terça-feira, 8 de junho de 2021

Este mundo tenebroso - parte 2 - capítulo 30


 Tudo era silêncio na casa de Floyd e Sara Barker após o jantar. Floyd e Sara se acomodavam no sofá do primeiro

andar para ler um pouco; Michelle, a jovem estudante de faculdade, estudava em seu quarto; Suzanne, jovem advogada recém-chegada à cidade, saíra para encontrar-se com um possível sócio.

Sally estava alimentada, banhada e segura em seu quartinho de canto, confortavelmente instalada na cama macia debaixo de um dos acolchoados de Sara feitos à mão, as costas apoiadas por amplo suprimento de grandes travesseiros.

Pela primeira vez em um número de anos que Sally tinha dificuldade em calcular — por fim ela achou que tinha de ser em torno de vinte e cinco

— Tinha nas mãos o volume que ela havia culpado pelos sofrimentos do mundo, rebaixado como sobreestimada antologia de mitos, do qual se havia ressentido por suas idéias estreitas a respeito da moralidade, condenado como opressivo e autoritário e ignorado como um peso de chumbo ultrapassado, estagnador em torno do tornozelo intelectual da humanida­de.

Era uma das Bíblias de Sara Barker.

Ela encontrou o livro dos Salmos imediatamente. Ficava no meio da Bíblia.

— É só abrir as suas Bíblias bem no meio — veio uma voz do seu passado.

— Os Salmos estão bem ali no meio.

Como era o nome daquela mulher? Oh, Sra. Gunderson, isso mesmo. Ela era uma senhora meio idosa. Era velha desde que Sally a conhecera, como se tivesse atingido o auge em anos e simplesmente ficado ali. Cada manhã de domingo, Sally descia ruidosamente as escadas na igreja com todas as outras crianças de sete e oito anos e se reunia na classe de escola dominical da Sra. Gunderson naquele frio porão da igreja, naquela salinha ecoante com as cadeiras duras de madeira e a lousa que ainda trazia as marcas inapagáveis das lições de semanas antes.

Então a Sra. Gunderson lhes contava uma história, colocando persona­gens bíblicos de papel no mesmo cenário de grama verde e céu azul do flanelógrafo. Até agora, enquanto estava na cama com a Bíblia no colo, Sally podia lembrar-se daquelas histórias: o homenzinho que subiu no sicômoro, os pescadores que pescaram a noite toda mas não apanharam nenhum peixe, o discípulo — ela achou que era Pedro — que caminhou sobre a água ao encontro de Jesus, o homem chamado Lázaro a quem Jesus ressuscitou dos mortos, Moisés, Noé, e naturalmente Jonas, que foi engo­lido por um peixe.

Estranho. Ela tirara essas histórias da cabeça desde o tempo em que estava no fim do primeiro grau, mas agora, aos trinta e seis anos, lembra­va-se não apenas dessas histórias, como também dos profundos sentimen­tos de convicção e moralidade que sempre tinha após cada sessão da escola dominical: quero ser boa. Quero fazer coisas boas e amar a Deus. Quero que Jesus entre no meu coração.

Lembranças tão antigas, sentimentos de tanto tempo atrás. Mas as lembranças eram agradáveis, e os sentimentos que elas evocavam eram cálidos e confortadores, o que fazia com que ela pausasse e refletisse. Quantas lembranças agradáveis ela tinha na realidade? Não muitas. Talvez essas, algumas das mais antigas, fossem as mais felizes.

Salmo 119. Hmm. Era um longo capítulo. Ela leu o primeiro versículo.

"Bem-aventurados os irrepreensíveis no seu caminho, que andam na lei do Senhor."

Aquele primeiro versículo foi suficiente para prender-lhe a atenção, e ela continuou lendo.

O versículo 3 dizia: "Não praticam a iniqüidade, e andam nos seus caminhos."

Os versículos 4, 5 e 6 continuavam o mesmo tema: "Tu ordenaste os teus mandamentos, para que os cumpramos à risca. Oxalá sejam firmes os meus passos, para que eu observe os teus preceitos. Então não terei de que me envergonhar, quando considerar em todos os teus mandamentos."

Como aquele pastor sabia? Ela lhe havia feito a pergunta mais difícil em que podia pensar, mas ele deu-lhe a resposta de que precisava, a que era perfeita para a sua situação, bem aqui e agora, exatamente o próximo passo em seus devaneios.

Ela continuou lendo, e as palavras lhe falaram vez após vez a respeito de algo do qual havia anos tinha fugido, negado, lutado contra e finalmente perdido... mas de que talvez precisasse acima de tudo.

Absolutos. Um certo genuíno e um errado genuíno. Uma cerca, um ponto de referencia, um meio de conhecer algo com certeza.

Ela não podia deixar essas idéias escaparem-lhe. Pulou da cama e foi depressa ao armário em busca da sua mochila. Suas poucas roupas estavam na lavanderia no momento, portanto a mochila estava muito mais vazia, contendo uma ainda assustadora quantidade de notas novinhas, seu cader­no, que ela colocou de lado, e... aquelas listas da sala do Professor Lynch.

Ela sentiu-se mal ao dar com elas, como se houvesse um mal ligado a elas, como se um passageiro clandestino invisível, venenoso tivesse vindo junto para assombrá-la. Elas a assustavam; deram-lhe o mesmo medo e repugnância de embrulhar o estômago que a pessoa sente enquanto espera algo horrível pular para fora num desses filmes de horror que passam tarde da noite.

Invisíveis a Sally, embora ela pudesse sentir-lhes a presença, o pequeno quarteto de demônios ainda se escondia por ali, observando-a, procurando oportunidades. Eles a haviam seguido por toda a parte em que ela fora, e podiam passar através de qualquer barreira angelical, porque ela os carregava consigo. Desespero gostava cada vez menos do seu trabalho; quanto mais Sally continuava sua busca, menos de seu veneno ele podia semear na mente dela. Medo tinha tido muito o que fazer e tinha-se divertido muito fazendo isso, e se alegrava por ter essas listas ali, mas Morte e Loucura se sentiam frustrados. Sally havia encontrado um novo propósito em algum lugar, o demônio Morte já não era bem-vindo aos seus pensa­mentos, e seus pensamentos se tornavam demasiado claros e racionais para que Loucura pudesse embaralhá-los.

Todos os quatro estenderam as mãos para ela, mas no momento nada havia para agarrar.

Sally fechou a mochila, deixando as listas escondidas e confinadas. Agora não, listas; terei vocês mais tarde. Não quero sentir-me mal, não quero lutar. Dêem-me uma folga. Deixem-me descansar um pouco.

 Os demônios retiraram-se furtivamente para esperar. Ela agarrou o caderno e a caneta, e pulou na cama de novo. Sentimentos bons, não vão embora. Deixem-me ficar com vocês por um pouco, estudá-los, entendê-los; deixem-me chegar a alguma conclusão. Ela começou outra carta para Tom Harris.

 Estou repassando o Salmo 119, e se compreendo a mensagem corretamente, há pelo menos dois absolutos apresentados, duas coisas que posso saber com certeza:

1) Existe um certo: obedecer às leis de Deus e seguir os seus caminhos.

2) Existe um errado: desobedecer às leis de Deus e não seguir os seus caminhos.

Como me estou saindo até aqui? Espero que você esteja acompa­nhando, porque agora vai ficar mais difícil

O Salmo 119 fala a respeito de duas condições humanas que são o resultado direto dos dois absolutos:

1) Faça o certo, e será feliz e abençoado.

2) Faça o errado, e será envergonhado.

Ora, isso é simples ou não é? Simples demais, suponho; básico demais para ser acreditado e aceito por gente como eu que insiste em que não existe uma realidade mais alta do que a própria pessoa.

Mas, Tom, acredito de verdade que tenha sido envergonhada. Mesmo os comentários cruéis, cortantes de um inimigo, o Professor Lynch, deixaram isso claro para mim. Ele tentava destruir-me, sei disso, mas não houve nada no que ele dissesse que não fosse verdade. Não pude argumentar com ele. A verdade é que a minha vida está em ruínas.

Mas posso aceitar a explicação que a Bíblia dá para isso? Atrevo-me a confiar nesse Livro? Se a Bíblia é confiável, e se eu escolhesse acreditar nela, então poderia, de uma vez por todas, determinar quem sou e onde estou: no erro, fora do favor de Deus, envergonhada.

Não é um pensamento confortável, mas pelo menos eu teria uma pedra irremovível debaixo dos pés.

Desespero caiu pesadamente no chão ao lado da cama, segurando o estômago e gemendo. Morte e Loucura também não se sentiam muito bem, mas descontaram em Desespero.

— Você a está perdendo, sanguessuga! Você é a responsável por esta missão! Faça alguma coisa!

Medo ofereceu:

— Talvez eu possa pensar em algo para assustá-la. Desespero sibilou-lhe:

— Você já fez isso, e a empurrou mais perto da verdade!

Enfim, Sally sentiu-se sonolenta. Por enquanto, suas perguntas estavam solucionadas, seus pensamentos registrados, e ela podia descansar Colo­cou o caderno no criado-mudo, tirou de lado todos os travesseiros menos um, e desligou o abajur.

Enquanto deitada no escuro, ela percebeu quanta paz sentia. Essa era a primeira noite em muito tempo em que não sentia medo. Em vez disso, sentia... o que era aquilo? Esperança? Sim! tinha de ser esperança. Parecia tão estranho, tão diferente!

Do seu passado distante, ela conseguiu lembrar-se mais uma vez daqueles antigos sentimentos e pensamentos da escola dominical: quero ser boa. Quero fazer coisas boas e amar a Deus. Quero que Jesus entre no meu coração.

Ela afofou o travesseiro e deixou que a cabeça afundasse nele. Hmm. Jesus. Ora, o que ele tem a ver com tudo isso?

Bem cedinho na manhã de domingo, Ben Cole parou no portão do cercado das cabras de Sally Roe, incrédulo, nauseado, cauteloso no entrar. Isso não podia ser real Coisas como essas simplesmente não aconteciam, não por ali.

Ele olhou para trás na direção do campo que ficava entre a casa dos Potters e a casa de aluguel. A Sra. Potter estava no meio do campo, retorcendo nervosamente as mãos e olhando, recusando-se a chegar mais perto.

Ele olhou de volta ao cercado das cabras. Buff e Bart, os dois filhotes, ainda viviam, mas perturbados e irrequietos. Quanto a Betty, a mãe...

Ben finalmente entrou no cercado, fechando o portão atrás de si, pisando cuidadosamente pela terra e palha, procurando quaisquer pistas no chão. Ele aproximou-se da carcaça morta e retalhada de Betty. Não fazia muito tempo que ela havia sido morta. Tinha de ter sido na noite anterior.

Ele voltou-se e gritou para a Sra. Potter

— A senhora ouviu alguma coisa?

— Não — replicou ela.

Ben olhou em volta da carcaça. Nenhuma pista. Nenhuma pisada. A terra parecia ter sido remexida, mas provavelmente varrida e rastelada para apagar qualquer pista.

A Sra. Potter chegou mais perto mas ainda sem olhar.

— A senhora chamou a polícia? — perguntou Ben.

— Bem, chamei você. Ele sorriu.

— Já não trabalho para o Departamento da Polícia.

— Eu sei. Mas queria que você viesse. Não confio no sargento Mulligan. Não acho que ele faria coisa alguma a respeito.

Ben afastou-se da carcaça de Betty e reuniu-se à Sra. Potter perto da cerca. Ele desejava ter uma câmara para registrar aquilo.

— Bem — disse ele, respirando fundo pela primeira vez — eu vou fazer algo a respeito.

Betty estava deitada na palha, a garganta cortada, o corpo totalmente drenado do sangue, e as quatro pernas removidas de maneira limpa e habilidosa, tiradas sem deixar nenhum traço.

O ar matutino estava gelado, mas Ben podia sentir uma friagem que nada tinha a ver com o tempo. Em seu espírito ele podia sentir um mal real a avizinhar-se.

Bem, talvez eu devesse ir, pensou Sally. É uma das coisas que ainda não tentei. Poderia fornecer mais informação que completasse a minha perspectiva. Poderia esclarecer algumas das antigas lembranças que não consegui relembrar completamente. Seria um vislumbre interessante da cultura religiosa americana da classe média. Talvez eu pudes­se...

— Pegue o seu casaco então — sugeriu Sara Barker. — Floyd está esquentando o carro agora mesmo.

Sally respondeu um tanto tarde:

— Bem, claro, irei. Por que não?

E foi assim que ela se encontrou de pé na frente da branca e diminuta Igreja da Comunidade de Ashton, cerca de oitocentos metros acima pela Ladeira Morgan na Rua Poplar, numa cálida e linda manhã de domingo. Já havia pessoas entrando, conversando, rindo e se abraçando como velhas amigas, levando os filhos pequenos pela mão e chamando os maiores para que se apressassem, que o culto já ia começar.

Sara não poupou esforços para certificar-se de que Sally fosse apresen­tada a todos.

— Oi, Andy, esta é Betty Smith. Edith, como vai? Gostaria de apresen­tar-lhe Betty Smith, nossa nova pensionista. Cecil, que bom vê-lo passando melhor. Já ficou conhecendo Betty Smith?

Sally sorria e apertava as mãos que lhe eram estendidas, mas com apenas metade de sua atenção. A visão de uma garotinha de vestido domingueiro, segurando a mão da mãe e carregando uma Bíblia, fez aflorar uma lembran­ça.

Há trinta anos, essa era eu.

Sally podia-se lembrar de usar um vestido bonito e uma fita da mesma cor nos cabelos. Podia lembrar-se de carregar uma Bíblia também, presente da senhora que lhe segurava a mão naquela época, sua tutora, Tia Bárbara. A mãe de Sally, perdida no álcool, jamais havia exercido muita influência positiva. Tia Bárbara, por outro lado, sempre a levava à escola dominical. Tia Bárbara levava a religião a sério, e, naqueles dias, Sally respeitava isso. Era bom para a Tia Bárbara, e sim, parecia ser o certo para Sally também.

— Bem, é melhor entrarmos — disse Sara, suas palavras arrancando Sally de chofre ao seu devaneio.

Elas subiram os degraus da frente, passaram pelas portas duplas, e entraram num pequeno vestíbulo onde alguns grupos de pessoas — Floyd fazia parte de um grupo — ainda se atualizavam sobre o que acontecera aos outros durante a semana.

Oh, lá estava o rol de comparecimento à escola dominical pregado na parede. Ela se lembrava disso. Lembrava-se também de sempre trazer uma oferta; era importante naqueles dias.

As pessoas que a cercavam eram de todos os tipos. Algumas se vestiam bem, outras usavam calças de brim; havia pessoas idosas e muitos jovens; havia muitas crianças pequenas por ali, sugerindo uma explosão de bebês na classe média protestante.

Sally depressa teve de admitir a si mesma que, a não ser pelo cristianismo em si, pouco motivo havia para se sentir desconfortável naquele lugar. A falta de trajes aceitáveis podia ter sido uma razão — tinha ela apenas as calças e a blusa e não podia usar a jaqueta por causa dos buracos da faca, sem nem falar da manga que faltava — mas agora percebia que os trajes pouco tinham a ver com a aceitação, como tampouco o tinham os antecedentes étnicos ou a posição social.

Bem... acho que não me sentirei mal

Ela acompanhou Floyd e Sara a um lugar num banco de madeira perto dos fundos e sentou-se. Seus pés podiam tocar o chão. A ultima vez em que se sentara num banco, seus pés balançavam. Isso era quando... Tommy Krebs! Sim, agora ela se lembrava dele, aquele molequinho chato, com o cabelo cortado à escovinha e a caneta de ponta de fibra sem tampa. Ela finalmente o havia delatado e isso lhe trouxe sossego por algum tempo, mas não antes que ele lhe arroxeasse o joelho. Sim, tudo isso havia acontecido num banco exatamente igual a esse, durante as atividades de abertura da escola dominical. Oh! Qual era aquela canção que ela e toda aqueles outros petizes costumavam cantar? "Sei que Jesus me quer bem, pois a Bíblia assim o diz..." Oh, sim. Aquela canção tinha de estar na lista das dez mais populares do protestantismo americano; obviamente ela nunca a esquecera.

Ela tentou descontrair-se, e olhou à volta no pequeno templo às nucas de todas aquelas cabeças. Oh, lá estava o pastor, Hank, encerrando uma conversa e ocupando uma cadeira na plataforma. Agora ele parecia mais um pastor, de terno e gravata, mas ela sabia que jamais se esqueceria daquele sujeito às voltas com o vaso sanitário lá na pensão.

Aquilo se tornava uma experiência e tanto. Havia tanta coisa para ver e relembrar, tantos sentimentos a examinar que ela, em vez de sentir-se entediada, sentia-se cativada.

Mas... o que faço aqui, de verdade? quis ela saber. É apenas por que Sara me convidou?

Não, não de verdade. O convite foi um incentivo tão bom quanto qualquer outro, mas não o verdadeiro motivo. Sally havia desejado estar ali, conquanto apenas agora ela se conscientizasse disso.

É uma questão de curiosidade?

Não, mais que isso. Curiosidade era uma coisa, fome era outra.

Fome? De quê — de lembranças queridas? De nostalgia?

Não, mais do que isso. Era mais como uma sensação persistente de que ela havia completado um circulo após trinta anos e encontrado, tão forte quanto antes, a verdade, um tesouro, uma questão especial do coração que ela já havia possuído, mas perdido. Não podia lembrar-se de sua vida ter sido tão instável durante a infância passada na escola dominical quanto havia sido desde então. Havia algo nas convicções dessa cultura, a certeza sólida de tudo.Talvez isso fosse parte da coisa. Talvez essas experiências de tanto tempo atrás fossem o último chão firme em que Sally tivesse caminhado.

Sim, as coisas eram muito diferentes então.

Sally, Sara e Floyd escorregaram para o lado um tantinho a fim de dar lugar para uma moça sentar-se ao lado de Sally.

— Oi — disse ela, oferecendo a mão. — Sou Bernice Krueger.

— Mm... Betty Smith.— Ela tinha de assegurar-se de se lembrar do nome certo.

— Ela é a nossa nova pensionista — disse Sara.

— Ah, ótimo — disse Bernice. — Você é nova na cidade? — Sim.

— O que a trouxe aqui?

— Oh... apenas viajando.

— E então, quanto tempo faz que chegou?

— Umm... cheguei ontem. — Sally esperava que essa não fosse uma longa entrevista. Resolveu desviar o assunto da sua pessoa. — E então, o que você faz?

— Trabalho para o jornal local. Sou repórter e assistente do editor, e também lavo as xícaras de café e tiro o lixo.

— Oh, isso é interessante.

Bernice riu. — Às vezes, é. Bem, é ótimo tê-la aqui.

— Obrigada.

Houve uma breve pausa. Bernice olhou para a frente e Sally pensou que a conversa havia terminado, mas então Bernice voltou-se para Sally com um pensamento adicional.

— Olhe, se eu puder fazer alguma coisa por você, por favor, avise.

A oferta foi um tanto abrupta e inesperada. Fez Sally querer saber o que aquela Bernice Krueger pensava. Será que pareço tão miserável assim? Sally deveras apreciou a compaixão, mas sabia que jamais poderia aceitá-la.

— Obrigada. Não me esquecerei disso.

O culto começou, e foi um verdadeiro estudo no fundamentalismo de classe média. Sally resolveu que seria uma observadora objetiva e tomaria notas mentalmente.

O conteúdo das canções era digno de nota: em todos os casos, a letra falava de amor, culto, adoração e reverência por Deus e por Jesus Cristo, e logo ficou claro, como era de esperar, que as pessoas acreditavam e praticavam com grande convicção os sentimentos expressos nas canções.

À medida que o culto continuava através das canções e depois de um momento para o compartilhar de experiências pessoais inspiradoras, Sally percebeu que era fácil deixar-se apanhar no próprio fenômeno que observava. Gostava dele. Essas pessoas eram felizes, e embora a forma e o processo de culto parecesse um tanto esquisito e estranho para alguém de fora, Sally sabia e relembrou a si mesma que, perto de suas próprias técnicas de ioga e canalização por transe, esse negócio era inofensivo, normal e positivamente ameno.

Chegou a hora da oração, e o Pastor Busche deu a palavra a quem tivesse pedidos de oração. Um senhor idoso tinha problemas com um músculo repuxado e pediu oração, como também o fez uma jovem preocupada com o marido que "não conhecia o Senhor", um jovem pai que precisava de emprego e uma senhora cuja irmã havia tido um nenê que nascera antes da hora.

Então a moça que trabalhava no jornal, Bernice Krueger, falou.

— Lembremo-nos de orar por Marshall e Kate enquanto estão fora. Acho que as coisas se tornam bem difíceis, e eles encontram muita resistência espiritual.

— Certo — concordou o Pastor Hank — temos todos acompanhado o que acontece. Com certeza oraremos a respeito.

E então o pastor conduziu a congregação em oração, glorificando e louvando a Deus, e depois pedindo que Deus respondesse a todos os pedidos que as pessoas haviam feito.

— E lembremo-nos de Marshall e Kate também, envolvidos em conflito espiritual...

Esse tópico prendeu o interesse de Sally. Conflito espiritual. Puxa! Se essa gente apenas soubesse pelo que ela passava.