Ele nascera em Cleveland, estado de Tenessee. Já era pregador
aos vinte anos, e enfrentava uma vida bastante rigorosa. Era pregador
itinerante, o que significava que passava grande parte do seu ministério na
garupa do cavalo. Galopava em seu animal, de uma igreja a outra, e geralmente
era pregador, regente do coro e zelador ao mesmo tempo. Era o primeiro que
chegava à igreja; acendia a lareira, varria os ninhos de rato, e arejava o
lugar. Depois chegava a congregação, e ele então dirigia os cânticos, hinos
bem conhecidos como Graça Sublime e Quão Bondoso Amigo é Cristo. E
depois, pregava.
Sua pregação não era muito convencional, e algumas das suas
convicções chocavam os contemporâneos. Por exemplo, quando vovô era moço, era
considerado pecado usar enfeites, como laços ou penas. Os presbíteros de
algumas igrejas carregavam tesourinhas, amarradas por um cordão. Se alguma senhora
penitente se chegava ao altar, usando uma fita no chapéu, as tesouras entravam
em ação acompanhadas de um sermão intitulado: "Como Entrar no Céu com
Todas Estas Fitas na Roupa?"
Mas vovô não tinha essa opinião. Quando ficou mais velho,
criou o que ele chamava de "A Escola Contrafilé" de evangelização.
"Conquiste as pessoas como se conquista um
cachorro", costumava dizer. "Você vê um cachorro passar pela rua com
um osso seco na boca. Não adianta tirar o osso dele e dizer que não lhe fará
bem. É provável que avance contra você, porque é a única coisa que ele tem. Mas
se você joga um bom bife de contrafilé na frente dele, num instante ele larga
aquele osso velho e pega o bife, abanando o rabo. E você ganhou um amigo. Em
vez de sair tomando ossos das pessoas ou cortando as suas penas, vou dar-lhes
alguns bifes de contrafilé — alguma coisa que tenha bastante carne e vida. Vou
falar-lhes sobre "A Nova Vida"."
Vovô pregava não só em igrejas, mas também em tendas de lona,
e até hoje, quando viajo, ouço contar casos de como o velho Jay Wilkerson
dirigia reuniões animadas. Certa vez, por exemplo, ele estava pregando em
Jamaica, Long Island. Era quatro de julho, dia da independência americana e,
por ser feriado, havia muita gente.
Durante aquela tarde, meu avô fora visitar um amigo que tinha
uma grande loja. Este mostrou-lhe umas bombinhas, grande novidade naquele ano,
que estava vendendo muito, para as festas da Independência — bastava jogar no
chão ou pisar em cima, e elas soltavam uma fumaça e estouravam. Vovô gostou e
comprou um pouco, pôs no bolso e se esqueceu delas.
Meu avô pregou sobre a nova vida em Cristo, mas também falou
do inferno, descrevendo, às vezes, muito vividamente o que era esse lugar.
Falava sobre isso quando levou a mão ao bolso e percebeu as bombinhas. Devagar,
sem que ninguém percebesse, ele pegou algumas e jogou na plataforma atrás de
si. Depois continuou falando sobre o inferno com a expressão da maior
inocência, como se não estivesse percebendo a fumaça e os estalos.
Depois disso, correu um boato de que quando Jay Wilkerson
falava do inferno, quase que se podia ouvir o crepitar do fogo e sentir o
cheiro da fumaça.
A princípio, o povo esperava que o meu pai fosse igual ao vovô, mas ele era bem diferente. Era mais um pastor de almas do que evangelista. Por causa da vida que vovô levava, pregando em diversos lugares, meu pai cresceu sentindo falta da segurança de um lar fixo, o que refletiu na sua carreira. Durante todo o seu ministério esteve em apenas quatro igrejas, ao passo que vovô estava numa igreja diferente quase toda noite. Meu pai edificou igrejas estáveis e sólidas em que ele era benquisto, e o consultavam em época de problema ou dificuldade.
"Eu acho que é preciso esses dois tipos de pregadores
para formar a igreja", disse-me papai, certo dia, quando morávamos em
Pittsburgh. "Mas como gostaria de possuir o dom que seu avô tem de acabar
com o orgulho das pessoas! Como precisamos disso nesta igreja!"
E da próxima vez que vovô passou lá, deu-nos uma demonstração
dessa sua habilidade. (Vovô estava sempre "passando".)
A igreja do papai ficava num bairro elegante, onde moravam
os banqueiros, advogados e médicos da cidade. Era de fato um lugar estranho
para uma igreja pentecostal, porque nossos cultos tendem a ser um tanto
barulhentos e sem solenidade. No caso presente, entretanto, nós os tornamos
mais solenes, em deferência à vizinhança. Foi preciso que vovô aparecesse, para
nos mostrar que estávamos errados.
Quando o vovô chegou, todos estavam tentando viver como o
vizinho, muito sóbria e elegantemente.
"E mortos", dizia vovô. "Ora, a religião de um
homem deve dar-lhe vida!"
Papai, calado, dava de ombros e tinha de concordar. Depois
cometeu o erro de pedir que vovô dirigisse o culto daquela noite.
Eu estava lá e nunca poderei me esquecer da expressão de meu
pai, quando a primeira coisa que o vovô fez foi tirar os sapatos sujos e
colocá-los em cima da grade do altar.
"E agora?" disse o vovô, ficando em pé e olhando
para a congregação assustada. "Estão preocupados com um par de sapatos
sujos, por quê? Ah, sujei sua linda igrejinha! Feri o seu orgulho, mas tenho
certeza de que, se perguntasse antes se eram orgulhosos, todos diriam que
não."
Papai estava vermelho de vergonha.
"Muito bem", disse vovô dirigindo-se a ele,
"pode ficar vermelho; você também precisa disso. Onde estão os diáconos
desta igreja?"
Quando estes se identificaram, levantando as mãos, ele disse:
"Quero que abram todas as janelas. Vamos fazer um pouco
de barulho, e eu quero que esses banqueiros e advogados, sentados nos seus
alpendres nesta noite de domingo, o ouçam. Quero que saibam o que significa
alegrar-se na sua religião. Vocês hoje vão pregar um sermão — aos
vizinhos."
Vovô pediu que todos ficassem de pé. Ficamos. Em seguida
ordenou que começássemos a andar ao redor dos bancos, batendo palmas. E nós
andamos e batemos palmas, por quinze minutos. Quando quisemos parar, ele disse
que não, e tivemos de andar e bater palmas mais um pouco. Em seguida, ele nos
fez cantar. Estávamos andando, batendo palmas e cantando. Se mostrávamos
vontade de parar, vovô abria as janelas mais um pouco. Olhei para papai e
imaginei o que ele estava pensando:
"Vai ser difícil enfrentar esses vizinhos, mas foi a
melhor coisa que poderia ter acontecido."
Aí ele começou a cantar com vontade e mais alto do que todos.
Foi um culto inesquecível. No dia seguinte, papai recebeu as
primeiras reações dos vizinhos. Ele foi ao banco cuidar de um negócio, e lá,
atrás de uma escrivaninha, estava um deles. Papai quis sair depressa, mas ele o
chamou:
"Reverendo Wilkerson." O banqueiro convidou-o a
entrar para dentro do gradil, e disse: "Como vocês cantaram na sua igreja
ontem! Todos estão comentando! Sempre ouvíamos falar que vocês sabiam cantar
bem, e estávamos sempre esperando ouvi-los. Foi a melhor coisa que já aconteceu
neste bairro."
Durante os três anos seguintes, aquela igreja foi dominada por um espírito verdadeiro de liberdade e poder, e com isso eu aprendi uma tremenda lição.
"É preciso pregar o Pentecostes", dizia meu avô
quando comentava com papai o culto-dos-sapatos-sujos. "Por si só o
Pentecostes significa poder e vida. Foi isso que veio à igreja, quando o
Espírito Santo desceu."
E vovô continuava, esmurrando a própria mão:
"Quando você tem poder e vida, será robusto, e quando
você é robusto, é provável que faça barulho, o que só lhe poderá fazer bem, e
certamente vai sujar os sapatos."
Para vovô, sujar os sapatos não significava apenas sujar as
solas, andando no barro, onde houvesse necessidade, mas também esfolar os
bicos, ao ajoelhar-se.
Vovô era um homem de oração; e nisso toda a família era
parecida com ele. Ele ensinou meu pai a ser um homem de oração, e papai por sua
vez transmitiu a mim esse grande ensinamento.
Certa vez, quando vovô estava de passagem, disse-me:
"David, você tem coragem de orar quando está em dificuldades?"
A princípio pareceu uma pergunta estranha, mas quando vovô
insistiu, percebi que ele estava querendo dizer algo importante. Eu agradecia
a Deus pelas coisas boas que tinha, como meus pais, um bom lar, alimento
necessário, educação. Orava, também, num sentido geral e evasivo, para que o
Senhor, de alguma maneira, algum dia me escolhesse para fazer o seu serviço.
Mas orar por algo específico, isso eu raramente fazia.
E o vovô, olhando seriamente para mim, pela primeira vez sem
piscar um olho, disse:
"David, quando você aprender a ser específico nas suas
orações em público, aí então descobrirá o poder."
Não entendi bem o que ele quis dizer, talvez porque tivesse
doze anos de idade, e também porque instintivamente tive medo da idéia. Ser
específico em público, ele dissera. Isso significava orar na vista dos outros:
"Peço tal coisa". Significava correr o risco de não receber resposta
para a oração.
Foi por acidente, num dia horrivelmente inesquecível, que fui
forçado a descobrir o que vovô quisera dizer. Durante toda a minha infância,
meu pai não gozara de boa saúde, tendo úlceras no duodeno e sofrendo dores
quase constantes, por mais de dez anos.
Certo dia, voltando da escola, vi uma ambulância passar por
mim a grande velocidade, e quando ainda estava a mais de um quarteirão de casa,
descobri para onde ela ia. De longe ouvia os gritos de papai.
Um grupo de presbíteros da igreja estava sentado em atitude
solene na sala, e o médico não permitiu que eu entrasse no quarto onde estava
papai, por isso mamãe saiu e conversou comigo no corredor.
— Ele vai morrer, mãe?
Mamãe olhou bem para mim e resolveu contar-me a verdade:
— O médico diz que talvez viva mais umas duas horas. Nesse
instante, papai deu outro grito de dor, e mamãe, colocando a mão no meu ombro,
entrou depressa no quarto.
— Estou aqui, Kenneth, disse ela, enquanto fechava a porta.
Antes, porém, que a porta se fechasse, eu olhei para dentro
do quarto e vi por que o médico não quis que eu entrasse: a cama do papai e o
chão estavam cobertos de sangue.
Naquele instante, lembrei-me da promessa do vovô.
"Quando você aprender a ser específico nas suas orações
em público, você descobrirá o poder."
Por um momento passou-me pela idéia dirigir-me àqueles homens
sentados na sala e anunciar que eu estava orando, para que papai levantasse da
cama curado. Mas não podia fazê-lo. Mesmo naquela situação desesperadora, eu
não podia testar a minha fé, colocando-a num lugar de onde talvez fosse
derrubada.
Esquecendo-me das palavras do vovô, corri e escondi-me,
querendo fugir de todas as pessoas. Escondi-me no lugar mais escuro e isolado
(pensava eu) da casa — o depósito de carvão, e ali orei, tentando superar a
falta de fé com o volume de voz, gritando a minha oração.
O que eu não sabia era que estava orando, numa espécie de
sistema de alto-falantes. A nossa casa era aquecida por intermédio de ar
quente, e os canos, que tinham o formato de trombeta, saíam da fornalha que
ficava ao lado do depósito de carvão. Minha voz foi levada pelos canos, de modo
que os homens da igreja, sentados na sala, de repente, ouviram uma voz
fervorosa em oração, sem ver ninguém. O médico no quarto ouviu-a, e meu pai no
seu leito de morte, também.
— Traga David aqui, murmurou ele.
Assim, levaram-me para cima, passando diante dos presbíteros
que me olharam de modo estranho. Quando entrei no quarto, papai pediu ao Dr.
Brown que esperasse no corredor, uns instantes, e quando ele saiu, pediu à
mamãe que lesse em voz alta Mateus 21.22. Mamãe abriu a Bíblia e leu a
passagem: "E tudo quanto pedirdes em oração, crendo, recebereis".
Sentia-me emocionado.
— Mamãe, podemos tomar posse dessa promessa para o papai,
agora?
Assim, enquanto papai jazia inerte na cama, mamãe começou a
ler a mesma mensagem, repetidas vezes. Leu-a talvez doze vezes, e enquanto lia
levantei-me da cadeira e fui até à beira da cama de papai, colocando as mãos na
sua testa.
— Jesus, eu orava, Jesus, eu creio na tua palavra. Cura o meu
pai!
E fiz ainda mais. Fui até a porta, e abrindo-a, disse em voz
bem alta:
— Dr. Brown, pode vir. Eu... (como foi difícil dizê-lo) orei,
crendo que o papai vai melhorar.
O médico olhou para toda a sinceridade dos meus doze anos e
sorriu, um sorriso simpático, compassivo e totalmente incrédulo. Mas o sorriso
deu lugar, primeiro, a uma expressão de perplexidade e, depois, de assombro, ao
curvar-se para examinar meu pai.
— Alguma coisa aconteceu, disse ele tão baixinho, que eu
quase não podia ouvir.
O médico apanhou seus instrumentos com as mãos trêmulas e
mediu a pressão de papai.
— Kenneth, disse ele, levantando as pálpebras de papai, examinando
seu abdome e medindo a pressão novamente. Kenneth, como está se sentindo?
— Como se uma nova força percorresse minhas veias.
— Kenneth, disse o médico, acabo de presenciar um milagre.
Naquele instante milagroso, papai pôde levantar-se, e eu me livrei de qualquer dúvida a respeito do poder da oração. Dirigindo-me para a fazenda do vovô, tantos anos depois, essa foi uma das recordações que me acompanharam na viagem.
Quando cheguei, constatei com prazer que vovô estava mais
lúcido do que nunca. Talvez seus movimentos fossem mais compassados, mas a
mente trabalhava com a mesma agilidade e com a mesma sabedoria penetrante. Ele
assentou-se numa cadeira velha, inclinando-a para trás, ouvindo atentamente enquanto
eu relatava minhas estranhas experiências. Falei quase uma hora, e ele às vezes
interrompia para fazer uma pergunta. Terminei a minha história com uma
pergunta.
— O que quer dizer isso tudo, vovô? Você crê que eu tive um
chamado real para ajudar aqueles meninos que estão sendo julgados?
— Não, acho que não, disse vovô.
— Mas, tantas coisas... comecei a dizer. Mas ele continuou:
— Penso que aquela porta está fechada, bem fechada. Eu acho,
David, que o Senhor não vai permitir que você veja aqueles sete meninos por
muito, muito tempo. Eu lhe digo por quê. Se você os vir agora, poderá pensar
que a sua responsabilidade entre os adolescentes em Nova Iorque está terminada.
E eu acho que há planos maiores para você.
— Como assim?
— Eu sinto, David, que o plano não era que você visse apenas
sete rapazes, mas milhares de rapazes como aqueles.
Vovô esperou um pouco, para aumentar o efeito das suas
palavras; depois continuou.
— Refiro-me a todos os rapazes amedrontados, perplexos e
abandonados de Nova Iorque, que talvez cheguem a cometer homicídio como
aventura, a não ser que você os ajude. Sinto, David, que o que você tem a fazer
é ampliar os seus horizontes.
Vovô tinha um jeito de dizer as coisas que me deixava animado.
De repente, desejei voltar à cidade e começar a trabalhar, em vez de fugir
dela o mais depressa possível, como havia sido a minha atitude até então. Disse
a vovô o que sentia.
Vovô sorriu e disse:
— É fácil dizer isso sentado aqui na cozinha quentinha do seu
avô, mas espere até encontrar mais alguns desses rapazes, antes de pensar em
suas visões. Eles estão cheios de ódio e pecado, mais do que você jamais ouviu.
São meninos apenas, mas já conhecem o homicídio, o estupro e a sodomia. Como é
que você vai lidar com essas coisas, quando encontrá-las?
— Deixe-me responder a minha própria pergunta, David. Em vez
de olhar para essas coisas, você tem de manter os olhos fitos no coração do
evangelho. E o que é isso?
Olhei bem para ele.
— Já ouvi o senhor falar bastante sobre o assunto, e vou
dar-lhe uma resposta de um dos seus próprios sermões. O coração do evangelho é
mudança. É transformação. E nascer para uma vida nova.
— Dito assim por você, parece muito simples, David. Espere
até ver o Senhor operar essa mudança, e então você terá mais emoção na voz. Mas
a teoria é esta. O coração da mensagem de Cristo é extremamente simples: um
encontro com Deus — um encontro verdadeiro — implica transformação.
Pela atitude de vovô, percebi que nossa entrevista estava
chegando ao fim. Levantou-se da sua cadeira devagar e dirigiu-se à porta.
Sabendo o quanto ele era dramático, senti que a parte mais importante da nossa
conversa começaria agora.
— David, disse vovô com a mão na porta. Ainda estou preocupado
com você, sobre o seu encontro com a vida nua e crua da cidade. Você teve uma
vida protegida. Quando você encontrar a impiedade encarnada, ficará
petrificado.
A essa altura, vovô começou a contar uma história que, a
princípio, não parecia ter a mínima relação com o assunto.
— Algum tempo atrás, eu estava andando nas montanhas, quando
vi uma serpente enorme. Uma das grandes, David, de cinco centímetros de
espessura e um metro de comprimento, deitada ali ao sol, tão asquerosa! Fiquei
com medo e por muito tempo não dei nem um passo. Enquanto olhava fixamente para
o bicho, vi um milagre. Um novo nascimento. Vi aquela serpente despir-se da
sua pele e, deixando-a para trás, sair dali uma criatura nova e realmente
linda.
— Quando você começar o trabalho na cidade, meu filho, não
fique como eu fiquei, petrificado pela aparência exterior dos rapazes. Deus não
fica. Ele está apenas esperando que cada um deles saia daquela casca velha de
pecado, deixando-a para trás. Ele está esperando ansiosamente que o novo homem
apareça. Não se esqueça disso, David, quando você se encontrar com as
serpentes, como certamente acontecerá, nas sarjetas de Nova Iorque.