— Você acha que eu poderia vê-lo? perguntei.
— Não tem a mínima chance, David. É preciso muita formalidade,
e logo que descobrissem que você era o pregador do julgamento, nunca o
deixariam entrar.
Mesmo assim, quis tentar. Quando fui chamado a pregar na
vizinhança de Elmira, perguntei como se conseguia entrar para visitar um garoto.
Disseram-me que escrevesse uma carta, explicando quais eram as minhas relações
com o prisioneiro, e por que queria vê-lo. O pedido seria estudado.
Ao ouvir isso, não tive mais dúvidas: teria de dizer a verdade
e nunca obteria permissão. Mas ouvi dizer que alguns rapazes deveriam chegar a
Elmira justamente naquele dia. Fui até à estação e esperei. Quando o trem
chegou, um grupo de cerca de vinte rapazes desembarcou escoltado. Olhei bem,
mas Luis não estava entre eles.
"Você conhece Luis Alvarez?" perguntei a um dos
rapazes que conseguiu apenas responder "Não", antes que o guarda nos separasse
impacientemente.
De volta a Philipsburg, eu dizia a mim mesmo: "Bem,
parece que nunca verei aqueles rapazes. Senhor, faça com que eu aceite o fato,
se é esta a tua vontade".
Mas se o Espírito Santo fechava aquela porta, abria outras. Numa noite quente, na primavera de 1958, eu estava andando por uma rua apinhada e barulhenta do Harlem Espanhol, quando ouvi vozes que cantavam.
Fiquei surpreso ao reconhecer a música de um hino evangélico,
embora cantassem em espanhol. Não havia igreja por ali, e a música parecia vir
da janela de um dos apartamentos do edifício por onde eu passava.
— Quem é que está cantando? perguntei a um rapaz que estava
sentado no pára-lama de um carro, fumando. O rapaz virou a cabeça para ouvir
melhor, como se a música já fizesse parte dos ruídos da cidade, a ponto de nem
ser ouvida.
— Ah! É uma espécie de igreja, disse ele, apontando para a
porta. Segundo andar.
Subi então a escada e bati à porta. Alguém abriu lentamente,
mas quando a luz alcançou meu rosto, a mulher que estava ali dentro soltou uma
exclamação e voltou correndo, deixando a porta semicerrada. Ouvi-a dizer
qualquer coisa em espanhol, e dentro de instantes a porta se abriu novamente,
revelando uma porção de fisionomias sorridentes e amigas. Tomaram-me pelo braço
e levaram-me para dentro.
— Você é David! disse um deles. Não é mesmo David, o pregador
que foi expulso do tribunal?
Era uma pequena igreja
da Assembléia de Deus que se reunia numa casa de família até o dia em que
pudessem construir um templo. Todos haviam acompanhado o caso Farmer e visto
minha foto.
— Oramos tanto por você, e agora você está aqui, disse um
homem.
Seu nome era Vicente Ortez, o pastor daquela pequena igreja.
— Queremos saber como você foi parar naquele tribunal, disse
ele.
Foi assim que, naquela noite, eu tive a oportunidade de contar
a um grupo da minha própria igreja, como Deus parecia estar me levando às ruas
de Nova Iorque. Contei-lhes o que havia aprendido dos problemas que os rapazes
e moças enfrentam com as quadrilhas, bebidas e narcóticos. Contei-lhes também
qual era o meu sonho, e o que já me acontecera.
— Penso que foi Deus que pôs essa idéia na minha cabeça. Eles
precisam começar de novo, e têm de ser cercados de amor, disse eu, resumindo.
Já vimos como o Espírito Santo pode alcançá-los mesmo na rua. Eu penso que foi
um ótimo começo. Quem sabe, algum dia, eles terão a própria casa!
Parece que foi um discurso inflamado. Descobri que estava mais
emocionado e preocupado com os problemas daqueles jovens do que eu mesmo
reconhecia. Quando terminei, vi que aquelas almas bondosas percebiam o
sentimento de pesar e urgência que me dominava, em face da necessidade.
Quando afinal me assentei, alguns deles conversaram rapidamente.
Percebi que estavam emocionados, quando empurraram o Reverendo Ortez para a
frente, como porta-voz. Dirigindo-se a mim, ele disse:
— Será que você poderia voltar amanhã para falar outra vez e
também para que outros pastores possam ouvi-lo?
Respondi afirmativamente. E assim, sem alarde, teve início um
novo ministério. Como todas as coisas nascidas do Espírito, veio em
simplicidade e humildade, sem estardalhaço. É certo que nenhum de nós,
reunidos ali naquela noite, percebeu o que havia começado.
— Qual é o seu endereço aqui? perguntou o Reverendo Ortez.
Onde podemos encontrá-lo para comunicar-lhe local e horário?
Tive de confessar que não tinha endereço. Não possuía o
dinheiro necessário, nem mesmo para um quarto em um hotel barato.
— Durmo no meu carro, disse-lhes.
Senti uma grande inquietação apoderar-se do Reverendo Ortez,
revelada em sua fisionomia.
— Mas você não pode fazer isso, e depois que traduziu o que
eu havia dito, todos os presentes concordaram com ele. É muito perigoso, muito
mais do que você pensa. Você precisa vir para a nossa casa. Você deve passar
esta noite, e qualquer outra noite que estiver na cidade, aqui conosco.
Aceitei a sua manifestação de bondade com gratidão. O
Reverendo Ortez apresentou-me à sua esposa, Délia. Ela mostrou-me um quarto
limpo e simples, que tinha uma cama-beliche Senti que era bem-vindo, e como
dormi bem aquela noite, abrigado do perigo que passava nas ruas! Soube, mais
tarde, que esse casal notável guardava para si mesmo apenas o mínimo
necessário para a sobrevivência; o resto dava para a glória de Deus.
Passei a manhã seguinte em oração. Senti que não fora mera coincidência o fato de encontrar aquela pequena igreja domiciliar. Não podia imaginar o que iria acontecer agora, mas queria ficar em espírito de expectativa, pronto para sair na direção que o Espírito Santo indicasse.
Enquanto eu orava, o Reverendo Ortez e sua esposa devem ter
passado a manhã ao telefone. Quando chegamos à igreja onde se realizaria a
reunião, representantes de sessenta e cinco Assembléias de Deus estavam
reunidos, para ouvir o que eu tinha a dizer.
Ao subir ao púlpito, não tinha a menor idéia do que haveria
de narrar. O que contaria àquele grupo? Por que estava tendo a oportunidade de
falar com aquelas pessoas? Relatei-lhes então os acontecimentos que me
trouxeram à cidade, a vergonha do julgamento e o sentimento estranho, mas
persistente, de que, atrás de todos esses aparentes enganos havia um propósito
que eu apenas vislumbrava.
— Quero dizer-lhes francamente que não sei o que devo fazer
agora. A experiência em Fort Greene pode ter sido sorte, não sei se poderia se
repetir em escala maior.
Antes do fim da reunião, aquelas sessenta e cinco igrejas
apresentaram um plano de ação que mostraria se a experiência anterior poderia
ou não ser repetida. Planejavam uma concentração para adolescentes na Arena São
Nicolau, um estádio esportivo, onde eu poderia falar com várias quadrilhas de
uma só vez.
Hesitei. Em primeiro lugar, eu não estava certo de que grandes
reuniões fossem a solução ideal, fora a questão prática de dinheiro.
— Nem sei quantos mil dólares seriam necessários para alugar
um estádio, disse eu, concluindo.
De repente houve uma agitação no fundo da igreja. Um homem
pusera-se em pé e gritava:
— David, vai dar tudo certo! Tudo certo! Você vai ver!
Pensei que fosse algum fanático e não dei muita atenção, mas
ao término da reunião o homem veio até onde eu estava e se apresentou. Era
Benigno Delgado, um advogado. Novamente repetiu a afirmação de que tudo iria
dar certo.
— David, você vai alugar a Arena São Nicolau, e falará a
esses rapazes. Vai dar tudo certo.
Sinceramente pensei que ele fosse uma dessas criaturas inofensivas,
mas excêntricas e utopistas, que às vezes encontramos. Mas o Sr. Delgado,
vendo a minha expressão de espanto, tirou do bolso o maior maço de notas que eu
já vira.
— Você fala aos rapazes; eu alugo o local. E foi isso mesmo
que ele fez.
Foi assim, de um dia para o outro, que me vi envolvido numa
enorme campanha juvenil, a ser realizada na segunda semana de julho de 1958.
Quando voltei a Philipsburg com a notícia de tantas novidades,
todos se interessaram e ficaram animados.
Apenas Gwen estava um pouco calada, até que, afinal, disse:
— Você está se lembrando de que é justamente nessa semana
que o bebê deve chegar?
Eu não havia me lembrado, mas como é que um marido pode dizer
isso à esposa? Portanto resmunguei qualquer coisa sobre o nenê chegar atrasado,
mas Gwen se limitou a rir.
— Vai chegar bem na hora, respondeu ela, mas você estará com
a cabeça nas nuvens em algum lugar, e nem vai ficar sabendo, até que um dia eu
lhe mostre uma coisinha embrulhada em um
cobertor, e você então vai olhar assustado. Eu acho que você nem sabe que uma
criança existe, até o dia em que ela vai andando até você e diz:
"Papai". O que, sem dúvida, é verdade.
A igreja de Philipsburg foi muito generosa, não somente com seu apoio financeiro durante os dois meses seguintes, em que lhe dei tão pouca atenção, mas também com seu entusiasmo. Eu sempre lhes contava das minhas visitas à cidade e da tremenda necessidade daqueles rapazes e moças de doze, treze, quatorze anos. Assim, eles sentiam que eram parte daquilo que o Senhor estava planejando para Nova Iorque.
Tirei minhas férias coincidindo com a campanha, a fim de me
afastar da igreja o mínimo possível. Mesmo assim, ao se aproximar o mes de
julho, eu passava cada vez mais tempo no apartamento dos Ortez.
As igrejas espanholas ajudaram muitíssimo. Forneceram
voluntários para anunciar as reuniões que durariam toda a semana, e colocaram
cartazes relativos à campanha, em toda a cidade. Instruíram um grande número de
conselheiros que estariam prontos a ajudar aqueles rapazes e moças que porventura
resolvessem começar de novo.
Arrumaram músicos, porteiros e cuidaram de todos os assuntos
relativos ao aluguel do local. O que eu tinha a fazer era levar os
adolescentes. A princípio pareceu-me coisa muito simples, mas quanto mais se
aproximava o grande dia, mais eu duvidava do êxito dessa campanha.
Andando pelas ruas, já havia conversado com centenas de
rapazes e moças, e só então comecei a ver o que era viver como viviam:
desesperados. A ação tão simples de viajar uns poucos quilômetros e entrar num
grande edifício, coisa que nós faríamos sem pensar, era para eles uma aventura
enorme e cheia de perigos. Em primeiro lugar, tinham medo de deixar os próprios
domínios; tinham medo de ser atacados, ao passar pelo domínio de outra
quadrilha.
Tinham medo também de grandes ajuntamentos, de seu próprio
ódio e de seus preconceitos; medo de que sua raiva e falta de segurança
estourassem em luta sangrenta.
Acima de tudo, tinham medo de que alguma coisa nos cultos os
fizesse chorar. Pouco a pouco, reconheci o pavor que esses jovens têm das
lágrimas.
"E o que há de tão assustador em derramar algumas lágrimas?"
perguntei-lhes muitas vezes, e sempre chegava à conclusão de que consideravam
lágrimas um sinal de moleza, de fraqueza e infantilidade, num mundo
desapiedado onde só os fortes sobrevivem.
Eu, no entanto, havia aprendido pelo meu trabalho na igreja
como o derramar de lágrimas tem um papel importante na conversão do indivíduo.
Posso quase com certeza afirmar que o toque de Deus se manifesta através de
lágrimas. Quando finalmente deixamos o Espírito Santo entrar no mais íntimo do
nosso ser, a reação é chorar. Já o vi acontecer muitas vezes. Lágrimas
sinceras, que vêm da própria alma, surgem quando desaparece a última barreira,
e o indivíduo se rende à santidade e à pureza.
O resultado disso é uma transformação tal, fazendo aparecer
uma tão nova personalidade, que desde os dias de Cristo essa experiência é
descrita como um nascimento. "Importa-vos nascer de novo", disse
Jesus (Jo 3.7). E o estranho paradoxo é que no coração do recém-nascido
espiritual existe gozo e alegria; no entanto esse gozo se revela com lágrimas.
Que instinto dizia a esses garotos que talvez chorassem, ao
entrar em contato com Deus? Cada um tinha a própria maneira de expressar esse
temor, naturalmente. Várias vezes visitei as quadrilhas que já conhecia, mas a
reação era sempre a mesma:
"Não adianta; você pensa que vai me emocionar, me fazer
chorar? Eu não, eu não!"
Em toda parte havia o mesmo temor de tudo o que era desconhecido;
o mesmo apego àquilo que conheciam, não importava quão miserável fosse; a
mesma resistência a qualquer mudança.
Certa noite, depois de eu ter estado no porão dos GGU,
convidando-os para as reuniões, alguém bateu à porta do apartamento dos Ortez.
A Sra. Ortez olhou para o marido, com as sobrancelhas erguidas, como se
perguntasse se ele esperava alguém.
"Não", acenou ele com a cabeça.
A Sra. Ortez deixou em cima da mesa uma faca que usava para
cortar carne e encaminhou-se para a porta.
Era Maria. Logo que entrou na sala, percebi que estava sob o
efeito da heroína. Seus olhos brilhavam de maneira estranha, o cabelo estava
caído no rosto, e as mãos tremiam.
Levantei-me e fui ao seu encontro:
— Maria! Entre!
Maria entrou e, postando-se no meio da sala, exigiu com
palavras bruscas e agressivas que lhe disséssemos por que estávamos tentando
dispersar a sua velha quadrilha.
— O que quer dizer, Maria? perguntou Délia Ortez.
— Vocês andam passando por lá, tentando fazer com que a turma
vá a um culto religioso. Já sei o que vocês querem, é acabar com o nosso grupo.
Maria, então, passou a xingar-nos eloquentemente Vicente
Ortez quis se levantar da cadeira em sinal de protesto, mas assentou-se
novamente, como a dizer: "Está bem, Maria, prossiga. E melhor que você
desabafe aqui do que na rua".
Um dos filhos do casal entrou na sala, e Délia instintivamente
ficou ao lado da criança. Naquele instante Maria correu à mesa onde Délia havia
deixado a faca. Com um movimento rápido e certeiro brandiu a faca, cuja lâmina
brilhava, refletindo a luz. Délia rapidamente se pôs entre Maria e a criança.
Vicente se colocou de pé num salto e já atravessava a sala.
— Afaste-se! gritou Maria.
Vicente parou porque a moça levara a faca ao próprio pescoço.
— Ah! disse ela. Vou cortar o pescoço. Vou me matar como se
fosse um porco, e vocês todos vão olhar.
Todos nós, que estávamos naquela sala, conhecíamos bastante o
desespero do viciado em narcóticos, para saber que não era uma pose dramática e
passageira. Imediatamente, Délia começou a falar sobre a vida longa e
maravilhosa que Maria tinha à frente.
— Deus precisa de você, Maria, disse Délia repetidas vezes.
Lentamente, depois de intermináveis cinco minutos, enquanto
Délia falava sem parar, a mão de Maria foi se abaixando até que finalmente
pendia ao seu lado, ainda segurando a faca. Sem parar de falar, Délia se
aproximou lentamente e, afinal, com um pulo ágil e belo, bateu na mão de Maria,
fazendo com que ela soltasse a faca, que caiu ao chão ruidosamente. A faca
rodopiava; a criança começou a chorar.
Maria não tentou pegar a faca novamente. Ficou ali no meio da
sala, a mais miserável figura de desespero que eu já vira. Subitamente começou
a se lamentar, tapando o rosto com as mãos.
— Não há saída para mim. Estou fisgada, e não há saída.
— E por que você não dá uma chance a Deus? perguntei-lhe.
— Não, isso não é para mim.
— Bem, então deixe que os outros venham. Pense bem; talvez
eles possam achar a saída, antes que seja tarde demais.
Maria endireitou-se; parecia já ter recobrado o autodomínio.
Sacudiu os ombros, dizendo:
— Tudo depende do que você tiver para apresentar.
Em seguida saiu do apartamento de cabeça erguida e requebrando.