Escrevera ao Instituto Latino-Americano em La Puente,
Califórnia, sobre o sonho de Nicky, de ingressar no ministério. Nada escondi
sobre a sua vida passada, e confessei francamente que ele não estivera ainda,
na nova vida, o tempo suficiente para ser provado. Mesmo assim, perguntei se o
aceitariam condicionalmente.
Responderam que sim e, mais do que isso, se sentiram tão
interessados na história da transformação de um rapaz das ruas, que pouco tempo
depois escreveram convidando Angelo Morales para estudar na mesma escola.
Sim, pensava eu. Estava tudo correndo muito bem. Dito e Simão
continuavam bem, Nicky e Angelo iam estudar para serem futuros pastores; tudo
indicava um final feliz, na tarefa para a qual eu fora chamado.
Essa calma não demorou muito para se dissipar. Na primavera
de 1959, recebi uma notícia que me pôs novamente no caminho que, eu imaginara,
seria curto. Israel estava preso, e sob acusação bastante grave — homicídio.
Fui até Nova Iorque visitar a mãe de Israel.
"Meu filho foi tão bom, por algum tempo", disse a
mãe de Israel chorando convulsivamente. "Quando as aulas começaram, ele
voltou a estudar, mas depois a quadrilha começou a agir novamente. O senhor
sabe o que é "recrutamento", Sr. Wilkerson?"
Eu sabia bem o que era. Quando uma quadrilha se formava, ou
quando as suas fileiras estavam minguadas, qualquer rapaz da redondeza estava
sujeito a uma das invenções mais odiosas das quadrilhas. Ele era simplesmente
"recrutado". Cercavam-no, e lhe diziam que daquele momento em diante,
ele era membro da quadrilha e estava obrigado a participar das brigas e
obedecer a todas as ordens.
E se ele se recusasse?
Primeiro davam-lhe uma surra. Se ainda continuasse recusando,
quebravam-lhe os polegares ou um braço. Se ainda recusasse, ameaçavam a sua
vida. Quem conhece as quadrilhas não menospreza essas ameaças; a maioria
sucumbe. Israel tentou resistir várias vezes, antes de voltar finalmente à
quadrilha.
"Meu filho tinha tanto medo", continuou a mãe de
Israel. Acabou voltando. Uma noite houve uma briga muito grande. Um dos rapazes
morreu. Ninguém disse que foi Israel quem atirou, mas ele estava no grupo e foi
levado para a cadeia."
A mãe de Israel mostrou-me uma carta que recebera dele, já
muito amassada e manchada de lágrimas. Ele dizia que lamentava a tragédia por
causa dela, mas não parecia revoltado. Falava do dia em que poderia sair de
lá, e de mim também, dizendo: "O pregador vai ficar triste quando souber.
Diga a David que eu gostaria de receber notícias dele".
O que poderíamos ter feito? Como poderíamos ter evitado que
Israel fosse parar na cadeia? Será que, se eu estivesse mais perto, oferecendo
a minha amizade e conselhos, teria ajudado? Se o tivéssemos tirado desse
ambiente, longe da quadrilha que o havia recrutado, e longe da vida que o
envenenara, teria sido outro o seu destino?
Fiz todas essas perguntas à mãe de Israel, enquanto ela gemia
e meneava a cabeça, em seu sofrimento.
"Talvez", disse ela. "Não sei. Meu filho andou
direitinho por algum tempo. Depois voltou. Ele queria ser bom. Ajude-o, Sr.
Wilkerson."
Prometi que faria o que pudesse. De início, disse que
enviaria para a cadeia, algumas lições de um curso por correspondência para
Israel.
Dia e noite eu pensava nele. Falava com Gwen a seu respeito.
Surpreendi-me a mim mesmo perguntando aos membros da igreja o que teriam feito
por ele, onde eu falhei. Escrevi-lhe, mas descobri logo que ele não poderia
responder. Só lhe era permitido escrever à sua família. Até mesmo as lições por
correspondência teriam de ser enviadas ao capelão da cadeia.
No começo do verão, quando os campos da Pensilvânia estavam
verdes novamente, Israel estava mais do que nunca nos meus pensamentos.
Aproveitava todas as oportunidades para subir o morro e orar por ele. Além
disso, nada mais podia fazer.
Enquanto escrevo estas linhas, Israel ainda está preso. A
frustração que sinto hoje me tortura tanto quanto no dia em que primeiro
reconheci minha impotência ante o crime e o castigo desse meu predileto entre
todos os rapazes que conheci; desse com quem me simpatizei à primeira vista.
Agora estou aguardando; mais nada.
Enquanto isso, em toda a ocasião apropriada, contava sua
história a outros, perguntando o que poderia ter sido feito de maneira
diferente. Vez após vez recebi a mesma resposta — acompanhar de perto os passos
do recém-convertido. A falha estava em abandonar esses rapazes, depois de
convertidos.
Mas para fazer isso, eu teria de estar ali por perto. Sentia
que alguma coisa estava para acontecer na minha vida. E de repente aconteceu.
Era uma noite quente de agosto, um ano e meio depois da minha primeira tímida visita a Nova Iorque. Estava no púlpito naquela quarta-feira durante a reunião de oração, quando subitamente minhas mãos começaram a tremer. O termômetro marcava 39 graus, mas eu tremia como se estivesse com febre. Em vez de me sentir doente ou preocupado, sentia uma tremenda alegria, como se o Espírito do Senhor estivesse se aproximando de mim.
Não sei como consegui terminar o culto, mas afinal a
congregação se dispersou, cada um dirigindo-se à sua própria casa. Às 10:30h
fechei a igreja e saí pela porta dos fundos. O que aconteceu a seguir foi algo
bastante simples, mas ao mesmo tempo um dos momentos mais nitidamente reais da
minha vida, dos quais me lembrarei enquanto viver.
A lua brilhava com luminosidade incomum; sua luz fria e
misteriosa banhava a cidade adormecida; mas havia um ponto que parecia ainda
mais claro do que os outros. Atrás da igreja havia uma plantação de trigo que
estava com quase meio metro de altura. Fui impulsionado bem para o meio desse
campo, enquanto o trigo balançava, impelido pela leve aragem da noite.
Repentinamente, vi-me repetindo as palavras de João 4.35-38:
"Não dizeis vós que ainda há quatro meses até que venha
a ceifa? Eis que eu vos digo: levantai os vossos olhos e vede as terras, que já
estão brancas para a ceifa. E o que ceifa recebe galardão e ajunta fruto para a
vida eterna, para que, assim o que semeia como o que ceifa, ambos se regozijem.
Porque nisso é verdadeiro o ditado: Um é o que semeia, e outro, o que ceifa. Eu
vos enviei a ceifar onde vós não trabalhastes; outros trabalharam, e vós
entrastes no seu trabalho." (ARC.)
Em minha mente, cada haste de trigo representava um jovem das ruas da cidade, ansioso para começar de novo a vida. Depois voltei-me e olhei para a igreja e para a casa pastoral, onde Gwen e as três crianças estavam alegres e seguras, nessa pequena paróquia. Mas, enquanto olhava para lá, uma voz interna parecia falar-me, como se algum amigo ali por perto me dirigisse a palavra: "A igreja não é mais sua", dizia. "Você deve partir".
E na mesma voz interior, mansa e calma eu respondi:
"Sim, Senhor. Eu irei".
Voltei para casa, onde Gwen me esperava. Já estava pronta
para deitar-se, mas ao olhar para ela vi que algo também lhe acontecera.
— O que é, Gwen?
— Como, o que é?
— Há alguma coisa diferente em você.
— David, respondeu ela, não é preciso contar. Eu já sei. Você
vai deixar a igreja, não vai? Você precisa partir.
Olhei para Gwen muito tempo antes de responder. A luz do
luar, que fluía para dentro do quarto da casa pastoral, eu pude enxergar o
brilho de uma lágrima em seus olhos.
— Eu ouvi a voz também, David, dizia Gwen. Nós vamos partir,
não é?
Abracei-a na penumbra e disse:
— Sim, minha querida. Nós vamos.
O domingo seguinte era o quinto aniversário de nossa permanência em Philipsburg. Naquela manhã, do púlpito, eu contemplava o rosto daquelas pessoas que conhecia tão bem.
"Amigos", disse. "Vocês, provavelmente,
estarão esperando uma mensagem de aniversário. Como todos sabem, esses cinco
anos foram felizes e maravilhosos para mim, para minha esposa e para nossos
filhos, dois dos quais nasceram aqui. Sempre nos lembraremos desses anos com
muito prazer, pelas muitas provas de amizade que aqui recebemos. Mas algo de
incomum aconteceu na última quarta-feira, algo que poderá ter uma explicação
apenas."
Contei-lhes então a minha experiência no campo de trigo e a
surpreendente experiência que Gwen tivera, ao mesmo tempo, dentro de casa.
Disse-lhes que não tinha a menor dúvida — era a voz do Senhor e nós teríamos de
obedecer. Não poderia responder a pergunta sobre onde iríamos, embora tivesse a
impressão de que seria Nova Iorque. Todavia, não tinha certeza ainda. O que
sabia certamente era que deixaríamos Philipsburg, sem demora.
Como é maravilhoso viver essa vida do Espírito! Naquela mesma
tarde, quando voltei para casa, o telefone tocou. Era Um chamado da Flórida, de
um pastor que disse não conseguir se livrar de uma idéia persistente de
telefonar-me, convidando-me para dirigir uma série de reuniões em um retiro a
realizar-se imediatamente. Logo depois outro telefonema, depois outro e, antes
do fim do dia, estava com reuniões marcadas para doze semanas, em diversos
lugares dos Estados Unidos.
Dentro de três semanas, havíamos guardado nossa mobília,
transferindo-nos para uma parte da casa dos meus sogros.
Depois eu parti. Durante o resto daquele verão, e parte do
inverno seguinte, visitei várias cidades e estados do país. Às vezes tinha
vontade de rir de mim mesmo; eu sempre calculava a distância até cada lugar que
deveria visitar, não começando de onde eu estava, mas de Nova Iorque. A cidade
continuava a me atrair, como um ímã. Sempre que possível eu escolhia
compromissos que me levariam para perto daquela cidade grande, congestionada e
cheia de sofrimento, que eu amava de maneira especial.
No inverno de 1960, um destes compromissos me levou a
Irvington, Nova Jersey. Lá fiquei hospedado com um pastor chamado Reginald
Yake, e contei-lhe, como fazia com todos, algumas das experiências que tivera
em Nova Iorque. O Sr. Yake ficou sentado no braço de uma poltrona durante uma
hora, ouvindo atentamente e fazendo perguntas.
"David", disse ele afinal, "parece-me que as
igrejas precisam de um pregador de tempo integral, para trabalhar com as
quadrilhas de Nova Iorque. Deixe-me dar alguns telefonemas a certos amigos
meus."
Um dos homens que chamou foi Stanley Berg, co-pastor do
Tabernáculo Boas-Novas, na Rua 33-Oeste, perto da Estação Penn. Foi convocada
uma reunião de pastores interessados, para um salão da igreja do Sr. Berg.
Foi uma reunião normal. Alguém leu uma carta de uma autoridade
policial que incentivava as igrejas a tomarem uma atitude mais atuante nas
questões relativas aos jovens. O Sr. Berg discursou sobre o trabalho que eu já
havia feito, depois eu falei a respeito da direção que o trabalho entre os
jovens poderia tomar agora.
Antes de terminarmos, um novo ministério havia nascido. Já
que o propósito principal desse novo ministério era alcançar os jovens com a mensagem
do amor de Deus, demos-lhe o nome de "Evangelismo Jovem". Fui
escolhido para ser diretor desta nova organização, por já ter experiência neste
trabalho. Um capitão da polícia chamado Paul DiLena, membro da igreja do Sr.
Berg, foi escolhido como secretário-tesoureiro. Coitado do Paul — não estava
presente à reunião, para defender-se.
Logo surgiu o assunto de dinheiro, que foi tratado com muita
simplicidade. Resolvemos que para manter um escritório, pagar as despesas de
salários, impressos e assim por diante, precisaríamos de 20.000 dólares no
mínimo.
Naturalmente, não havia dinheiro, como descobriu o nosso
secretário-tesoureiro alguns minutos mais tarde, quando Stanley Berg
telefonou-lhe para dar a notícia de sua vitória nas urnas.
— Paul, disse o Pastor Berg, tenho boas notícias. Você acaba
de ser eleito tesoureiro do Evangelismo Jovem. David Wilkerson é o diretor
nessa luta em favor dos jovens. Sem dúvida, você gostará de saber que tem um
orçamento de 20.000 dólares para o primeiro ano.
O capitão DiLena respondeu:
— Quem é David Wilkerson, onde estão os livros e o dinheiro?
— Paul, disse o Pastor Berg, não temos livros, não temos
dinheiro, e David Wilkerson é um pregador vindo das montanhas da Pensilvânia, e
sente que deve vir para Nova Iorque.
Paul riu:
— Parece tudo muito ingênuo, disse ele.
— Somos todos ingênuos, respondeu o pastor Berg.
— Tão ingênuos quanto Davi quando enfrentou Golias com apenas
um estilingue e uma pedra... e mais a convicção de que estava do lado de Deus.