terça-feira, 8 de junho de 2021

Este mundo tenebroso - parte 2 - capítulo 35


 Eram mais ou menos quatro e meia, e um vento frio soprava através dos campos há muito negligenciados e infestados

de pragas do velho sítio dos Bensons. A tinta branca da sede se tornava um cinza granulado e começava a descascar como uma queimadura de sol; as janelas, quebradas; as telhas de madeira no teto começando a lascar com o vento. As macieiras e as pereiras na frente da casa floresciam, mas agora erguiam-se rumo ao céu em selvagem profusão de troncos não podados e parasitas feiosos. O sítio dos Bensons havia estado abandonado por tempo excessivamente longo, e simplesmente não sobrevivia, mas desaparecia de maneira inalterável em podridão e ruína a cada estação que passava.

Pesada corrente bloqueava a entrada, e Marshall não pôde dirigir seu carrão adiante. Uma placa de ENTRADA PROIBIDA, pendurada numa corrente, balançava para a frente e para trás ao vento, logo acima do pára-choque do carro.

— É este o lugar? — perguntou ele.

Kyle Krantz, o jovem delinqüente que pelo visto não conseguia man­ter-se fora de apuros, estava sentado no banco ao seu lado, fazendo que sim com a cabeça e parecendo amedrontado. No banco de trás, Abby Grayson e Ben Cole olharam o lúgubre cenário diante de si, e acharam fácil acreditar o que Kyle lhes havia contado a respeito.

Kyle apontou.

— É aquele celeiro lá no fundo. Foi lá que aconteceu.— Pelo que estou vendo, eles invadiam o local como você o fazia? — perguntou Marshall.

Kyle havia-se tornado insensível a declarações tendenciosas como essa.

— Eles estavam aqui, cara. Marshall olhou para os outros.

— Então, acho que também teremos de invadir a propriedade.

Eles saíram do carro e tiraram um momento a fim de examinar o lugar. Por tudo o que podiam ver, eram os únicos seres viventes ali. Não havia som algum exceto pelo vento e o ocasional pipilo das andorinhas aninha­das debaixo do beirai da sede.

Marshall abaixou-se para passar pela corrente e os outros seguiram-no. A entrada dava a volta em torno da casa, passava por uma garagem e barracão de ferramentas, depois abria-se em ampla área coberta de pedriscos nos fundos — um retorno e acesso para maquinário agrícola, suprimen­tos e gado que já não estavam ali. Na outra ponta dessa área aberta ficava o velho celeiro cinzento, desgastado pela ação do tempo mas intacto, as portas principais fechadas.

— Afinal, o que exatamente você fazia aqui? — perguntou Marshall ao rapazinho.

— Billy e eu procurávamos um bom lugar para dar uma tragada. Sempre fazemos isso porque encontramos bons lugares que ninguém conhece.

— Então esse celeiro deve ter parecido bem convidativo.

— É, naquela hora parecia. Agora não.

— Como foi que conseguiram chegar tão perto sem que ninguém os visse?

— Estava escuro e nos esgueiramos pelo outro lado da casa. Eles não vigiavam para ver se vinha alguém, de qualquer jeito; estavam ocupados demais com todo o seu negócio esquisito.

Eles chegaram à porta.

— Já foi lá dentro alguma vez?

— De jeito nenhum. Eu e o Billy apenas queríamos dar o fora daqui, só isso.

A grande porta abriu-se com um longo rangido de velhice. O interior do celeiro era fresco, escuro e amplo. Ninguém entrou. Marshall esperou que seus olhos se acostumassem à penumbra.

Finalmente todos eles podiam distinguir o chão de terra. Parecia suficientemente comum — apenas terra lisa. Nada viram de extraordinário. Eles olharam para Kyle. Este ficou imediatamente desassossegado e na defensiva.

— Eu vi, cara. Eles estavam aqui.

— Está bem — disse Marshall — mostre-nos o que viu.

Kyle foi ao centro do chão e voltou-se num círculo, o dedo estendido e apontando para o chão.— Eles tinham um grande circulo recortado na terra bem aqui, e um grande pentagrama no meio dele. — Depois ele apontou para um lugar na direção da parede dos fundos. — Havia um grande banco ali, como um altar, e havia sangue sobre ele, e havia cerca de vinte pessoas em pé ao redor de todo o circulo vestindo roupões e com capuzes sobre as cabeças, e estavam todos entoando e gritando, e havia velas em torno do circulo. Eles tinha velas em todas as pontas do pentagrama.

Marshall olhou à volta do celeiro.

— Através de que fendas você e Billy olharam para ver tudo isso? Kyle apontou para o lado do celeiro.

— Bem ali.

A luz do dia era agora claramente visível através de dois grandes espaços entre umas pranchas soltas. Marshall dirigiu-se até onde se encontravam as fendas, agachou-se até o nível delas, e olhou para trás. Deu-se por satisfeito — as fendas forneciam uma visão ampla e clara da área em questão.

— Você disse que eles tinham capuzes nas cabeças?

— É. Roupões pretos e capuzes, e estavam descalços.

— Então como sabe quem eram?

— Porque alguns deles estavam de frente para este lado. Pude ver os rostos deles virados bem para mim. — Kyle se sentia ofendido e nervoso. — Não sei por que não acredita em mim!

Marshall ergueu a mão para acalmar o garoto.

— Ei, eu não disse que não acreditava em você. Mas ouça: você tem motivos mais que suficientes para querer vingar-se de Mulligan, ou qual­quer tira que seja.

— Sem nem falar em conseguir de volta o seu emprego — disse Abby.

— Não estou inventando, cara! Vi Mulligan. Ele estava bem aqui, com um roupão de capuz, e entoando como todos os outros.

Ben inspecionava o local onde Kyle alegara que havia existido um altar.

— Marshall.

Marshall reuniu-se a ele. Ben havia arranhado a terra com o dedo e descoberto algumas manchas marrons. Ele conseguiu apanhar alguns torrões de terra manchada nos dedos.

— Poderia ser sangue. Levarei uma amostra.

— Está vendo? — disse Kyle. Marshall perguntou:

— Conte-me a respeito do sangue que viu. O que faziam com ele?

— Bebiam o sangue de um grande cálice, um grande cálice de prata. Passavam o cálice de mão em mão.

— Como sabe que era sangue?

— A mulher disse que era.

— Que mulher?— Bem, a chefe, acho eu. Ela estava de pé bem ali, e disse alguma coisa a respeito de fazer alguma mulher morrer e surrar todos os cristãos. Umm... ela disse: "Derrota para os cristãos!" E bebeu do cálice e passou-o em volta, e todos eles beberam do cálice. — Então Kyle lembrou-se de outra coisa. — Oh, sim, cara, escute isto: eles tinham as pernas de algum animal bem aqui no meio do círculo.

Kyle podia ver que os havia impressionado com essa. Hogan e Cole olhavam para ele, muito sérios e prontos para ouvir mais.

— Conte-me a respeito das pernas de animal — disse Marshall.

— Elas tinham de ser pernas de cabra. Estavam cruzadas bem aqui, como um X. — Ele viu algo. — Ei!

— Espere! — disse Marshall, tocando Kyle a fim de impedi-lo de remexer a terra a seus pés. — Ben.

Ben agachou-se para olhar mais de perto.

— É. Mais sangue. E aqui estão uns pelos.

— Pelos de cabra — disse Kyle. — É isso o que são.

— Então, eles queriam derrotar os cristãos, hein? — perguntou Marshall.

— É, estavam realmente berrando a respeito. — Outra lembrança. — Oh, e diziam algo sobre um tribunal, ganhar no tribunal.

— E estavam atrás de alguma mulher também?

— Isso.

— Falaram o nome dela?

O nome nada significava para Kyle, mas ele se lembrava de tê-lo ouvido.

— Umm, Sally-alguma-coisa.

Ele acertara em cheio agora. Podia ver escrito por todo o rosto deles. Marshall enfiou a mão no bolso do paletó.

— Você viu o rosto de alguma outra pessoa?

— Claro. A chefe tirou o capuz e pude vê-la.

Marshall puxou de dentro do casaco algumas fotografias coloridas que havia tirado com muito cuidado, dissimulação, e uma lente telefoto. Ele mostrou a Kyle uma fotografia de Claire Johanson.

— É! Sim, era ela!

— A mulher que chefiou essa coisa toda? — Sim.

Marshall mostrou a Kyle uma foto de Jon Schmidt.

— É! Ele também estava aqui.

Marshall fez aparecer uma fotografia de sua irmã.

— Não. Nunca vi essa ai antes. Uma foto de Irene Bledsoe.

— Umm... não, acho que não. O agente Leonard Johnson. — Não.

Bruce Woodard, o diretor da escola de primeiro grau.— Não, não o Sr. Woodard. Cara, onde foi que tirou todas essas fotos? Marshall guardou as fotografias.

— Kyle, acho que você fala a verdade. Agora escute, não sou um tira, e seja lá o que for que me contar não vou repassar para a policia. Apenas preciso de informação. É importante. Quero que me diga toda a verdade: você levou alguma maconha quando foi trabalhar na Fábrica de Portas Bergen?

Kyle ergueu a mão como se estivesse fazendo um juramento.

— Não, juro. Ei, Cole sabe que já carreguei um pouco aqui e ali, mas não no serviço. Meu velho me mataria, e, além disso, não posso ficar sem o emprego.

Abby interveio.

— Então você diz que foi incriminado para ter de ser despedido?

— Isso mesmo. Não coloquei aquela maconha no meu armário. Marshall olhou para Ben e pôde ver que ele se lembrava de um incidente semelhante envolvendo maconha num armário.

— Alguma idéia de quem a colocou lá?

— Quem você acha? Eu a vi lá, e então abri a boca a respeito no refeitório, e ela deve ter descoberto. Ela me lançou uns olhares bem sujos depois daquilo, e então, bam! Foi ela quem disse que deveriam revistar o meu armário, e então encontraram a droga. Muito a calhar, sabem?

Ben acrescentou compreensivamente:

— E considerando a sua reputação, não adiantaria muito negar.

— É isso aí. Abby protestou:

— Mas Donna está na fábrica há quase tanto tempo quanto eu. Não posso acreditar que ela faria uma coisa dessas.

— Ela estava aqui — insistiu Kyle. — Bem do lado de Mulligan. Eu a vi, e ela sabe, e é por isso que fui demitido.

Kyle lembrou-se então amargamente:

— Depois o Mulligan vai lá na fábrica e me diz que deixará a coisa passar dessa vez se eu me comportar e "fizer as escolhas certas", disse ele. Sei o que ele fazia. Ele me dizia que ficasse de boca fechada ou seria arruinado de vez.

Marshall reviu tudo mentalmente.

— Então... parece que poderíamos ter um verdadeiro clube aqui: Claire Johanson, Jon Schmidt, o sargento Mulligan, e... Kyle não gostou da hesitação de Marshall.

— Ela estava aqui! Juro! Marshall completou a sentença.

— Donna Hemphile, supervisora de Kyle na Fábrica de Portas Bergen, e membro ativo da Igreja Comunitária do Bom Pastor!Na tarde de quinta-feira, o Agente Leonardo Jackson teve uns visitantes indesejáveis. Ele estava sentado no carro-patrulha, habilmente escondido nas árvores que ficavam na ponta oeste da Ponte do Rio Snyder, apenas vigiando quem passava com excesso de velocidade e tendo um dia agradável aumentando a sua quota de multas, quando subitamente, sem qualquer notificação prévia, um grande carro marrom saiu da estrada e entrou no meio das árvores, encostando bem ao seu lado.

Ora, quem é que poderia ser? Leonardo sentiu-se invadido. Isso era profanação de um lugar santo.

Um preto bonitão abaixou a janela do lado de passageiros do carrão.

— Ei, Leonardo, como estão as coisas? Ben Cole.

Leonardo tentou ser sociável.

— Tudo bem, acho eu. O que posso fazer por você? Ben olhou na direção do motorista do carro.

— Você já conhece o Marshall Hogan?

Leonardo o havia visto pela cidade e nunca se sentira bem com relação a ele.

— Não, não fomos apresentados. Marshall saudou-o:

— Alô, Agente Jackson. — Alô.

Bendisse:

— Gostaríamos de dar-lhe uma palavrinha.

— Bem, estou de serviço...

— Como está a sua quota até agora?

Leonardo percebeu que Ben saberia tudo a respeito daquele serviço, por isso não seria possível blefar.

— Ora... acho que estou indo bem. Já anotei doze até agora. Ben ficou impressionado.

— Ei, você está bem adiantado! Que tal tirar uma breve folga para uma pequena conferência?

— Prometo que vai achar interessante — disse Marshall.

No Summit, cinco mensageiros demoníacos reuniram-se do lado de fora das câmaras escuras, mofadas e secretas do Homem Forte, cada um deles com uma mensagem urgente de Destruidor.

O primeiro demônio disse aos companheiros:

— Trago a notícia de que abriram uma brecha no Vidoeiro Quebrado!

Um segundo demônio assentiu com a cabeça em reconhecimento e acrescentou:— Eu trago a noticia de que Hogan e Cole estão prestes a encostar o agente Jackson na parede!

O terceiro demônio arquejou ao ouvir a notícia e rosnou a sua.

— Trago a noticia de que eles irão ver Joey Parnell de novo e podem assustá-lo a ponto de fazê-lo falar!

O quarto disse:

— Trago a noticia de que o pastor Mark Howard está acabando com a divisão em sua igreja neste mesmo instante, e que o Inimigo está curando todo o dano que causamos!

Disse o quinto:

— Trago a noticia de que Sally Roe se...

Oh. O chão tremeu subitamente com um rugido que veio de dentro da toca do Homem Forte. Aparentemente Destruidor e o Homem Forte já sabiam disso.

Destruidor não se atrevia a puxar a espada — um movimento agressivo desses só podia aumentar a fúria do Homem Forte. Portanto, ele se atirava de um lado para o outro, agarrando o ar em movimentos violentos e desesperados das asas, os braços cobrindo-lhe a cabeça e a cara, enquanto o Homem Forte o perseguia com a lâmina voando e o punho socando, a boca espumando de fúria, as bochechas sacudindo, o hálito repugnante deixando o ar amarelo.

— Uma inversão! — berrou o Homem Forte. — Ela era nossa, e agora você lhes permitiu ficar com ela!

— Não permiti nada disso! — contraveio Destruidor. — Esperava o momento.

Contradizer o Homem Forte era uma má idéia. Assegurou ao Destruidor uma violenta pancada na cabeça com a parte chata da lamina do Homem Forte.

— Idiota preguiçoso, imóvel, cego!

— Ela é nossa, meu soberano! — gritou Destruidor acima dos rugidos do Homem Forte. — Tal e suas hordas se enfraquecem a cada dia! — BAM! Um punho enorme no pescoço. — Logo eles cairão para longe dela como fruta que passou do ponto — Um pé cheio de garras e escamas no traseiro.

— Cairá da árvore, e a tomaremos! — UUF! Um joelho no estômago.

— Você ia tirar a cobertura de oração de Tal! — berrou o Homem Forte. — O que aconteceu com isso?

— Como já tentei dizer-lhe, temos estado desbastando-a aos poucos!

Desbastando quando deveriam ter estado picando, espatifando, retalhando, trucidando!

— O senhor o verá!

— Desejo vê-la destruída, espírito cheio de si! Faça juz ao seu nome,gabola! Trespasse-a por uma fresta em sua armadura! Deixe que seus próprios pecados a apodreçam!

— Os pecados dela se foram, meu Ba-al! Ela foi à Cruz...

UHAM! Uma asa dobrada contra o meio do corpo. Destruidor revirou e adejou de lado atravessando o aposento.

— NÃÃÃO! — berrou o Homem Forte. — Não mencione isso!

— Mas ainda podemos tomá-la... — insistiu Destruidor, embora um tanto fracamente.

— Não... voltaremos... atrás! — bramiu o Homem Forte, brandindo a espada num arco chamejante e impetuoso a cada palavra. — Tenho um plano... farei como que se desenrole! Deixe que o sangue do Cordeiro derrote os outros... não me derrotará! Espezinharei esse sangue, marcha­rei à volta dele, atacarei e enterrarei, mas não me renderei a ele!

— Sei que a tomaremos! — insistiu novamente Destruidor.

— IAAAA!— O Homem Forte abaixou a espada com fúria imensurá­vel, deixando uma trilha longa e vermelha de luz.

Destruidor puxou sua própria lâmina num instante e aparou o corte afiado com uma chuveirada de fagulhas. A força do golpe jogou-o contra a parede, e o Homem Forte segurou-o ali como uma tonelada de terra caída.

Agora eles estavam cara a cara, os globos amarelos e brilhantes dos olhos quase se tocando, seus hálitos sulfurosos misturando-se em pútrida nuvem que lhes obscurecia as feições. O braço do Homem Forte não se enfraqueceu; ele não diminuiu o peso que imobilizava Destruidor.

— Você o fará — disse ele enfim, a voz um resfolegar baixo e arquejante — ou eu mesmo o atirarei aos anjos... em migalhas!

Com uma explosão de braços, asas, e uma lâmina que parecia ser muitas, o Homem Forte expulsou Destruidor do aposento, e ele revirou em cima dos cinco demônios que ainda esperavam por ele no lado de fora. Eles se curvaram diante dele — assim que conseguiram sair engatinhando debaixo dele.

— Trazemos notícias, Ba-al! — disseram.

— Que notícias? — perguntou ele. Eles lhe contaram.

Ele os picou em pedacinhos.

Tom, estou livre. Pude ver aquela Cruz tão claramente, exatamente como deve ter parecido naquele monte nu, desesperançado há dois mil anos, e caí sobre o rosto diante dela, tão prostrada com os meus erros, minha jactância, minhas escolhas, meu EU, que não podia erguer-me nem um centímetro. Tudo o que podia fazer era ficar deitada ali, admitindo e confessando tudo e tentando alcançar aquele pedaço de madeira grosseiramente esculpido como alguém que se afoga tenta alcançar um salva-vidas, e agarrando-o como se minha própria vida dependesse dele.

E como posso descrever o acontecido? Peço desculpas, mas as pala­vras não captarão a experiência: eu nada tinha para oferecer-lhe, nenhum incentivo para que ele me perdoasse, nem mesmo o mais insignificante item de valor com o qual negociar ou persuadir. Tudo o que eu tinha era o que eu era.

Mas ele me aceitou. Fiquei tão surpresa, e depois aliviada, e depois, com a firme percepção do que havia acontecido, extasiada! Minha oferta — nada além de minha pessoa, Sally Beth Roe, miserável, defi­ciente e instável—foi aceita. Eu era o que ele sempre quis antes de tudo, e ele me recebeu. Ele tirou o peso do meu coração, e pude sentir que se fora; pude simplesmente sentir tudo sendo tirado de mim e precipitando-se para aquela Cruz. Senti-me tão leve que achei que podia ser carregada pela menor brisa.

Consegui erguer a cabeça, e então vi a conclusão da nossa transação: um fio de sangue escorrendo pela madeira e formando uma poça no chão. O pagamento. Uma visão muito medonha, um pensamento muito incômodo, mas realmente, para dizer a verdade, muito apropria­do considerando o que Jesus, o Filho de Deus, havia acabado de comprar.

Estou livre. Estou resgatada. Nunca me senti assim antes, como uma escrava que já nasceu na escravidão e jamais conheceu a liberdade, libertada.

Quero conhecer melhor esse Jesus que me resgatou. Acabamos de nos encontrar.

Sally descansou a caneta sobre a escrivaninha do pequenino quarto de hotel, e enxugou umas lágrimas. Ela ainda tremia. Bem ao lado do seu caderno, uma Bíblia dos Gideões jazia aberta no Evangelho de Mateus, capítulo 11:

"Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve."