terça-feira, 8 de junho de 2021

Este mundo tenebroso - parte 2 - capítulo 29


 Lucy Brandon se sentia fraca e adoentada, mas tentava não demonstrá-lo, mesmo enquanto rabiscava o novo endereço em ainda outra carta de Sally Roe e a fazia deslizar para dentro do malote de correspondência que saía. Não queria fazê-lo, mas não podia ver outra alternativa. Seus advogados continuavam pressionando-a, seus amigos no Círculo Vital sorriam e encorajavam-na, o sargento Mulligan a vigiava, a ação judicial adiantava-se à toda velocidade, e o ímpeto era irresistível, levando-a adiante como um trem disparado.

Mas depois de nada menos do que vinte dessas cartas, ela tinha visto o bastante. Temia, era ignorante da estratégia legal, e talvez fosse um tantinho confiante e crédula demais, mas não era burra. Não havia dúvida em sua mente de que Sally Roe vivia.

Quanto mais pensava a respeito, mais devastadora a coisa se tornava. Gradualmente, apenas um pequena idéia de cada vez, ela se permitiu pensar o impensável: algo mais do que uma ação judicial estava em progresso e alguém lhe mentia, talvez todos mentissem. Se lhe mentiam, ela provavelmente infringia a lei por todos os seus amigos e não por si mesma. Se tudo isso fosse verdade, então — ela havia tentado enterrar esse pensamento por semanas — estava sendo usada.

Ela não tinha dúvida de que sua filha Amber estava sendo usada, se não por essas águias legais, então certamente por aquele pônei que fora um dia engraçadinho e com que Amber havia travado amizade na classe de quarta série da Srta. Brewer. O riso, o divertimento e as brincadeiras, o charme do tipo desenho animado, eram tudo coisa do passado. Ametista não era nenhum tipo de amigo.

Mas agora que Lucy havia-se enterrado tanto, como poderia sair dessa? Para que direção podia voltar-se? Como...

A sineta tocou no balcão da frente. Debbie estava no horário de folga, por isso Lucy apressou-se à frente do aposento.

Aquele homenzarrão parecia familiar. Ela o havia visto pela cidade, mas ele não era destas partes. Imediatamente, ela sentiu-se desconfortável.— Em que posso servi-lo?

— Oi. Sou Marshall Hogan. Sou amigo de Tom Harris, e acabei de receber uma carta do Centro Ômega para Estudos Educacionais em Fairwood, Massachusetts...

Ele agia como se lhe desse uma pista, mas ela não entendeu qual fosse.

— Sim? Algum problema?

— Bem... suponho que saiba quem são os editores do currículo Desco­brindo o Verdadeiro Eu que a Srta. Brewer usa na escola primaria?

— Ainda não sei aonde quer chegar.

— Bem, escrevi ao Centro Ômega pedindo um exemplar do currículo Descobrindo o Verdadeiro Eu, e eles me dizem aqui nesta carta que apenas oferecem o currículo às instituições educacionais e não ao público em geral. A senhora não acha isto um tanto estranho?

Lucy sabia que não desejava conversar a respeito disso.

— Não sou o Centro Ômega, senhor, e não sou responsável por suas diretrizes. Agora a menos que tenha alguma coisa a tratar com o Correio...

Marshall olhou atrás de si. Não havia ninguém em fila.

— Não demorarei nada. Vamos falar de um grupo local, ... o Círculo Vital. Soube que o Círculo Vital é uma grande influência na educação por estas bandas: três pessoas do conselho escolar pertencem a ele, o diretor da escola de primeiro grau, o Sr. Woodard, pertence a ele, a Srta. Brewer pertence a ele, e a senhora pertence a ele. O conselho escolar adotou o currículo do Centro Ômega, o Sr. Woodard implementou-o, a Srta. Brewer o ensina, e sua filha entrou em contato com seu guia íntimo, Ametista, por causa dele.

Apenas uma semana antes, Lucy teria se sentido invadida, e muito zangada. Hoje era diferente.

— E daí? — Realmente queria saber.

Ela tentava parecer forte e inabalável, mas Marshall percebeu a curio­sidade em seus olhos.

— Deixe-me perguntar-lhe isto: Por que a senhora supõe que a Srta. Brewer não pôde apresentar o currículo quando lhe pedimos que nos mostrasse, nem tampouco o conseguiu o Sr. Woodard, nem tampouco o conseguiu o conselho escolar, e agora o próprio Centro Ômega não me permite comprar um exemplar dele? Quando penso em como todos vocês estão ligados, fico certamente a pensar se a sua ação judicial contra a Academia do Bom Pastor poderia ter algo a ver com isso. A senhora acha que existe alguma coisa naquele currículo que seus amigos não desejam que vejamos?

Lucy não respondeu por longo momento. Jamais havia pensado a respeito dessa questão antes. Ela mesma queria uma resposta.

— Não sei, Sr...

— Hogan. Marshall Hogan.— O que o senhor é, um investigador ou algo assim?

— Claro, algo parecido. Mais do que tudo, apenas um amigo dos seus oponentes na ação judicial.

— Bem, obviamente não posso falar a respeito de nada disso.

— Compreendo. Muito obrigado pelo seu tempo.

— De nada.

Ele deixou o prédio, e Lucy retornou ao trabalho, ou pelo menos tentou fazê-lo. Se Lucy se sentia pensativa e preocupada antes da visita desse Sr. Hogan, agora parecia totalmente perturbada. O que mais sabia aquele homem e por que ela não o sabia?

Marshall voltou à casa de Ben e Bev, e fez um chamado interurbano.

Lá em seu jornal, uma moça morena, bonita, de óculos, atendeu ao telefone de dentro do escritório fechado a vidro.

O Clarim de Ashton, fala Bernice Krueger.

— Ei, Bernice, aqui é Marshall.

— Ora, ora! — Ela fechou a porta do escritório contra a barulheira de fora e deixou-se cair sobre a escrivaninha, pronta para as últimas. — Pode alguma boa notícia sair de Baskon?

— Bem... as muralhas do forte estão ficando finas, mas não houve nenhuma brecha ainda.

— Continue cavando.

— Foi por isso que liguei. Lembra-se de que lhe falei daquele currículo da escola primária?

— Certo. A criançada está entrando naquela de controle alfa da mente e espíritos guias. Você chegou a receber um exemplar dele?

— Nada feito. Eles obstruem a coisa, até o topo da escada no próprio Ômega. Você ainda se comunica com aquele sujeito em Washington, como-se-chama...?

— Cliff Bingham. Claro. Ele me conseguiu umas coisas confidenciais na última eleição.

— Eu pensava se ele não poderia averiguar com a Biblioteca do Con­gresso e conseguir um exemplar original desse negócio.

Bernice agarrou uma caneta e pôs-se a escrever uma nota para si mesma.

— Ligarei para ele. O que exatamente você quer?

Descobrindo o Verdadeiro Eu, um currículo para as quartas séries. Ela anotou aquilo.

— Publicado pelo Centro Ômega...

— Uh... Centro Ômega para Estudos Educacionais, Fairwood, Massachusetts.

— Alguma idéia do ano?

— Nenhuma.

— Está bem. Veremos o que conseguiremos.— Tudo bem. Agora vamos falar da edição de terça-feira. Tire aquela história da lanchonete; John gosta dela, mas a esposa terá um acesso...

Eles falaram de negócios. Bernice tomou notas, tirou arquivos, leu matéria para publicação pelo telefone, e recebeu ordens do chefe.

No lado de fora, os negócios do meio da semana, do meio do dia na cidade de Ashton estavam em plena atividade; gente, carrinhos de com­pras e veículos circulavam pelo estacionamento da Mercearia do Carlucci; os bombeiros lavavam o pátio de manobras da Estação Quinze e davam lustro na bomba; Clyde Sodeberg e seus filhos batiam o concreto ainda fresco de umas formas no novo projeto da Caixa Econômica Centro-Oeste.

Passando por tudo isso, e depois parando no segundo dos quatro sinaleiros ao longo da rua principal, Marv e Cláudia Simpson apresentaram Sally Beth Roe — eles achavam que o nome dela era Betty Smith — à sua cidade.

— É um ótimo lugar para se viver e negociar — disse Marv. — Pelo menos, agora, é. Já tivemos nossa quota de dificuldades, mas as coisas ficaram bem mais tranqüilas, e acho que estamos melhorando.

A luz ficou verde e Marv pilotou sua grande caminhonete mais adiante na rua, passando pelas lojinhas, pela loja de ferragens, pelo jornal local...

— Esse é o Clarim de Ashton — disse Marv. — Sai às terças e sextas, e o editor é um santo. Acho que ele está fora da cidade faz um tempinho; não sei o que ele tem estado a fazer.

Eles passaram pela escola que abrigava o colegial. Era nova esse ano, porque as matrículas haviam aumentado.

Marv dobrou à esquerda no terceiro sinaleiro e seguiu por uma rua que subia gradualmente numa vizinhança quieta com maciços carvalhos ali­nhadas na rua, pequenas bicicletas pintadas de cores berrantes encostadas nos carvalhos, e arcos alaranjados de bola ao cesto em quase todas as garagens. Os gramados eram bem cuidados, as calçadas eram limpas, e os carros todos pareciam conhecer bem seu lugar de estacionar.

Marv dobrou à esquerda de novo e chegou a uma fileira de grandes casas do início do século, com revestimento branco chanfrado, grandes chaminés, telhados maciços, águas-furtadas aconchegantes, e largas e amplas varandas. Ele encostou e estacionou na frente da terceira casa à direita, provavelmente a mais convidativa de todas as casas, com um gramado perfeitamente aparado, cercado de plantas coloridas, uma varan­da de pilares, e um convidativo balanço na varanda. Na frente, bem ao lado da calçadinha, encontrava-se uma placa pequena, despretensiosa: Pensão Sara Barker.

— Este é o lugar de que lhe falei — informou Marv.— Vai dar certinho, acho eu — comentou Cláudia. — Você terá tempo de analisar as coisas e tirá-las da cabeça.

Sally tomou-lhes as mãos e segurou-as bem apertadas.

— Vocês me fizeram uma maravilhosa caridade. Muito, muito obrigada.

— Não há de quê — retrucou Marv. — Precisamos levá-la à nossa granja uma hora dessas.

— Eu gostaria disso.

— Oh, aí está a Sara agora — exclamou Cláudia.

— Sara é uma boa mulher, vai gostar dela.

Sara era, e Sally gostou. A casa na realidade pertencia a Sara e Floyd, seu marido, mas eles acharam que usar apenas o nome dela na placa seria mais atraente. Floyd era um homem alto, magro, de poucas palavras, que se havia aposentado recentemente do negócio de cereais e tentava agora dar uma de escritor quando não fazia o papel de pau-pra-toda-obra na pensão — que era o que fazia naquele momento. Sally alegrou-se em conhecê-la e apertou-lhe calorosamente a mão. Quanto a Sara, ela impres­sionou Sally como sendo a idéia que todo o mundo tem da perfeita vovó, uma mulher baixinha com cabelos brancos curtos, pequenos óculos redondos, e uma história engraçadinha a respeito de quase tudo.

— Tínhamos oito filhos, mas agora eles se foram, por isso temos todos esses quartos vazios e prontos para as pessoas certas — explicou ela, mostrando a grande casa a Sally. — Temos tido quase que apenas mulheres solteiras aqui; algumas têm problemas em casa e precisam ficar longe, algumas vão a algum outro lugar — sabe, estão entre duas coisas — e as duas que estão aqui no momento vieram para ficar de vez até se casarem, acho.

A sala de estar era antiga, clássica, com teto alto, revestida de madeira finamente laminada, com mobília convidativa, confortável, antiga, e até mesmo um velho órgão de pedal da primeira igreja pioneira de Ashton. A sala de jantar era ampla e bem apropriada para uma família grande, ou para uma porção de pensionistas.

— Bem, temos um banheiro aqui em baixo, mas trabalhamos nele... Elas estavam no vestíbulo central logo debaixo da grande escada, e podiam ver uma caixa de ferramenta projetando-se no vestíbulo pela porta do banheiro e ouvir as batidas e tinidos do trabalho em andamento.

Sara deu a volta pela caixa de ferramenta e depois saiu da frente a fim de que Sally pudesse espiar lá dentro.

— Quando consertarmos o encanamento, as coisas devem voltar ao normal.

Sally espiou dentro do banheiro. Era espaçoso, e durante as ocasiões normais, provavelmente era muito gostoso. Naquele exato momento, era uma bagunça; o tapete estava enrolado, havia ferramentas e encaixes de canos pelo chão, uma forte lâmpada de serviço pendurada do espelho do toucador e, mais estranho que tudo, um rapaz de macacão ajoelhado na frente do vaso sanitário; ele parecia berrar para dentro do vaso.

— Não — gritou ele — suba de novo! Você vai na direção errada! Uma voz abafada, de Floyd, veio de algum lugar lá em baixo.

— Quem foi que colocou todo este negócio aqui em baixo?

— Foi você, Floyd; não jogue a culpa em mim! Então o rapaz reparou que Sally o observava.

— Oh, oi. — Oi.

Sara inclinou-se para dentro.

— Hank, esta é Betty Smith, nova pensionista. Betty, este é Hank Busche, o nosso pastor.

Ele acenou com uma chave inglesa.

— Prazer em conhecê-la. Terei prazer em apertar-lhe a mão mais tarde. — Dava bem para ver que as mãos dele estavam muito sujas no momento.

Sally ficou fascinada. Esse era um pastor?

— Por que berra para dentro do vaso? Ele achou graça.

— Bem... Floyd está lá em baixo. Você já ficou conhecendo o Floyd? A voz de Floyd veio de baixo do assoalho.

— Sim. É a Betty, certo? Hank berrou de volta. — É.

— Já nos conhecemos.

— Ela está aqui para inspecionar o serviço que você fez com os parafusos.

— Oh, estou em apuros agora! Hank explicou:

— Floyd colocou os parafusos errados ao instalar este vaso quinze anos atrás, e agora não conseguimos soltar as porcas no lado de baixo.

O sorriso de Sally era um sorriso cansado, mas fez-lhe bem. Sara disse:

— Você está cansada. Vamos subir e eu lhe mostrarei o seu quarto. Mas Sally hesitou por apenas um momento.

— Você não parece um pastor.

Hank sorriu, empurrando algumas mechas de cabelo da testa com o antebraço. — Obrigado.

Por que não atacar diretamente? pensou Sally.

— Suponho que conhece a Deus?

— Claro, eu o conheço.

Ele falou com muita naturalidade. Nem mesmo hesitou em responder. Sally tentou uma pergunta mais difícil.

— Pode provar que ele existe?Hank sentou-se à frente do vaso e apenas fitou-a por um momento.

— Tem uma Bíblia?

Sally ia dizer que não, mas Sara se adiantou:

— Tem uma no quarto dela.

Hank pensava. Ele quase parecia escutar.

— Digo-lhe uma coisa. Leia o Salmo 119, e simplesmente peça a Deus que fale ao seu coração enquanto lê. Veja o que acontece.

— Salmo 119 — repetiu Sally.

— Certo.

— Boa sorte com o vaso.

— Obrigado. E foi um prazer conhecê-la.

Hank sentou-se ali por um momento depois que Sally e Sara se foram. O Senhor lhe tinha falado acerca dessa mulher chamada Betty. A voz de Floyd veio de baixo:

— Salmo 119? Que tipo de passagem é essa para fazer alguém ser salvo? O próprio Hank estava perplexo.

— Não sei. É a passagem que o Senhor me disse para dar a ela.

— O capítulo mais comprido da Bíblia... — resmungou Floyd. Hank orou, ali mesmo.

— Senhor Deus, por favor torna-te real para Betty Smith. Mostra-lhe quanto a amas.

— Amém — disse uma voz vinda de baixo da bacia. — Agora pode me Jogar uma chave menor?

No topo da casa, Tal confabulou com os dois príncipes angelicais de Ashton, Krioni e Triskal.

— Sentimo-nos honrados em vê-lo novamente, capitão — disse Krioni. — Sempre nos lembraremos da vitória que conseguimos aqui.

Tal perscrutou o horizonte e pôde ver uma espessa barreira de guerrei­ros angelicais que rodeava a cidade, vedando-a contra invasão demoníaca. Eles estavam ali a fim de servir aos santos que ficavam dentro dela, em resposta às suas orações, alargando as portas de oportunidade para minis­trar. A cidade não era perfeita, não deixava de ter problemas; ainda tinha os seus bares e conflitos, suas enrascadas e seus pecados. Mas o Senhor operava em Ashton, seus santos estavam orando, e para Sally Beth Roe, a cidade era segura.

— Deixo-a nas suas mãos, Krioni. Vejo que Hank já planta as sementes certas.

Triskal sorriu.

— O Espírito de Deus continua a atraí-la.

— Cuidem dela enquanto isso. Assegurem-se de que ela conheça Bernice, mas não deixem que Bernice saiba quem ela é até a hora certa.Krioni olhou Tal de forma significativa.

— Mais uma vez, o senhor tem um plano. Como está se desenrolando? Tal pareceu sombrio.

— De forma contínua, mas miseravelmente. Krioni assentiu com a cabeça.

— Vejo que o senhor e os outros precisarão de tempo para se recuperar.

— Destruidor soube o que fizemos aqui. Ele chegou aos santos primeiro. Ele e seus demônios espalham contenda e divisão como há anos a igreja não vê, e a cada dia a nossa situação fica mais precária. Volto a Baskon a fim de deter a campanha. Nada mais pode prosseguir até que eu faça isso.

O rosto de Triskal enrugou-se de preocupação.

— Mas há tempo, capitão? Tal respondeu simplesmente:

— Não. Teremos apenas de fazer o que pudermos. Se você conseguir usar esta crise para despertar orações especificas por parte dos santos daqui, tanto melhor.

Triskal sorriu.

— Conte com isso. Eles orarão. Krioni acrescentou:

— Mas parece que Sally Roe vai na direção de maior perigo ainda. Tal assentiu com a cabeça, a contragosto.

— Não podemos abreviar o plano, ou poupar a Sally cada último passo. Venceremos tudo... ou perderemos tudo.

Krioni e Triskal o abraçaram.

— Vá com Deus.

Tal puxou a espada a fim de reunir seus guerreiros, e eles arremeteram ao céu, rumando para Baskon.

— Perderam? — bramiu Destruidor. — Atrevem-se a dizer-me que a perderam?

Seis espíritos hediondos estavam diante dele no telhado do Prédio Whitcombe na Universidade Bentmore. Eles haviam cravado os olhos no telhado espesso, ondulado, e recusavam-se a erguê-los. Estavam silencio­sos, sem palavras apropriadas de explicação. Destruidor e Corruptor não estavam muito longe de reduzi-los a migalhas naquele exato momento.

Destruidor queria uma explicação naquele mesmo instante. Ele agarrou um demônio pelo cabelo e soqueteou a cabeça dele para cima de forma que seus olhos se encontrassem.

— Eu sabia que você jamais a perderia, mas a seguiria até os confins da terra a fim de que pudéssemos escolher a nossa hora, escarnecer do Exército Celestial, apanhar a fruta quando estivesse madura, e agora... você a perdeu? Conte-me como!— Nós a seguimos — explicou a coisa. — E?

— Ela foi para o oeste com o dono da granja. — E?

O espírito olhou para os seus camaradas. Eles nem mesmo lhe devol­veram o olhar, temendo que Destruidor pensasse que sabiam alguma coisa.

— O fazendeiro levou-a a Ashton.

Destruidor deu um puxão violento no cabelo do demônio, torcendo lhe o pescoço para trás. — Ashton? O demônio fez uma careta de dor.

— Seguimos até onde pudemos, mas nos fizeram voltar. Os olhos de Destruidor queimavam de fúria.

— O Exército Celestial?

O guerreiro estava quase caindo, contorcendo-se no aperto de ferro da mão de Destruidor.

— Eles controlam aquele território, eles e os santos de Deus! Destruidor soltou o cabelo do demônio e o guerreiro caiu sobre o telhado, girando o pescoço para tirar os nós.

Destruidor e Corruptor afastaram-se para confabular em particular.

Destruidor tornava o ar amarelo com seus arquejos desvairados, ansio­sos.

— Aquele limboso, escorregadio, sutil Capitão do Exército! Eu deveria ter antecipado isto! Ele a está escondendo numa fortaleza na qual não podemos penetrar!

Corruptor resmungou:

— Ela está livre, e viva, e agora tem tanto o anel quanto as listas.

— As listas são culpa sua! — insistiu Destruidor.

— E o desaparecimento dela? Não é sua culpa?

— Se a perdermos de vista agora...

— Essa não é uma opção.

—... o Homem Forte nos arrancará a cabeça do corpo com as próprias mãos! — Destruidor cuspiu enxofre em nova explosão de raiva. — Nunca! O Capitão do Exército não me derrotará! Não serei humilhado por esses santos medíocres!

Berrou com seus capangas que estavam de guarda ali por perto. Eles se colocaram prontamente em posição de sentido.

— Reúnam suas hordas! Retornamos a Baskon! Terminaremos esse negócio e dizimaremos os santos, silenciando suas orações de uma vez por todas!Claire Johanson desligou o telefone em seu escritório e depois olhou fixamente para o aparelho, profundamente pensativa. Jon conhecia aquela cara.

— O que foi?

— Era o Sr. Goring, do Summit. Sally Roe apareceu em Bentmore. Esteve lá na sala de Samuel Lynch.

Jon ergueu-se da cadeira, antecipando uma resposta de que não iria gostar.

— Ela escapou?

Claire suspirou, deixando a mão cair sobre a escrivaninha com um tapa.

— Escapou. Kholl e seus homens a perseguiram por todo o campus de Bentmore, mas ela conseguiu pegar carona com um estranho e eles a perderam.

Jon jogou as mãos para cima, enraivecido.

— Ótimo. Isso é ótimo! Realmente começo a duvidar desse Kholl. Ele já teve duas oportunidades e apareceu de mãos vazias as duas vezes!

Claire advertiu-o:

— Por favor, fale baixo. Há alguns membros do Círculo Vital pela casa. Jon tentou acalmar-se, mas não conseguiu de jeito nenhum sentar-se ou relaxar.

— Ela tem as listas — acrescentou Claire. Jon olhou-a com curiosidade.

— Que listas?

— As listas de membros do Professor Lynch.

Jon fitou-a com o olhar vazio. Não conseguia acreditar naquilo. Ele meneou a cabeça.

— Ora, isso tem de ser um erro. Alguém está errado. Não é verdade.

— É verdade.

Ele sacudiu a cabeça de novo, com mais força.

— Não, não é verdade! É impensável demais para ser verdade!

— Lynch saiu da sala para apanhar o seu anel e entrar em contato com Kholl. Ela deve tê-las tirado da prateleira enquanto ele estava fora. Ele não percebeu até depois de ela ter saído.

John gritou ao ouvir isso.

— Ela saiu?

Claire fez-lhe sinal para abaixar a voz, sentindo-se defensiva com relação a Lynch.

— Ele não podia fazer com que a matassem bem ali na sua sala! Os homens de Kholl deviam cuidar dela em algum outro lugar, secretamente.

Jon esbravejou e bufou e andou à volta do escritório.

— O Professor Lynch ainda vive?

— Claro que sim.

— Por que?Claire desviou o olhar impacientemente.

— Jon, o que isso resolveria?

Jon tinha dificuldade em manter baixa a voz.

— Aquele velho amalucado é um perigo! Devia ser eliminado, e Kholl também!

Claire suspirou e descansou o queixo na mão.

— Talvez sejam, não sei. Não controlo essas coisas.

— E então, quando é a audiência?

— Às nove da manhã, segunda-feira. Jon praguejou.

— Deveríamos ter sabido a esta altura! Há outras forças trabalhando a favor de Roe, opondo-se diretamente a nós. Posso sentir isso. Sem dúvida trabalham contra essa ação judicial também. Poderíamos obter uma deci­são contraria do juiz.

Claire estava prestes a discordar, mas então decidiu que não podia.

— Creio que existe uma possibilidade.

Jon se deteve para olhar Claire bem nos olhos.

— Se perdermos nessa audiência, e eles puderem colocar Amber no banco das testemunhas, ou mesmo colher o depoimento dela...

Claire concordou.

— Chamarei os outros.

— E Hemphile também. Eu a quero envolvida nisto. Temos de atacar aquela igreja!

— Já atacamos...

— Falo de atacá-los com mais força! Algo bem visível! Claire pôs-se de pé, o dedo nos lábios.

— Alguém poderia ouvi-lo.

Ele tentou acalmar-se. Eles podiam ouvir uma aula de ioga do Circulo Vital em andamento no segundo andar, bem acima de suas cabeças. Claire tinha outra advertência.

— Você sabe que com qualquer ação pública nos arriscamos a ser expostos...

Jon deu uma risada ao ouvir isso.

— O que é isso? Eles são uns cristãos antiquados, marginais, fanáticos. Quem vai acreditar neles?

Ela aquiesceu.

— Está bem.

— Amaldiçoaremos a igreja, e amaldiçoaremos Sally Roe. Podemos arranjar alguma coisa que lhe pertença?

Bem, acho que a casa que ela alugava ainda contém todos os seus pertences.

— Alguma coisa viva?

Claire pensou por um momento.— Oh, sim. De fato, acho que ela tinha alguns animais. Jon sorriu e se acalmou um pouquinho.

— Bom. Bom.