Deus estivesse esperando por
esse exato momento, por esse clamor especial do seu povo. Ele pôs-se a mover
sua mão soberana.
Tal recebeu o relato de um mensageiro na madrugada da quarta-feira.
— Guilo!
Guilo postou-se ao seu lado
num instante. A voz de Tal estava tensa de excitação.
— O Senhor falou! Ela está
pronta!
— Louvado seja o Senhor! —
disse Guilo. — Onde? Quando?
— Ela saiu de Ashton e está
quase chegando em Henderson. Será uma questão de horas. Nós a encontraremos lá
com tudo o que pudermos arregimentar! Se a pudermos fazer passar antes que
Destruidor e seus lacaios a descubram, pode ser que enfim consigamos fazer
pender a balança a nosso favor!
Guilo puxou a espada com um
retinir metálico e um raio de luz.
— Um momento decisivo!
— Mota e Signa permanecerão
aqui como seus guerreiros em estado de prontidão, esperando essa brecha. — Tal
sorriu pela primeira vez em semanas. — Até pode ser que eles consigam um pouco
de verdadeira ação hoje!
Caro Tom,
Cheguei de ônibus cerca das
sete horas desta manhã, e imagino que arrumarei um quarto sem demora. Por
enquanto, sinto-me bem confortável apenas sentada no Parque Lakeland perto do
centro da cidade. O sol está quente, o banco está seco, e o laguinho aqui perto
está plácido e cheio de patos.
Eu diria que a cidade de
Henderson é um lugar convidativo, mas ela tem de fato algumas vantagens: é uma
cidade grande, metropolitana, e portanto fica fácil de a gente esconder-se
nela, e tem uma imensa biblioteca no centro, um lugar excelente onde se
encontrar certa informação. Vou lá hoje, ou amanhã, ou quando eu terminar uma
questão mais imediata que reclama a minha atenção.
Uma questão mais imediata. Sally surpreendeu-se um tanto com seu tom desapaixonado, prático, como se ela fosse datilografar uma carta ou fazer uma compra. Na realidade, estava por entrar num relacionamento que podia potencialmente alterar o curso de toda a sua vida, reestruturar totalmente seu conceito do mundo, e trazer à consideração cada questão moral, cada ato, cada decisão e cada atitude de todos os seus anos anteriores; suas mais profundas cicatrizes e emoções, as áreas mais pessoais e resguardadas de sua vida, estariam sendo expostas. O relacionamento seria um confronto, talvez devastador.
Pelo menos, era isso o que
ela esperava do acordo, e por esse motivo havia ponderado a ação a noite toda,
pesando os prós e os contras, considerando os custos, testando e eliminando as
opções. Tornou-se claro para ela que teria de pagar um preço enorme em termos
de ego e vontade própria, e que o acordo traria consigo implicações assombrosas
para o futuro. Mas todas as dúvidas foram examinadas e respondidas, cada
objeção foi ouvida com imparcialidade, e entre os debates ferozes e acalorados
que Sally travou consigo mesma no tribunal de sua própria consciência, ela
dormia pensando neles.
Quando a luz do dia espiou
pelas janelas do ônibus, ela já havia resolvido em sua mente que, considerando
todas as coisas, esse importante compromisso seria a coisa mais lógica, mais
prática e mais desejável que podia fazer, as vantagens excedendo em muito as
desvantagens.
Fazia silêncio no parque, com
poucas pessoas por ali além de uma matrona que levava o seu poodle para
dar uma volta e alguns jovens executivos correndo ao trabalho. Ela mudou-se
para outro banco mais perto do laguinho, totalmente exposto ao sol matutino, e
sentou-se, a mochila ao seu lado.
Então ela deu-se uma boa e
longa olhada. Vestida de calças rancheiras e uma jaqueta azul, com um gorro de
meia na cabeça e uma mochila ao lado, parecia uma nômade sem lar.
E era.
Parecia solitária e sozinha.
E era.
Também parecia pequena e
insignificante num mundo muito grande, e isso tinha mais peso em sua mente do
que qualquer outra coisa. Como deveria parecer a um Deus grande o bastante para
ter criado esse globo enorme no qual ela se sentava? Como um micróbio na lâmina
de um microscópio? Como chegaria Ele a encontrá-la?
Bem, tudo o que estava ao seu
alcance era fazer um pouco de barulho, clamar por ele, criar um distúrbio,
enviar alguns foguetes de sinalização verbais. Talvez pudesse fazer com que ele
a visse ou ouvisse.
Ela colocou o caderno no colo
e voltou as páginas até chegar a uma de notas que havia preparado. Agora...
onde começar?
Falou baixinho, mal formando
as palavras com os lábios. Sentia-se acanhada e estava disposta a admiti-lo.
— Umm... alô. — Talvez ele a
ouvisse, talvez não. Ela falou novamente. — Alô. — Isso seria o suficiente. —
Imagino que saiba quem sou, mas me apresentarei assim mesmo. Parece a coisa
certa a fazer. Meu nome é Sally Beth Roe, e acho que a gente se refere à sua pessoa
como... Deus. Ou talvez Jesus. Já ouvi isso ser feito. Ou... Senhor. Compreendo
que atende por diversos títulos, e por isso espero que me permitirá tatear um
tantinho. Faz muito tempo desde a última vez em que tentei orar.
— Umm... de qualquer forma, gostaria
de encontrar-me com o Senhor hoje, e discutir a minha vida e que possível papel
o Senhor poderia desejar desempenhar nela. E obrigada desde já por seu tempo e
atenção.
Ela olhou fixamente as
anotações. Havia chegado até ali. Acreditando que havia prendido a atenção de
Deus, ela prosseguiria com o próximo item.
— Para revisar rapidamente
qual o motivo desta reunião, acho que o Senhor se lembra da nossa última
visita, há aproximadamente trinta anos, na... Igreja Batista de Monte Sião, em
Ireka, na Califórnia. Quero que o
Senhor saiba que eu realmente
gostava das horas que passávamos juntos então. Sei que não falei nada a
respeito disso em bastante tempo, e peço desculpas. Foram horas preciosas, e
agora são minhas recordações favoritas. Alegro-me por tê-las.
— Assim, suponho que o Senhor
esteja querendo saber o que aconteceu, e porque eu desfiz o nosso
relacionamento. Bem, não me lembro do que aconteceu exatamente. Sei que os
tribunais me devolveram à minha mãe, e ela não estava disposta a levar-me à escola
dominical como a tia Bárbara fazia, e então fui morar num lar temporário, e
depois... Bem, qualquer que fosse o caso, nossos tempos juntos simplesmente não
continuaram, e isso é tudo... Bem, acho que isso são águas passadas...
Sally deteve-se. Havia algum
tipo de despertar ocorrendo dentro de si? Deus podia ouvi-la. Ela sentia isso;
apenas sabia-o de algum modo. Aquilo era estranho. Era algo novo.
— Bem... — Agora ela havia
perdido o fio da meada. — Acho que sinto que o Senhor me está ouvindo, por isso
quero agradecer-lhe. — Ela conseguiu retomar os pensamentos. — Oh, de qualquer forma,
acho que eu era uma jovem enraivecida, e talvez tenha-o culpado por minhas
tristezas, mas... de qualquer forma, resolvi que podia cuidar de mim mesma, e
assim foi que aconteceu basicamente a maior parte da minha vida. Estou certa de
que o Senhor conhece a história: tentei o ateísmo, e depois o humanismo com uma
forte dose de evolução incluída, e isso deixou-me vazia e tornou sem sentido a
minha vida; então, em seguida, tentei o humanismo e misticismo cósmicos, e eles
serviram para muitos anos de ilusões e tormentos sem objetivo, e, para falar a
verdade, para o apuro em que estou metida no momento, inclusive o fato de ter
sido condenada como criminosa. O Senhor sabe tudo a respeito disso.
Muito bem, Sally, agora aonde
vai? É melhor tratar logo do que realmente importa.
— Bem, de qualquer forma,
acho que o que tentava dizer é que Bernice, lá em Ashton, estava certa, pelo
menos no que diz respeito a Sally Roe. Eu tenho um problema moral. Li um pouco
a Bíblia. Umm... é um bom livro... e um belo trabalho — e vim a perceber que o
Senhor é um Deus de moral, de ética, de absolutos. Acho que é isso o que
"santo" significa. E estou de fato contente por isso, porque então
podemos saber onde ficam os nossos limites; podemos saber qual é a nossa
posição...
— Estou enrolando, sei disso.
Sally parou para pensar. Como
poderia dizê-lo? Exatamente o que era que desejava de Deus?
— Acho... — Oh-oh. Emoção.
Talvez seja por isso que não consigo chegar ao que preciso dizer. — Acho
que preciso perguntar-lhe a respeito do seu amor. Sei que ele existe; a Sra.
Gunderson sempre falava a respeito, e também a minha tia Bárbara, e agora tive
um curto vislumbre dele novamente em minhas conversas com Bernice e com aquele
pastor, Hank, o Encanador. Preciso saber se o Senhor...
Ela parou. Lágrimas se lhe
formavam no canto dos olhos. Ela as enxugou e respirou fundo diversas vezes.
Isso deveria ser prático, não alguma experiência emocional, subjetiva da qual
ela pudesse duvidar mais tarde.
— Desculpe. Isto é difícil.
Há uma porção de anos envolvidos, uma porção de emoções. — Outra respiração
profunda. — De qualquer forma, eu tentava dizer que... eu gostaria muito que o
Senhor me aceitasse. — Ela parou e deixou que o aperto na garganta melhorasse.
— Porque... me disseram que o Senhor me ama, e que arranjou para que todos os
meus erros, minhas transgressões morais, fossem pagos e perdoados. Vim a
compreender que Jesus morreu para pagar a minha culpa, para satisfazer a sua
justiça santa. Umm... aprecio isso. Obrigada por esse tipo de amor.
— Mas eu... quero entrar
nesse tipo de relacionamento com o Senhor. De algum jeito. Eu o ofendi, e
ignorei, e tentei ser eu mesma um deus, não importa quanto isso lhe possa
parecer estranho. Servi a outros espíritos, e matei minha própria filha, e
trabalhei muito a fim de desviar muita gente...
As lágrimas vinham de novo.
Ora essa. Considerando o assunto em questão, umas lágrimas não seriam
impróprias.
— Mas se o Senhor me
quiser... se apenas me aceitar, eu estarei mais que disposta a entregar-lhe
tudo o que sou, e tudo o que tenho, valha o quanto valer. — Palavras de trinta
anos antes vieram-lhe à mente, e captaram perfeitamente os seus sentimentos: —
Jesus...
Dessa vez ela não pôde conter
as emoções. O rosto corou, os olhos se encheram, e ela teve medo de continuar.
Mas continuar ela continuou,
mesmo enquanto a voz falhava, as lágrimas lhe escorriam pelas faces, enquanto
o corpo principiava a tremer.
— Jesus... quero que o Senhor
entre no meu coração. Quero que o Senhor me perdoe. Por favor, perdoe-me.
Ela chorava e não conseguia
parar. Tinha de sair daquele lugar. Não podia permitir que alguém a visse
assim.
Agarrou a mochila e
apressou-se para longe do laguinho, saindo da calçada e entrando no meio de
umas árvores próximas. Debaixo do abrigo das folhas novas e primaveris, ela
encontrou uma pequena clareira e caiu de joelhos sobre o chão fresco, seco. Com
uma nova liberdade que esse esconderijo trazia, o coração de pedra tornou-se um
coração de carne, os mais profundos clamores daquele coração tornaram-se uma
fonte, e ela e o Senhor Deus começaram a falar acerca de coisas enquanto os
minutos passavam suavemente, despercebidos, e o mundo ao seu redor perdia a
importância.Em cima, como se outro sol acabasse de nascer, as trevas se
abriram, e raios puros, brancos, atravessaram as copas das árvores, inundando
Sally Beth Roe com uma luz celestial, brilhando através do seu coração, seu
espírito mais íntimo, obscurecendo seu vulto com um fogo ofuscante de
santidade. Lentamente, sem sentir, sem som, ela acomodou-se para a frente, o
rosto no chão, o espírito transbordando com a presença de Deus.
Em toda a sua volta, como
raios de uma roda assombrosa, como raios de luz emanando de um sol, lâminas
angelicais descansavam no chão, as pontas voltadas na direção dela, os cabos
estendidos para fora, seguros nos punhos fortes de centenas de nobres guerreiros
que se ajoelhavam em círculos perfeitos e concêntricos de glória, luz e
adoração a Deus, as cabeças no chão, as asas estendidas na direção do céu como
um jardim florescente e animado de chamas. Eles mantinham silêncio, os corações
cheios de temor santo.
Como em inúmeras vezes no
passado, em inúmeros lugares, com assombro maravilhoso, inescrutável, o Cordeiro
de Deus estava no meio deles, o Verbo de Deus, e mais: o Verbo final, o fim de
todas as discussões e desafios, o Criador e a Verdade que sustenta toda a
criação — e mais maravilhoso que tudo, e mais inescrutável de tudo, o Salvador;
um título que os anjos sempre contemplariam e com o qual sempre se maravilhariam,
mas que somente a humanidade podia conhecer e compreender.
Ele havia vindo para ser o
Salvador daquela mulher. Ele a conhecia pelo nome; e falando-lhe o nome, ele a
tocou.
E os pecados dela
desapareceram.
Um farfalhar começou na
primeira fileira de anjos, depois na seguinte, e depois, como uma onda
arremetendo para fora, as asas sedosas de fileira em fileira de guerreiros
arrepanhou o ar, elevando um bramido e soerguendo os anjos sobre seus pés. Os
guerreiros seguraram as espadas na direção dos Céus, uma floresta de lâminas
chamejantes, e puseram-se a bradar em júbilo tumultuado, as vozes ribombando e
sacudindo todo o reino espiritual.
Guilo, tão brilhantemente
glorificado como jamais o fora, tomou seu lugar acima de todos eles, e brandiu
a espada à volta em arcos chamejantes enquanto bradava:
— Digno é o Cordeiro!
— Digno é o Cordeiro! —
trovejaram os guerreiros.
— Digno é o Cordeiro! —
bradou Guilo mais alto ainda.
— Digno é o Cordeiro! —
responderam todos.
— Pois foi morto!
— Pois foi morto!Guilo
apontou a espada a Sally Beth Roe, prostrada, o rosto no chão, ainda em
comunhão com o seu recém-descoberto Salvador.
— E com seu sangue ele
comprou para Deus a mulher, Sally Beth Roe! As espadas ondularam, e sua luz
trespassou as trevas assim como um
relâmpago trespassa a noite.
— Ele comprou Sally Beth Roe!
— Digno é o Cordeiro que foi
morto — principiou Guilo, e então todos juntos cantaram essas palavras com
vozes que sacudiram a terra — de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e
força, e honra, e glória, e louvor!
Então ouviu-se outro rugido,
de vozes e de asas, e outro relampejar de centenas de espadas. As asas se
firmaram, e os céus encheram-se com guerreiros, rodopiando, gritando, aclamando,
adorando, sua luz inundando a terra por quilômetros ao redor.
A quilômetros dali, alguns dos demônios de Destruidor cobriram os olhos contra a luz ofuscante.
— Oh, não! — disse um deles.
— Outra alma redimida!
— Um de nossos prisioneiros
liberto! — lamentou outro.
Um espia rápido, de olhos
penetrantes, retornou depois de ter ido ver mais de perto.
— Quem e desta vez? —
perguntaram eles. O espírito respondeu:
— Vocês não vão gostar da
notícia!
Tal e Guilo se abraçaram, saltando, rodopiando, rindo.
— Salva! Sally Beth Roe está
salva! Nosso Deus a tem enfim!
Eles continuaram, juntamente
com seus guerreiros, a manter forte e brilhante a barreira em redor dela,
assegurando que a comunhão da mulher com o Senhor prosseguisse sem perturbação.
O tempo passou, naturalmente,
mas ninguém parecia notar ou importar-se.
Mais tarde — ela não sabia
quanto mais tarde — Sally pressionou as palmas das mãos contra a terra e
ergueu-se lentamente até sentar-se, limpando folhas secas e húmus das roupas e
usando um lenço para enxugar o rosto. Ela havia passado por uma experiência
incomum, perfeitamente maravilhosa, e o efeito ainda persistia. Uma mudança,
uma restauração profunda, pessoal, moral, havia ocorrido, não apenas em suas
percepções subjetivas, mas de fato. Isso era algo novo, algo verdadeiramente
extraordinário.
— Então isto deve ser o que
eles querem dizer com "ser salva" — falou ela em voz alta.As coisas estavam
diferentes. A Sally Roe que havia-se escondido nesse bosque não era a mesma
Sally Roe que estava agora sentada nas folhas, uma bagunça trêmula, pasmada,
coberta de lágrimas.
Antes, ela havia-se sentido
perdida e sem objetivo. Agora sentia-se segura, resguardada nas mãos de Deus.
Antes, sua vida não tinha
significado. Agora tinha, com mais propósito e significado ainda para ser
descoberto.
Antes, ela havia estado
oprimida e sobrecarregada de culpa. Agora estava limpa. livre. Perdoada.
Antes, ela se sentia muito
sozinha. Agora, tinha um Amigo mais íntimo do que qualquer outro.
Quanto aos seus velhos amigos, os atormentadores...
Fora da barreira, jogados por
ali como lixo num depósito de detritos, Desespero, Morte, Loucura, Suicídio e
Medo, amuados, estavam nos arbustos, incapazes de voltar. Eles se entreolharam,
prontos para um bate-boca se algum se atrevesse a dizer a primeira palavra.
Estavam fora. Vencidos.
Acabados. Sem mais esta nem aquela. De alguma forma, assim que ela se tornou
filha de Deus, começou a firmar os direitos e autoridade que tinha como tal.
Não disse muito, não fez um discurso rebuscado. Simplesmente ordenou-lhes que
saíssem da sua vida.
— Ela aprende depressa —
disse Desespero.
Os outros cuspiram nele
apenas por ter dito aquilo.
— Isto é maravilhoso — disse ela consigo mesma, rindo de espanto e êxtase. — Simplesmente maravilhoso!
Tal e Guilo observavam,
gozando cada momento.
— A palavra do testemunho
dela e o sangue do Cordeiro — disse Tal. Guilo assentiu com a cabeça. — São os
dois.
— Capitão Tal! — veio um
chamado. Um mensageiro caiu do céu como um meteoro, abrindo as asas de sopetão
bem em tempo de pousar diretamente na frente de Tal. — Mota mandou um aviso de
Baskon! As orações ocasionaram uma ruptura! Elas abriram uma brecha, senhor!
Eles estão prontos para expor o Vidoeiro Quebrado!
Tal riu de contentamento.
— Está ficando bom! A lenha
está amontoada, e — ele olhou para Sally — agora temos o fósforo para dar
início à queimada! Natã e Armoth!
— Capitão! — responderam
eles.
— Sally está pronta. Sigam-na
daqui por diante, e certifiquem-se de que Krioni e Triskal sejam avisados a fim
de impedir uma invasão de Ashton.Quando ela der início à queimada, toque o sinal
para Mota e Signa em Baskon.
— Feito!
— Cree e Si, disponham suas
tropas no Centro Ômega. Quando o fogo chegar lá, faça com que chegue até
Bentmore.
Eles se foram imediatamente.
— Chimon e Scion, preparem
tropas para Bentmore; fiquem de prontidão para enviar o fogo de lá até o
Summit.
Eles alçaram vôo e sumiram.
Tal voltou-se para o mensageiro.
— Diga a Mota e Signa que
eles têm a cobertura de oração e podem prosseguir com o fechamento da
armadilha. Depois disso, eles que esperem pelo sinal de Natã e Armoth.
O mensageiro saiu voando com
o recado.
Tal colocou um braço fraternal
no ombro de Guilo.
— Guilo, a Força de Muitos,
está na hora de posicionar as tropas no Instituto Summit!
— IAHAAA! — rugiu Guilo,
erguendo a espada para que os outros guerreiros vissem. — Feito!
Tal desfraldou as asas com o
som do esboroar de uma onda do oceano. Ele soergueu bem alto a espada, e todos
fizeram o mesmo de modo que o Parque Lakeland foi inundado pela luz
tremeluzente.
— Pelos santos de Deus e pelo
Cordeiro!
— Pelos santos de Deus e pelo
Cordeiro!
Mota recebeu o recado de Tal, e nada cedo demais. Ele e Signa se escondiam naquele instante nos tubos de ventilação da Fábrica de Portas Bergen, esperando uma oportunidade de atrapalhar o assalto astuto, invisível de Destruidor aos santos de Baskon.
Signa apontava a supervisora
Abby Grayson que se movia entre as bancadas de entalhe com a eterna prancheta
nas mãos, apenas mantendo as coisas movendo-se suavemente como havia feito nos
últimos vinte anos.
— Eles nunca trouxeram suas
intrigas e manipulações aqui dentro, pelo menos não tanto a ponto de serem
vistas. Abby não tem a mínima idéia do que tem estado acontecendo.
Naquele exato momento, um
rapazinho com o rosto cheio de espinhas veio chegando pela passagem principal
que atravessava a fábrica, tornando-se alvo de alguns olhares da parte dos
operários e parecendo muito pouco à vontade.
— Muito bem — disse Mota, cá
vamos nós. Esperemos que os olhos de Abby sejam abertos.
— Vamos, Abby. Preste
atenção.O rapazinho chegou até Abby parecendo hesitante, acanhado mas
determinado a ter uma audiência com ela. Nenhuma voz podia ser ouvida acima do
rugido das máquinas, mas os lábios de Abby não eram muito difíceis de ler
— E então, o que posso fazer
por você, Kyle? Vamos, disse Signa. Diga-lhe.
Dois anjos postaram-se
imediatamente ao lado de Kyle Krantz, vestidos como operários — as pessoas não
podiam vê-los, mas algum demônio poderia. Kyle — teimoso, muitas vezes pego
pela policia, ex-fumante de maconha — precisava de todo o encorajamento que
pudesse arrumar. Ele simplesmente se sentia apavorado.
Vamos... instigou-o Mota.
Kyle inclinou-se perto do
ouvido de Abby e disse o que tinha a dizer antes que perdesse completamente a
coragem. Abby pareceu um tanto perplexa, talvez até chocada ao ouvir o que ele
disse.
— Vamos lá dentro do meu
escritório — disse ela.
Os dois anjos ergueram o
olhar na direção dos tubos de ventilação e fizeram fortes gestos afirmativos
com a cabeça.
— Feito! — disse Mota.
— É melhor cercarmos aquele
escritório. Aqueles dois precisam conversar! — acrescentou Signa.
Apenas meia hora mais tarde Abby Grayson deu um telefonema para Ben Cole do pequenino cubículo que era seu escritório. Ben ainda conseguia ouvir o ruído abafado da fabrica no fundo.
— Ué, oi, Abby! Que surpresa
agradável.
— Oh, este mundo maluco é
cheio de surpresas. Ouvi dizer que foi despedido. É verdade?
A pergunta parecia um tanto
brusca, mas muito do estilo de Abby.
— Bem, sim, é. É uma história
comprida...
— Vou torná-la mais comprida
ainda. Acabaram de me contar umas informações que você deveria saber.
Ben sentou-se no sofá.
— Pode falar.
— Acabei de ter uma longa
conversa com Kyle Krantz — lembra-se dele? Você o pegou algumas vezes por estar
com maconha.
— É, certo.
— Ele trabalhava aqui e saía-se
bem até ser despedido ontem. O boato que correu entre os supervisores foi o de
que ele traficava drogas na fábrica, e temos regras muito severas a respeito
desse tipo de coisa, por isso ele foi botado para fora. Mas ele criou coragem e
veio ver-me hoje, e... Bem,normalmente eu não acreditaria nele, mas
considerando tudo o mais que vem acontecendo, talvez desta vez eu acredite. —
Ela hesitou. Ben achou que era melhor ele facilitar as coisas para ela.
— Ei, não se preocupe. Estou
por dentro até aqui.
— Ora, Ben... — Ela teve de
arrumar coragem para perguntar. — O que você diria se eu contasse que temos uns
bruxos na cidade, e até mesmo alguns trabalhando aqui nesta fabrica?
Ben sentou-se ereto, todo o
corpo cheio de atenção.
— Eu estaria muito
interessado em saber a respeito.
— Então você não acha que é
loucura? Eu falei bruxos.
A memória de Ben ainda trazia
cenas vividas de uma cabra mutilada e das duas pernas dianteiras cruzadas,
sangrando, nos degraus da frente da igreja.
— Não, Abby. Temos visto uma
porção de coisas estranhas ultimamente. Não acho que seja loucura de forma
alguma.
— Então talvez seja melhor
ouvir o que Kyle tem a dizer. Você estará livre às quatro horas?