andar para ler um pouco;
Michelle, a jovem estudante de faculdade, estudava em seu quarto; Suzanne,
jovem advogada recém-chegada à cidade, saíra para encontrar-se com um possível
sócio.
Sally estava alimentada,
banhada e segura em seu quartinho de canto, confortavelmente instalada na cama
macia debaixo de um dos acolchoados de Sara feitos à mão, as costas apoiadas
por amplo suprimento de grandes travesseiros.
Pela primeira vez em um
número de anos que Sally tinha dificuldade em calcular — por fim ela achou que
tinha de ser em torno de vinte e cinco
— Tinha nas mãos o volume que
ela havia culpado pelos sofrimentos do mundo, rebaixado como sobreestimada
antologia de mitos, do qual se havia ressentido por suas idéias estreitas a
respeito da moralidade, condenado como opressivo e autoritário e ignorado como
um peso de chumbo ultrapassado, estagnador em torno do tornozelo intelectual da
humanidade.
Era uma das Bíblias de Sara
Barker.
Ela encontrou o livro dos
Salmos imediatamente. Ficava no meio da Bíblia.
— É só abrir as suas Bíblias
bem no meio — veio uma voz do seu passado.
— Os Salmos estão bem ali no
meio.
Como era o nome daquela
mulher? Oh, Sra. Gunderson, isso mesmo. Ela era uma senhora meio idosa. Era
velha desde que Sally a conhecera, como se tivesse atingido o auge em anos e
simplesmente ficado ali. Cada manhã de domingo, Sally descia ruidosamente as
escadas na igreja com todas as outras crianças de sete e oito anos e se reunia
na classe de escola dominical da Sra. Gunderson naquele frio porão da igreja,
naquela salinha ecoante com as cadeiras duras de madeira e a lousa que ainda
trazia as marcas inapagáveis das lições de semanas antes.
Então a Sra. Gunderson lhes
contava uma história, colocando personagens bíblicos de papel no mesmo cenário
de grama verde e céu azul do flanelógrafo. Até agora, enquanto estava na cama
com a Bíblia no colo, Sally podia lembrar-se daquelas histórias: o homenzinho
que subiu no sicômoro, os pescadores que pescaram a noite toda mas não
apanharam nenhum peixe, o discípulo — ela achou que era Pedro — que caminhou
sobre a água ao encontro de Jesus, o homem chamado Lázaro a quem Jesus
ressuscitou dos mortos, Moisés, Noé, e naturalmente Jonas, que foi engolido
por um peixe.
Estranho. Ela tirara essas
histórias da cabeça desde o tempo em que estava no fim do primeiro grau, mas
agora, aos trinta e seis anos, lembrava-se não apenas dessas histórias, como
também dos profundos sentimentos de convicção e moralidade que sempre tinha
após cada sessão da escola dominical: quero ser boa. Quero fazer coisas boas e
amar a Deus. Quero que Jesus entre no meu coração.
Lembranças tão antigas,
sentimentos de tanto tempo atrás. Mas as lembranças eram agradáveis, e os
sentimentos que elas evocavam eram cálidos e confortadores, o que fazia com que
ela pausasse e refletisse. Quantas lembranças agradáveis ela tinha na
realidade? Não muitas. Talvez essas, algumas das mais antigas, fossem as mais
felizes.
Salmo 119. Hmm. Era um longo
capítulo. Ela leu o primeiro versículo.
"Bem-aventurados os
irrepreensíveis no seu caminho, que andam na lei do Senhor."
Aquele primeiro versículo foi
suficiente para prender-lhe a atenção, e ela continuou lendo.
O versículo 3 dizia: "Não
praticam a iniqüidade, e andam nos seus caminhos."
Os versículos 4, 5 e 6
continuavam o mesmo tema: "Tu ordenaste os teus mandamentos, para que os
cumpramos à risca. Oxalá sejam firmes os meus passos, para que eu observe os
teus preceitos. Então não terei de que me envergonhar, quando considerar em
todos os teus mandamentos."
Como aquele pastor sabia? Ela
lhe havia feito a pergunta mais difícil em que podia pensar, mas ele deu-lhe a
resposta de que precisava, a que era perfeita para a sua situação, bem aqui e
agora, exatamente o próximo passo em seus devaneios.
Ela continuou lendo, e as
palavras lhe falaram vez após vez a respeito de algo do qual havia anos tinha
fugido, negado, lutado contra e finalmente perdido... mas de que talvez
precisasse acima de tudo.
Absolutos. Um certo genuíno e
um errado genuíno. Uma cerca, um ponto de referencia, um meio de conhecer algo
com certeza.
Ela não podia deixar essas
idéias escaparem-lhe. Pulou da cama e foi depressa ao armário em busca da sua
mochila. Suas poucas roupas estavam na lavanderia no momento, portanto a
mochila estava muito mais vazia, contendo uma ainda assustadora quantidade de
notas novinhas, seu caderno, que ela colocou de lado, e... aquelas listas da
sala do Professor Lynch.
Ela sentiu-se mal ao dar com
elas, como se houvesse um mal ligado a elas, como se um passageiro clandestino
invisível, venenoso tivesse vindo junto para assombrá-la. Elas a assustavam;
deram-lhe o mesmo medo e repugnância de embrulhar o estômago que a pessoa sente
enquanto espera algo horrível pular para fora num desses filmes de horror que
passam tarde da noite.
Invisíveis a Sally, embora ela pudesse sentir-lhes a presença, o pequeno quarteto de demônios ainda se escondia por ali, observando-a, procurando oportunidades. Eles a haviam seguido por toda a parte em que ela fora, e podiam passar através de qualquer barreira angelical, porque ela os carregava consigo. Desespero gostava cada vez menos do seu trabalho; quanto mais Sally continuava sua busca, menos de seu veneno ele podia semear na mente dela. Medo tinha tido muito o que fazer e tinha-se divertido muito fazendo isso, e se alegrava por ter essas listas ali, mas Morte e Loucura se sentiam frustrados. Sally havia encontrado um novo propósito em algum lugar, o demônio Morte já não era bem-vindo aos seus pensamentos, e seus pensamentos se tornavam demasiado claros e racionais para que Loucura pudesse embaralhá-los.
Todos os quatro estenderam as
mãos para ela, mas no momento nada havia para agarrar.
Sally fechou a mochila, deixando as listas escondidas e confinadas. Agora não, listas; terei vocês mais tarde. Não quero sentir-me mal, não quero lutar. Dêem-me uma folga. Deixem-me descansar um pouco.
1) Existe um certo: obedecer
às leis de Deus e seguir os seus caminhos.
2) Existe um errado:
desobedecer às leis de Deus e não seguir os seus caminhos.
Como me estou saindo até
aqui? Espero que você esteja acompanhando, porque agora vai ficar mais difícil
O Salmo 119 fala a respeito
de duas condições humanas que são o resultado direto dos dois absolutos:
1) Faça o certo, e será feliz
e abençoado.
2) Faça o errado, e será
envergonhado.
Ora, isso é simples ou não é?
Simples demais, suponho; básico demais para ser acreditado e aceito por gente
como eu que insiste em que não existe uma realidade mais alta do que a própria
pessoa.
Mas, Tom, acredito de verdade
que tenha sido envergonhada. Mesmo os comentários cruéis, cortantes de um
inimigo, o Professor Lynch, deixaram isso claro para mim. Ele tentava
destruir-me, sei disso, mas não houve nada no que ele dissesse que não fosse
verdade. Não pude argumentar com ele. A verdade é que a minha vida está em
ruínas.
Mas posso aceitar a
explicação que a Bíblia dá para isso? Atrevo-me a confiar nesse Livro? Se a
Bíblia é confiável, e se eu escolhesse acreditar nela, então poderia, de uma
vez por todas, determinar quem sou e onde estou: no erro, fora do favor de
Deus, envergonhada.
Não é um pensamento
confortável, mas pelo menos eu teria uma pedra irremovível debaixo dos pés.
Desespero caiu pesadamente no chão ao lado da cama, segurando o estômago e gemendo. Morte e Loucura também não se sentiam muito bem, mas descontaram em Desespero.
— Você a está perdendo,
sanguessuga! Você é a responsável por esta missão! Faça alguma coisa!
Medo ofereceu:
— Talvez eu possa pensar em
algo para assustá-la. Desespero sibilou-lhe:
— Você já fez isso, e a
empurrou mais perto da verdade!
Enfim, Sally sentiu-se sonolenta. Por enquanto, suas perguntas estavam solucionadas, seus pensamentos registrados, e ela podia descansar Colocou o caderno no criado-mudo, tirou de lado todos os travesseiros menos um, e desligou o abajur.
Enquanto deitada no escuro,
ela percebeu quanta paz sentia. Essa era a primeira noite em muito tempo em que
não sentia medo. Em vez disso, sentia... o que era aquilo? Esperança? Sim!
tinha de ser esperança. Parecia tão estranho, tão diferente!
Do seu passado distante, ela
conseguiu lembrar-se mais uma vez daqueles antigos sentimentos e pensamentos da
escola dominical: quero ser boa. Quero fazer coisas boas e amar a Deus. Quero
que Jesus entre no meu coração.
Ela afofou o travesseiro e
deixou que a cabeça afundasse nele. Hmm. Jesus. Ora, o que ele tem a ver com
tudo isso?
Bem cedinho na manhã de domingo, Ben Cole parou no portão do cercado das cabras de Sally Roe, incrédulo, nauseado, cauteloso no entrar. Isso não podia ser real Coisas como essas simplesmente não aconteciam, não por ali.
Ele olhou para trás na
direção do campo que ficava entre a casa dos Potters e a casa de aluguel. A
Sra. Potter estava no meio do campo, retorcendo nervosamente as mãos e olhando,
recusando-se a chegar mais perto.
Ele olhou de volta ao cercado
das cabras. Buff e Bart, os dois filhotes, ainda viviam, mas perturbados e
irrequietos. Quanto a Betty, a mãe...
Ben finalmente entrou no
cercado, fechando o portão atrás de si, pisando cuidadosamente pela terra e
palha, procurando quaisquer pistas no chão. Ele aproximou-se da carcaça morta e
retalhada de Betty. Não fazia muito tempo que ela havia sido morta. Tinha de
ter sido na noite anterior.
Ele voltou-se e gritou para a
Sra. Potter
— A senhora ouviu alguma
coisa?
— Não — replicou ela.
Ben olhou em volta da
carcaça. Nenhuma pista. Nenhuma pisada. A terra parecia ter sido remexida, mas
provavelmente varrida e rastelada para apagar qualquer pista.
A Sra. Potter chegou mais
perto mas ainda sem olhar.
— A senhora chamou a polícia?
— perguntou Ben.
— Bem, chamei você. Ele
sorriu.
— Já não trabalho para o
Departamento da Polícia.
— Eu sei. Mas queria que você
viesse. Não confio no sargento Mulligan. Não acho que ele faria coisa alguma a
respeito.
Ben afastou-se da carcaça de
Betty e reuniu-se à Sra. Potter perto da cerca. Ele desejava ter uma câmara
para registrar aquilo.
— Bem — disse ele, respirando
fundo pela primeira vez — eu vou fazer algo a respeito.
Betty estava deitada na
palha, a garganta cortada, o corpo totalmente drenado do sangue, e as quatro
pernas removidas de maneira limpa e habilidosa, tiradas sem deixar nenhum
traço.
O ar matutino estava gelado,
mas Ben podia sentir uma friagem que nada tinha a ver com o tempo. Em seu
espírito ele podia sentir um mal real a avizinhar-se.
Bem, talvez eu devesse ir, pensou Sally. É uma das coisas que ainda não tentei. Poderia fornecer mais informação que completasse a minha perspectiva. Poderia esclarecer algumas das antigas lembranças que não consegui relembrar completamente. Seria um vislumbre interessante da cultura religiosa americana da classe média. Talvez eu pudesse...
— Pegue o seu casaco então —
sugeriu Sara Barker. — Floyd está esquentando o carro agora mesmo.
Sally respondeu um tanto
tarde:
— Bem, claro, irei. Por que
não?
E foi assim que ela se
encontrou de pé na frente da branca e diminuta Igreja da Comunidade de Ashton,
cerca de oitocentos metros acima pela Ladeira Morgan na Rua Poplar, numa cálida
e linda manhã de domingo. Já havia pessoas entrando, conversando, rindo e se
abraçando como velhas amigas, levando os filhos pequenos pela mão e chamando os
maiores para que se apressassem, que o culto já ia começar.
Sara não poupou esforços para
certificar-se de que Sally fosse apresentada a todos.
— Oi, Andy, esta é Betty
Smith. Edith, como vai? Gostaria de apresentar-lhe Betty Smith, nossa nova
pensionista. Cecil, que bom vê-lo passando melhor. Já ficou conhecendo Betty
Smith?
Sally sorria e apertava as
mãos que lhe eram estendidas, mas com apenas metade de sua atenção. A visão de
uma garotinha de vestido domingueiro, segurando a mão da mãe e carregando uma
Bíblia, fez aflorar uma lembrança.
Há trinta anos, essa era eu.
Sally podia-se lembrar de
usar um vestido bonito e uma fita da mesma cor nos cabelos. Podia lembrar-se de
carregar uma Bíblia também, presente da senhora que lhe segurava a mão naquela
época, sua tutora, Tia Bárbara. A mãe de Sally, perdida no álcool, jamais havia
exercido muita influência positiva. Tia Bárbara, por outro lado, sempre a
levava à escola dominical. Tia Bárbara levava a religião a sério, e, naqueles
dias, Sally respeitava isso. Era bom para a Tia Bárbara, e sim, parecia ser o
certo para Sally também.
— Bem, é melhor entrarmos —
disse Sara, suas palavras arrancando Sally de chofre ao seu devaneio.
Elas subiram os degraus da
frente, passaram pelas portas duplas, e entraram num pequeno vestíbulo onde
alguns grupos de pessoas — Floyd fazia parte de um grupo — ainda se atualizavam
sobre o que acontecera aos outros durante a semana.
Oh, lá estava o rol de
comparecimento à escola dominical pregado na parede. Ela se lembrava disso.
Lembrava-se também de sempre trazer uma oferta; era importante naqueles dias.
As pessoas que a cercavam
eram de todos os tipos. Algumas se vestiam bem, outras usavam calças de brim;
havia pessoas idosas e muitos jovens; havia muitas crianças pequenas por ali,
sugerindo uma explosão de bebês na classe média protestante.
Sally depressa teve de
admitir a si mesma que, a não ser pelo cristianismo em si, pouco motivo havia
para se sentir desconfortável naquele lugar. A falta de trajes aceitáveis podia
ter sido uma razão — tinha ela apenas as calças e a blusa e não podia usar a
jaqueta por causa dos buracos da faca, sem nem falar da manga que faltava — mas
agora percebia que os trajes pouco tinham a ver com a aceitação, como tampouco
o tinham os antecedentes étnicos ou a posição social.
Bem... acho que não me
sentirei mal
Ela acompanhou Floyd e Sara a
um lugar num banco de madeira perto dos fundos e sentou-se. Seus pés podiam
tocar o chão. A ultima vez em que se sentara num banco, seus pés balançavam.
Isso era quando... Tommy Krebs! Sim, agora ela se lembrava dele, aquele
molequinho chato, com o cabelo cortado à escovinha e a caneta de ponta de fibra
sem tampa. Ela finalmente o havia delatado e isso lhe trouxe sossego por algum
tempo, mas não antes que ele lhe arroxeasse o joelho. Sim, tudo isso havia
acontecido num banco exatamente igual a esse, durante as atividades de abertura
da escola dominical. Oh! Qual era aquela canção que ela e toda aqueles outros
petizes costumavam cantar? "Sei que Jesus me quer bem, pois a Bíblia assim
o diz..." Oh, sim. Aquela canção tinha de estar na lista das dez mais
populares do protestantismo americano; obviamente ela nunca a esquecera.
Ela tentou descontrair-se, e
olhou à volta no pequeno templo às nucas de todas aquelas cabeças. Oh, lá
estava o pastor, Hank, encerrando uma conversa e ocupando uma cadeira na
plataforma. Agora ele parecia mais um pastor, de terno e gravata, mas ela sabia
que jamais se esqueceria daquele sujeito às voltas com o vaso sanitário lá na
pensão.
Aquilo se tornava uma
experiência e tanto. Havia tanta coisa para ver e relembrar, tantos sentimentos
a examinar que ela, em vez de sentir-se entediada, sentia-se cativada.
Mas... o que faço aqui, de
verdade? quis ela saber. É apenas por que Sara me convidou?
Não, não de verdade. O
convite foi um incentivo tão bom quanto qualquer outro, mas não o verdadeiro
motivo. Sally havia desejado estar ali, conquanto apenas agora ela se
conscientizasse disso.
É uma questão de curiosidade?
Não, mais que isso.
Curiosidade era uma coisa, fome era outra.
Fome? De quê — de lembranças
queridas? De nostalgia?
Não, mais do que isso. Era
mais como uma sensação persistente de que ela havia completado um circulo após
trinta anos e encontrado, tão forte quanto antes, a verdade, um tesouro, uma
questão especial do coração que ela já havia possuído, mas perdido. Não podia
lembrar-se de sua vida ter sido tão instável durante a infância passada na
escola dominical quanto havia sido desde então. Havia algo nas convicções dessa
cultura, a certeza sólida de tudo.Talvez isso fosse parte da coisa. Talvez
essas experiências de tanto tempo atrás fossem o último chão firme em que Sally
tivesse caminhado.
Sim, as coisas eram muito
diferentes então.
Sally, Sara e Floyd
escorregaram para o lado um tantinho a fim de dar lugar para uma moça sentar-se
ao lado de Sally.
— Oi — disse ela, oferecendo
a mão. — Sou Bernice Krueger.
— Mm... Betty Smith.— Ela tinha
de assegurar-se de se lembrar do nome certo.
— Ela é a nossa nova
pensionista — disse Sara.
— Ah, ótimo — disse Bernice.
— Você é nova na cidade? — Sim.
— O que a trouxe aqui?
— Oh... apenas viajando.
— E então, quanto tempo faz
que chegou?
— Umm... cheguei ontem. —
Sally esperava que essa não fosse uma longa entrevista. Resolveu desviar o
assunto da sua pessoa. — E então, o que você faz?
— Trabalho para o jornal
local. Sou repórter e assistente do editor, e também lavo as xícaras de café e
tiro o lixo.
— Oh, isso é interessante.
Bernice riu. — Às vezes, é.
Bem, é ótimo tê-la aqui.
— Obrigada.
Houve uma breve pausa.
Bernice olhou para a frente e Sally pensou que a conversa havia terminado, mas
então Bernice voltou-se para Sally com um pensamento adicional.
— Olhe, se eu puder fazer
alguma coisa por você, por favor, avise.
A oferta foi um tanto abrupta
e inesperada. Fez Sally querer saber o que aquela Bernice Krueger pensava. Será
que pareço tão miserável assim? Sally deveras apreciou a compaixão, mas sabia
que jamais poderia aceitá-la.
— Obrigada. Não me esquecerei
disso.
O culto começou, e foi um
verdadeiro estudo no fundamentalismo de classe média. Sally resolveu que seria
uma observadora objetiva e tomaria notas mentalmente.
O conteúdo das canções era digno
de nota: em todos os casos, a letra falava de amor, culto, adoração e
reverência por Deus e por Jesus Cristo, e logo ficou claro, como era de
esperar, que as pessoas acreditavam e praticavam com grande convicção os
sentimentos expressos nas canções.
À medida que o culto
continuava através das canções e depois de um momento para o compartilhar de
experiências pessoais inspiradoras, Sally percebeu que era fácil deixar-se
apanhar no próprio fenômeno que observava. Gostava dele. Essas pessoas eram
felizes, e embora a forma e o processo de culto parecesse um tanto esquisito e
estranho para alguém de fora, Sally sabia e relembrou a si mesma que, perto de
suas próprias técnicas de ioga e canalização por transe, esse negócio era
inofensivo, normal e positivamente ameno.
Chegou a hora da oração, e o
Pastor Busche deu a palavra a quem tivesse pedidos de oração. Um senhor idoso
tinha problemas com um músculo repuxado e pediu oração, como também o fez uma
jovem preocupada com o marido que "não conhecia o Senhor", um jovem
pai que precisava de emprego e uma senhora cuja irmã havia tido um nenê que
nascera antes da hora.
Então a moça que trabalhava
no jornal, Bernice Krueger, falou.
— Lembremo-nos de orar por
Marshall e Kate enquanto estão fora. Acho que as coisas se tornam bem difíceis,
e eles encontram muita resistência espiritual.
— Certo — concordou o Pastor
Hank — temos todos acompanhado o que acontece. Com certeza oraremos a respeito.
E então o pastor conduziu a
congregação em oração, glorificando e louvando a Deus, e depois pedindo que
Deus respondesse a todos os pedidos que as pessoas haviam feito.
— E lembremo-nos de Marshall
e Kate também, envolvidos em conflito espiritual...
Esse tópico prendeu o
interesse de Sally. Conflito espiritual. Puxa! Se essa gente apenas soubesse
pelo que ela passava.