cidade. Antigamente, isso
significava que as coisas estariam um tanto mais calmas no escritório do Clarim;
que Cheryl, a repórter novata, podia relaxar e pôr em dia as propagandas
dos clientes; Tom, o homem que colava os artigos, podia ir pescar ou trabalhar
em casa no seu quintal, e George, o tipógrafo, podia dormir até mais tarde.
Bem, essa terça-feira as
coisas estavam um pouco diferentes. O editor durão e exigente do Clarim cuidava
de uma missão — cuja natureza ele nunca chegou a explicar claramente — mas isso
não significava que haveria qualquer tipo de férias. Na realidade, por Marshall
ser tão trabalhador, significava que havia mais serviço do que antes, e Bernice
Krueger, agora ocupando o lugar de Marshall, podia ser tão dura, exigente e
eficiente quando o patrão.
Por isso, a terça-feira
rodava num ritmo animado, todos presentes, trabalhando duro, e Bernice nunca
parecia estar em uma sala ou cadeira por mais do que dois minutos de cada vez.
Com papéis, galeras ou uma xícara de café na mão, ela constantemente corria à
frente a fim de verificar a história de revisão do trânsito que Cheryl tentava
arrancar da turma responsável por construção de estradas no município, depois
dirigindo-se aos fundos com mais matéria para o George tipografar, depois
correndo ao escritório fechado a vidro de Marshall para atender telefonemas,
depois correndo à recepção a fim de servir um cliente porque Cheryl se ocupava
anotando um anúncio pelo telefone.
Eu vou conversar com a Betty
Smith, ficava Bernice a dizer-se. Haja o que houver, quando o meu almoço vier,
ou durante o cafezinho, ou alguma coisa, vou sentar-me e conversar com ela; ela
deve pensar que sou tão sem educação, convidando-a para vir aqui apenas para
ignorá-la!Mas até então, a "Betty Smith" não se sentia negligenciada
ou humilhada. Sentava-se na sala do teletipo, vendo as noticias chegarem
ruidosamente pelos fios telegráficos. Na última meia hora, essa atividade
havia sido interessante — nos últimos minutos, havia sido absorvente. Ela agora
tinha uma noticia especial na mão, e devorava as novidades.
"WESTHAVEN — A Juíza Federal
Regional Emily R. Fletcher decidiu hoje que uma criança de dez anos, a principal
testemunha no tão divulgado caso de abuso infantil da Academia do Bom Pastor,
não será obrigada a depor ou ser examinada por psicólogos da defesa,
concordando com os advogados de acusação que questionamento e exame
suplementares da criança poderiam ser prejudiciais.
"Citando avaliações
peritas oferecidas pelo psicólogo Dr. Alan Mandanhi, a Juíza Fletcher concluiu
que o estado mental da criança encontra-se em situação muito tenra e vulnerável
devido aos supostos abusos, e que qualquer relato suplementar dos mesmos
provocariam danos ainda maiores.
"'Estamos aqui para falar
pelas crianças', disse ela, 'e protegê-las de abuso. Não podemos justificar
ainda outros abusos no esforço de prevenção do mesmo.'"
Diversos diários de todo o
país encontravam-se prontos sobre a mesa para o exame de Bernice quando ela
tivesse a oportunidade. Sally apanhou o mais de cima na pilha, um grande jornal
do Litoral Oeste. Não encontrou nada acerca do caso na primeira página, mas a
segunda página trazia uma história, juntamente com uma fotografia nada
lisonjeira tirada de Tom Harris e seu advogado no tribunal. A descrição abaixo
da fotografia identificava-os como "suposto abusador de crianças Tom Harris
e advogado Wayne Corrigan".
Eram só más notícias para a
Academia do Bom Pastor.
Ela encontrou um editorial no
segundo jornal. A ACAL não podia tê-lo escrito melhor.
"Este será um caso que
estabelecerá precedentes, interpretando o Decreto Federal de Assistência a
Creches e Escolas Primárias Particulares, e definindo se o estado pode quebrar
o muro de separação a fim de proteger crianças inocentes de danos causados em
nome da liberdade religiosa.
"A liberdade de religião
faz parte da nossa herança, mas liberdade de religião não significa liberdade
para abusar. É a nossa esperança que esse caso estabeleça de uma vez por todas
um mandato obrigatório legal e social de que a prática religiosa, embora livre,
não deve jamais infringir as leis do estado, mas estar sujeita ao estado para o
bem de todos."
Parecia tão virtuoso, tão
americano, tão certo! Mas o autor nunca havia encontrado Amber Brandon. Nenhum dos
jornalistas do país jamais havia olhado dentro daqueles olhos demoníacos e
ouvido aquela voz zombeteira, acusadora. Jamais haviam sido vítimas da ira e
ruína que os antigos associados de Sally podiam espalhar. Ao contrário, era
como se, na hora certa, estivessem escrevendo, reportando, selecionando e
interpretando as mesmas idéias e opiniões, como se o mesmo instrutor a todos
houvesse ensinado.
Não posso ficar aqui, pensou
Sally. Tenho de continuar. Tenho de terminar.
— Ei, Betty! — Era Bernice,
parada à porta parecendo um tanto desgastada. — Desculpe esta loucura que está
havendo por aqui, mas acho que consegui pôr as coisas em dia por enquanto. Você
arranjou alguma coisa para fazer?
Sally colocou o jornal sobre
a mesa.
— Oh, eu lia o jornal e os
itens que vinha pelo telégrafo. É interessante. Bernice podia perceber que ela
estava perturbada com alguma coisa.
— Como está passando? Sally
evadiu a pergunta.
— Acho que existe um ônibus
que parte dentro de uma hora. Preciso tomá-lo.
— Indo adiante tão cedo?
— Será que... Tudo bem se eu
ficar com seu endereço e número de telefone? Gostaria de poder entrar em contato
com você mais tarde.
— Claro que sim. — Bernice
escreveu-os num pedaço de papel.
— Oh, e o endereço do Clarim
também?
Bernice escreveu aquilo também,
e entregou-lho. Então ela olhou por um momento a preocupação nos olhos de
Sally.
— Alguma outra coisa que eu
possa fazer?
Sally pensou por um momento
com um sorriso tímido no rosto.
— Bem... você poderia orar
por mim. Nunca se sabe, poderia dar certo. Cheryl chamou lá da frente:
— Bernice, é a Oficina do
Jake no telefone...
— Ligo para eles depois.
— Ele vai sair em dez
minutos. Precisa falar com você agora. Bernice se sentia obviamente frustrada,
e olhou para Sally desculpando-se.
— Ouça, depois deste, chamado
vamos simplesmente cair fora daqui. Levarei você para almoçar, está bem?
Sally sorriu. Isso foi tudo.
— Humm... existe um Correio
por aqui?
— Claro, apenas dois
quarteirões subindo a rua no lado direito. Fica no caminho da rodoviária. Posso
deixá-la por ali.
— Ótimo.
— Dê-me um segundo, está bem?
Bernice foi às pressas ao
escritório de Marshall e atendeu ao chamado da Oficina do Jake. Jake podia
falar e falar a respeito da mesma coisa repetidas vezes como se não tivesse
nada mais para fazer com seu tempo e ninguém mais também tivesse.
— Está bem, claro, mudaremos
aquele anúncio no jornal de domingo, está bem? — Ele voltou ao início e começou
a conversa toda de novo, e Bernice movia os lábios acompanhando as palavras. —
Não, escute, você já me disse. Cuidaremos disso para a sexta-feira. — Ele
pôs-se a grasnar. — Bem, esse número já saiu, é coisa do passado, não podemos
mudar isso agora. — Ela deu com o punho na escrivaninha. Aquele sujeito era
impossível! — Está bem, escute, Jake, você conhece os nossos prazos tão bem
quanto qualquer um; não me venha com essa! Você terá a mudança na sexta. Sim, é
uma garantia. Ei, você não disse à Cheryl que tinha de sair em dez minutos?
Está atrasado. Até logo.
Ela desligou e saiu correndo
do escritório, agarrando o casaco.
— Muito bem, Betty, vamos dar
o fora daqui! Betty?
Ela entrou na sala do
teletipo. Betty se fora. Ela saiu para o corredor.
— Cheryl? — Oi!
— Onde está a Betty?
— Ela saiu.
Aquela doeu. A primeira
pergunta que Bernice fez a si mesma foi: O que foi que fiz? Puxa vida, é o que
não fiz! Aquela pobre mulher. Não a culpo. Não devia tê-la convidado a vir a
este hospício!
Ela saiu às pressas para a
rua, mas Betty Smith não podia ser vista em parte alguma. O pensamento inicial
de Bernice foi o de correr atrás dela, ou pegar o carro e tentar encontrá-la,
mas depois esse pensamento se esvaiu enquanto um mais prático tomou o seu lugar
Provavelmente é assim que ela quer que seja. É apenas o seu modo de ser,
coitadinha. Ora. Talvez ela escreva ou telefone um dia desses.
Talvez. Bernice sentia-se
péssima.
Ela voltou para dentro.
Tom saiu da sala dos fundos.
— Olhe, o que diz daquele
anúncio do Jake? Cheryl falou que você conversou com ele.
— Estamos mudando a redação.
Cheryl tem o novo anúncio, por isso diga ao George para fazer a composição
imediatamente.
— Está bem. Mas e aquele
concurso de latas de alumino? Tem certeza que deseja que ele apareça na página
3?
Bernice continuou andando
pelo corredor, a mente ocupada.
— Primeiro mude o anúncio do
Jake, e depois eu darei uma olhada na página 3.
— Bem, eu preciso saber...
— Dê-me apenas um segundo,
está bem?Tom rodou nos calcanhares e dirigiu-se aos fundos novamente. Bernice
entrou depressa na sala do teletipo consciente de que devia a Tom um pedido de
desculpas.
Ela deixou-se cair na cadeira
em que Betty Smith havia-se sentado, e tirou um momento para orar. Senhor,
eu podia ter-me saído melhor. Poderia ter-lhe dado meu tempo. Devia ter feito
mais para lhe falar sobre o Senhor... Droga! Que modo tão desagradável de
isso terminar!
Seu olhar recaiu sobre a
cópia do teletipo sobre a mesa, um item de Westhaven...
Westhaven? Ela agarrou a
cópia do teletipo e examinou-a. Sim. Era a última notícia a respeito do caso da
Academia do Bom Pastor em Baskon!
O guerreiro Triskal estava na sala do teletipo com ela, apenas olhando. Ele tinha as suas ordens, e agora era a hora certa. Ele tocou-lhe delicadamente os olhos.
Muito bem, Bernice. Está na
hora de você ver.
Bernice viu o jornal aberto na página editorial. Ela viu o editorial. Academia do Bom Pastor. Baskon.
Betty tinha estado a ler a
respeito daquele caso! Era por isso que ela parecia tão perturbada, tão calada?
Uma mulher sozinha, viajando, evasiva...
Era como se uma facada lhe
atravessasse o coração. Marshall não lhe havia falado de uma mulher a quem eles
tentavam encontrar?
Ela explodiu da sala e correu
ao escritório de Marshall.
Bev Cole desligou o aspirador e atendeu ao telefone.
— Alô?
Bernice estava frenética.
— É da residência dos Coles?
— É, sim.
— Marshall Hogan está? Aqui é
a assistente dele no Clarim de Ashton, Bernice Krueger.
— Oh, ele não está no
momento. Posso avisá-lo que ligue para você.
— Bem, com quem estou
falando?
— Sou Bev Cole.
— Você sabe alguma coisa a
respeito do caso da Academia do Bom Pastor?
— Minha nossa, se sei!
— E aquela mulher que havia
sumido? Sabe alguma coisa a respeito disso? — Oh, está falando de Sally Roe?
Bernice reconheceu o nome.
— Sim! Ela mesma! Sabe que cara
ela tem? Bev tropeçou um tanto naquela pergunta.
— Bem... nunca a vimos em
pessoa. Tudo o que temos é um pacote de fotos da policia e dos jornais, e não
são muito boas...
— Ela tem cabelo comprido,
preto?
— Não, acho que é ruiva.
— E a idade?
— Acho que tem em torno de
trinta e seis anos agora.
— Você pode me mandar uma dessas
fotos?
— Quer que eu as coloque no
correio para você?
— Pode mandar pelo fax?
Preciso delas agora mesmo. Bev ficou agitada.
— Bem, a única máquina de fax
da cidade fica lá na Secretaria da Judy, e Ben saiu com o carro.
Bernice deu a Bev o número do
fax do Clarim.
— Mande-as para mim imediatamente, assim que puder, está
bem? Mande-me tudo o que tiver sobre ela. E faça o Marshall ligar para mim.
— Ei, o que está acontecendo
por aí?
— Tenho de desligar. Por
favor, dê um jeito de me mandar essa foto!
— Está bem, vou dar.
Bernice desligou e correu ao
escritório da frente.
— Cheryl, pegue as suas
chaves! Temos de encontrar a Betty! Cheryl soergueu-se de sua mesa, ainda sem
saber o que acontecia.
— O que...
Bernice agarrou a bolsa e
enfiou nela a mão à procura de suas próprias chaves.
— Vá à rodoviária e veja se
ela está lá. Eu verificarei o Correio. Se a encontrar, detenha-a e chame o meu
bipe.
Cheryl levantou-se e agarrou
o casaco. Ela não tinha idéia do que era tudo aquilo, mas Bernice parecia tão
desesperada que tinha de ser importante.
Lucy Brandon destravou a porta da frente e ficou para trás a fim de certificar-se de que Amber entrasse.
— Entre, Amber. — Nada
aconteceu. — Ametista, entre, e trate de ficar quietinha.
Ametista obedeceu, movendo-se
um tanto rígida, o rosto amuado. Ela dirigiu-se à escada na entrada da frente e
sentou-se no primeiro degrau, o queixo nas mãos. Então ficou olhando furiosa
para a mãe de Amber enquanto Lucy fechava a porta e pendurava o casaco.— Como
se atreve a trazer-me para casa! — disse ela por fim numa voz baixa, agitada.
Lucy estava zangada o
suficiente a essa altura para enfrentar diretamente essa criatura.
— Tive de fazê-lo, e você
sabe disso! A Srta. Brewer recusou-se a deixar você continuar na classe.
Ametista arreganhou os dentes
de Amber num rosnado animalesco.
— Ela não sabe o que quer!
Primeiro, fui convidada, e agora sou rejeitada! A Srta. Brewer é uma traidora e
uma tola!
Lucy inclinou-se bastante
sobre Ametista e falou-lhe diretamente:
— E você e um diabrete sujo,
destrutivo e desrespeitoso! Ametista rosnou para ela.
Lucy esbofeteou-lhe
sonoramente o rosto.
— Não rosne comigo, seu
monstrinho! Mas Ametista caiu numa risada diabólica.
— Por que está esbofeteando a
sua filha?
Lucy murchou um pouquinho.
Ela não sabia o que fazer.
— Quero que saia da minha
filha. Quero que a deixe em paz! Ametista sorriu com insolência.
— Sua filha é minha. Ela me
convidou a entrar, e agora a tenho. Ela é minha. — Então ela apontou o dedo bem
no rosto de Lucy. — E você também é minha. Fará o que eu mandar!
Lucy sentiu uma fúria
terrível e chegou a erguer a mão, mas teve de parar.
Ametista escarneceu dela.
— Vamos. Esbofeteie-a
novamente.
— Não! Não vai fazer isso conosco!
— Lucy chamou: — Amber! Amber, acorde! Amber, responda-me!
— Ela não a pode ouvir.
Uma fórmula, uma tradição do
passado de Lucy, veio-lhe à mente.
— Em nome de Jesus Cristo, eu
lhe ordeno que saia dela! Ametista ergueu as sobrancelhas em pretenso horror.
— Oh, agora você está jogando
esse nome por aí! Ah! O que Jesus é para você?
Lucy não sabia porque agarrou
o corpo de Amber. Foi um ato impensado, desesperado. Ela tentava encontrar a
filha nalguma parte daquele corpinho.
— Amber!
PLAFT! Lucy tropeçou para trás, a mão no rosto, atordoada.
Como um animal selvagem escapando de uma jaula, Ametista disparou da entrada. O
sangue pingava do nariz de Lucy; ela enfiou a mão no bolso à procura de um
lenço enquanto corria em volta do canto rumo à sala de jantar, bateu de
encontro à mesa, recuperou-se, passou pelo umbral da porta da cozinha. Ela
podia ouvir talheres retinindo à sua direita.
Ametista havia aberto a
gaveta de facas. Amber segurava uma faca contra a própria garganta.
— Pare ou eu...
Mas essa era a mãe de Amber,
furiosa de raiva e instinto maternal. Lucy apertou o braço que segurava a faca
e deu-lhe um safanão com tanta força que todo o corpo de Amber ergueu-se do
chão enquanto Ametista berrava. Lucy foi de encontro ao balcão atrás de si,
machucando a coluna. A mão não soltava a faca.
A gaveta abriu-se com força;
facões, facas serrilhadas, utensílios, tudo voou através da cozinha e foi bater
com estrépito nas portas do armário oposto.
Ametista rosnava, xingava,
cuspia no rosto de Lucy. Sua força era incrível.
Lucy conseguiu fazê-la soltar
a faca, que caiu, ficou parada no meio do ar, girou, e dirigiu-se de ponta a
Lucy.
— Aauu, Mãezinha! — veio a
voz de Amber.
Lucy rodopiou, desviando-se,
quando a faca passou por ela e foi enterrar-se no tapete da sala de jantar. Ela
caiu ao chão com Amber ainda nos braços.
Amber soltou um berro longo,
angustiado de terror.
— Mãezinha... Mãezinha!
Lucy apertou-a contra si. O
sangue ainda pingava do nariz de Lucy. Ela o limpou com a mão.
— Mãezinha...
— Eu a amo, Amber. — Lucy
chorou de dor e medo. — Estou aqui mesmo, meu bem. Você está comigo.
— Mãezinha, por que faço
coisas más?
— Não é você, querida. Não é
você.
— Não sei por que sou má!
Lucy segurou-a com força. Por
enquanto, ela tinha a filha de volta.
— Psssiuu. Não foi você. Não
foi você.
Bernice e Cheryl retornaram ao escritório duas horas mais tarde sem nada para mostrar por seus esforços frenéticos. Bernice havia verificado no Correio, mas a funcionária de plantão nada sabia a respeito de alguma mulher estranha ter passado por ali; outra funcionária podia tê-la visto, mas havia saído agora para almoçar. Cheryl deu uma busca na rodoviária e até esperou para ver se a misteriosa Betty Smith aparecia, mas não havia nem sinal dela. Houve, contudo, um ônibus que ia para o leste e que havia partido apenas momentos antes de Cheryl chegar lá. As duas moças procuraram para baixo e para cima nas ruas que ficavam entre o Clarim e a rodoviária, mas Betty Smith/Sally Roe se fora.
Assim que Bernice pôs os pés
na porta, Tom e George tinham uma porção de perguntas.
Bernice falou enquanto pendurava
o casaco.
— Cole o anúncio de Jake na
página 4 e empurre um pouco o quadro do Seguro; apenas tire aqueles anúncios
pessoais e os coloque ao lado dos classificados desta vez. Passe a doze pontos
em vez de dezesseis para aquela notificação, e troque "uiva" por
"late", faremos um trocadilho com isso.
— É — disse George — pensei
nisso.
Por enquanto, eles estavam
satisfeitos. Bernice averiguou a máquina de fax, aninhada contra a parede do escritório
da frente, próxima à copiadora. Eles haviam recebido uma transmissão — a longa
resma de papel despejava para fora da máquina e revirava em diversas dobras
sobre si mesma no chão. Ela a rasgou cuidadosamente e então encontrou a
primeira página.
Cheryl também estava ali a
fim de ver. Ali, o olhar vazio acima do número de identidade numa foto
policial, estava Betty Smith, vulgo Sally Beth Roe.
— É melhor eu chamar o Marshall
— disse Bernice numa voz fraca. — Ele vai me amar por isto.
Cheryl perguntou:
— E Sara Barker? Sally Roe
ficou na pensão dela. Talvez ela saiba alguma coisa a respeito dos planos de
Sally.
— Ligue para ela.
Bernice entrou em contato com
a residência dos Coles em Baskon. Dessa vez, Ben Cole estava lá.
— Você recebeu aquele fax? —
perguntou ele.
— Sim, Ben, muito obrigada, e
agradeça à Bev também. Preciso falar com o Marshall.
— Bem, ele ainda está fora, à
caça de informação.
— Bem, tenho uma para ele. Faça
com que ele me chame, está bem? Estarei ou no escritório do Clarim ou em
casa.
Na escola de primeiro grau, o Sr. Woodard era todo sorrisos e amabilidade ao entregar o currículo Descobrindo o Verdadeiro Eu por cima do balcão do escritório a Kate Hogan.
— Pronto. Na realidade, não
era preciso uma ultimação. Sei que o teríamos achado mais cedo ou mais tarde.
— Bem, nunca atrapalha
cutucar a memória de alguém um pouquinho — disse Kate. — Muito obrigada.
Ela dirigiu-se apressada ao
carro, a grossa pasta debaixo do braço. Era quase impossível crer que
verdadeiramente tinha a posse desse documento. Agora a questão era: será que
ele responderia a alguma pergunta ou confirmaria algum palpite?
Assim que entrou no carro,
ela abriu o currículo na primeira página.
A publicadora: Centro Ômega
para Estudos Educacionais, Fairwood, Massachusetts.
O titulo: Encontrando o
Verdadeiro Eu: Estudos em Auto-Estima e Satisfação Pessoal para as Quartas
Séries.
As autoras: Dee Danworth e
Marian Newman.
Ela leu cada palavra da
página da frente, e deu uma olhada rápida nas páginas introdutórias em busca de
alguma pista, qualquer coisa que pudesse ligar a Sally Roe. Até ali, nada.
Bem... se estivesse em algum
lugar, ela a encontraria. Deu partida no carro e dirigiu de volta à casa dos
Coles.
Quando Bernice ligou para Hank Busche, estava quase em lágrimas.
— Ela esteve bem aqui, Hank,
bem debaixo do meu nariz, e eu não percebi; jamais me ocorreu! A vida dela está
em perigo, e nós podíamos tê-la ajudado, e eu a deixei escapar!
Hank ficou igualmente chocado
e consternado.
— É incrível. Eu conversei com ela quando estive na casa
dos Barkers, e pude sentir um toque do Senhor então. Eu simplesmente sabia que
ela estava aqui com uma verdadeira necessidade.
— Temos de orar para que a encontremos,
que ela me escreva ou ligue ou alguma coisa!
— Vou fazer uns chamados.
Faremos alguma coisa começar a acontecer.
Triskal e Krioni flutuavam bem acima da cidade de Ashton, suas asas agitando-se impetuosamente, vertendo trilhas ondulantes, faiscantes de luz. As orações começavam por toda a cidade, e o Espírito de Deus despertava mais outras.
— Agora sim — disse Krioni. —
Isso deverá fazer diferença em Baskon!
— Esperemos apenas que não
seja tarde demais! — comentou Triskal.
Em toda a cidade de Ashton, com um propósito único, os santos se ajoelharam onde quer que se encontrassem — ao lado das camas, próximos a sofás e cadeiras nas salas de estar, numa garagem perto de um calhambeque, próximos ao televisor que havia sido desligado naquele momento importante, sobre uma pia onde havia pratos de molho em espuma. Alguns visitavam amigos, e todos juntos buscaram o Senhor, as crianças de idade escolar pausaram em suas lições de casa para dar uma palavrinha; avós e parentes por todo o pais uniram-se às orações via telefone.
Oraram por essa mulher, essa
estranha desconhecida, misteriosa e atormentada que se chamava Sally Roe.
Oraram pela sua segurança e para que ela encontrasse fosse lá o que fosse que
procurava.
Acima de tudo, oraram para
que ela se voltasse para Deus e encontrasse Jesus Cristo.
Oraram por um lugar do qual
nunca tinham ouvido falar antes: Baskon. Buscaram o Senhor em favor dos crentes
de lá, e pediram um vitória real em sua hora de assédio e luta. Ataram os
espíritos demoníacos em nome de Jesus e por sua autoridade, proibindo-os de
fomentar mais discórdias entre aquela gente.
Bernice deixou de jantar a
fim de poder jejuar aquela noite. Ela passou o tempo sentada no sofá em seu
apartamento, orando e esperando que o telefone tocasse. Finalmente, ele tocou
em torno das sete horas.
— Alô?
— Bernie, aqui é Marshall.
— Marshall! — Então Bernice
engasgou. — Alô?
Ela disse de sopetão.
— Marshall, ela esteve aqui!
Marshall soube imediatamente
do que Bernice falava, mas não quis acreditar.
— Estamos falando de Sally
Roe?
— Ela esteve aqui, Marshall,
bem aqui em Ashton!
— Onde está ela agora?
Bernice encolheu-se no sofá,
profundamente deprimida.
— Não sei. Eu não sabia quem
ela era até ela ter saído da cidade de ônibus. Ela estava hospedada na casa de
Sara Barker...
Bernice contou a Marshall
tudo o que sabia: como havia conhecido Sally Roe na igreja, almoçado com ela, e
tentado conversar com ela no Clarim, mas ficado simplesmente ocupada
demais.
Marshall tinha de ser o homem
mais frustrado do mundo naquele momento. Bernice podia ouvi-lo tentando
esconder, tentando permanecer calmo e educado.
— Temos de encontrá-la,
Bernie. Temos de encontrá-la.
— Eu sei.
— Ela disse alguma coisa a
respeito do caso?
— Ela o está acompanhando,
Marshall. Estava lendo uma cópia do teletipo que chegou hoje, e algumas
histórias dos jornais a respeito dele. Ela pareceu bem perturbada com essa
última decisão.
Marshall ficou em silêncio
novamente. Bernice podia vê-lo mastigando a lista telefônica.— Bem... ela
estava coerente?
— Muito coerente,
inteligente, eloqüente. E acho que muito faminta espiritualmente. Falamos de
Jesus e da Cruz durante o almoço no domingo. Ela não pareceu aceitar, mas
compreendeu. — Então ela acrescentou: — Mas foi muito evasiva acerca de si
mesma. Reservada. Não quis falar de si de forma alguma.
— Isso se parece com tudo o
mais que ouvi a respeito dela. Você recebeu aquelas fotos policiais de Ben?
— Sim, pelo fax. É ela.
— Finalmente vi o currículo Encontrando
o Verdadeiro Eu hoje.
— Puxa vida, não me diga...
— Não digo. Não há conexão
visível. Mas o conteúdo é uma confirmação sólida do que a Srta. Brewer está
fazendo com a criançada na classe, juntamente com todo aquele negócio
humanista, cósmico de sempre: coletivismo, consciência global, estados alterados,
relativismo...
— Todos os ismos de sempre...
— Mas nenhuma menção em parte
alguma de que Sally Roe teve qualquer coisa a ver com ele. Por isso ainda não
sabemos a que vem toda essa tentativa de homicídio, ou o que Sally Roe tem a
ver com este caso, e gastei uma porção de tempo precioso.
— Ela pegou o número do meu
telefone e o meu endereço comigo.
— Fora de piada?
— Por isso ainda há
esperança.
— Sim, e temos esperança de
muita coisa. Continue orando.
— Oh, estamos todos orando
por vocês, Marshall, agora mesmo. O grupo todo de crentes daqui.
— Ótimo! Precisamos que
alguma coisa surja, e logo, logo!