Mas depois de nada menos do
que vinte dessas cartas, ela tinha visto o bastante. Temia, era ignorante da
estratégia legal, e talvez fosse um tantinho confiante e crédula demais, mas
não era burra. Não havia dúvida em sua mente de que Sally Roe vivia.
Quanto mais pensava a
respeito, mais devastadora a coisa se tornava. Gradualmente, apenas um pequena
idéia de cada vez, ela se permitiu pensar o impensável: algo mais do que uma
ação judicial estava em progresso e alguém lhe mentia, talvez todos mentissem.
Se lhe mentiam, ela provavelmente infringia a lei por todos os seus amigos e
não por si mesma. Se tudo isso fosse verdade, então — ela havia tentado
enterrar esse pensamento por semanas — estava sendo usada.
Ela não tinha dúvida de que
sua filha Amber estava sendo usada, se não por essas águias legais, então
certamente por aquele pônei que fora um dia engraçadinho e com que Amber havia
travado amizade na classe de quarta série da Srta. Brewer. O riso, o
divertimento e as brincadeiras, o charme do tipo desenho animado, eram tudo
coisa do passado. Ametista não era nenhum tipo de amigo.
Mas agora que Lucy havia-se
enterrado tanto, como poderia sair dessa? Para que direção podia voltar-se?
Como...
A sineta tocou no balcão da
frente. Debbie estava no horário de folga, por isso Lucy apressou-se à frente
do aposento.
Aquele homenzarrão parecia
familiar. Ela o havia visto pela cidade, mas ele não era destas partes.
Imediatamente, ela sentiu-se desconfortável.— Em que posso servi-lo?
— Oi. Sou Marshall Hogan. Sou
amigo de Tom Harris, e acabei de receber uma carta do Centro Ômega para Estudos
Educacionais em Fairwood, Massachusetts...
Ele agia como se lhe desse
uma pista, mas ela não entendeu qual fosse.
— Sim? Algum problema?
— Bem... suponho que saiba
quem são os editores do currículo Descobrindo o Verdadeiro Eu que a
Srta. Brewer usa na escola primaria?
— Ainda não sei aonde quer
chegar.
— Bem, escrevi ao Centro
Ômega pedindo um exemplar do currículo Descobrindo o Verdadeiro Eu, e
eles me dizem aqui nesta carta que apenas oferecem o currículo às instituições
educacionais e não ao público em geral. A senhora não acha isto um tanto
estranho?
Lucy sabia que não desejava
conversar a respeito disso.
— Não sou o Centro Ômega,
senhor, e não sou responsável por suas diretrizes. Agora a menos que tenha
alguma coisa a tratar com o Correio...
Marshall olhou atrás de si.
Não havia ninguém em fila.
— Não demorarei nada. Vamos
falar de um grupo local, ... o Círculo Vital. Soube que o Círculo Vital é uma
grande influência na educação por estas bandas: três pessoas do conselho
escolar pertencem a ele, o diretor da escola de primeiro grau, o Sr. Woodard,
pertence a ele, a Srta. Brewer pertence a ele, e a senhora pertence a ele. O
conselho escolar adotou o currículo do Centro Ômega, o Sr. Woodard
implementou-o, a Srta. Brewer o ensina, e sua filha entrou em contato com seu
guia íntimo, Ametista, por causa dele.
Apenas uma semana antes, Lucy
teria se sentido invadida, e muito zangada. Hoje era diferente.
— E daí? — Realmente queria
saber.
Ela tentava parecer forte e
inabalável, mas Marshall percebeu a curiosidade em seus olhos.
— Deixe-me perguntar-lhe
isto: Por que a senhora supõe que a Srta. Brewer não pôde apresentar o
currículo quando lhe pedimos que nos mostrasse, nem tampouco o conseguiu o Sr.
Woodard, nem tampouco o conseguiu o conselho escolar, e agora o próprio Centro
Ômega não me permite comprar um exemplar dele? Quando penso em como todos vocês
estão ligados, fico certamente a pensar se a sua ação judicial contra a
Academia do Bom Pastor poderia ter algo a ver com isso. A senhora acha que
existe alguma coisa naquele currículo que seus amigos não desejam que vejamos?
Lucy não respondeu por longo
momento. Jamais havia pensado a respeito dessa questão antes. Ela mesma queria
uma resposta.
— Não sei, Sr...
— Hogan. Marshall Hogan.— O
que o senhor é, um investigador ou algo assim?
— Claro, algo parecido. Mais
do que tudo, apenas um amigo dos seus oponentes na ação judicial.
— Bem, obviamente não posso
falar a respeito de nada disso.
— Compreendo. Muito obrigado
pelo seu tempo.
— De nada.
Ele deixou o prédio, e Lucy
retornou ao trabalho, ou pelo menos tentou fazê-lo. Se Lucy se sentia pensativa
e preocupada antes da visita desse Sr. Hogan, agora parecia totalmente perturbada.
O que mais sabia aquele homem e por que ela não o sabia?
Marshall voltou à casa de Ben
e Bev, e fez um chamado interurbano.
Lá em seu jornal, uma moça
morena, bonita, de óculos, atendeu ao telefone de dentro do escritório fechado
a vidro.
— O Clarim de Ashton, fala
Bernice Krueger.
— Ei, Bernice, aqui é
Marshall.
— Ora, ora! — Ela fechou a
porta do escritório contra a barulheira de fora e deixou-se cair sobre a
escrivaninha, pronta para as últimas. — Pode alguma boa notícia sair de Baskon?
— Bem... as muralhas do forte
estão ficando finas, mas não houve nenhuma brecha ainda.
— Continue cavando.
— Foi por isso que liguei.
Lembra-se de que lhe falei daquele currículo da escola primária?
— Certo. A criançada está
entrando naquela de controle alfa da mente e espíritos guias. Você chegou a
receber um exemplar dele?
— Nada feito. Eles obstruem a
coisa, até o topo da escada no próprio Ômega. Você ainda se comunica com aquele
sujeito em Washington, como-se-chama...?
— Cliff Bingham. Claro. Ele
me conseguiu umas coisas confidenciais na última eleição.
— Eu pensava se ele não
poderia averiguar com a Biblioteca do Congresso e conseguir um exemplar
original desse negócio.
Bernice agarrou uma caneta e
pôs-se a escrever uma nota para si mesma.
— Ligarei para ele. O que
exatamente você quer?
— Descobrindo o Verdadeiro
Eu, um currículo para as quartas séries. Ela anotou aquilo.
— Publicado pelo Centro
Ômega...
— Uh... Centro Ômega para
Estudos Educacionais, Fairwood, Massachusetts.
— Alguma idéia do ano?
— Nenhuma.
— Está bem. Veremos o que
conseguiremos.— Tudo bem. Agora vamos falar da edição de terça-feira. Tire
aquela história da lanchonete; John gosta dela, mas a esposa terá um acesso...
Eles falaram de negócios.
Bernice tomou notas, tirou arquivos, leu matéria para publicação pelo telefone,
e recebeu ordens do chefe.
No lado de fora, os negócios do meio da semana, do meio do dia na cidade de Ashton estavam em plena atividade; gente, carrinhos de compras e veículos circulavam pelo estacionamento da Mercearia do Carlucci; os bombeiros lavavam o pátio de manobras da Estação Quinze e davam lustro na bomba; Clyde Sodeberg e seus filhos batiam o concreto ainda fresco de umas formas no novo projeto da Caixa Econômica Centro-Oeste.
Passando por tudo isso, e
depois parando no segundo dos quatro sinaleiros ao longo da rua principal, Marv
e Cláudia Simpson apresentaram Sally Beth Roe — eles achavam que o nome dela
era Betty Smith — à sua cidade.
— É um ótimo lugar para se
viver e negociar — disse Marv. — Pelo menos, agora, é. Já tivemos nossa quota
de dificuldades, mas as coisas ficaram bem mais tranqüilas, e acho que estamos
melhorando.
A luz ficou verde e Marv
pilotou sua grande caminhonete mais adiante na rua, passando pelas lojinhas,
pela loja de ferragens, pelo jornal local...
— Esse é o Clarim de
Ashton — disse Marv. — Sai às terças e sextas, e o editor é um santo. Acho
que ele está fora da cidade faz um tempinho; não sei o que ele tem estado a
fazer.
Eles passaram pela escola que
abrigava o colegial. Era nova esse ano, porque as matrículas haviam aumentado.
Marv dobrou à esquerda no
terceiro sinaleiro e seguiu por uma rua que subia gradualmente numa vizinhança
quieta com maciços carvalhos alinhadas na rua, pequenas bicicletas pintadas de
cores berrantes encostadas nos carvalhos, e arcos alaranjados de bola ao cesto
em quase todas as garagens. Os gramados eram bem cuidados, as calçadas eram
limpas, e os carros todos pareciam conhecer bem seu lugar de estacionar.
Marv dobrou à esquerda de
novo e chegou a uma fileira de grandes casas do início do século, com
revestimento branco chanfrado, grandes chaminés, telhados maciços,
águas-furtadas aconchegantes, e largas e amplas varandas. Ele encostou e
estacionou na frente da terceira casa à direita, provavelmente a mais convidativa
de todas as casas, com um gramado perfeitamente aparado, cercado de plantas
coloridas, uma varanda de pilares, e um convidativo balanço na varanda. Na
frente, bem ao lado da calçadinha, encontrava-se uma placa pequena,
despretensiosa: Pensão Sara Barker.
— Este é o lugar de que lhe
falei — informou Marv.— Vai dar certinho, acho eu — comentou Cláudia. — Você
terá tempo de analisar as coisas e tirá-las da cabeça.
Sally tomou-lhes as mãos e
segurou-as bem apertadas.
— Vocês me fizeram uma
maravilhosa caridade. Muito, muito obrigada.
— Não há de quê — retrucou
Marv. — Precisamos levá-la à nossa granja uma hora dessas.
— Eu gostaria disso.
— Oh, aí está a Sara agora —
exclamou Cláudia.
— Sara é uma boa mulher, vai
gostar dela.
Sara era, e Sally gostou. A
casa na realidade pertencia a Sara e Floyd, seu marido, mas eles acharam que
usar apenas o nome dela na placa seria mais atraente. Floyd era um homem alto,
magro, de poucas palavras, que se havia aposentado recentemente do negócio de
cereais e tentava agora dar uma de escritor quando não fazia o papel de
pau-pra-toda-obra na pensão — que era o que fazia naquele momento. Sally
alegrou-se em conhecê-la e apertou-lhe calorosamente a mão. Quanto a Sara, ela
impressionou Sally como sendo a idéia que todo o mundo tem da perfeita vovó,
uma mulher baixinha com cabelos brancos curtos, pequenos óculos redondos, e uma
história engraçadinha a respeito de quase tudo.
— Tínhamos oito filhos, mas
agora eles se foram, por isso temos todos esses quartos vazios e prontos para as
pessoas certas — explicou ela, mostrando a grande casa a Sally. — Temos tido
quase que apenas mulheres solteiras aqui; algumas têm problemas em casa e
precisam ficar longe, algumas vão a algum outro lugar — sabe, estão entre duas
coisas — e as duas que estão aqui no momento vieram para ficar de vez até se
casarem, acho.
A sala de estar era antiga,
clássica, com teto alto, revestida de madeira finamente laminada, com mobília
convidativa, confortável, antiga, e até mesmo um velho órgão de pedal da
primeira igreja pioneira de Ashton. A sala de jantar era ampla e bem apropriada
para uma família grande, ou para uma porção de pensionistas.
— Bem, temos um banheiro aqui
em baixo, mas trabalhamos nele... Elas estavam no vestíbulo central logo
debaixo da grande escada, e podiam ver uma caixa de ferramenta projetando-se no
vestíbulo pela porta do banheiro e ouvir as batidas e tinidos do trabalho em
andamento.
Sara deu a volta pela caixa
de ferramenta e depois saiu da frente a fim de que Sally pudesse espiar lá
dentro.
— Quando consertarmos o
encanamento, as coisas devem voltar ao normal.
Sally espiou dentro do
banheiro. Era espaçoso, e durante as ocasiões normais, provavelmente era muito
gostoso. Naquele exato momento, era uma bagunça; o tapete estava enrolado,
havia ferramentas e encaixes de canos pelo chão, uma forte lâmpada de serviço
pendurada do espelho do toucador e, mais estranho que tudo, um rapaz de macacão
ajoelhado na frente do vaso sanitário; ele parecia berrar para dentro do vaso.
— Não — gritou ele — suba de
novo! Você vai na direção errada! Uma voz abafada, de Floyd, veio de algum
lugar lá em baixo.
— Quem foi que colocou todo
este negócio aqui em baixo?
— Foi você, Floyd; não jogue
a culpa em mim! Então o rapaz reparou que Sally o observava.
— Oh, oi. — Oi.
Sara inclinou-se para dentro.
— Hank, esta é Betty Smith,
nova pensionista. Betty, este é Hank Busche, o nosso pastor.
Ele acenou com uma chave
inglesa.
— Prazer em conhecê-la. Terei
prazer em apertar-lhe a mão mais tarde. — Dava bem para ver que as mãos dele
estavam muito sujas no momento.
Sally ficou fascinada. Esse
era um pastor?
— Por que berra para dentro
do vaso? Ele achou graça.
— Bem... Floyd está lá em
baixo. Você já ficou conhecendo o Floyd? A voz de Floyd veio de baixo do
assoalho.
— Sim. É a Betty, certo? Hank
berrou de volta. — É.
— Já nos conhecemos.
— Ela está aqui para
inspecionar o serviço que você fez com os parafusos.
— Oh, estou em apuros agora!
Hank explicou:
— Floyd colocou os parafusos
errados ao instalar este vaso quinze anos atrás, e agora não conseguimos soltar
as porcas no lado de baixo.
O sorriso de Sally era um
sorriso cansado, mas fez-lhe bem. Sara disse:
— Você está cansada. Vamos
subir e eu lhe mostrarei o seu quarto. Mas Sally hesitou por apenas um momento.
— Você não parece um pastor.
Hank sorriu, empurrando
algumas mechas de cabelo da testa com o antebraço. — Obrigado.
Por que não atacar
diretamente? pensou Sally.
— Suponho que conhece a Deus?
— Claro, eu o conheço.
Ele falou com muita
naturalidade. Nem mesmo hesitou em responder. Sally tentou uma pergunta mais
difícil.
— Pode provar que ele
existe?Hank sentou-se à frente do vaso e apenas fitou-a por um momento.
— Tem uma Bíblia?
Sally ia dizer que não, mas
Sara se adiantou:
— Tem uma no quarto dela.
Hank pensava. Ele quase
parecia escutar.
— Digo-lhe uma coisa. Leia o
Salmo 119, e simplesmente peça a Deus que fale ao seu coração enquanto lê. Veja
o que acontece.
— Salmo 119 — repetiu Sally.
— Certo.
— Boa sorte com o vaso.
— Obrigado. E foi um prazer
conhecê-la.
Hank sentou-se ali por um
momento depois que Sally e Sara se foram. O Senhor lhe tinha falado acerca
dessa mulher chamada Betty. A voz de Floyd veio de baixo:
— Salmo 119? Que tipo de
passagem é essa para fazer alguém ser salvo? O próprio Hank estava perplexo.
— Não sei. É a passagem que o
Senhor me disse para dar a ela.
— O capítulo mais comprido da
Bíblia... — resmungou Floyd. Hank orou, ali mesmo.
— Senhor Deus, por favor
torna-te real para Betty Smith. Mostra-lhe quanto a amas.
— Amém — disse uma voz vinda
de baixo da bacia. — Agora pode me Jogar uma chave menor?
No topo da casa, Tal confabulou com os dois príncipes angelicais de Ashton, Krioni e Triskal.
— Sentimo-nos honrados em
vê-lo novamente, capitão — disse Krioni. — Sempre nos lembraremos da vitória que
conseguimos aqui.
Tal perscrutou o horizonte e
pôde ver uma espessa barreira de guerreiros angelicais que rodeava a cidade,
vedando-a contra invasão demoníaca. Eles estavam ali a fim de servir aos santos
que ficavam dentro dela, em resposta às suas orações, alargando as portas de
oportunidade para ministrar. A cidade não era perfeita, não deixava de ter problemas;
ainda tinha os seus bares e conflitos, suas enrascadas e seus pecados. Mas o
Senhor operava em Ashton, seus santos estavam orando, e para Sally Beth Roe, a
cidade era segura.
— Deixo-a nas suas mãos,
Krioni. Vejo que Hank já planta as sementes certas.
Triskal sorriu.
— O Espírito de Deus continua
a atraí-la.
— Cuidem dela enquanto isso.
Assegurem-se de que ela conheça Bernice, mas não deixem que Bernice saiba quem
ela é até a hora certa.Krioni olhou Tal de forma significativa.
— Mais uma vez, o senhor tem
um plano. Como está se desenrolando? Tal pareceu sombrio.
— De forma contínua, mas
miseravelmente. Krioni assentiu com a cabeça.
— Vejo que o senhor e os
outros precisarão de tempo para se recuperar.
— Destruidor soube o que
fizemos aqui. Ele chegou aos santos primeiro. Ele e seus demônios espalham
contenda e divisão como há anos a igreja não vê, e a cada dia a nossa situação
fica mais precária. Volto a Baskon a fim de deter a campanha. Nada mais pode
prosseguir até que eu faça isso.
O rosto de Triskal enrugou-se
de preocupação.
— Mas há tempo, capitão? Tal
respondeu simplesmente:
— Não. Teremos apenas de
fazer o que pudermos. Se você conseguir usar esta crise para despertar orações
especificas por parte dos santos daqui, tanto melhor.
Triskal sorriu.
— Conte com isso. Eles
orarão. Krioni acrescentou:
— Mas parece que Sally Roe vai
na direção de maior perigo ainda. Tal assentiu com a cabeça, a contragosto.
— Não podemos abreviar o
plano, ou poupar a Sally cada último passo. Venceremos tudo... ou perderemos
tudo.
Krioni e Triskal o abraçaram.
— Vá com Deus.
Tal puxou a espada a fim de
reunir seus guerreiros, e eles arremeteram ao céu, rumando para Baskon.
— Perderam? — bramiu Destruidor. — Atrevem-se a dizer-me que a perderam?
Seis espíritos hediondos
estavam diante dele no telhado do Prédio Whitcombe na Universidade Bentmore. Eles
haviam cravado os olhos no telhado espesso, ondulado, e recusavam-se a
erguê-los. Estavam silenciosos, sem palavras apropriadas de explicação.
Destruidor e Corruptor não estavam muito longe de reduzi-los a migalhas naquele
exato momento.
Destruidor queria uma
explicação naquele mesmo instante. Ele agarrou um demônio pelo cabelo e
soqueteou a cabeça dele para cima de forma que seus olhos se encontrassem.
— Eu sabia que você jamais
a perderia, mas a seguiria até os confins da terra a fim de que pudéssemos
escolher a nossa hora, escarnecer do Exército Celestial, apanhar a fruta quando
estivesse madura, e agora... você a perdeu? Conte-me como!— Nós a seguimos —
explicou a coisa. — E?
— Ela foi para o oeste com o
dono da granja. — E?
O espírito olhou para os seus
camaradas. Eles nem mesmo lhe devolveram o olhar, temendo que Destruidor
pensasse que sabiam alguma coisa.
— O fazendeiro levou-a a
Ashton.
Destruidor deu um puxão violento
no cabelo do demônio, torcendo lhe o pescoço para trás. — Ashton? O
demônio fez uma careta de dor.
— Seguimos até onde pudemos,
mas nos fizeram voltar. Os olhos de Destruidor queimavam de fúria.
— O Exército Celestial?
O guerreiro estava quase
caindo, contorcendo-se no aperto de ferro da mão de Destruidor.
— Eles controlam aquele território,
eles e os santos de Deus! Destruidor soltou o cabelo do demônio e o guerreiro
caiu sobre o telhado, girando o pescoço para tirar os nós.
Destruidor e Corruptor afastaram-se
para confabular em particular.
Destruidor tornava o ar
amarelo com seus arquejos desvairados, ansiosos.
— Aquele limboso,
escorregadio, sutil Capitão do Exército! Eu deveria ter antecipado isto! Ele a
está escondendo numa fortaleza na qual não podemos penetrar!
Corruptor resmungou:
— Ela está livre, e viva, e
agora tem tanto o anel quanto as listas.
— As listas são culpa sua!
— insistiu Destruidor.
— E o desaparecimento dela?
Não é sua culpa?
— Se a perdermos de vista
agora...
— Essa não é uma opção.
—... o Homem Forte nos
arrancará a cabeça do corpo com as próprias mãos! — Destruidor cuspiu enxofre
em nova explosão de raiva. — Nunca! O Capitão do Exército não me derrotará! Não
serei humilhado por esses santos medíocres!
Berrou com seus capangas que
estavam de guarda ali por perto. Eles se colocaram prontamente em posição de sentido.
— Reúnam suas hordas!
Retornamos a Baskon! Terminaremos esse negócio e dizimaremos os santos,
silenciando suas orações de uma vez por todas!Claire Johanson desligou o
telefone em seu escritório e depois olhou fixamente para o aparelho,
profundamente pensativa. Jon conhecia aquela cara.
— O que foi?
— Era o Sr. Goring, do
Summit. Sally Roe apareceu em Bentmore. Esteve lá na sala de Samuel Lynch.
Jon ergueu-se da cadeira,
antecipando uma resposta de que não iria gostar.
— Ela escapou?
Claire suspirou, deixando a
mão cair sobre a escrivaninha com um tapa.
— Escapou. Kholl e seus
homens a perseguiram por todo o campus de Bentmore, mas ela conseguiu pegar
carona com um estranho e eles a perderam.
Jon jogou as mãos para cima,
enraivecido.
— Ótimo. Isso é ótimo!
Realmente começo a duvidar desse Kholl. Ele já teve duas oportunidades e
apareceu de mãos vazias as duas vezes!
Claire advertiu-o:
— Por favor, fale baixo. Há
alguns membros do Círculo Vital pela casa. Jon tentou acalmar-se, mas não
conseguiu de jeito nenhum sentar-se ou relaxar.
— Ela tem as listas —
acrescentou Claire. Jon olhou-a com curiosidade.
— Que listas?
— As listas de membros do
Professor Lynch.
Jon fitou-a com o olhar
vazio. Não conseguia acreditar naquilo. Ele meneou a cabeça.
— Ora, isso tem de ser um
erro. Alguém está errado. Não é verdade.
— É verdade.
Ele sacudiu a cabeça de novo,
com mais força.
— Não, não é verdade! É
impensável demais para ser verdade!
— Lynch saiu da sala para
apanhar o seu anel e entrar em contato com Kholl. Ela deve tê-las tirado da
prateleira enquanto ele estava fora. Ele não percebeu até depois de ela ter
saído.
John gritou ao ouvir isso.
— Ela saiu?
Claire fez-lhe sinal para
abaixar a voz, sentindo-se defensiva com relação a Lynch.
— Ele não podia fazer com que
a matassem bem ali na sua sala! Os homens de Kholl deviam cuidar dela em algum
outro lugar, secretamente.
Jon esbravejou e bufou e
andou à volta do escritório.
— O Professor Lynch ainda
vive?
— Claro que sim.
— Por que?Claire desviou o
olhar impacientemente.
— Jon, o que isso resolveria?
Jon tinha dificuldade em
manter baixa a voz.
— Aquele velho amalucado é um
perigo! Devia ser eliminado, e Kholl também!
Claire suspirou e descansou o
queixo na mão.
— Talvez sejam, não sei. Não
controlo essas coisas.
— E então, quando é a
audiência?
— Às nove da manhã,
segunda-feira. Jon praguejou.
— Deveríamos ter sabido a
esta altura! Há outras forças trabalhando a favor de Roe, opondo-se diretamente
a nós. Posso sentir isso. Sem dúvida trabalham contra essa ação judicial também.
Poderíamos obter uma decisão contraria do juiz.
Claire estava prestes a
discordar, mas então decidiu que não podia.
— Creio que existe uma
possibilidade.
Jon se deteve para olhar
Claire bem nos olhos.
— Se perdermos nessa
audiência, e eles puderem colocar Amber no banco das testemunhas, ou mesmo
colher o depoimento dela...
Claire concordou.
— Chamarei os outros.
— E Hemphile também. Eu a
quero envolvida nisto. Temos de atacar aquela igreja!
— Já atacamos...
— Falo de atacá-los com mais
força! Algo bem visível! Claire pôs-se de pé, o dedo nos lábios.
— Alguém poderia ouvi-lo.
Ele tentou acalmar-se. Eles
podiam ouvir uma aula de ioga do Circulo Vital em andamento no segundo andar,
bem acima de suas cabeças. Claire tinha outra advertência.
— Você sabe que com qualquer
ação pública nos arriscamos a ser expostos...
Jon deu uma risada ao ouvir
isso.
— O que é isso? Eles são uns
cristãos antiquados, marginais, fanáticos. Quem vai acreditar neles?
Ela aquiesceu.
— Está bem.
— Amaldiçoaremos a igreja, e
amaldiçoaremos Sally Roe. Podemos arranjar alguma coisa que lhe pertença?
— Bem, acho que a casa que ela alugava ainda contém
todos os seus pertences.
— Alguma coisa viva?
Claire pensou por um
momento.— Oh, sim. De fato, acho que ela tinha alguns animais. Jon sorriu e se
acalmou um pouquinho.
— Bom. Bom.