O inimigo se emboscava nas condições sociais que compõem as
favelas da cidade, pronto a apanhar meninos solitários e sedentos de amor.
Apresentava promessas de segurança e liberdade, de felicidade e
companheirismo. Dava às suas promessas nomes inocentes: clubes (não quadrilhas
assassinas); viagens (e não narcóticos); bulinada (e não uma atividade sexual
cheia de ódio e insatisfação); baile (e não uma luta desesperada até a morte,
entre quadrilhas adversárias). Dava às suas vítimas personalidades quase
impossíveis de se penetrar, cercando-as com um espesso muro de insensibilidade,
e fazendo com que se orgulhassem de ser assim.
Contra essa força, eu contemplava a minha própria fraqueza.
Não tinha armas, era inexperiente, não possuía dinheiro, e não havia uma
organização que me apoiasse. Tive medo da luta.
De repente, porém, lembrei-me de outra ocasião em que vi uma
luta se aproximar, e senti o mesmo medo. Fora há muitos anos, quando eu era
apenas um garoto, e acabáramos de nos mudar para Pittsburgh. Quando garoto e
jovem, eu era um tanto fraco, fisicamente, e até mais magro do que sou hoje, se
tal coisa é possível. Pensar numa luta corporal era o suficiente para me fazer
tremer como vara verde.
É interessante notar que, durante todos os anos em que
estudei naquela escola, nunca tive de brigar, porque possuía fama de ser
valente. Essa situação ridícula concretizou-se de maneira engraçada, e quanto
mais eu pensava nisso, mais imaginava que talvez ela tivesse algum significado
para mim, agora.
Tínhamos um colega chamado Chico, que era valentão. Depois
que cheguei a Pittsburgh, foi o primeiro menino de quem ouvi falar. Antes de
desarrumar as malas, contaram-me que Chico sempre batia nos garotos que mudavam
para lá, e era melhor estar
preparado, porque se o menino era filho de pregador, sua violência se excedia ainda
mais.
Muito antes de conhecê-lo, Chico já me fazia tremer. O que eu
iria fazer quando, finalmente, o encontrasse? Fiz essa pergunta a Deus, e a
resposta veio rápida e nitidamente: Não por força nem por poder, mas pelo
meu Espírito. Sabia que era um versículo bíblico e procurei-o, para me
certificar da sua exatidão. Em Zacarias 4.6, achei essas palavras exatamente
como me lembrara, e imediatamente tomei-as como lema. Quando chegasse a hora de
enfrentar Chico, resolvi que simplesmente me apoiaria nesta promessa: Deus me
daria uma santa ousadia equivalente à valentia de qualquer briguento.
Não demorou para que chegasse a hora de testar a minha
teoria. Certa tarde de primavera, eu voltava para casa sozinho. Estava de roupa
nova, e por isso era mais importante ainda que eu não me metesse em briga. Em
nossa família, não era todo dia que tínhamos roupa nova; portanto, quando a
tínhamos, era preciso bastante cuidado.
De repente, vi um menino que caminhava na minha direção. Não
sei por que, mas senti imediatamente que era o Chico.
Vinha todo empertigado na outra calçada, mas, quando me viu,
atravessou a rua e se aproximou de mim como um touro bravo. Chico era enorme,
devia pesar uns vinte quilos a mais que eu, e era tão alto que eu precisava
olhar para cima, a fim de olhar nos seus olhos.
Chico parou bem na minha frente, com as pernas abertas e mãos
na cintura:
"Você é o filho do pregador."
Não era uma pergunta, parecia mais um desafio, e devo
confessar que naquele instante todas as minhas esperanças de santa ousadia
desapareceram por completo. Estava com medo, muito medo.
"Não por força nem por poder, mas pelo meu Espírito. Não
por força nem por poder, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor dos
Exércitos."
Fiquei repetindo esse versículo mentalmente, enquanto o Chico
passou a dizer qual era a sua opinião a meu respeito. Primeiro disse que eu
parecia um bobo de roupa nova. Depois passou a falar sobre o que era muito
óbvio: que eu era fraco. Concluiu com algumas palavras sobre filhos de
pregadores em geral.
"... mas pelo meu Espírito, diz o Senhor."
Eu ainda não dissera nada, mas dentro de mim algo de surpreendente
estava acontecendo. Sentia que o medo desaparecia, e no seu lugar sentia
confiança e alegria. Olhei para o Chico e sorri.
Ele ficava cada vez mais bravo. Ficou vermelho enquanto me
desafiava para uma briga.
E eu continuava sorrindo.
Chico começou a me rodear com os punhos cerrados, esmurrando
o ar e dando pulinhos em minha direção. Na sua fisionomia, porém, apareciam
sinais de perplexidade, pois ele podia ver que, por alguma razão
incompreensível, aquele magricelinha não estava com medo.
Eu comecei a dar voltas, também, sem nunca tirar os olhos
dele, e continuava sorrindo.
Finalmente ele me bateu. Foi um golpe hesitante, que não teve
nenhum efeito sobre mim. Dei uma risadinha baixa.
Chico parou de me rodear. Abaixou os braços, afastou-se e
saiu correndo rua abaixo.
No dia seguinte, quando cheguei à escola, comecei a ouvir
falarem que eu dera uma surra no maior valentão da cidade aparentemente o
próprio Chico era quem contara a história, dizendo que eu era o rapaz mais
valente com o qual ele já havia lutado. Daquele dia em diante, fui tratado com
o máximo respeito por toda a escola. Talvez deveria ter contado a verdade aos
colegas, mas nunca o fiz. Aquela fama era como um seguro, e, como eu detestava
brigar, tratei de conservar a minha apólice bem guardada.
Comecei a pensar que talvez houvesse algo de importante em me recordar daquela ocasião. Não estava diante de um problema semelhante, um inimigo muito maior e mais poderoso do que eu? Talvez houvesse um estranho paradoxo na minha falta de força. Provavelmente nessa fraqueza é que jazia uma espécie de poder, porque sabia com certeza que não poderia depender de mim mesmo.
Não era possível me iludir com a idéia de que dinheiro, ou
amigos influentes, ou estudos sociológicos ajudariam, porque nada disso eu
tinha. Se o meu sonho de um novo começo e um novo ambiente para aquelas
crianças era mesmo a vontade de Deus, talvez ele tivesse escolhido uma pessoa
tão mal preparada como eu, para que a obra, desde o seu início, dependesse
única e exclusivamente dele. "Não por força nem por poder, mas pelo meu
Espírito, diz o Senhor dos Exércitos."
Resolvi dar o primeiro passo para a realização do meu sonho.
O que precisava saber, em primeiro lugar, era se tinha ou não direito de
imaginar tais coisas. Seria mesmo possível, para membros adolescentes das
quadrilhas de Nova Iorque, viciados em narcóticos e conhecendo toda a espécie
de degradação, experimentar uma transformação como a que eu imaginava?
Lembrei-me de como vovô afirmava categoricamente que no centro da mensagem do
evangelho está uma experiência transformadora. Sabia de cor o versículo
bíblico a que ele se referia. Jesus dizia a Nicodemos:
"Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não
nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. Perguntou-lhe Nicodemos: Como
pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno
e nascer segunda vez? Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: quem
não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus. O que é
nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espirito é espírito." (Jo
3.3-6.)
Portanto, se esses adolescentes deveriam experimentar uma transformação dramática, esta teria de dar-se no coração. Sabia que eu não poderia fazer com que isso acontecesse. Teria de ser obra do Espírito Santo. Mas quem sabe eu poderia ser um canal, através do qual o Espírito pudesse alcançar esses jovens?
Só havia um meio de me certificar disso — era agir. Até então,
eu apenas andara pela cidade observando tudo, mas agora, deveria falar àqueles
jovens, confiando no Espírito Santo, para fazer o que eu não poderia. Comecei a
fazer perguntas em Nova Iorque, para saber quais eram as quadrilhas mais duras,
mais valentes. Vez após vez ouvi o nome de duas — os Capelães e os Mau Maus,
ambas de Fort Greene, Brooklyn.
Essas quadrilhas têm seu campo de ação num dos maiores centros habitacionais do mundo: o Projeto Fort Greene. Mais de trinta mil pessoas vivem nesses apartamentos, sendo a maioria de negros e porto-riquenhos, e uma grande porcentagem não tem emprego.
Os jovens dessa zona dividiam-se nessas duas quadrilhas, de
acordo com sua raça: os Capelães eram negros e os Mau Maus, espanhóis. As duas
quadrilhas não lutavam uma contra a outra, mas eram amigas e se uniam para
proteger seu domínio contra quadrilhas de fora. A essa altura, haviam declarado
guerra à polícia.
Seu método de combate era um tanto original. Esperavam num
telhado com um saco de areia bem na beiradinha. Quando algum policial passava
pela rua, eles tentavam fazer cair aquele saco de quarenta quilos em cima dele.
Sua contagem de tempo ainda não era muito perfeita e, até o momento, erravam o
alvo, mas estavam chegando cada vez mais perto de acertar. Os policiais, em
represália, estavam usando os cassetetes à mínima provocação, e proibindo
reuniões de mais de dois ou três rapazes.
Resolvi, então, que não haveria lugar melhor para testar o
Espírito Santo do que Fort Greene. Certa sexta-feira, cedo, convidei um amigo
meu chamado Jimmy Stahl, que toca pistão muito bem, e dirigimo-nos para o outro
lado da Ponte de Brooklyn, entrando naquela selva fervilhante de tijolos e vidro,
chamada Projeto Habitacional Fort Greene. Deixamos o carro perto da escola
pública na Rua Edward e iniciamos a nossa experiência. Eu disse a Jimmy:
— Você fica aqui perto do poste e começa a tocar. Se
conseguirmos reunir uma boa turma, eu posso subir na base do poste para
falar-lhes.
— O que é que você quer que eu toque?
— Por que não Avante, Avante, ó Crentes?
Então ele começou a tocar. Tocou o mesmo hino repetidas
vezes, com entusiasmo e bem alto.
As janelas dos prédios começaram a se abrir, mostrando
cabeças curiosas. Depois as crianças começaram a sair dos prédios. Dezenas de
crianças. Entusiasmadas com a música, ficavam perguntando:
— O circo vem para cá, moço? Vai ter desfile?
Eu disse a Jimmy que continuasse tocando.
Em seguida, apareceram os adolescentes. Pareciam estar todos
uniformizados. Alguns dos rapazes usavam blusões de um vermelho-vivo com tiras
pretas nos braços, tendo as duas letras "MM" bordadas ousadamente nas
costas. Outros usavam calças de cano fino, camisas de cores vivas, sapatos europeus
com sola fina e bico pontudo; e uma bengala. Quase todos usavam chapéu alpino
de aba estreita; e quase todos também estavam de óculos escuros.
"Senhor", orei mentalmente, "eles estão
procurando alguma coisa. Todos desejam pertencer a algo maior do que conhecem.
Eles não querem ficar sozinhos."
Depois que Jimmy tocara sua peça umas quinze ou vinte vezes,
estavam ali reunidos uns cem rapazes e mocinhas. Agrupavam-se, empurrando uns
aos outros, gritando uns para os outros, e para nós, obscenidades misturadas
com vaias. Subi na base do poste e comecei a falar. A balbúrdia aumentou. Não
sabia o que fazer então. Jimmy estava dizendo:
— Eles não estão ouvindo.
Naquele exato momento, o problema foi arrancado das minhas
mãos. Os gritos cessaram, enquanto eu vi aproximar-se um carro da polícia.
Alguns soldados desceram e abriram caminho por entre a multidão com os
cassetetes, que usavam sem dó.
— Vamos andando! Vamos acabar com isso! Dispersem-se!
Os rapazes abriram passagem para a polícia, mas ajuntaram-se
novamente.
— Desça daí! disse um deles, dirigindo-se a mim.
Depois de descer e colocar-me à sua frente, ele disse:
— O que é que você está tentando fazer, dar início a um
motim?
— Estou pregando.
— Bem, então vá pregar longe daqui. Este lugar já nos dá
bastante trabalho sem acrescentar um tumulto.
Foi então que a rapaziada se intrometeu no caso. Gritavam
para os policiais que eles não poderiam me impedir de pregar, era contra a
constituição. Os policiais discordaram, e antes que Jimmy e eu percebêssemos o
que estava acontecendo, já estávamos sendo empurrados para dentro do carro
policial.
Na delegacia, continuei com o argumento que os jovens haviam
usado.
— Quero perguntar-lhes uma coisa, disse eu. Não é direito
meu, como cidadão, falar em praça pública?
Tiveram de reconhecer que era, e responderam:
— Pode, se falar sob uma bandeira americana.
Foi assim que, meia hora mais tarde, Jimmy começou novamente
a tocar Avante, Avante, ó Crentes. Dessa vez, tínhamos uma vistosa
bandeira americana pairando sobre nós, emprestada pelo simpático diretor da
escola. Também, em vez de falar em pé, na base do poste, eu usava uma banqueta
de piano como plataforma.
Jimmy tocou; para o Norte, para o Sul, para o Leste e para o
Oeste. Novamente as janelas se abriram e crianças se aglomeraram ao redor de
nós. Mais uma vez, poucos minutos depois, estávamos defronte do mesmo grupo
irreverente e atrevido
A única diferença era que, dessa vez, aos seus olhos, éramos
heróis, porque novamente nos havíamos desentendido com a polícia.
Essa nova popularidade, entretanto, em nada melhorou a atitude
da nossa assistência. Subi na banqueta e novamente tentei gritar mais do que
eles.
— Sou um pregador do interior, gritei, venho de muito longe e
tenho uma mensagem para vocês.
Ninguém me ouvia. Bem à minha frente, um rapaz e uma moça
rebolavam de modo provocador e sensual, o que fazia com que os outros
assobiassem e batessem palmas. Logo outros passaram a acompanhá-los, cigarros
caídos no canto da boca, tremendo de excitação. Não era bem o ambiente para se
entregar um sermão.
Desesperado, curvei a cabeça.
"Senhor", orei, "não consigo nem a atenção
desses garotos. Se tu estás
realizando uma obra aqui, até isso terei de pedir de ti".
A mudança começou enquanto eu ainda orava. As crianças se
acomodaram primeiro, mas quando abri os olhos percebi que alguns dos rapazes
mais velhos, que estavam encostados na cerca, fumando, agora estavam de pé;
haviam tirado os chapéus e tinham as cabeças um pouco curvadas.
Tão inesperado foi aquele silêncio que me deixou sem palavras
por um pouco, e quando afinal consegui falar, escolhi como texto João 3.16:
"Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito,
para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna".
Contei-lhes que Deus os amava exatamente como eram, naquele
instante. Ele conhecia todos eles, sabia muito bem o que eram, conhecia seu
ódio e fúria. Ele sabia muito bem que alguns deles eram homicidas, mas também
via o que eles seriam no futuro, e não apenas o que haviam sido no passado.
Foi só isso que eu disse, e parei. Um silêncio opressivo e
eloquente dominou a rua. Podia-se ouvir a bandeira drapejando sob a ação da
brisa. Disse então àqueles jovens que iria pedir que acontecesse a eles algo de
muito especial. Iria pedir um milagre, para que imediatamente suas vidas fossem
mudadas por completo.
Curvei novamente a cabeça e orei, para que o Espírito Santo
realizasse a sua obra. Levantei a cabeça, mas ninguém se mexeu. Perguntei se
alguém gostaria de vir à frente onde poderíamos conversar. Ninguém se mexeu.
A situação era embaraçosa. Havia tentado deixar que o Espírito
dirigisse, mas parece que ele não estava dirigindo.
Subitamente, ouvi a minha própria voz como se fosse a de
outro dizendo:
— Muito bem. Já ouvi dizer que existem duas quadrilhas bem
valentes aqui em Fort Greene. Quero falar com os presidentes e
vice-presidentes. Se vocês são tão fortes e valentes, certamente não terão medo
de cumprimentar um pregador magricela.
Ainda não sei por que o disse, mas recordando agora, talvez
fosse a melhor coisa que poderia ter dito. Por alguns instantes ninguém se
mexeu, mas logo ouviu-se, lá atrás, uma voz:
— O que é que há Dito, está com medo?
Devagar, um corpulento rapaz de cor deixou o seu lugar e
começou a andar na minha direção. Outro rapaz o seguia, e este trazia uma
bengala. Ambos estavam de óculos escuros. Passando pela multidão, trouxeram
mais dois rapazes, e os quatro se agruparam em frente à banqueta.
O grandalhão adiantou-se uns passos.
— Sou Dito, presidente dos Capelães, disse ele, estendendo a
mão.
Eu não conhecia ainda os seus costumes e ia apertando-lhe a
mão, quando ele disse:
— Não me aperte a mão, pregador.
E encostou apenas a palma da sua mão aberta na minha,
fazendo-a deslizar até a ponta dos dedos.
Por alguns instantes ele ficou me olhando, examinando-me
curiosamente.
— Você é legal, pregador; você me convenceu.
Dito apresentou seu vice-presidente, Simão, e dois dos seus
cabos de guerra.
O que eu iria fazer, então? Com o coração a bater
desordenadamente, acenei para Jimmy, e nos afastamos com os rapazes alguns
passos da multidão. Simão repetia que estavam entendendo nossa mensagem.
— Sabe, David, dizia ele, tem uma velhinha que sempre passa por
aqui. Ela usa uma capa preta e carrega uma cesta cheia de chocolate. Toda vez
fala com a gente para mudar de vida. Coitada, gostamos dela, porém ela não nos
entende.
Eu disse aos rapazes que não era eu que os entendia, mas sim
o Espírito Santo. Falei-lhes que ele estava tentando alcançar o orgulho deles.
— E sua arrogância também, disse eu, fitando-os bem nos
olhos, e sua autocomplacência. Tudo isso é apenas uma capa para esconder o que
vocês são de fato — assustados e solitários. O Espírito Santo quer penetrar
essa capa e ajudá-los a começar tudo de novo.
— E o que a gente tem de fazer?
Olhei para Jimmy, mas sua expressão em nada me ajudou. Numa
igreja, talvez eu convidasse esses rapazes para se aproximarem do altar e a se
ajoelharem; mas como fazer isso em plena rua, na frente da turma deles?
Mas, quem sabe, era preciso justamente um passo assim,
ousado. A mudança que pedíamos para a vida deles era decisiva; portanto, talvez
fosse necessário que o símbolo dessa mudança também fosse decisivo e drástico.
— O que têm de fazer? repeti. Eu quero que se ajoelhem aqui
na rua e peçam ao Espírito Santo que entre na vida de vocês, para que sejam
novas criaturas. A Bíblia diz "nova criatura" em Cristo; e isso pode
acontecer a vocês também.
Houve um longo silêncio. Pela primeira vez percebi, ao fundo,
a multidão que esperava, em silêncio, para ver o que iria acontecer. Afinal
Simão disse numa voz estranhamente rouca:
— Dito, você quer? Se você ajoelhar, eu também ajoelho.
E ante os meus olhos estarrecidos, esses dois líderes de uma
das quadrilhas mais temidas de Nova Iorque, vagarosamente se ajoelharam. Os
cabos de guerra imitaram os chefes. Tiraram os chapéus, mantendo-os
respeitosamente à sua frente. Dois deles estiveram fumando. Tiraram os cigarros
da boca e jogaram-nos fora. A fumaça deles subia da sarjeta, enquanto eu fazia
uma curta oração.
— Senhor Jesus, disse eu, aqui estão quatro filhos teus,
fazendo algo que é muito, muito difícil. Estão ajoelhados perante todos,
pedindo-te que entres no coração deles e o transformes. Querem certificar-se,
pela primeira vez na vida, que são realmente amados. Pedem isso de ti,
Senhor, e tu não os decepcionarás. Amém.
Dito e Simão levantaram-se. Os cabos de guerra também. Não
levantaram as cabeças. Sugeri-lhes que ficassem um pouco a sós ou, quem sabe,
procurassem uma igreja.
Ainda sem falar, os rapazes se voltaram e andaram na direção
da multidão. Alguém gritou:
— Ei! Dito! Como é que é virar crente?
Dito mandou que ele calasse a boca, e ninguém o aborreceu
mais. Tenho a impressão de que se alguém tivesse insistido em ridicularizá-lo,
ele não teria resistido à tentação de reagir violentamente.
Jimmy e eu deixamos Fort Greene com a cabeça no ar. Na realidade não esperávamos que Deus nos respondesse de maneira tão dramática. Dito, Simão e os dois cabos de guerra ajoelhados numa esquina — era inacreditável!
Francamente, estivéramos mais preparados para a reação dos
líderes Mau Maus. Eles estavam lá também assistindo à transformação de Dito e
Simão, num misto de fascinação e desprezo. Depois que os Capelães partiram, a
multidão começou a gritar.
— Israel! Nicky! Agora vocês! Vamos, os crioulos não tiveram
medo. E vocês vão bancar os covardes?
Ante tais gritos, eles tiveram de vir à frente.
Israel, presidente da quadrilha, era um dos rapazes mais simpáticos
que já conheci; estendeu-me a mão e apertou a minha como um cavalheiro.
Nicky, entretanto, era bem diferente. Lembro-me de ter
pensado, ao olhar para ele: "É a fisionomia mais dura que já vi até
hoje".
— Como vai, Nicky? disse eu.
Ele deixou-me com a mão estendida. Nem quis olhar para mim.
Estava fumando, soprando nervosamente por um canto da boca.
— Vá pro inferno, pregador, disse ele.
Sua voz era estranha, como se ele estivesse sufocado, e
gaguejava ao pronunciar certos sons.
— Você não tem boa opinião a meu respeito, Nicky, mas comigo
se dá o contrário. Eu gosto de você, Nicky. Dei um passo em sua direção.
— Se você chegar perto de mim, pregador, ele respondeu com
aquela voz estrangulada, eu o mato.
Concordei:
— Você poderia fazer isso. Poderia muito bem me picar em mil
pedacinhos e esparramá-los aí na rua, mas cada pedacinho continuaria gostando
de você.
Enquanto eu dizia essas palavras, pensava: "E de que
adiantaria isso, para você, Nicky — não há amor sobre a face da Terra que possa
alcançá-lo".
Antes de deixar Brooklyn, apresentamos Dito e Simão a um
pastor da localidade que pudesse acompanhar o difícil crescimento espiritual
deles. Mas eu disse a Jimmy:
— Mesmo assim seria bom a gente visitá-los de vez em quando
também.
Para dizer francamente, nem um de nós conseguia se livrar da idéia
de que esses rapazes estavam se divertindo às nossas custas.
Mas, ao voltar para casa e dizer isso a Gwen, ela ficou brava
comigo e me repreendeu.
— David Wilkerson, você não percebe que recebeu justamente o
que desejava? Você pediu que o Espírito Santo realizasse um milagre, e agora,
que se vê diante dele, está querendo contestá-lo? As pessoas que não acreditam
em milagres, não devem pedi-los a Deus.