Pensando na razão disso, chego à conclusão de que o Centro
se tornou justamente aquilo que esperávamos — um lar. Cheio de amor, sujeito a
uma disciplina espiritual, tendo todos um mesmo alvo, mas livres.
Num ambiente assim há uma válvula de escape indispensável,
que permite vivermos normalmente, e que dá lugar à alegria, que nos faz rir.
Fico muito contente com isso. Eu penso não ser possível que
uma verdadeira casa de Deus seja um lugar sombrio e tristonho, e o Centro
certamente não é lugar para quem tenha cara comprida. Se não é uma guerra de
travesseiros no dormitório das moças, estão dando nós nos lençóis no
dormitório dos moços, ou pondo açúcar no saleiro — todas aquelas brincadeiras
costumeiras.
Naturalmente, eu tenho de fazer cara feia a tudo isso, mas
aparentemente ninguém presta muita atenção.
Quando subo as escadas correndo, gritando como deve fazer um
diretor, dizendo que já passou da hora de apagar as luzes, deparo com roncos
angelicais que duram justamente o bastante para eu descer as escadas novamente.
Eu me preocuparia com essa falta de respeito pela autoridade, se a disciplina
afinal não fosse mantida; os jovens estão tão ocupados que há muito pouca
energia para fazer folia. Depois de alguns minutos, todos se cansam e os roncos
se tornam reais.
Na realidade, esse espírito de brincadeiras não se limita aos
adolescentes e jovens, mas todos participam. Logo depois da chegada de Glória e
Nicky, iniciamos o que chamamos de "Operação Leva-Quadrilha". A
Igreja das Boas-Novas tem um local para retiros, no estado de Nova Iorque, numa
fazenda chamada Vale Escondido. Durante as semanas mais quentes do verão,
pedimos permissão para levar alguns dos rapazes das quadrilhas, a fim de
tomarem um pouco de ar mais puro. Nicky e sua esposa nos acompanharam. Lucas
veio também, com mais doze rapazes do Centro.
Certa noite, Glória e Nicky resolveram dar uma voltinha antes
de deitar-se. Lucas e alguns outros me chamaram e convidaram para fazer uma
brincadeira.
— Você sabe, Nicky nunca saiu da cidade, disse Lucas que já
se considerava veterano, porque já estivera antes numa fazenda.
— Quer pegar uma vela e nos acompanhar?
— O que vocês vão fazer?
— Nada que poderá machucar ninguém! Vamos apenas caçar ursos.
Então pegamos umas velas, e saímos pelo mesmo caminho que
Glória e Nicky haviam tomado. Logo nos encontramos com o casal que voltava para
a casa da fazenda.
— O que vocês estão fazendo? perguntou Nicky.
— Estamos caçando, respondeu Lucas; procurando ursos. Quer
ver as suas pisadas?
Lucas ajoelhou-se na terra e levou a vela até bem perto do chão,
e ali na terra fofa havia sinais de pisadas de gado. Nicky olhou bem e viu
mesmo sinais misteriosos na terra. Ficou visivelmente perturbado e abraçando
mais a esposa, pediu uma vela.
De repente, Lucas levantou-se:
— O que é aquilo? perguntou ele.
Sua voz estava bem baixa e parecia estar com medo. Apontou
para um objeto que mal podíamos distinguir à luz da lua. Parecia mesmo um urso
agachado, e se eu não soubesse que era um velho sino de escola, já abandonado,
que se destacava sob a pálida luz, também ficaria com medo.
Quando procuramos Nicky, ele estava escondido atrás de uma
árvore com sua mulher. Os outros rapazes começaram a atirar pedras no urso
dizendo a Nicky para deixar de ser medroso e ajudá-los.
E de repente, Nicky nos fez rir. Saiu de trás da árvore dizendo:
— Que bobagem! Eu tenho fé. Vou confiar em Deus, e pedir que
me ajude a correr!
Dito isso, Nicky e sua mulher correram de volta à casa da
fazenda, deixando-nos morrendo de rir. Quando voltamos, fomos fazer chocolate
quente para Nicky e a esposa. Foi preciso seis xícaras para expulsar o medo
deles.
Durante aquele verão fiquei surpreso ao descobrir também, que
grande parte do alegre intercâmbio existente na Avenida Clinton, 416,
centralizava-se na cozinha.
Penso que foi mesmo da vontade de Deus que, durante aqueles
primeiros meses do nosso trabalho no Centro, não tenhamos conseguido achar
cozinheira.
Tentamos todos os sistemas conhecidos, para conseguirmos
fazer nossas refeições, mas o que não deu certo foi ter uma cozinheira
dominando a despensa. Também a cozinha é sempre o centro de um lar; uma
cozinheira geralmente não admite que outros entrem no seu domínio, assim somos
enxotados do coração do lar.
Isso não aconteceu no Centro, porque não acertávamos com
nenhuma cozinheira.
O resultado foi uma confusão alegre e maravilhosa. Para
compreender a situação é preciso explicar primeiro de onde vem nosso alimento.
Como tudo o mais no Centro, conseguimos o alimento, orando. Esse é um dos
projetos em que os rapazes que estão no Centro tomam parte ativa.
Cada dia oramos pelo alimento, e a maneira de recebê-lo é
uma lição viva para jovens que estão começando a aprender o que é fé. Pessoas mandam
presunto, batatas fritas, frutas, verduras, ou dinheiro que não vem designado
para algo específico.
Um dia, porém, a turma se levantou, desceu para o café, e não
havia nada sobre a mesa. Quando eu cheguei ao escritório, vindo de casa, o
Centro estava movimentado com o problema da falta de alimento.
— Suas orações dessa vez não adiantaram, hein David? disse um
dos rapazes, recém-vindo da quadrilha.
"Senhor", orei silenciosamente, "dá-nos uma
lição de fé que fique conosco para sempre", e em voz alta:
— Vamos fazer uma experiência. Nós estamos aqui sem ali
alimento para o dia, certo?
O rapaz acenou com a cabeça.
— E a Bíblia nos diz: "O pão nosso de cada dia dá-nos
hoje" Certo?
— Se você diz, é verdade.
Eu ri e olhei para o Reverendo Culver, que sacudiu os ombros
e fez um gesto, como a dizer que ensinaria o pai-nosso ao rapaz.
— Então, por que não vamos todos para a capela, agora, para
pedirmos alimento para o dia, ou dinheiro suficiente para comprá-lo?
— Antes do almoço? perguntou o rapaz. Estou ficando com fome.
— Antes do almoço. Quantos somos?
Dei uma olhada para averiguar, porque o número de pessoas no
Centro estava sempre mudando. Naquele dia, contamos vinte e cinco pessoas para
comer. Calculei que seria preciso a quantia de trinta e cinco dólares, para
providenciar almoço e jantar. Todos concordaram, e assim entramos na capela,
fechamos a porta e começamos a orar.
— Já que estamos falando nisto, Senhor, disse o rapaz, será
que o Senhor poderia providenciar para que não fiquemos mais com fome o resto
do verão?
Olhei para ele com ar de censura. Achei que ele estava
exagerando, embora reconhecendo que uma providência a longo prazo nos deixaria
com mais tempo para orar por outras coisas, sem estarmos ocupados com
necessidades básicas, como alimento.
A nossa oração, no Centro, tem a tendência de ser um pouco
barulhenta. Freqüentemente oramos em voz alta, com muita liberdade no Espírito,
o que às vezes assusta as pessoas que a ouvem pela primeira vez. Acham muito
rude, sem reconhecer que estamos apenas expressando nossos verdadeiros
sentimentos perante Deus. Se nos sentimos preocupados, dizemo-lo não apenas com
nossos lábios mas com o tom das nossas orações.
E naquele dia estávamos bastante preocupados. Enquanto
confessávamos nossa preocupação, num tom de voz que não deixava dúvidas sobre o
que estávamos sentindo, a porta se abriu e uma pessoa estranha entrou.
Nem ouvimos quando alguém bateu na porta da capela. Quando
finalmente abriu-a e viu vinte e cinco pessoas ajoelhadas, agradecendo a Deus
pelo alimento que havia dado no passado, e agradecendo também o alimento que
daria de algum modo, nesta emergência, tenho certeza de que ela se arrependeu
de ter vindo.
— Com licença, ela disse baixinho. Com licença, disse um
pouco mais alto.
Eu estava mais perto e ouvindo-a, levantei-me imediatamente.
Os outros continuaram com sua oração.
Essa senhora hesitou um pouco para chegar ao assunto do
porquê da sua visita. Ficou fazendo perguntas, e eu percebi que, quanto mais
descobria sobre o que estávamos fazendo, tanto mais animada ficava. Finalmente,
perguntou sobre aquela reunião de oração. Contei-lhe que, acordando de manhã,
descobrimos que não havia alimento na casa e revelei o propósito da nossa
oração.
— Quando é que vocês começaram a orar? a senhora perguntou.
Calculei rapidamente:
— Há mais ou menos uma hora.
— Bem, disse ela, isso é realmente extraordinário. Eu sabia
muito pouco a respeito do seu trabalho, mas há uma hora tive um impulso
repentino, coisa que não me é costumeira. Senti que deveria esvaziar o meu
cofre e trazer-lhes essa economia que há tempos vinha fazendo. Agora sei qual a
razão.
Em seguida, abriu a bolsa e tirou de dentro dela um envelope
branco que colocou em cima da minha mesa, desejando que fosse de alguma
utilidade. Agradeceu-me por ter mostrado o Centro a ela e partiu. O envelope
continha pouco mais de trinta e dois dólares, a quantia exata para fornecer o
alimento para o dia.
Mas, a oração daquele jovem foi respondida também, porque durante
todo aquele verão não faltou mais alimento!
Conseguir o dinheiro necessário para o andamento do Centro
era uma questão mais difícil ainda. Quando chegou a época dos nossos jovens
obreiros voltarem para a escola, fizemos as contas de quanto havíamos gasto
durante aquele verão. Ficamos realmente abismados ao verificar a quantia de
dinheiro que havia passado por nossas mãos.
Havia a prestação da casa, contas de luz, alimentação, gastos
de tipografia e transporte. Muitas vezes os rapazes que acolhíamos usavam
roupas que para nada mais serviam senão para o lixo; a esses tínhamos de
vestir; contas de consertos de encanamento e impostos. Havia também os
salários; mesmo pagando um ordenado irrisório aos nossos auxiliares, as
despesas nesse setor chegavam a mais de duzentos dólares. O total de nossas
despesas normais chegava a mais de mil dólares por semana!
Em nenhuma ocasião tivemos mais de uns cem dólares em caixa.
Logo que o dinheiro entrava, era aplicado em alguma necessidade urgente. Às
vezes eu tenho desejado uma situação financeira que nos permita respirar mais
livremente, mas sempre volto à convicção de que o Senhor quer que vivamos desta
maneira.
Uma das maiores exigências da nossa fé é depender totalmente
de Deus, para as necessidades do seu trabalho. Logo que tivermos um bom saldo
no banco, não confiaremos mais nele dia a dia, hora a hora, como fazemos agora,
não apenas para o suprimento das nossas necessidades espirituais, mas também
das materiais.
E de onde vêm esses mil dólares por semana? Grande parte é
fornecida por jovens mesmo. Em todo o país, vários jovens aceitaram o desafio
dessa obra, ajudando a financiá-la. Eles cortam grama, lavam carros, cuidam de
crianças. Centenas prometeram mandar cinqüenta centavos de dólar por semana,
para ajudar a outros jovens como eles. Esse dinheiro entra aos poucos, mas cada
centavo é abençoado e muito apreciado.
Existem também igrejas, em várias partes do país, que têm um
grande interesse em nosso trabalho. Outro dia recebemos a visita de uma senhora
da Flórida. Ela lera sobre o Centro Desafio Jovem, mas só sentiu o impacto da
necessidade dos jovens desta cidade quando a levamos por um quarteirão, e
explicamos o que ela via com os próprios olhos. Aqui uma jovem alcoólatra; ali
uma jovem prostituta de quinze anos; acolá um rapaz que não conseguia livrar-se
da heroína, e outro rapaz que apenas se sentia só. Voltando à sua igreja ela
disse à congregação, depois de contar-lhes o que havia visto:
"Eu aqui vivo com todo conforto, enquanto aqueles jovens
estão em grande necessidade de auxílio espiritual. Eu, pelo menos, vou fazer
daquele centro motivo de interesse particular, e gostaria que mais pessoas
compartilhassem disso comigo. Eles precisam de cada centavo que pudermos
mandar."
Todas essas fontes, entretanto, nunca seriam suficientes para
suprir as necessidades extraordinárias do Centro, como o pagamento do prédio,
que teve de ser enfrentado como verdadeira crise, e confiado às mãos de Deus.
Agora que começávamos o nosso trabalho de maneira ordenada, eu sabia que
estávamos prestes a enfrentar nova crise.
Em duas semanas venceria o prazo para a segunda prestação do
prédio: quinze mil dólares! Francamente, eu havia fechado os olhos para a data
do pagamento. Certamente não havia guardado nada para a prestação, pois
estávamos usando tudo o que recebíamos, mal conseguindo passar com isso.
O dia do vencimento era 28 de agosto de 1961. Eu sabia muito
bem que naquele dia teríamos de enfrentar a realidade.