terça-feira, 8 de junho de 2021

A cruz e o punhal - capítulo 16


 Logo que reunimos os obreiros, levei-os à capela e, de pé ante o nosso feixe de trigo entalhado, contei-lhes rapi­damente como funcionam as quadrilhas em Nova Iorque.

"Violência" é a palavra-chave dessas quadrilhas", disse eu aos jovens. "Às vezes revela-se diretamente nas lutas em que alguns perdem a vida, ou através de estupros e homicídios. Também se expressa indiretamente pelo sadismo, homossexualismo, lesbianismo, promiscuidade, narcóticos e alcoolismo. Es­sas coisas horríveis são a regra, e não a exceção, nas quadrilhas de Nova Iorque."

Era importante, na minha opinião, que os jovens obreiros conhecessem a razão dessas condições patéticas.

"Nós, pregadores, talvez usemos nosso vocabulário com um pouco de exagero", dizia eu, "mas algumas das nossas palavras profissionais são perfeitas, se pensarmos no seu significado real. Por exemplo, falamos em pecadores perdidos. Quando fiquei conhecendo esses membros de quadrilhas, não poderia deixar de observar que agiam como se estivessem realmente perdidos. Andavam sem rumo, amedrontados, olhando para os lados com desconfiança. Carregavam armas contra perigos desconhecidos, prontos, a qualquer instante, para lutar ou fugir a fim de salvar a vida. Esses rapazes perdidos se reúnem, procurando proteção, e aí forma-se uma quadrilha."

Descobri uma coisa importante no meu trabalho entre os rapazes das ruas. Poucos tinham um verdadeiro lar. As palavras de sua gíria que significavam lar, eram "prisão" e "casa de horrores".

Eu queria que os nossos jovens conhecessem essa situação através de experiência pessoal; por isso, levei-os à casa de um dos rapazes que eu conhecia. Quando chegamos, a porta estava aberta, mas não havia ninguém em casa.

"A gente pode ver por que a chamam "casa de horrores", disse uma das mocinhas que era de uma fazenda em Missouri.

Era verdade. Nesse cômodo morava uma família de cinco pessoas. Não havia água corrente, nem geladeira; o fogão era um fogareiro elétrico de uma chapa só, que ficava em cima de uma cômoda. Não havia banheiro — mais adiante no corredor, um cubículo malcheiroso, com uma torneira, servia de banheiro para as oito famílias daquele andar.

A ventilação do apartamento era péssima, e havia sempre um cheiro de gás impregnando o ar. A única janela do quarto dava para um muro de tijolos a apenas quinze centímetros de distância. Uma lâmpada de quarenta velas era toda a iluminação da casa.

— E sabem quanto essas pessoas pagam pelo aluguel da sua prisão? perguntei. Vinte dólares por semana: oitenta e sete por mês. Fiz um cálculo rápido; o proprietário ganha mais de novecentos dólares por mês, e é quase tudo lucro. É sabido que muitos proprietários de favelas ganham, por ano, vinte por cento de lucro líquido sobre o seu capital.

— E por que a família não muda para outro lugar?

— Porque infelizmente um negro ou um porto-riquenho não pode morar onde quer, tive de confessar. A discriminação racial é uma chaga social.

— E os novos centros habitacionais?

Para responder a essa pergunta, entramos no carro e andamos quase dois quilômetros, até um grande conjunto de apartamentos. Esses projetos, muitos pensavam, eram a solução para a necessidade das favelas de Nova Iorque. Grandes máquinas entravam nas áreas de maior população como a que visitáramos antes; derrubavam os prédios velhos, e construíam outros melhores no lugar.

Teoricamente, esses prédios novos seriam para os antigos locadores.

Deveriam também alojar o médico, o dono da mercearia da esquina e o advogado. Na realidade, não era isso que acontecia. O antigo morador, o proprietário do armazém e o profissional, não poderiam esperar dois anos até o novo prédio ficar pronto, e então, mudavam-se.

Quando o projeto estava terminado, quem teria priorida­de? Naturalmente os casos mais urgentes, em geral pessoas que não conseguiam se sustentar.

O resultado era duplo. Primeiro, os moradores se sentiam perdidos. Nenhuma das velhas instituições estava ali, nenhum dos membros mais estáveis da população, como os comerciantes e os profissionais. Em segundo lugar, porque os casos mais urgentes tinham prioridade, os projetos na realidade criaram turbilhões gigantescos, para onde convergiam todos aqueles que, por uma ou outra trágica razão, não podiam se sustentar.

O projeto que visitamos tinha poucos anos, mas já eram evidentes os sinais de desintegração. Passamos por gramados há muito abandonados. Vários vidros do andar térreo estavam quebrados. Havia obscenidades escritas nas paredes, e as entradas cheiravam a urina e vinho barato.

Nesse local também visitamos uma família que eu conhecia. A mãe estivera bebendo. Nenhuma das camas fora arrumada; a louça de várias refeições se empilhava sobre a mesa. O menino que viéramos visitar estava sentado numa almofada velha, olhan­do para o vácuo, sem dizer uma palavra, aparentemente sem perceber que estávamos ali.

— Já vi esse rapaz em outro estado de espírito, disse eu quan­do saímos de lá. Hoje está quieto demais, mas já o vi muito ativo. Ele está geralmente nas ruas. Não o querem em casa, onde ele só pode ir quando a mãe está inconsciente de tanto beber.

E isso, indiquei novamente, era outra razão para a forma­ção de quadrilhas. Amontoe mil famílias torturadas, e você terá uma população flutuante de jovens que são hostis e amedrontados, que se ajuntam procurando um senso de segurança e de "pertencer" a alguma coisa. Criam para si um lar, lutando por um "domínio" que seja seu e que nenhum estranho pode invadir. É a sua fortaleza, delineada com precisão militar. O limite ao norte é o prédio do Corpo de Bombeiros, o limite ao sul é a rodovia, para o oeste o rio e para leste o bar de Flannigan.

Não há muita coisa que esses jovens podem fazer para encher o tempo. Muitos são degradantemente pobres. Encontrei-me certa vez com um rapaz de quatorze anos que não havia comido uma refeição completa em dois dias.

Sua avó, que cuidava dele, dava-lhe uns trocados pela manhã, e o enxotava de casa. O dinheiro dava para comprar uma Coca-Cola como café da manhã, um cachorro-quente para o almoço, e na hora do jantar ele ria, dizendo estar fazendo regime.

Estranho, porém, era que apesar de os rapazes que eu encontrava nunca terem o suficiente para comer, sempre tinham o bastante para comprar uma garrafa de vinho.

"Realmente, fico assustado ao ver o quanto esses jovens bebem", disse eu aos nossos obreiros. "Muitos dos rapazes be­bem o dia inteiro. Raramente ficam bêbados — não têm dinheiro para tanto — mas também nunca estão completamente sóbrios. Começam a beber logo que se reúnem, lá pelas 10:00h ou 11:00h da manhã, e continuam enquanto têm dinheiro."

De vez em quando, de alguma forma, geralmente batendo carteiras ou roubando o dinheiro do lanche de crianças menores, entra dinheiro suficiente para comprarem coisa mais forte, e em mais de uma ocasião, em nosso bairro, isso resultou em tragédia.

Quando voltamos ao Centro, levei os obreiros para a capela novamente, e contei-lhes a história de Martinho Ilensky. Martinho era um estudante que trabalhava nas horas vagas, para sustentar a mãe inválida. Certo dia em que não trabalhava, foi a uma "festa de vodca" na casa de um colega.

Dez jovens estavam lá, seis rapazes e quatro moças. Depois de uma hora bebendo vodca e dançando, acabou-se a bebida. Fizeram então uma coleta para comprar cerveja, mas Martinho se recusou a contribuir, o que deu início a uma briga. No meio da confusão, uma espada alemã com uma lâmina de trinta centí­metros apareceu na mão de um dos rapazes. Depois de um golpe rápido, lá estava Martinho estirado no chão da cozinha. Morto.

— Bem, e agora, eu sabia que o que iria dizer surpreenderia a alguns dos jovens recém-saídos do seminário. Recostei-me na cadeira, com as mãos cruzadas atrás da cabeça. Vamos su­por que vocês tivessem conversado com Martinho Ilensky em alguma esquina, por alguns instantes. Lembrem-se de que ele morrerá se for àquela festa. Quais seriam as primeiras palavras que dirigiriam a ele?

— Eu diria que Cristo salva, disse um rapaz.

— Era disso que eu estava com medo. Todos me olharam surpresos. Continuei:

— Precisamos ter muito cuidado para não ser meros papa­gaios. Eu procuro sempre estar atento a frases — expressões religiosas — que já ouvi muitas vezes; então, quando estou nas ruas, nunca uso uma frase sem primeiro perguntar a Deus se posso usá-la com o mesmo poder com que foi usada ao ser pronunciada pela primeira vez.

— Na realidade, continuei, o que querem dizer quando afir­mam que "Cristo salva"?

É claro que aqueles jovens sabiam qual a resposta a essa pergunta — não estavam apenas repetindo frases conhecidas; antes falavam de alguma coisa que já lhes havia acontecido.

— Bem, disse uma mocinha, significa nascer de novo.

— Mas essas palavras ainda parecem algo decorado. Não soariam com a autenticidade necessária para cativar a atenção de Martinho antes que ele fosse esfaqueado com uma espada alemã de trinta centímetros.

— O que aconteceu a você, quando nasceu de novo? per­guntei àquela moça.

Logo que fiz a pergunta, ela ficou pensativa. Hesitou por um momento antes de falar; depois, respondeu num tom de voz que cativou a atenção de todos, imediatamente. Contou da mudança que se dera na sua vida. Falou de como fora triste, sozinha e amedrontada, achando que sua vida não tinha significado.

— Já ouvira falar de Cristo, disse ela, mas esse nome era apenas uma palavra. Certa vez uma amiga me disse que Cristo poderia acabar com a minha solidão e o meu medo. Um dia, fomos ao culto e, quando o pregador convidou-me para ir à frente, fui. Ajoelhei ali, à vista de todos, e pedi a esse "Cristo", que havia sido apenas um nome, para transformar a minha vida. Desde aquele dia, tudo está mudado; sou realmente uma pessoa diferente, e é por isso que dizemos que "nascemos de novo".

— Sua solidão desapareceu?

— Sim, completamente.

— E o seu medo?

— Também.

— E Cristo é mais do que uma simples palavra para você?

— Claro. Uma palavra não pode mudar as coisas. Estávamos todos silenciosos.

Palavras vazias também não poderiam mudar as coisas para Martinho, disse eu. Não se esqueçam disso quando saírem às ruas amanhã.

Em maio de 1961, o Centro Desafio Jovem já estava em funcionamento. Todos os dias — mesmo na segunda-feira, considerada dia de folga — os jovens estavam nas ruas do Brooklyn, Harlem e Bronx, procurando jovens que precisassem deles. Foram a hospitais e cadeias, a escolas e tribunais. Fizeram cultos ao ar livre em Greenwich Village, Coney Island e no Central Park.

E enquanto trabalhavam, o número de jovens que passavam pelo Centro aumentou consideravelmente. Durante o primeiro mês de atividades, mais de quinhentos jovens foram salvos, se posso dar a essa palavra o seu significado mais completo. Quinhentos jovens foram alcançados com a mensagem do Espírito; suas vidas mudaram radicalmente; deixaram as quadrilhas; procuraram emprego; começaram a freqüentar a igreja.

Desses quinhentos, talvez uns cem vieram ao Centro necessitando de cuidados especiais, e desses cem, apenas alguns poucos estavam em situação tão difícil que precisaram morar no Centro, absorvendo diretamente seu ambiente de amor.

Um dos primeiros rapazes a experimentar uma cura de personali­dade no nosso Centro, foi Jorge. Era um rapaz bonito de dezenove anos. Aliás, para o seu próprio bem, era bonito de­mais. Não tinha lar, pois havia sido posto na rua por seus pais. Eles ficaram desgostosos com a sua conduta com senhoras mais idosas. Estava sempre envolvido em casos com mulheres que tinham o dobro da sua idade. Seu modo de agir era sempre o mesmo. Fazia amizade com alguma mulher solitária, de meia-idade. Contava-lhe uma longa história da vida difícil que leva­va, conquistava a sua simpatia e pedia para voltar novamente, só para conversar. Me faz tanto bem..."

Essas conversas geralmente levavam a coisa mais séria, e logo Jorge tinha uma nova amiga. Mudava para o seu aparta­mento, onde era tratado como filho. Ele era joalheiro, e logo que se via acomodado na casa, conseguia levar a conversa ao assunto de jóias, oferecendo-se para consertar qualquer coisa quebrada. Jorge, então, deixava a casa com as jóias, usando a desculpa de levá-las à loja de um amigo, mas na realidade leva­va-as ao mais próximo receptador de coisas roubadas.

Era uma vida inútil e sórdida, para um rapaz jovem e saudá­vel. Mas um dia tudo mudou. Jorge parou para ouvir um culto ao ar livre, e embora se negasse a conversar com nossos obreiros naquela hora, alguns dias mais tarde apareceu no Centro. Foi lá "só para ver". Sentiu uma estranha sensação de bem-estar, logo que entrou. Um dos nossos obreiros, Howard Culver, viu-o e começou a conversar com ele. Antes do meio-dia, Jorge havia resolvido começar uma vida nova. Orou para que se desse uma mudança na sua vida, e aconteceu exatamente o tipo de milagre completo e instantâneo, ao qual nunca nos acostu­mamos.

"Foi como se de repente, um enorme peso tivesse sido tira­do das minhas costas", disse Jorge mais tarde.

Estava tão emocionado com a mudança que se dera nele, que não conseguia parar de falar no assunto; ficava a comentá-lo, analisando-o em todos os seus aspectos.

Com o passar dos dias, Jorge começou a sentir a necessidade de restituir todo o dinheiro que havia roubado. Arranjou um bom emprego, porque é um rapaz realmente habilidoso Cada centavo que sobra, tirando o estritamente necessário para viver, destina-se a pagar essas dívidas. Quando estiverem todas pagas, Jorge quer ingressar no ministério.

À medida que o verão ia passando, mais e mais rapazes passavam pelo Centro, e começamos a enfrentar um problema moral. A grande maioria dos rapazes havia infringido a lei. O que deveriam fazer sobre isso?

Não é pergunta fácil de responder. Seria relativamente fácil para um rapaz que se tornara forte em sua nova vida, aceitar o castigo, mesmo que fosse cadeia. Mas tornar-se forte, geralmente leva algum tempo. Há muitas crises a passar, muitos períodos de sequidão espiritual, muito a aprender na arte de ser crente. Se um rapaz faz a sua confissão à polícia muito cedo e é posto na cadeia, corremos o risco de perdê-lo. Por outro lado, ele ofendeu a lei da sociedade, e o sentimento de culpa também pode retardar o seu crescimento espiritual.

Cheguei à conclusão de que não há uma solução única para todos os casos. Muitas vezes sinto-me perplexo quanto ao conselho que devo dar. Pedro, por exemplo, estivera no Centro vários dias antes de chegar-se a mim, queixando-se:

— Não consigo comer. Não posso dormir. Não consigo dormir de modo nenhum.

— Por que, Pedro?

— Sinto o peso dos meus crimes. Sinto um peso nos ombros, e tenho de ir confessar-me à polícia.

Escutei-o por algum tempo, e cheguei à conclusão de que ele realmente deveria ir confessar à polícia... algum dia. Pedro não contou seus crimes pormenorizadamente, porque não falava inglês muito bem e eu não entendia bem espanhol. Mas estava tão agitado e confuso, que uma confissão à polícia seria a solução mais acertada. O único problema era a época certa.

Pedro era ainda tão novo em sua vida transformada, que algum tempo na cadeia certamente o retardaria. Recomendei a Pedro que esperasse um pouco. Mas ele não quis saber disso. Portanto chamei o meu velho amigo Vicente Ortez para atuar como intérprete, e fomos todos à central de polícia. O sargento esta­va sentado comendo um sanduíche, quando chegamos. Olhou-nos e disse:

— Às ordens!

— Sou o Reverendo Wilkerson, diretor do Evangelismo Jo­vem, disse eu. Tenho um rapazinho que foi membro da quadri­lha Dragões e quer confessar algumas coisas.

O sargento me olhou seriamente e pediu que eu repetisse o que havia dito. Quando o fiz, ele largou o lápis, chamou-me para um lado e disse:

— Reverendo, ele é biruta?

— De modo nenhum, respondi.

— Constantemente vêm pessoas até aqui confessar coisas que nunca fizeram. Mas se acha que o rapaz desfruta de todas as suas faculdades mentais, leve-o até a sala dos detetives, no andar de cima.

Então, subimos e esperamos. Pedro estava calmo. Logo entrou um detetive e perguntou-me à queima-roupa, se eu havia obrigado Pedro a vir fazer essa confissão.

— Não, respondi. Ele veio de livre e espontânea vontade.

— O senhor sabe que talvez ele vá para a cadeia?

Pedi a Vicente Ortez que explicasse isso a Pedro em espa­nhol. O rapaz acenou que sim. Ele compreendia.

Então o detetive tirou umas folhas de papel amarelo, mo­lhou o lápis na boca e acomodou-se na cadeira. Era muito bondoso, e estava bastante impressionado.

— Muito bem, Pedro, então diga-nos o que você quer confessar.

— Bem, disse Pedro, por intermédio de Vicente Ortez, lem­bra-se daquele caso de esfaqueamento...?

E continuou descrevendo um incidente que se dera no Central Park dois meses atrás. O detetive largou o lápis e chamou outro oficial. Lembravam-se do incidente, e seu interesse des­pertou imediatamente.

Pedro detalhou os acontecimentos que levaram ao esfaqueamento. Ele estava tomando narcóticos, e já precisava renovar a dose. Estava com dois outros rapazes. Vi­ram um jovem sozinho num banco. Rodearam-no, roubaram o seu dinheiro e enfiaram uma faca no seu estômago.

Pedro continuou, confessando mais dois roubos. Os detetives ficaram com ele das 6:00h até às 12:00h, conferindo os fatos.

Acharam o rapaz que havia sido esfaqueado, mas ele também já tinha passagens pela polícia, e não queria fazer acusação; não queria se envolver.

A loja da qual Pedro roubara mercadorias duas vezes, também se recusou a fazer acusações.

— Conheço aquele lugar, disse Vicente Ortez. Penso que estão bancando o jogo do bicho ocultamente; é provável que também não queiram se envolver.

Foi assim que, finalmente, a polícia não conseguiu achar ninguém que acusasse Pedro, e se dispôs a libertá-lo, sob nossa custódia. Voltamos ao Centro, e na manhã seguinte Pedro foi o primeiro a se levantar. Acordou a todos com o seu cântico Cantava tão alto, e cumprimentou a todos com tanta alegria estampada no rosto, que ninguém teve coragem de reclamar. Pedro era uma pessoa diferente. O seu coração estava cheio de uma alegria realmente maravilhosa.

Mas nem todos os nossos rapazes tinham uma história tão dramática. Na realidade, a maioria dos jovens que vêm ao Centro e acham nele um lar são apenas pessoas solitárias. Suas vidas não significam nada. Sentiam que não eram bem recebidos nos seus próprios lares, porque de fato não eram bem-vindos. Envolviam-se em trapalhadas, mas geralmente em delitos menores, que eram apenas um sintoma.

Temos um rapaz maravilhoso, por exemplo, que realmente considera o Centro como seu lar. É um rapaz simples chamado Lucas.

Lucas teve muita dificuldade para enfrentar a luta da vida. Tem um sorriso alegre, um brilho nos olhos, e um caloroso aperto de mão. Muitas vezes no passado, contudo, teve grades dificuldade em concentrar-se no trabalho que fazia. Quando tinha onze anos, começou a matar aulas e andar às soltas no Bronx, com uma quadrilha chamada Coroas.

Seu esporte predileto era quebrar o vidro da radiopatrulha, e correr. Corria por cima dos telhados, fazendo com que os policiais o perseguissem ofegantemente, dando verdadeiros saltos mortais de um telhado a outro, rindo, se não o alcançassem e tivessem de agarrar em alguma calha, para salvar a própria vida.

Lucas começou a andar com outra quadrilha, os Dragões e, com a idade de quinze anos, foi escolhido seu presidente. Não ficou muito tempo nesse posto, porque logo depois viu-se na cadeia por ter batido no professor. Seis meses mais tarde foi solto, mas ainda não tinha conseguido achar o que queria.

Fre­qüentou uma escola profissional para padeiros, mas também não combinava com o professor. Foi a uma escola de cozinheiros, e o mesmo aconteceu. Ingressou numa escola de açou­gueiros, onde novamente discutiu com o professor, tendo de deixar a escola.

O Centro Desafio Jovem é o único lugar no qual Lucas ficou mais de uma noite, de livre e espontânea vontade. No momento em que entrou pela nossa porta, sentiu-se em casa.

"O que eu acho mesmo especial", ele sempre diz aos recém-chegados, a quem ele recebe com aquele seu enorme sorriso, "é que aqui ninguém se importa com a sua raça ou nacionali­dade. Aqui temos brancos, negros e espanhóis, e estão todos misturados, em Deus."

Lucas teve uma experiência religiosa surpreendentemente profunda. Ele associa o novo calor da sua personalidade tão intimamente com o Centro, que estamos achando difícil fazer com que dê o passo seguinte na sua carreira. Só quer ficar aqui e ajudar-nos, por isso resolvemos deixá-lo conosco.

Lucas trabalha nas compras, e é de toda confiança. Ele ganha o seu salário de dez dólares por semana, muito merecidamente. Um dia, quando estiver pronto, ele dará aquele passo, como fazem iodos os nossos rapazes. Mas até chegar este dia, esse lugar está às suas ordens.