das cabras.

— Fiz uma investigação por conta própria. O nome dela é Alicia Von Bauer, de vinte e sete anos, satanista, membro do Vidoeiro Quebrado. Podem ver o que diz a sua ficha criminal: mutilação de animais, nudez pública e comportamento pervertido, prostituição, pornografia. Eu pode­ria acrescentar a essa lista assassinato ritualista, mas quem poderia jamais prová-lo?

Marshall perguntou: — Então você acha que este caso da Sally Roe era outro assassinato ritualista, ou pelo menos uma tentativa?

— Exatamente. Está claro para mim que a morte dela foi arranjada, e supostamente devia parecer ter sido suicídio.

— É assim que foi registrado pelo menos — disse Ben. Parnell assentiu com a cabeça.

— Com um serviço adicional não previsto: a identificação do corpo de Alicia Von Bauer como se fosse o de Sally Roe. Faço o que mandam, Sr. Cole. Mas obviamente, algo deu terrivelmente errado, e tudo o que posso imaginar é que Sally Roe — ou alguma outra coisa — subjugou a Von Bauer, e Roe escapou.

— Essa é a nossa teoria — disse Ben. Ele apanhou a foto mais recente de Alicia Von Bauer para olhar mais de perto. Os profundos olhos negros pareciam olhar fixamente da foto para ele. Era esquisito.

Marshall perguntou: — Onde está o corpo agora?

— Cremado. Fizemos isso assim que foi possível.

— Dando sumiço na evidência?

— Exatamente.

Marshall não sabia se sua próxima pergunta seria respondida.

— Dr. Parnell, temos bastante razão para crer que essa tentativa de homicídio não e apenas um negócio do Vidoeiro Quebrado. Que me diz do pessoal graúdo com quem Claire Johanson e Jon Schmidt estão ligados? Essas pessoas teriam alguma coisa a ganhar?

— Acho que está no caminho certo. Estou certo de que a ordem para o assassinato veio de alguém que está mais acima.

— Como sabe?

Parnell chegou mesmo a sorrir um tantinho.

— Porque foi a primeira vez que vi o sargento Mulligan amedrontado. Não muito depois de eu ter recolhido o corpo, Mulligan me chamou,perguntando se eu havia encontrado algum objeto de uso pessoal no corpo, e eu não tinha. Dava para perceber que ele sofria pressão de alguém muito acima, muito mais poderoso do que ele ou seus amigos do Vidoeiro Quebrado. Estava desesperado o suficiente para me dizer o que deveria procurar, algo que faltava e que deveria estar lá.

— É — relembrou Ben. — Perguntei-lhe sobre isso. Alguém chegou mesmo a revistar a casa de aluguel.

— E o que havia sumido? — perguntou Marshall.

— Um anel de ouro — respondeu Parnell. - Alguém o tirou do dedo da Von Bauer com óleo de cozinha. Encontrei vestígios do óleo ainda no dedo da Von Bauer. A outra coisa que faltava era dez mil dólares em dinheiro.

Marshall e Ben se entreolharam. Os dois pensaram a mesma coisa. Ben expressou o pensamento.

— Alguém a contratou.

— Quem? — perguntou Marshall. Parnell deu de ombros.

— Eu lhe aconselharia a procurar alguém rico, influente, e muito poderoso.

Ben respondeu: — Uma toupeira bem grande, Marshall.

Marshall não fez nenhum comentário. Naquele momento ele sentia-se subjugado por um medo súbito, arrepiante, que não sentia desde uns anos atrás em Ashton, quando parecia que todo o mal do mundo estava para desabar sobre ele. Uma toupeira? De repente, a analogia era inadequada. O que Marshall sentia era mais como um dragão, um monstro — sombrio, insidioso, esperto, e grande o suficiente para encher o céu, com mandí­bulas abertas logo acima deles, caindo para a matança, comprimindo como um torno.

Bem longe de Baskon, e ainda escondida de seus inimigos, Sally Roe estava sentada entre as estantes que iam do chão até o teto da biblioteca no centro de Henderson, flanqueada de todos os lados por guardas angelicais invisíveis, e folheando uma lista maciça dos advogados que pertenciam à Ordem Nacional dos Advogados. Ela tinha um palpite, apenas uma hipótese, mas em seu pensamento era a mais forte possibilidade.

Perto do seu cotovelo estava o Volume IV das quatro listas que ela havia roubado da sala do professor Samuel W. Lynch, cujo título completo era: Uma Continuação da História e Rol da Real e Sagrada Ordem da Nação. Cada um dos quatro volumes continha cerca de duzentas páginas. A maioria das páginas era dedicada a palavrório cerimonial esquisito, esoté­rico, ritos e iniciações secretos, atas de reuniões e diretrizes. Pelo menos cinqüenta páginas em cada volume eram dedicadas aos nomes dos membros. As páginas de nomes atraíam sua atenção por enquanto; ela havia estado a examiná-las atentamente por horas.

Sally tinha agora outro volume atravessado sobre o Volume IV a fim de mantê-lo aberto na página 68, A 168ª Irmandade de Iniciados. Como as 167 páginas neste e nos três volumes que vinham antes, essa página enumerava os nomes dos novos membros que entraram para a Ordem da Nação num ano particular, e continha duas colunas de quinze nomes cada. A coluna da esquerda continha nomes bizarros, esotéricos como Isenstar, Marochia e Pendorrot. A coluna da direita continha nomes verdadeiros, alguns deles até conhecidos. No começo do último terço da coluna da esquerda, ela havia encontrado o nome pelo qual tivera de olhar através das páginas equivalentes a diversos anos: Exetor.

A princípio, Exetor era apenas uma palavra misteriosa que ela encon­trara gravada na parte de dentro do anel que ela havia tirado do dedo da que quase fora sua assassina. Até ter roubado e estudado as listas, a gravação não fazia sentido algum. Quando ela finalmente encontrou a página 68 no Volume IV das listas, fez muito mais sentido. Exetor era um nome ou título secreto, nono na lista de quinze. Diretamente oposto ao nome Exetor, na coluna da direita, encontrava-se o verdadeiro nome do homem que havia recebido o título.

"James Everett Bardine."

James Bardine. Ele havia sido iniciado na Sagrada Ordem da Nação juntamente com quatorze outros homens doze anos antes, e ao ser iniciado havia recebido o nome secreto da Irmandade de Exetor e o Anel de Fraternidade que trazia seu nome secreto.

Muito impressionante, fantasmagórico mesmo, e nada de que se ca­çoar. A Nação podia ter sido apenas outro grupo ou organização fraternal, alguma sociedade ou clube secreto onde todos os velhos amigos podiam se reunir, ter um encontro secreto com seus juramentos, apertos de mão, chapéus e rituais engraçados, e depois mandar para baixo umas cervejas e fazer desordens. Quase toda cidade tinha um grupo ou ordem secreta de algum tipo.

Mas a Nação ia além disso. Ligava entre si uma porção de nomes conhecidos e dava-lhes pelo menos essa sociedade em comum. Ela havia encontrado o nome de Samuel W. Lynch entre os 129 Iniciados da Irmandade — ele havia sido iniciado na Nação cinqüenta e um anos antes, e como lhe havia mostrado em sua sala, ainda guardava seu querido Anel de Fraternidade.

O segundo anel que estava com ela — aquele que ela havia escondido dez anos antes debaixo do peitoril de tijolo em Fairwood — trazia outro nome secreto, Gawaine, mas ela já sabia a quem ele pertencia. Ela encontrou depressa o nome na posição sete, oposto ao nome Gawaine, na 146a Irmandade dos Iniciados: Owen Jefferson Bennett, iniciado trinta e quatro anos antes, quando estava no último ano da Universidade Bent­more.

Caro e velho Owen. Havia muitas coisas que ele jamais lhe havia contado.

Tudo isso era fascinante, naturalmente, mas antes de toda e qualquer coisa na mente de Sally naquele momento estava o nome de James Everett Bardine. A Nação era uma organização estritamente masculina, mas uma mulher usava o anel dele. Qual era a conexão? Quem era Bardine em primeiro lugar?

Talvez fosse a presente ação judicial que causava tanta onda em Baskon que a fez achar que Bardine podia ser um advogado; talvez fosse o fato de que a Nação parecia não ter gente comum, operários, entre seus membros, mas apenas banqueiros, homens de negócios, educadores, advogados e estadistas — fornecedores de poder.

Qualquer que fosse o caso, ela agora estreitava sua busca na secção "B" dos membros da Ordem dos Advogados, e estava chegando cada vez mais perto.

Barcliff... Barclyde... Barden... Bardetti... Bardine. James Everett Bardine.

Em cima. O sujeito era advogado. A lista era atualizada, publicada aquele ano. Bardine trabalhava para uma grande firma de advocacia em Chicago: Evans, Santinelli, Farnsworth e McCutcheon. Eles eram membros da Associação dos Cidadãos Americanos em prol da Liberdade.

Sally teve de recostar-se e pensar sobre isso. James Bardine é membro da ACAL... A ACAL está movendo essa ação judicial contra a escola... A assassina usava o anel de Bardine.

Será que isso significava uma conexão entre a ACAL e a quase-assassina? Sally achava que sim. Ela estaria examinando outros nomes, com certeza. Não podia esperar para escrever a Tom e contar-lhe.

Mas quem poderia ser aquela demoníaca mulher de preto?

Na manhã de sexta-feira, o pastor Mark Howard conseguiu passar através da ruidosa, movimentada, azafamada Fábrica de Portas Bergen, com óculos e tampões de ouvido protetores no lugar, desviando-se da empilhadeira, dando a volta ao redor de portas sendo empilhadas, lixadas, e movidas de lugar. Ele engajou um supervisor de prancheta na mão numa conversa breve, gritada, e ficou sabendo onde encontrar o cubículo que era o escritório de Donna Hemphile, Supervisora de Acabamento. Mark podia ver Donna através da parede de vidro. Ele adiantou-se e bateu de leve na porta.

— Sim, entre!

Mark entrou.Donna Hemphile girou na cadeira de sua escrivaninha e estendeu a mão.

— Ei, Mark! Que surpresa! O que o traz aqui?

Mark não tinha tempo para frases doces-e-fáceis, para ficar arrodeando.

— Umas questões bem sérias, Donna. Donna olhou pata o relógio.

— Bem, sabe, tenho de sair daqui até...

— Já falei com o Sr. Bergen. Ele pôs outra pessoa para cuidar daquela nova serra de fita. Ele disse que eu podia ter uma hora para conversar com você.

Donna teve de digerir aquilo por um momento, e então relaxou e se recostou na cadeira.

— Muito bem. Sente-se.

Mark girou a única outra cadeira e sentou-se de frente para Donna.

— Tenho estado a correr por toda a cidade desde quarta-feira à noite, tentando descobrir algumas coisas, e não tenho dormido muito. Você sabe o tipo de problemas que temos tido na igreja desde que essa ação judicial surgiu. Tenho-me sentido como um marujo tentando remendar os vaza­mentos num navio que está afundando antes que ele vá de vez para o fundo.

Donna assentiu com a cabeça.

— É, tem sido duro.

— De qualquer forma, finalmente reuni três famílias para uma confe­rência: os Warings, os Jessups e os Walroths. Acho que foi uma reunião bem boa. Ed e Judy Waring ainda estão descontentes, mas os Jessups e os Walroths podem estar mudando de idéia. — Mark pausou. Ia mudar de rumo. — Mas eu queria perguntar-lhe a respeito de uma coisa que todos me disseram, e, sabe, sobre a qual nunca pensei antes disto. Você está na corrente de oração, e o seu nome vem antes dos nomes dos Jessups, dos Walroths e dos Warings.

— Mm-hm. — Donna apenas ficou ali sentada, ouvindo. Mark investiu objetivamente.

— Por isso, deixe-me perguntar-lhe francamente: Você disse a June Walroth que Tom Harris surra a filha Rute e é por isso que ele a veste com mangas compridas tantas vezes?

Donna deu uma risada ao ouvir isso.

— Não.

— Você disse a Judy Waring que Cathy e eu temos problemas conjugais porque fui infiel e tive um caso há muitos anos?

Donna sorriu e meneou a cabeça.

— Não.

— Você disse a Ed Waring que a escola estava bastante endividada porque Tom e a Sra. Fields roubavam o dinheiro da escola?

— Não.— Você disse a Andréa Jessup que Tom tem tido sérios problemas com desvios sexuais desde que Cindy morreu?

— Não.

Mark achava as respostas extremamente breves de Donna um tanto chocantes.

— Você não tem nenhum outro comentário sobre tudo isto? Donna sorriu e meneou a cabeça em aparente incredulidade.

— Por que eu deveria dizer alguma coisa, Mark? Essa gente está fofocan­do. Esse é o tipo de coisa que inventariam.

— Por que você acha que todos eles deram a mesma fonte para a informação que tinham?

Ela jogou as mãos para o alto.

— Sei lá. Devem ter algo contra mim, não sei. Então... o que mais você tem na lista?

— Bem... alguém que nem vai à nossa igreja. Kyle Krantz, o rapazinho que foi despedido terça-feira por estar com maconha no armário.

Ao ouvir isso, Donna rolou os olhos

— Minha nossa!

— Bem, ele tem uma história interessante para contar, e, sabe, muito do que ele tem a dizer foi confirmado. Acho que você conhece o lado dele da história, certo? De que alguém colocou aquele pacote de maconha no armário dele para incriminá-lo?

— Oh, sim, já a ouvi, sim. Ele podia ter arrumado algo mais original. Todos os garotos usam essa desculpa.

— Eu também já a ouvi antes, de Ben Cole. Alguém colocou maconha confiscada no armário dele na delegacia, e Mulligan o demitiu. Natural­mente, foi Mulligan, de acordo com Kyle, que veio à fábrica aqui e fez um trato com Kyle e não o autuou por posse de droga, não foi?

— Essa parte da coisa não me diz respeito. Apenas mandei-o embora seguindo a política da companhia.

Mark falou mais devagar para dar ênfase

— Kyle diz que Mulligan lhe disse que deixaria a coisa passar se Kyle ficasse de boca fechada com relação a certas coisas que sabia.

Donna ficou um tanto tensa.

— Bem, escute, Mark. O que acontece aqui nesta fábrica é minha responsabilidade, e você nada tem a ver com isso.

Mark não voltou atrás, mas continuou.

— Alguém matou o cachorro de Kyle também; abriram-no e o deixaram no banco da frente do carro dele. Talvez tentassem dar-lhe um pequeno lembrete de que deveria cuidar-se.

Donna apoiou o cotovelo na escrivaninha, colocou a mão debaixo da face, e tentou por todos os modos parecer ser pacientemente indulgente com um ministro infantil, presunçoso e super imaginativo. Mark continuou.

— Isso em si já foi esquisito, e não sei se teria acreditado em Kyle se algo semelhante não nos tivesse acontecido, bem na igreja. Na segunda-feira de manhã, alguém borrifou sangue de cabra na porta da frente e deixou duas pernas de cabra cruzadas sobre a entrada. Foi algum tipo de despacho, ou talvez um aviso, não sei Mas no dia anterior, na manhã de domingo, Ben Cole foi ao sítio dos Potters investigar a morte de uma cabra que pertencia antes a Sally Roe. Todo o sangue havia sido drenado, e as portas haviam sido removidas.

— Então, segundo Kyle, naquele domingo à noite, ele e um amigo estavam no sítio dos Bensons e viram um bando de bruxos conduzindo um ritual no celeiro, e imagine só — os bruxos, ou satanistas, seja lá o que forem, bebiam sangue de cabra, e colocados num círculo feito em torno de duas outras pernas de cabra, clamavam pela derrota dos cristãos e pela morte de Sally Roe.

Isso finalmente evocou pelo menos um pequeno comentário de Donna Hemphile.

— É, isso é bem extravagante. Mark atingiu-a em cheio com a próxima sentença.

— E Kyle diz que você estava lá, que fazia parte do grupo que conduzia o ritual, juntamente com o sargento Mulligan, Claire Johanson e Jon Schmidt, provavelmente os piores inimigos de Tom Harris e da nossa igreja no momento.

Donna nada disse. Apenas reclinou-se na cadeira e continuou ouvindo surpreendentemente desinteressada.

— Também averiguamos a história com o amigo de Kyle e lhe fizemos um teste bem completo com algumas fotos que Marshall tinha das pessoas que Kyle alegava que haviam estado presentes, bem como fotografias de pessoas que não haviam estado lá, e umas informações falsas que alegamos nos ter sido dadas por Kyle. O amigo confirmou todos os detalhes. Estou convencido de que temos duas testemunhas de confiança.

— É uma história bem maluca — relembrou-lhe Donna.

— Bem... depois de tudo pelo que passamos, e tudo que temos visto e aprendido, não é tão maluca assim. É repugnante, é trágica, é chocante, mas neste ponto acho incontrovertida, especialmente visto que Mulligan — e talvez você mesma — se rebaixaram a tais táticas de terror e intimidação a fim de manter os garotos calados a respeito. — Donna não parecia ter qualquer comentário a fazer sobre isso, mas Mark não esperou por um. — Donna, você disse que o que acontece aqui na fábrica é responsabilidade sua, e que nada tenho a ver com isso. Bem, o que acontece na minha igreja é minha responsabilidade, por isso deixe-me apenas fazer uma pergunta direta: Você esteve no sítio dos Bensons na noite de domingo?

— Não — disse ela simplesmente.— Você está envolvida em bruxaria ou ocultismo? — Não.

— Você está tentando destruir a minha igreja com maledicência e divisão?

Ela deu uma risada, e a risada tinha um toque de zombaria.

— Claro que não. Ei, vocês estão passando por tempos difíceis. Se não ficarem unidos, não sobreviverão.

— E que me diz de Sally Roe?

— Nunca ouvi falar dela.

Uma pergunta não planejada ocorreu a Mark.

— E a assistente social do DPC que tomou os filhos de Tom, Irene Bledsoe? Ela está propositadamente trabalhando contra nós, tentando destruir a reputação de Tom?

Donna riu.

— Ei, pelo que sei, ela está apenas fazendo o trabalho dela. Se quer saber, acho que Tom está doente, e acho que ela pode ver isso.

— E aquela vez em que viu Ben Cole fazendo a primeira visita a Abby Grayson aqui na fábrica? Você contou isso ao sargento Mulligan?

— Você quer saber se o dedei?

— Qualquer coisa assim.

— Eu não conheço realmente Mulligan. Por que me incomodaria em contar-lhe a respeito de um de seus próprios tiras?

Mark olhou para Donna e ela devolveu-lhe o olhar. Não havia mais perguntas pendendo entre eles.

— Donna... você não mente muito bem. Ela sorriu o mesmo sorriso sutil, zombeteiro.

— Ao contrário, Mark: — Você aprovou o meu pedido de tornar-me membro da igreja.

Mark assentiu com a cabeça.

— Foi mesmo. Foi mesmo. — Ele ouvira o bastante. — Bem, eu poderia usar o método bíblico e voltar com algumas testemunhas para passar por tudo isto novamente com você, mas... o que acha? Provavelmente não vale a pena, vale?

Donna apenas continuou a sorrir.

— Não precisa, realmente.

O telefone tocou. Donna o apanhou.

— Sim. Está bem. Já estou indo. — Ela desligou. — Bem, desculpe, mas era o Sr. Bergen. Ele quer ter uma reunião comigo imediatamente.

— Eu sei — disse Mark, erguendo-se da cadeira. Ele mesmo abriu a porta e saiu pelo corredor. Donna o seguiu de perto.

O escritório do Sr. Bergen estava a meio do caminho no andar de cima. Mark olhou pelo vidro; Abby Grayson, Kyle Krantz, Billy, o amigo de Kyle, e Marshall Hogan já haviam estado ali uma porção de tempo. O Sr. Beigen,um homem de aparência severa de seus sessenta e poucos anos de idade, andava de um lado para outro no escritório, esperando impaciente, visivelmente zangado.

Mark abriu a porta um tantinho e enfiou a cabeça pela fresta o tempo suficiente para atrair a atenção do Sr. Bergen. Bergen olhou imediatamente em sua direção; esperava por ele.

— É tudo verdade — disse Mark.

Em seguida, ele fechou a porta e continuou em frente, pausando apenas o tempo suficiente de olhar para trás e ver Donna Hemphile entrar no escritório do chefe.