terça-feira, 8 de junho de 2021

Este mundo tenebroso - parte 2 - capítulo 33


 Era manha de terça-feira e o Clarim de Ashton estava nas bancas, nas mercearias, nas varandas da frente por toda a

cidade. Antigamente, isso significava que as coisas estariam um tanto mais calmas no escritório do Clarim; que Cheryl, a repórter novata, podia relaxar e pôr em dia as propagandas dos clientes; Tom, o homem que colava os artigos, podia ir pescar ou trabalhar em casa no seu quintal, e George, o tipógrafo, podia dormir até mais tarde.

Bem, essa terça-feira as coisas estavam um pouco diferentes. O editor durão e exigente do Clarim cuidava de uma missão — cuja natureza ele nunca chegou a explicar claramente — mas isso não significava que haveria qualquer tipo de férias. Na realidade, por Marshall ser tão trabalhador, significava que havia mais serviço do que antes, e Bernice Krueger, agora ocupando o lugar de Marshall, podia ser tão dura, exigente e eficiente quando o patrão.

Por isso, a terça-feira rodava num ritmo animado, todos presentes, trabalhando duro, e Bernice nunca parecia estar em uma sala ou cadeira por mais do que dois minutos de cada vez. Com papéis, galeras ou uma xícara de café na mão, ela constantemente corria à frente a fim de verificar a história de revisão do trânsito que Cheryl tentava arrancar da turma responsável por construção de estradas no município, depois dirigindo-se aos fundos com mais matéria para o George tipografar, depois correndo ao escritório fechado a vidro de Marshall para atender telefonemas, depois correndo à recepção a fim de servir um cliente porque Cheryl se ocupava anotando um anúncio pelo telefone.

Eu vou conversar com a Betty Smith, ficava Bernice a dizer-se. Haja o que houver, quando o meu almoço vier, ou durante o cafezinho, ou alguma coisa, vou sentar-me e conversar com ela; ela deve pensar que sou tão sem educação, convidando-a para vir aqui apenas para igno­rá-la!Mas até então, a "Betty Smith" não se sentia negligenciada ou humilha­da. Sentava-se na sala do teletipo, vendo as noticias chegarem ruidosamen­te pelos fios telegráficos. Na última meia hora, essa atividade havia sido interessante — nos últimos minutos, havia sido absorvente. Ela agora tinha uma noticia especial na mão, e devorava as novidades.

"WESTHAVEN — A Juíza Federal Regional Emily R. Fletcher decidiu hoje que uma criança de dez anos, a principal testemunha no tão divulgado caso de abuso infantil da Academia do Bom Pastor, não será obrigada a depor ou ser examinada por psicólogos da defesa, concordando com os advogados de acusação que questionamento e exame suplementares da criança poderiam ser prejudiciais.

"Citando avaliações peritas oferecidas pelo psicólogo Dr. Alan Manda­nhi, a Juíza Fletcher concluiu que o estado mental da criança encontra-se em situação muito tenra e vulnerável devido aos supostos abusos, e que qualquer relato suplementar dos mesmos provocariam danos ainda maio­res.

"'Estamos aqui para falar pelas crianças', disse ela, 'e protegê-las de abuso. Não podemos justificar ainda outros abusos no esforço de preven­ção do mesmo.'"

Diversos diários de todo o país encontravam-se prontos sobre a mesa para o exame de Bernice quando ela tivesse a oportunidade. Sally apanhou o mais de cima na pilha, um grande jornal do Litoral Oeste. Não encontrou nada acerca do caso na primeira página, mas a segunda página trazia uma história, juntamente com uma fotografia nada lisonjeira tirada de Tom Harris e seu advogado no tribunal. A descrição abaixo da fotografia identificava-os como "suposto abusador de crianças Tom Harris e advoga­do Wayne Corrigan".

Eram só más notícias para a Academia do Bom Pastor.

Ela encontrou um editorial no segundo jornal. A ACAL não podia tê-lo escrito melhor.

"Este será um caso que estabelecerá precedentes, interpretando o Decreto Federal de Assistência a Creches e Escolas Primárias Particulares, e definindo se o estado pode quebrar o muro de separação a fim de proteger crianças inocentes de danos causados em nome da liberdade religiosa.

"A liberdade de religião faz parte da nossa herança, mas liberdade de religião não significa liberdade para abusar. É a nossa esperança que esse caso estabeleça de uma vez por todas um mandato obrigatório legal e social de que a prática religiosa, embora livre, não deve jamais infringir as leis do estado, mas estar sujeita ao estado para o bem de todos."

Parecia tão virtuoso, tão americano, tão certo! Mas o autor nunca havia encontrado Amber Brandon. Nenhum dos jornalistas do país jamais havia olhado dentro daqueles olhos demoníacos e ouvido aquela voz zombeteira, acusadora. Jamais haviam sido vítimas da ira e ruína que os antigos associados de Sally podiam espalhar. Ao contrário, era como se, na hora certa, estivessem escrevendo, reportando, selecionando e interpretando as mesmas idéias e opiniões, como se o mesmo instrutor a todos houvesse ensinado.

Não posso ficar aqui, pensou Sally. Tenho de continuar. Tenho de terminar.

— Ei, Betty! — Era Bernice, parada à porta parecendo um tanto desgas­tada. — Desculpe esta loucura que está havendo por aqui, mas acho que consegui pôr as coisas em dia por enquanto. Você arranjou alguma coisa para fazer?

Sally colocou o jornal sobre a mesa.

— Oh, eu lia o jornal e os itens que vinha pelo telégrafo. É interessante. Bernice podia perceber que ela estava perturbada com alguma coisa.

— Como está passando? Sally evadiu a pergunta.

— Acho que existe um ônibus que parte dentro de uma hora. Preciso tomá-lo.

— Indo adiante tão cedo?

— Será que... Tudo bem se eu ficar com seu endereço e número de telefone? Gostaria de poder entrar em contato com você mais tarde.

— Claro que sim. — Bernice escreveu-os num pedaço de papel.

— Oh, e o endereço do Clarim também?

Bernice escreveu aquilo também, e entregou-lho. Então ela olhou por um momento a preocupação nos olhos de Sally.

— Alguma outra coisa que eu possa fazer?

Sally pensou por um momento com um sorriso tímido no rosto.

— Bem... você poderia orar por mim. Nunca se sabe, poderia dar certo. Cheryl chamou lá da frente:

— Bernice, é a Oficina do Jake no telefone...

— Ligo para eles depois.

— Ele vai sair em dez minutos. Precisa falar com você agora. Bernice se sentia obviamente frustrada, e olhou para Sally desculpando-se.

— Ouça, depois deste, chamado vamos simplesmente cair fora daqui. Levarei você para almoçar, está bem?

Sally sorriu. Isso foi tudo.

— Humm... existe um Correio por aqui?

— Claro, apenas dois quarteirões subindo a rua no lado direito. Fica no caminho da rodoviária. Posso deixá-la por ali.

— Ótimo.

— Dê-me um segundo, está bem?

Bernice foi às pressas ao escritório de Marshall e atendeu ao chamado da Oficina do Jake. Jake podia falar e falar a respeito da mesma coisa repetidas vezes como se não tivesse nada mais para fazer com seu tempo e ninguém mais também tivesse.

— Está bem, claro, mudaremos aquele anúncio no jornal de domingo, está bem? — Ele voltou ao início e começou a conversa toda de novo, e Bernice movia os lábios acompanhando as palavras. — Não, escute, você já me disse. Cuidaremos disso para a sexta-feira. — Ele pôs-se a grasnar. — Bem, esse número já saiu, é coisa do passado, não podemos mudar isso agora. — Ela deu com o punho na escrivaninha. Aquele sujeito era impos­sível! — Está bem, escute, Jake, você conhece os nossos prazos tão bem quanto qualquer um; não me venha com essa! Você terá a mudança na sexta. Sim, é uma garantia. Ei, você não disse à Cheryl que tinha de sair em dez minutos? Está atrasado. Até logo.

Ela desligou e saiu correndo do escritório, agarrando o casaco.

— Muito bem, Betty, vamos dar o fora daqui! Betty?

Ela entrou na sala do teletipo. Betty se fora. Ela saiu para o corredor.

— Cheryl? — Oi!

— Onde está a Betty?

— Ela saiu.

Aquela doeu. A primeira pergunta que Bernice fez a si mesma foi: O que foi que fiz? Puxa vida, é o que não fiz! Aquela pobre mulher. Não a culpo. Não devia tê-la convidado a vir a este hospício!

Ela saiu às pressas para a rua, mas Betty Smith não podia ser vista em parte alguma. O pensamento inicial de Bernice foi o de correr atrás dela, ou pegar o carro e tentar encontrá-la, mas depois esse pensamento se esvaiu enquanto um mais prático tomou o seu lugar Provavelmente é assim que ela quer que seja. É apenas o seu modo de ser, coitadinha. Ora. Talvez ela escreva ou telefone um dia desses.

Talvez. Bernice sentia-se péssima.

Ela voltou para dentro.

Tom saiu da sala dos fundos.

— Olhe, o que diz daquele anúncio do Jake? Cheryl falou que você conversou com ele.

— Estamos mudando a redação. Cheryl tem o novo anúncio, por isso diga ao George para fazer a composição imediatamente.

— Está bem. Mas e aquele concurso de latas de alumino? Tem certeza que deseja que ele apareça na página 3?

Bernice continuou andando pelo corredor, a mente ocupada.

— Primeiro mude o anúncio do Jake, e depois eu darei uma olhada na página 3.

— Bem, eu preciso saber...

— Dê-me apenas um segundo, está bem?Tom rodou nos calcanhares e dirigiu-se aos fundos novamente. Bernice entrou depressa na sala do teletipo consciente de que devia a Tom um pedido de desculpas.

Ela deixou-se cair na cadeira em que Betty Smith havia-se sentado, e tirou um momento para orar. Senhor, eu podia ter-me saído melhor. Poderia ter-lhe dado meu tempo. Devia ter feito mais para lhe falar sobre o Senhor... Droga! Que modo tão desagradável de isso terminar!

Seu olhar recaiu sobre a cópia do teletipo sobre a mesa, um item de Westhaven...

Westhaven? Ela agarrou a cópia do teletipo e examinou-a. Sim. Era a última notícia a respeito do caso da Academia do Bom Pastor em Baskon!

O guerreiro Triskal estava na sala do teletipo com ela, apenas olhando. Ele tinha as suas ordens, e agora era a hora certa. Ele tocou-lhe delicada­mente os olhos.

Muito bem, Bernice. Está na hora de você ver.

Bernice viu o jornal aberto na página editorial. Ela viu o editorial. Academia do Bom Pastor. Baskon.

Betty tinha estado a ler a respeito daquele caso! Era por isso que ela parecia tão perturbada, tão calada? Uma mulher sozinha, viajando, evasiva...

Era como se uma facada lhe atravessasse o coração. Marshall não lhe havia falado de uma mulher a quem eles tentavam encontrar?

Ela explodiu da sala e correu ao escritório de Marshall.

Bev Cole desligou o aspirador e atendeu ao telefone.

— Alô?

Bernice estava frenética.

— É da residência dos Coles?

— É, sim.

— Marshall Hogan está? Aqui é a assistente dele no Clarim de Ashton, Bernice Krueger.

— Oh, ele não está no momento. Posso avisá-lo que ligue para você.

— Bem, com quem estou falando?

— Sou Bev Cole.

— Você sabe alguma coisa a respeito do caso da Academia do Bom Pastor?

— Minha nossa, se sei!

— E aquela mulher que havia sumido? Sabe alguma coisa a respeito disso? — Oh, está falando de Sally Roe? Bernice reconheceu o nome.

— Sim! Ela mesma! Sabe que cara ela tem? Bev tropeçou um tanto naquela pergunta.

— Bem... nunca a vimos em pessoa. Tudo o que temos é um pacote de fotos da policia e dos jornais, e não são muito boas...

— Ela tem cabelo comprido, preto?

— Não, acho que é ruiva.

— E a idade?

— Acho que tem em torno de trinta e seis anos agora.

— Você pode me mandar uma dessas fotos?

— Quer que eu as coloque no correio para você?

— Pode mandar pelo fax? Preciso delas agora mesmo. Bev ficou agitada.

— Bem, a única máquina de fax da cidade fica lá na Secretaria da Judy, e Ben saiu com o carro.

Bernice deu a Bev o número do fax do Clarim.

Mande-as para mim imediatamente, assim que puder, está bem? Mande-me tudo o que tiver sobre ela. E faça o Marshall ligar para mim.

— Ei, o que está acontecendo por aí?

— Tenho de desligar. Por favor, dê um jeito de me mandar essa foto!

— Está bem, vou dar.

Bernice desligou e correu ao escritório da frente.

— Cheryl, pegue as suas chaves! Temos de encontrar a Betty! Cheryl soergueu-se de sua mesa, ainda sem saber o que acontecia.

— O que...

Bernice agarrou a bolsa e enfiou nela a mão à procura de suas próprias chaves.

— Vá à rodoviária e veja se ela está lá. Eu verificarei o Correio. Se a encontrar, detenha-a e chame o meu bipe.

Cheryl levantou-se e agarrou o casaco. Ela não tinha idéia do que era tudo aquilo, mas Bernice parecia tão desesperada que tinha de ser impor­tante.

Lucy Brandon destravou a porta da frente e ficou para trás a fim de certificar-se de que Amber entrasse.

— Entre, Amber. — Nada aconteceu. — Ametista, entre, e trate de ficar quietinha.

Ametista obedeceu, movendo-se um tanto rígida, o rosto amuado. Ela dirigiu-se à escada na entrada da frente e sentou-se no primeiro degrau, o queixo nas mãos. Então ficou olhando furiosa para a mãe de Amber enquanto Lucy fechava a porta e pendurava o casaco.— Como se atreve a trazer-me para casa! — disse ela por fim numa voz baixa, agitada.

Lucy estava zangada o suficiente a essa altura para enfrentar diretamen­te essa criatura.

— Tive de fazê-lo, e você sabe disso! A Srta. Brewer recusou-se a deixar você continuar na classe.

Ametista arreganhou os dentes de Amber num rosnado animalesco.

— Ela não sabe o que quer! Primeiro, fui convidada, e agora sou rejeitada! A Srta. Brewer é uma traidora e uma tola!

Lucy inclinou-se bastante sobre Ametista e falou-lhe diretamente:

— E você e um diabrete sujo, destrutivo e desrespeitoso! Ametista rosnou para ela.

Lucy esbofeteou-lhe sonoramente o rosto.

— Não rosne comigo, seu monstrinho! Mas Ametista caiu numa risada diabólica.

— Por que está esbofeteando a sua filha?

Lucy murchou um pouquinho. Ela não sabia o que fazer.

— Quero que saia da minha filha. Quero que a deixe em paz! Ametista sorriu com insolência.

— Sua filha é minha. Ela me convidou a entrar, e agora a tenho. Ela é minha. — Então ela apontou o dedo bem no rosto de Lucy. — E você também é minha. Fará o que eu mandar!

Lucy sentiu uma fúria terrível e chegou a erguer a mão, mas teve de parar.

Ametista escarneceu dela.

— Vamos. Esbofeteie-a novamente.

— Não! Não vai fazer isso conosco! — Lucy chamou: — Amber! Amber, acorde! Amber, responda-me!

— Ela não a pode ouvir.

Uma fórmula, uma tradição do passado de Lucy, veio-lhe à mente.

— Em nome de Jesus Cristo, eu lhe ordeno que saia dela! Ametista ergueu as sobrancelhas em pretenso horror.

— Oh, agora você está jogando esse nome por aí! Ah! O que Jesus é para você?

Lucy não sabia porque agarrou o corpo de Amber. Foi um ato impen­sado, desesperado. Ela tentava encontrar a filha nalguma parte daquele corpinho.

— Amber!

PLAFT! Lucy tropeçou para trás, a mão no rosto, atordoada. Como um animal selvagem escapando de uma jaula, Ametista disparou da entrada. O sangue pingava do nariz de Lucy; ela enfiou a mão no bolso à procura de um lenço enquanto corria em volta do canto rumo à sala de jantar, bateu de encontro à mesa, recuperou-se, passou pelo umbral da porta da cozinha. Ela podia ouvir talheres retinindo à sua direita.

Ametista havia aberto a gaveta de facas. Amber segurava uma faca contra a própria garganta.

— Pare ou eu...

Mas essa era a mãe de Amber, furiosa de raiva e instinto maternal. Lucy apertou o braço que segurava a faca e deu-lhe um safanão com tanta força que todo o corpo de Amber ergueu-se do chão enquanto Ametista berrava. Lucy foi de encontro ao balcão atrás de si, machucando a coluna. A mão não soltava a faca.

A gaveta abriu-se com força; facões, facas serrilhadas, utensílios, tudo voou através da cozinha e foi bater com estrépito nas portas do armário oposto.

Ametista rosnava, xingava, cuspia no rosto de Lucy. Sua força era incrível.

Lucy conseguiu fazê-la soltar a faca, que caiu, ficou parada no meio do ar, girou, e dirigiu-se de ponta a Lucy.

— Aauu, Mãezinha! — veio a voz de Amber.

Lucy rodopiou, desviando-se, quando a faca passou por ela e foi enterrar-se no tapete da sala de jantar. Ela caiu ao chão com Amber ainda nos braços.

Amber soltou um berro longo, angustiado de terror.

— Mãezinha... Mãezinha!

Lucy apertou-a contra si. O sangue ainda pingava do nariz de Lucy. Ela o limpou com a mão.

— Mãezinha...

— Eu a amo, Amber. — Lucy chorou de dor e medo. — Estou aqui mesmo, meu bem. Você está comigo.

— Mãezinha, por que faço coisas más?

— Não é você, querida. Não é você.

— Não sei por que sou má!

Lucy segurou-a com força. Por enquanto, ela tinha a filha de volta.

— Psssiuu. Não foi você. Não foi você.

Bernice e Cheryl retornaram ao escritório duas horas mais tarde sem nada para mostrar por seus esforços frenéticos. Bernice havia verificado no Correio, mas a funcionária de plantão nada sabia a respeito de alguma mulher estranha ter passado por ali; outra funcionária podia tê-la visto, mas havia saído agora para almoçar. Cheryl deu uma busca na rodoviária e até esperou para ver se a misteriosa Betty Smith aparecia, mas não havia nem sinal dela. Houve, contudo, um ônibus que ia para o leste e que havia partido apenas momentos antes de Cheryl chegar lá. As duas moças procuraram para baixo e para cima nas ruas que ficavam entre o Clarim e a rodoviária, mas Betty Smith/Sally Roe se fora.

Assim que Bernice pôs os pés na porta, Tom e George tinham uma porção de perguntas.

Bernice falou enquanto pendurava o casaco.

— Cole o anúncio de Jake na página 4 e empurre um pouco o quadro do Seguro; apenas tire aqueles anúncios pessoais e os coloque ao lado dos classificados desta vez. Passe a doze pontos em vez de dezesseis para aquela notificação, e troque "uiva" por "late", faremos um trocadilho com isso.

— É — disse George — pensei nisso.

Por enquanto, eles estavam satisfeitos. Bernice averiguou a máquina de fax, aninhada contra a parede do escritório da frente, próxima à copiadora. Eles haviam recebido uma transmissão — a longa resma de papel despejava para fora da máquina e revirava em diversas dobras sobre si mesma no chão. Ela a rasgou cuidadosamente e então encontrou a primeira página.

Cheryl também estava ali a fim de ver. Ali, o olhar vazio acima do número de identidade numa foto policial, estava Betty Smith, vulgo Sally Beth Roe.

— É melhor eu chamar o Marshall — disse Bernice numa voz fraca. — Ele vai me amar por isto.

Cheryl perguntou:

— E Sara Barker? Sally Roe ficou na pensão dela. Talvez ela saiba alguma coisa a respeito dos planos de Sally.

— Ligue para ela.

Bernice entrou em contato com a residência dos Coles em Baskon. Dessa vez, Ben Cole estava lá.

— Você recebeu aquele fax? — perguntou ele.

— Sim, Ben, muito obrigada, e agradeça à Bev também. Preciso falar com o Marshall.

— Bem, ele ainda está fora, à caça de informação.

— Bem, tenho uma para ele. Faça com que ele me chame, está bem? Estarei ou no escritório do Clarim ou em casa.

Na escola de primeiro grau, o Sr. Woodard era todo sorrisos e amabili­dade ao entregar o currículo Descobrindo o Verdadeiro Eu por cima do balcão do escritório a Kate Hogan.

— Pronto. Na realidade, não era preciso uma ultimação. Sei que o teríamos achado mais cedo ou mais tarde.

— Bem, nunca atrapalha cutucar a memória de alguém um pouquinho — disse Kate. — Muito obrigada.

Ela dirigiu-se apressada ao carro, a grossa pasta debaixo do braço. Era quase impossível crer que verdadeiramente tinha a posse desse documen­to. Agora a questão era: será que ele responderia a alguma pergunta ou confirmaria algum palpite?

Assim que entrou no carro, ela abriu o currículo na primeira página.

A publicadora: Centro Ômega para Estudos Educacionais, Fairwood, Massachusetts.

O titulo: Encontrando o Verdadeiro Eu: Estudos em Auto-Estima e Satisfação Pessoal para as Quartas Séries.

As autoras: Dee Danworth e Marian Newman.

Ela leu cada palavra da página da frente, e deu uma olhada rápida nas páginas introdutórias em busca de alguma pista, qualquer coisa que pudesse ligar a Sally Roe. Até ali, nada.

Bem... se estivesse em algum lugar, ela a encontraria. Deu partida no carro e dirigiu de volta à casa dos Coles.

Quando Bernice ligou para Hank Busche, estava quase em lágrimas.

— Ela esteve bem aqui, Hank, bem debaixo do meu nariz, e eu não percebi; jamais me ocorreu! A vida dela está em perigo, e nós podíamos tê-la ajudado, e eu a deixei escapar!

Hank ficou igualmente chocado e consternado.

É incrível. Eu conversei com ela quando estive na casa dos Barkers, e pude sentir um toque do Senhor então. Eu simplesmente sabia que ela estava aqui com uma verdadeira necessidade.

— Temos de orar para que a encontremos, que ela me escreva ou ligue ou alguma coisa!

— Vou fazer uns chamados. Faremos alguma coisa começar a acontecer.

Triskal e Krioni flutuavam bem acima da cidade de Ashton, suas asas agitando-se impetuosamente, vertendo trilhas ondulantes, faiscantes de luz. As orações começavam por toda a cidade, e o Espírito de Deus despertava mais outras.

— Agora sim — disse Krioni. — Isso deverá fazer diferença em Baskon!

— Esperemos apenas que não seja tarde demais! — comentou Triskal.

Em toda a cidade de Ashton, com um propósito único, os santos se ajoelharam onde quer que se encontrassem — ao lado das camas, próximos a sofás e cadeiras nas salas de estar, numa garagem perto de um calham­beque, próximos ao televisor que havia sido desligado naquele momento importante, sobre uma pia onde havia pratos de molho em espuma. Alguns visitavam amigos, e todos juntos buscaram o Senhor, as crianças de idade escolar pausaram em suas lições de casa para dar uma palavrinha; avós e parentes por todo o pais uniram-se às orações via telefone.

Oraram por essa mulher, essa estranha desconhecida, misteriosa e atormentada que se chamava Sally Roe. Oraram pela sua segurança e para que ela encontrasse fosse lá o que fosse que procurava.

Acima de tudo, oraram para que ela se voltasse para Deus e encontrasse Jesus Cristo.

Oraram por um lugar do qual nunca tinham ouvido falar antes: Baskon. Buscaram o Senhor em favor dos crentes de lá, e pediram um vitória real em sua hora de assédio e luta. Ataram os espíritos demoníacos em nome de Jesus e por sua autoridade, proibindo-os de fomentar mais discórdias entre aquela gente.

Bernice deixou de jantar a fim de poder jejuar aquela noite. Ela passou o tempo sentada no sofá em seu apartamento, orando e esperando que o telefone tocasse. Finalmente, ele tocou em torno das sete horas.

— Alô?

— Bernie, aqui é Marshall.

— Marshall! — Então Bernice engasgou. — Alô?

Ela disse de sopetão.

— Marshall, ela esteve aqui!

Marshall soube imediatamente do que Bernice falava, mas não quis acreditar.

— Estamos falando de Sally Roe?

— Ela esteve aqui, Marshall, bem aqui em Ashton!

— Onde está ela agora?

Bernice encolheu-se no sofá, profundamente deprimida.

— Não sei. Eu não sabia quem ela era até ela ter saído da cidade de ônibus. Ela estava hospedada na casa de Sara Barker...

Bernice contou a Marshall tudo o que sabia: como havia conhecido Sally Roe na igreja, almoçado com ela, e tentado conversar com ela no Clarim, mas ficado simplesmente ocupada demais.

Marshall tinha de ser o homem mais frustrado do mundo naquele momento. Bernice podia ouvi-lo tentando esconder, tentando permanecer calmo e educado.

— Temos de encontrá-la, Bernie. Temos de encontrá-la.

— Eu sei.

— Ela disse alguma coisa a respeito do caso?

— Ela o está acompanhando, Marshall. Estava lendo uma cópia do teletipo que chegou hoje, e algumas histórias dos jornais a respeito dele. Ela pareceu bem perturbada com essa última decisão.

Marshall ficou em silêncio novamente. Bernice podia vê-lo mastigando a lista telefônica.— Bem... ela estava coerente?

— Muito coerente, inteligente, eloqüente. E acho que muito faminta espiritualmente. Falamos de Jesus e da Cruz durante o almoço no domingo. Ela não pareceu aceitar, mas compreendeu. — Então ela acrescentou: — Mas foi muito evasiva acerca de si mesma. Reservada. Não quis falar de si de forma alguma.

— Isso se parece com tudo o mais que ouvi a respeito dela. Você recebeu aquelas fotos policiais de Ben?

— Sim, pelo fax. É ela.

— Finalmente vi o currículo Encontrando o Verdadeiro Eu hoje.

— Puxa vida, não me diga...

— Não digo. Não há conexão visível. Mas o conteúdo é uma confirmação sólida do que a Srta. Brewer está fazendo com a criançada na classe, juntamente com todo aquele negócio humanista, cósmico de sempre: coletivismo, consciência global, estados alterados, relativismo...

— Todos os ismos de sempre...

— Mas nenhuma menção em parte alguma de que Sally Roe teve qualquer coisa a ver com ele. Por isso ainda não sabemos a que vem toda essa tentativa de homicídio, ou o que Sally Roe tem a ver com este caso, e gastei uma porção de tempo precioso.

— Ela pegou o número do meu telefone e o meu endereço comigo.

— Fora de piada?

— Por isso ainda há esperança.

— Sim, e temos esperança de muita coisa. Continue orando.

— Oh, estamos todos orando por vocês, Marshall, agora mesmo. O grupo todo de crentes daqui.

— Ótimo! Precisamos que alguma coisa surja, e logo, logo!