Fui passar alguns dias com Gwen, pouco antes do início da
campanha.
— David, disse Gwen, não vou ser mentirosa e dizer que não me
importo por você não estar aqui quando o bebê nascer.
— Eu sei.
Era um assunto sobre o qual pouco falávamos. Minha sogra
estava muito magoada porque eu iria ausentar-me justamente quando o bebê
deveria chegar. Dizia que os homens são todos iguais, que o verdadeiro
cristianismo começa em casa, e que se eu não tinha mais respeito por minha
mulher, não a merecia.
Essas afirmações feriam, principalmente porque continham uma
parcela de verdade.
— Mas, David, continuou Gwen, não será a primeira vez que
nasce um bebê sem a presença do pai. O que eu iria querer é que você segurasse
minha mão, e isso o médico não deixa; portanto eu sentiria a sua falta, mesmo
que você estivesse na sala ao lado. Você sente que precisa ir, não?
— Sim.
— Então, vá, David. Vá sossegado. Só desejo que Deus esteja
com você.
Quando parti, Gwen foi até o portão, e ao olhar para trás ela
me acenou, imensa na sua gravidez. Quando eu a visse novamente, o milagre do
nascimento já seria fato consumado. Será que eu também teria alguns novos
nascimentos para relatar a ela?
Depois dos quatro primeiros dias de campanha, eu duvidava. Havíamos estado tão ocupados com os preparativos que a decepção causada pela falta de interesse na campanha era maior ainda. Campanha? Ao ouvirmos essa palavra, nos vem à mente o quadro de uma multidão de pessoas animadas. Nada poderia estar mais longe da verdade, no nosso caso.
Na quarta noite apareceram cem pessoas. O local comportava
sete mil. Lembro-me de ficar à janelinha da galeria, de onde podia ver sem ser
visto. Toda noite pensava: "Quem sabe, hoje eles virão", mas à
chegada de cada ônibus apenas uns poucos desciam. Fui até os bastidores, e lá
encontrei os conselheiros e jovens voluntários, procurando encontrar palavras
animadoras.
"Você sabe, David, o importante não é a quantidade, e
sim a qualidade."
Mas todos sabíamos que não estávamos conseguindo nem
qualidade nem quantidade. Aqueles poucos que vieram, vinham para se divertir.
Era difícil falar a um auditório vazio, com rapazes soltando argolas de fumaça
e fazendo comentários impudicos.
O pior de tudo eram as risadas. Quando não entendiam alguma
coisa ou quando não acreditavam, começavam a rir. Cheguei ao ponto de ter
horror de subir para a plataforma, por causa daquele riso. A quarta noite foi a
pior de todas. Eu fazia o possível para conservar a reunião num clima de
dignidade solene, quando, de repente, um dos líderes riu baixinho. Logo adiante
um outro deu também uma risadinha, e em segundos todos eles estavam rindo como
loucos.
Terminei a reunião mais cedo, e voltei para casa desanimado e
pronto a abandonar tudo.
"Senhor", orava eu indignado, "não estamos nem
começando a alcançar esses jovens. O que devo fazer?"
E como sempre — porque é preciso aprender essa lição todas as
vezes — quando eu pedia mesmo, a resposta vinha.
No dia seguinte, fiquei conhecendo Jo-Jo no Brooklyn. Jo-Jo era presidente dos Dragões de Coney Island, uma das maiores quadrilhas da cidade. O rapaz que o mostrou para mim, não quis nos apresentar, dizendo que talvez Jo-Jo não gostasse de ser apresentado a um pregador. Foi assim que eu fui até onde ele estava, e estendi-lhe a mão.
A primeira reação de Jo-Jo foi dar-me um tapa na mão; depois
abaixando-se, cuspiu nos meus sapatos. Nas quadrilhas esse é o maior sinal de
desprezo. Feito isso, afastou-se, sentando-se num banco, de costas para mim.
Fui até o banco e sentei-me ao seu lado, dizendo:
— Onde você mora, Jo-Jo?
— Pregador, eu não quero falar com você, não quero nada com
você.
— Mas eu quero alguma coisa de você, respondi, e eu vou ficar
aqui, até descobrir onde você mora.
— Pregador, disse Jo-Jo, você está sentado na minha sala de
visitas.
— Bem, e para onde você vai quando chove? Ele disse:
— Mudo para o meu apartamento no metrô.
Jo-Jo calçava um par de sapatos de lona muito velhos, furados
no bico. Usava uma camisa preta suja, e a calça cáqui era alguns números maior
do que deveria ser. Ele olhou para os meus sapatos novos. Naquele instante,
lembrei-me dos sapatos sujos do vovô, e como gostaria de ter infligido algum
castigo em mim mesmo por ter sido tão tolo!
Jo-Jo continuou:
— Olha aqui, homem rico, para você está muito certo vir aqui
a Nova Iorque e falar de Deus mudando vidas. Você tem sapatos novos, você tem
um terno bonito. Agora, olhe bem para mim. Eu sou um vagabundo. Somos dez
irmãos. Estamos desempregados. Não existe nem o que comer em casa; foi por isso
que me puseram para fora. A comida não dava.
Jo-Jo dizia a verdade. Ali mesmo, num banco em plena praça
tirei os sapatos e pedi-lhe que os experimentasse.
— Que onda é essa? Você quer provar o quê? Que tem coração,
que é bonzinho? Fique sabendo que eu não vou calçar seus sapatos fedorentos.
— Você estava choramingando por causa dos sapatos. Agora
calce!
Jo-Jo disse:
— Nunca tive um sapato novo.
— Calce.
De cara fechada, Jo-Jo calçou os sapatos. Levantei-me e saí.
Fui alvo de olhares e risadas, enquanto andava os dois quarteirões até o
carro, com apenas meias nos pés. Quando acabei de entrar no carro, Jo-Jo veio
correndo e disse:
— Você esqueceu os sapatos.
— Eles são seus.
E fechei a porta do carro.
— Pregador, Jo-Jo disse, pondo a mão pela janela aberta,
esqueci-me de lhe apertar a mão.
Assim, apertei sua mão. Em seguida, eu disse:
— Olha, você não tem onde morar. Eu também estou dormindo
numa cama emprestada, mas nessa casa há um sofá na sala. Quem sabe essas
pessoas que me acolheram, acolherão você também; vamos perguntar?
— Certo, disse Jo-Jo, como se fosse muito natural. Entrou no
carro, e fomos até o apartamento.
— Sra. Ortez, comecei um pouco sem jeito, este é o presidente
dos Dragões de Coney Island, e, voltando-me para Jo-Jo: Quero que você conheça
a senhora que está me hospedando agora, porque, como você, não posso pagar um
lugar para dormir.
Então perguntei à Sra. Ortez se Jo-Jo poderia ficar comigo
por alguns dias, em sua casa. Ela olhou para seus dois filhinhos, depois para
o canivetão que aparecia no bolso de Jo-Jo, e cm seguida, com bondade e sem
afetação, aproximou-se de Jo-Jo, pôs a mão no seu ombro e disse:
— Jo-Jo, você pode dormir no sofá.
Foi mesmo um ato de heroísmo, que poderá ser confirmado por
qualquer pessoa que já teve qualquer coisa a ver com esses rapazes
potencialmente violentos. Depois que ela se afastou, eu disse a Jo-Jo:
— Suas roupas estão fedidas. Estamos num lar agora, e é
preciso fazer alguma coisa. Eu tenho oito dólares. Vamos a um depósito do
Exército para ver se conseguimos uma camisa e uma calça.
Calcei meus sapatos velhos e fui com Jo-Jo até o depósito
mais próximo. Ele entrou no vestiário para trocar-se e deixou a roupa lá mesmo.
De volta para casa, Jo-Jo se olhava nas vitrinas de todas as lojas por que
passávamos.
— Nada mau... Nada mau, disse ele repetidas vezes.
Até então, o que eu havia feito com Jo-Jo era o que qualquer
agência de serviços sociais faria. Sem dúvida era uma boa coisa que esse rapaz
agora tivesse um par de sapatos e uma camisa, e também que não precisasse
dormir no metrô aquela noite. Mas, de coração, Jo-Jo era ainda o mesmo rapaz.
Foi preciso que se desse uma mudança em mim, para que Jo-Jo
mudasse também. E essa mudança tem influenciado tanto a minha vida como a dele,
desde então.
Naquela noite, a reunião foi como as outras. As mesmas
pisadas costumeiras, culminando naquele riso louco. Os mesmos gestos
provocadores da parte das moças e as mesmas respostas impudicas da parte dos
rapazes. As costumeiras brigas e ameaças. Jo-Jo também estava lá, assistindo a
tudo. Foi comigo apenas por curiosidade, mas deixou bem claro que considerava
aquilo tudo uma grande bobagem.
Voltando ao apartamento dos Ortez, eu estava calado. Estava
sentido por causa da falta de resultados, e, mais do que isso, estava mesmo
emburrado.
"Pregador, você está se esforçando demais", disse
Jo-Jo.
Assim, sem mais nem menos, um rapaz que não tinha lar, que
gostava de se fazer de duro e insensível, mostrou notável discernimento.
O impacto daquelas palavras foi tremendo. Penetraram até o
meu coração como se houvessem sido pronunciadas pelo próprio Deus. Voltei-me
para Jo-Jo tão bruscamente, que ele levantou o braço para defender-se, pensando
que eu estivesse com raiva.
Claro! Eu estivera mesmo tentando mudar vidas; não
estava levando o Espírito Santo às quadrilhas, mas estava levando David
Wilkerson. Mesmo ao presentear Jo-Jo com um par de sapatos, eu estivera em
evidência. Naquele instante reconheci que nunca poderia ajudar Jo-Jo. Nunca
poderia ajudar as quadrilhas. A única coisa que eu poderia fazer era a
apresentação e depois afastar-me.
"Você está se esforçando demais." A idéia de
repente me fez rir, e ri tanto que Jo-Jo ficou sem graça.
— Acabe com isso, pregador.
— Estou rindo, Jo-Jo, porque você me ajudou. De agora em
diante não vou me esforçar tanto. Vou ficar de lado e deixar que o Espírito
trabalhe.
Jo-Jo permaneceu em silêncio por um instante, depois, erguendo
a cabeça, disse:
— Não sinto nada, e nem espero sentir coisa alguma. Não
conversamos mais até que entramos no apartamento dos Ortez. De repente, com
aquele jeito direto que Jo-Jo tem, propôs-me um negócio:
— Olhe, David, vocês estão esperando um bebê em casa, né?
Eu havia contado a Jo-Jo que Gwen deveria estar indo para o
hospital. O nenê podia nascer a qualquer hora.
— E você diz que existe um Deus que me ama, certo?
— Certo, respondi.
— Muito bem, se há um Deus, e se eu orar a ele, ele vai
atender a minha oração, certo?
— Certíssimo!
— Bem, então o que é que você quer; menino ou menina? Nesse
instante, eu vi que Jo-Jo estava armando uma armadilha, e não sabia o que
fazer.
— Mas olhe, Jo-Jo, a oração não é uma dessas máquinas
modernas em que você coloca uma moeda e sai um chocolate do outro lado.
— Em outras palavras, você também não tem muita certeza desse
negócio de Deus.
— Não foi isso que eu disse.
— O que você quer? Menino ou menina?
Confessei que já que tínhamos duas meninas, desejávamos um
menino. Jo-Jo ouviu. Depois fez algo que, para ele, foi tão difícil como foi para
Moisés bater na rocha do deserto, pedindo que saísse água dela — Jo-Jo orou.
— Olha, Deus, se você está aí em cima, e se você me ama,
mande um menino para esse pregador.
Essa foi a oração de Jo-Jo. Foi uma oração tão sincera que,
ao terminar, Jo-Jo estava piscando, para esconder as lágrimas. Eu estava
espantado. Corri para o meu quartinho e comecei a orar como não havia orado
desde o dia em que cheguei a Nova Iorque.
Jo-Jo e os Ortez estavam dormindo quando o telefone tocou às
2:30h daquela madrugada. Eu ainda estava orando. Saí e atendi.
Era minha sogra que dizia:
— David, não aguentei esperar até amanhã para chamar,
precisava contar-lhe que nasceu o bebê!
Não conseguia formular aquela pergunta.
— David! David! Você está aí?
— Estou sim.
— Você não quer saber se é menino ou menina?
— Muito mais do que você pensa.
— David, você ganhou um filho, forte e bonito.
É claro que os céticos dirão que, estatisticamente, havia uma
chance de 50% para que a oração de Jo-Jo fosse respondida afirmativamente. Mas
algo mais estava acontecendo aquela noite, algo muito além de estatísticas.
Quando fui acordar Jo-Jo para dar-lhe a notícia, ele coçou a cabeça.
— Ah! Pois é. Não diga? Não diga...
Antes de terminar aquela noite, Jo-Jo passou pela transformação
que começou com lágrimas; Jo-Jo chorou, e com suas lágrimas lavou de si mesmo
toda a amargura e todo o ódio, as dúvidas e os temores também. Quando ele
terminou, gozava aquele amor que o crente conhece, que não depende de pais ou
pregadores, ou mesmo de orações respondidas como queremos. Daquele dia em
diante, Jo-Jo tinha um amor que era seu para sempre, e me ensinou uma lição que
também ficou comigo para sempre.
Nós, seres humanos, podemos trabalhar muito uns pelos outros,
e devemos trabalhar. Mas é Deus, apenas Deus, quem cura.