"David", disseram-me vários deles, "há dois
hábitos que precisam ser quebrados, se você é viciado. O hábito do corpo e o
da mente. O do corpo não é problema assim tão grande; você apenas passa pelo
inferno durante três dias, agüenta sofrimento um pouco menor durante um mês,
depois está livre.
"Mas o hábito mental, David... isto é que é terrível! Há
qualquer coisa dentro da gente que obriga a voltar. Parece uma voz de fantasma,
falando com a gente. Temos nomes para esse camarada: ou é um macaco nas costas,
ou um abutre nas veias. Não conseguimos nos livrar dele, David. Mas você é
pregador. Quem sabe esse Espírito Santo, de quem você tanto fala, quem sabe ele
pode ajudar?"
Não sei por que demorei tanto a reconhecer que essa era a
direção que deveríamos seguir. Essa idéia foi como uma evolução; começando com
um fracasso, e terminando com uma descoberta maravilhosa.
O fracasso foi um rapaz chamado José. Nunca me esqueci dos
quatro dias traumáticos que passei ao seu lado, tentando ajudá-lo durante as
dores que sentia, quando tentava se livrar do vício da heroína.
José era um rapaz simpático. Alto, loiro, já havia sido bom
atleta, e não se viciara da maneira habitual.
— Suponho que os remédios que me deram contra dor foram
necessários, disse José no escritório do Centro. Sei que quando precisava deles
ficava contente com o alívio que traziam. Mas veja o que aconteceu depois.
Nunca consegui me livrar.
José contou-me a sua história. Trabalhava para uma companhia
de carvão. Certo dia caiu numa das máquinas, o que o levou ao hospital por
vários meses, durante os quais sentia muita dor. Para aliviar um pouco a sua
agonia, o médico receitou um narcótico. Antes de deixar o hospital, José estava
viciado.
— Não podia comprar a droga, continuou ele, mas descobri que
havia um xarope que continha também um narcótico. Então eu andava por toda a
cidade para comprá-lo. Era preciso ir a diversas farmácias e usar também nome
diferente, mas nunca tive dificuldade, e conseguia quanto queria. Comprava-o,
entrava no primeiro banheiro que encontrava, e bebia o vidro todo de uma vez.
Depois de algum tempo, contudo, isso não satisfazia mais a
necessidade crescente que José sentia de drogas. Ficou sabendo que alguns dos
seus colegas de escola estavam usando heroína, e entrou em contato com eles.
Dali para frente seguiu o mesmo caminho dos outros. Primeiro fumo, depois
injeções no músculo e, finalmente, injeções na própria veia. Quando José veio à
nossa procura, já tomava heroína havia oito meses, e estava profundamente
viciado.
— Você pode ficar aqui no Centro uns três ou quatro dias?
perguntei.
— Ninguém mais me quer.
— Você pode ficar lá em cima com os obreiros. José concordou.
— Não será fácil; você sabe. Será um "peru-frio"!
José sacudiu os ombros.
"Peru-frio" — o método instantâneo para deixar os
alucinógenos — é o sistema empregado nas cadeias para fazer um rapaz deixar as
drogas. Nós o usávamos porque não tínhamos escolha; não poderíamos aplicar as
drogas usadas nos hospitais. Preferimos esse método, também, pelos seus
próprios méritos. Nos hospitais, com seu sistema mais suave, levam três semanas;
com esse, apenas três dias. A dor é mais intensa, mas também passa mais
rapidamente.
Assim trouxemos José ao Centro, e arranjamos um quarto para
ele junto com os obreiros. Fiquei contente por termos uma enfermeira formada
morando na casa. O quarto de Bárbara Culver ficava bem embaixo do de José.
Desse modo ela ficou de sobreaviso durante todo o tempo em que ele esteve
conosco. Também um médico ficou de prontidão, caso José viesse a precisar dele.
Logo que ele se acomodou, eu lhe disse:
— José, deste momento em diante você abandonou a droga. Posso
prometer-lhe que não ficará sozinho um minuto sequer. Quando não estivermos com
você pessoalmente, estaremos orando por você.
Não iríamos privar o rapaz das drogas e deixá-lo sofrer sozinho.
Durante quatro dias haveria uma intensa campanha de oração por ele. Dia e noite
intercederíamos a seu favor, enquanto outros estariam ao seu lado lendo
porções das Escrituras.
Uma das primeiras coisas que tivemos de fazer com José foi
acalmar sua expectativa de dor. O processo em si mesmo já era horrível, sem o
sofrimento adicional de se esperar passar pelo inferno. Perguntei-lhe de onde
tirara a idéia de que seria muito difícil.
— Bem... sabe... todos dizem...
— Isso mesmo. Todos dizem que é duro; então você fica aí
suando só de pensar no que o espera. Quem sabe não será tão difícil assim?
Contei-lhe então o caso de um rapaz que conheci que usara
maconha e heroína e parou de uma vez, sem nenhum dos sintomas costumeiros.
Confessei que era um caso raro, e que de fato ele deveria estar preparado para
enfrentar o pior, mas não havia razão de torná-lo pior ainda. Trabalhamos muito
para ajudá-lo a separar os sintomas reais, dos sintomas psicológicos que vêm da
preocupação.
Depois, ensinamos o Salmo 31 a José. É realmente um Salmo maravilhoso,
ao qual demos o nome de Cântico do Viciado. Há certos versículos, em
particular, feitos para condições como a dele.
"Tirar-me-ás do laço que, às ocultas, me armaram, pois
tu és a minha fortaleza. Compadece-te de mim, Senhor, porque me sinto
atribulado; de tristeza os meus olhos se consomem, e a minha alma e o meu
corpo. Gasta-se a minha vida na tristeza, e os meus anos, em gemidos;
debilita-se a minha força, por causa da minha iniqüidade, e os meus ossos se
consomem. Tornei-me opróbrio para todos os meus adversários, espanto para os
meus vizinhos e horror para os meus conhecidos; os que me vêem na rua fogem de
mim. Estou esquecido no coração deles, como morto; sou como vaso
quebrado." (Vv. 4,9-12.)
Seu corpo estava vermelho, e o suor corria, deixando a cama
ensopada. Gritava de dor e batia na cabeça. Pedia água, depois vomitava.
Suplicava para que eu o ajudasse, e a única coisa que eu podia fazer era
segurar sua mão e garantir-lhe o nosso interesse.
À noite, colocamos, perto da cama do José, um gravador que
repetia textos bíblicos. Eu fiquei no Centro durante aqueles dias. Várias
vezes no silêncio da noite, ia até a capela para ter a certeza de que sempre
havia alguém lá, depois subia ao quartinho de José.
O gravador repetia, suavemente, porções bíblicas para o
rapaz, que se debatia na cama, num sono agitado. Durante aqueles três dias e
noites, nem por um minuto o tormento cessou. Era terrível observá-lo.
No quarto dia, José parecia estar melhor. Andou pelo Centro,
sorrindo francamente, e dizendo que o pior já deveria ter passado. Todos nos
regozijamos com ele. Quando José disse que queria voltar para casa para ver
seus pais, eu tive dúvidas, mas nada poderíamos fazer para detê-lo, se ele
queria partir.
Assim, sorrindo e agradecendo-nos, José saiu pela porta da
frente, e desceu pela Avenida Clinton.
Chegou a hora em que ele deveria voltar, mas nada do José.
Soubemos, no dia seguinte, que ele havia sido preso por roubo e posse de
narcóticos.
Essa foi a nossa falha.
— O que fizemos de errado? perguntei aos obreiros, numa
reunião. O rapaz venceu o pior. Foi até o fim dos três piores dias que teria de
passar. Só tinha a ganhar com tudo isso, no entanto jogou tudo fora.
— Por que não conversa com os rapazes que tiveram êxito em
deixar a droga? Quem sabe eles terão uma resposta, disse Howard Culver.
Havia vários. Chamei-os um a um para ouvir sua história de
libertação. Todos falaram de uma experiência comum.
Falei com Nicky, que usara bolinhas e fumara maconha.
Perguntei-lhe quando sentiu que tinha alcançado o domínio sobre a vida antiga.
Algo maravilhoso acontecera quando se convertera, disse ele. Naquele dia
deparara com o amor de Deus. No entanto foi mais tarde que teve completa
vitória.
— E quando foi isso, Nicky?
— Quando fui batizado com o Espírito Santo.
Chamei David, e lhe fiz a mesma pergunta. Quando sentira que
dominara a si mesmo?
— Ah! isso é fácil de responder, disse-me ele. Foi quando
recebi o batismo com o Espírito Santo.
Vezes seguidas ouvi a mesma resposta. Não posso descrever
como fiquei animado. Parecia estar surgindo um padrão. Senti que estava no
limiar de algo maravilhoso.