Quando lhe falei das duas quadrilhas que encontrara uma hora
depois de minha chegada a Nova Iorque, Miles apresentou o mesmo pensamento
fantástico que também me ocorrera.
— Você está percebendo, naturalmente, que nunca teria tido
uma oportunidade de falar-lhes, se não tivesse sido expulso do tribunal e
fotografado daquela maneira?
Fomos à cidade, e resolvemos ir pessoalmente ao escritório do
promotor de justiça, apenas porque o único caminho para aqueles sete rapazes
era por ali, e não porque tínhamos qualquer ilusão quanto à nossa recepção
naquele lugar.
— Gostaria de poder convencê-los de que o único interesse que
tenho em ver aqueles rapazes é o bem-estar deles, disse eu.
— Reverendo, mesmo que cada palavra que diz saísse diretamente
dessa sua Bíblia, ainda assim não poderíamos permitir que visitasse esses
rapazes. A única maneira de vê-los, sem a permissão do Juiz Davidson, é
conseguir uma permissão assinada pelos pais.
Eis que se abria um novo caminho!
— Poderia dar-me seus nomes e endereços?
— Sinto muito, mas isso é impossível.
Saindo de lá, peguei a página já rasgada e amassada daquela
revista Life, e verifiquei que o nome do líder da quadrilha era Luis
Alvarez. Enquanto Miles ficava novamente no carro, entrei num bar e troquei
cinco dólares — quase todo o dinheiro que nos restava — por fichas telefônicas.
Comecei então a telefonar a todos os Alvarez que havia na lista telefónica,
mais de duzentos, apenas no centro.
"É da residência de Luis Alvarez, o que está sendo
julgado pelo assassinato de Michael Farmer?" perguntava.
Silêncio de quem se sente ofendido. Palavras malcriadas. Um
fone colocado no gancho com força. Já havia usado quarenta fichas, e era claro
que nunca encontraria os rapazes dessa maneira.
Saí novamente e voltei ao carro. Eu e Miles ficamos desanimados,
sem a mínima idéia do que fazer em seguida. Ali mesmo no carro, com os arranha-céus
de Manhattan elevando-se acima de nós, curvei a cabeça e orei:
"Senhor, se estamos aqui por tua conta, é preciso que
nos guies. Chegamos ao fim de nossas humildes idéias; leva-nos aonde devemos
ir, porque não sabemos como fazê-lo."
Saímos ao acaso, na direção em que o carro estava virado —
para o norte — e logo nos vimos em meio a um engarrafamento de trânsito.
Quando afinal conseguimos sair de lá, nos perdemos no Central Park. Rodamos a
esmo, e tomamos então a primeira saída — apenas para sairmos do parque. Demos
numa avenida que levava ao coração do Harlem Espanhol, e de repente senti
aquele desejo incompreensível de sair do carro.
— Vamos procurar um estacionamento, disse eu a Miles.
Estacionamos na primeira vaga que encontramos e saí. Andei um
pouco, mas parei sem saber o que fazer. Não sentia mais aquele impulso que me
impelia para a frente. Alguns rapazes estavam sentados num degrau e eu lhes
perguntei:
— Onde mora Luis Alvarez?
Olharam todos para mim com ar carrancudo, e nada responderam.
Dei mais alguns passos sem rumo. Daí, um menino negro veio correndo atrás de
mim:
— Você procura Luis Alvarez?
— Sim.
Ele me olhou de modo estranho.
— O que está na cadeia por causa do menino aleijado?
— Sim. Você o conhece?
O rapaz ainda me olhava desconfiado.
— Aquele carro é seu? perguntou.
Já estava cansado de perguntas.
— E meu sim; por quê?
O menino riu e disse:
— Puxa, você parou bem em frente à casa dele.
Fiquei arrepiado e apontei para o velho prédio de pequenos
apartamentos, em frente ao qual eu parara.
— Ele mora lá? perguntei quase num cochicho.
O garoto acenou que sim. Quantas vezes minha fé vacilou,
quando minhas orações não eram respondidas; mas é ainda mais difícil de se
acreditar na oração respondida. Pedimos a Deus que nos guiasse, e ele nos havia
colocado bem na porta de Luis Alvarez.
— Obrigado, Senhor, disse eu em voz alta.
— O que foi que você disse?
— Obrigado, disse eu, dirigindo-me ao menino. Muito obrigado,
mesmo.
No vestíbulo sujo daquele prédio havia uma caixa para correspondência, indicando que os Alvarez moravam no terceiro andar. Subi as escadas correndo.
O hall do terceiro andar cheirava a urina e poeira, as
paredes de cor marrom-escuro eram de lata, onde havia um desenho em
alto-relevo.
— Sr. Alvarez? chamei diante de uma porta que ostentava esse
nome impresso, em letra de fôrma.
Ouvi uma voz que dizia algo em espanhol, no interior do
apartamento, e, esperando ser um convite para que eu entrasse, empurrei a
porta e olhei. Vi um homem magro de pele escura, assentado numa enorme cadeira
vermelha, segurando um rosário. Ele sorriu quando me viu.
— Você, David, o pregador! disse ele bem devagar. Os soldados
jogaram você para fora!
— Sim, disse eu, e entrei. O Sr. Alvarez levantou-se.
— Eu oro para você vir; você ajuda meu menino?
— Eu quero muito ajudá-los, Sr. Alvarez, mas não permitem que
eu entre para visitar o Luis. Preciso ter permissão por escrito de você e dos
pais dos outros rapazes.
— Isso eu dá.
O Sr. Alvarez pegou lápis e papel da gaveta da cozinha. Com
muita dificuldade escreveu que eu teria permissão para visitar Luis Alvarez.
Dobrou o papel e o entregou a mim.
— O senhor tem os nomes e endereços dos pais dos outros
rapazes?
— Não, disse o pai de Luis, dando-me as costas. Você sabe, o
problema é esse, não tenho intimidade com meu filho. Deus, que trouxe você
aqui, levará você aos outros.
Foi assim que, apenas alguns minutos depois de parar a esmo na Rua Harlem, eu já tinha a primeira permissão assinada. Saí do apartamento pensando se era possível que Deus houvesse dirigido meu carro a esse endereço, em resposta à oração desse pai. Minha mente procurava outra solução. Quem sabe vira o endereço em algum jornal e o meu subconsciente o guardara.
Mas, ainda enquanto pensava nisso, descendo aquelas escadas
escuras, deu-se outro acontecimento que nunca poderia ser explicado como
memória subconsciente. Virando-me, depois de um dos lances da escada, colidi
com um jovem que subia correndo.
— Desculpe-me, disse eu, sem parar.
O rapaz olhou para mim, resmungou qualquer coisa e já ia
continuando, quando eu passei sob uma luz. Aí então, ele parou e olhou-me
novamente.
— Pregador?
Virei-me. O rapaz estava olhando atentamente, tentando
enxergar melhor naquela escuridão.
— Não é você que foi expulso do julgamento de Luis?
— Sim, eu sou David Wilkerson. O rapaz estendeu a mão.
— Eu sou Angelo Morales, reverendo, e faço parte da quadrilha
de Luis. Você foi visitar a família Alvarez?
— Sim.
Então, contei a Angelo que precisava de permissão paterna
para visitar Luis, e de repente vi a mão de Deus no nosso encontro.
— Angelo, disse eu, preciso conseguir a permissão de todos
os pais. O Sr. Alvarez não sabe onde moram os outros; você sabe?
Angelo foi por todo o Harlem conosco, mostrando-nos onde
moravam os outros seis envolvidos no julgamento do caso de Michael Farmer.
Enquanto rodávamos, Angelo nos contou um pouco sobre a sua própria vida. Ele
deveria ter estado com aquela turma que "acabara" com Michael Farmer,
mas estivera com dor de dente, o que o impediu de sair com eles. Disse que os
rapazes não entraram no parque com qualquer intenção especial; estavam apenas
"procurando barulho". Se não fosse Farmer, eles estariam numa luta de
quadrilhas.
Aprendemos muito com Angelo, e confirmamos muita coisa que
já suspeitávamos. Os componentes dessa quadrilha — senão de todas — sentiam-se
entediados, abandonados e tinham raiva de tudo e de todos. Procuravam emoção e
aventuras de qualquer sorte.
Angelo tinha um jeito especial de contar as coisas bem claramente.
Era um menino vivo e simpático e queria ajudar-nos. Miles e eu concordamos que,
independentemente do resto dos nossos planos, manteríamos contato com Angelo
Morales, e mostraríamos a ele um caminho melhor.
Dentro de duas horas conseguimos todas as assinaturas.
Despedimo-nos de Angelo, depois de anotar seu endereço e prometer mantermos contato com ele. Voltamos à cidade com o coração alegre, e até cantamos ao passar novamente pelas dificuldades do tráfego da Broadway.
Fechamos as vidraças e cantamos, com vontade, os velhos hinos
evangélicos que conhecíamos desde a infância. Os inegáveis milagres que se
haviam realizado nessas últimas horas nos davam nova segurança de que quando
saíssemos, confiando em Cristo e na sua promessa de nos guiar, todas as portas
se abririam.
Nunca pensamos, ao nos dirigirmos para o centro cantando,
que alguns minutos mais tarde, todas as portas se fechariam novamente, porque
nem com aquelas assinaturas conseguiríamos visitar os sete rapazes.
O oficial de justiça ficou bastante surpreso ao ver-nos de
volta tão depressa e, quando apresentamos as assinaturas exigidas, ele olhou-as
como alguém que contempla algo impossível. Telefonou para a prisão e disse
que, se os rapazes quisessem nos ver, teriam de nos deixar entrar.
Foi na própria prisão que deparamos com um empecilho estranho
e totalmente inesperado. Não foi da parte dos rapazes nem dos oficiais, mas de
um colega de ministério. O capelão da cadeia, sob cujos cuidados estavam,
considerou inoportuno serem apresentados a outra personalidade.
Todos os rapazes assinaram um formulário em que afirmavam:
"Queremos falar com o Reverendo David Wilkerson". O capelão acrescentou
um "Não" ao início da frase, e nenhuma persuasão conseguiu fazer com
que aquela decisão fosse desrespeitada.
Novamente atravessamos a Ponte George Washington — bastante
perplexos. Por que teríamos recebido ânimo de forma tão dramática, para depois
ver tudo dar em nada novamente?
Foi enquanto rodávamos pela estrada da Pensilvânia, tarde da
noite, quase na metade do caminho de volta à nossa cidadezinha, que eu vi um
raio de esperança naquela escuridão que nos cercava.
— Ah! Já sei! disse eu em voz alta, acordando Miles que
cochilava.
— Já sabe o quê?
— Já sei o que vou fazer.
— Ainda bem que já está resolvido, disse Miles enquanto se
enrolava e dormia novamente.
O raio de esperança era um homem, um homem notável: o pai de
meu pai. A esperança era que ele concordasse em ouvir o meu problema.
— Sabe o que eu acho que você está fazendo? perguntou Gwen
enquanto tomávamos uma xícara de chá na cozinha, antes da minha partida para
visitar vovô. Acho que você precisa sentir que é parte de uma grande tradição,
e não apenas um pobre galho isolado. Acho que você quer ter contato com o
passado novamente, e o que é mais, creio que você está certo. Procure voltar ao
passado tanto quanto puder, David; é disso que você precisa agora.
Eu telefonara para o vovô dizendo que queria vê-lo.
— Pode vir, meu filho, respondeu. Vamos bater um bom papo.
Meu avô tinha setenta e nove anos de idade e não havia perdido a vitalidade. Vovô fora conhecido por toda aquela redondeza, quando mais moço. Era descendente de ingleses, galeses e holandeses. Era filho, neto e talvez bisneto de pregadores. A tradição se perde na história primitiva da Reforma Protestante, na Europa e nas Ilhas Britânicas. Que eu saiba, desde o dia em que os clérigos começaram a se casar na igreja cristã, existe um Wilkerson no ministério, aliás, um ministério inflamado.