segunda-feira, 3 de maio de 2021

Por esta cruz te matarei - Capítulo 19

OS MILAGRES DE CADA DIA

Parecia um milagre que os motilones tivessem aceito a Jesus no dia do Festival das Flechas. Durante vários dias, um cântico de louvor encheu-me o coração.

Depois ouvi relatos acerca de outros Festivais de Flechas. As palavras que Bobby cantara haviam sido repetidas lá e alegremente haviam sido aceitas. Era muito mais do que eu podia acreditar.

À medida que as pessoas começaram a responder à Palavra e a obedecer a Deus, outras coisas foram acontecendo, as quais eu também chamava de "milagres", coisas que eram claramente sobrenaturais. Mas a idéia de milagre para os motilones não era, necessariamente, igual à minha. Algumas coisas que me surpreendiam, eles as aceitavam sem hesitação.

A medicina, por exemplo. Depois que os motilones aceitaram a Jesus Cristo, houve uma tremenda expansão nesse campo. Porém, todas as vezes que injeções, comprimidos ou unguento fossem aplicados, eles eram acompanhados por cânticos que invocavam a Jesus para curar. Para os motilones, a cura que a medicina realizava era um milagre da parte de Jesus. Era algo que ele fazia em benefício do povo. As suas orações eram parte desse processo de cura.

Às vezes isso trazia resultados surpreendentes. Certo dia cheguei a uma casa onde havia um homem que, na semana anterior, havia sido picado por uma cobra venenosa. Ele estava praticamente recuperado.

— Eu julgava que você não tivesse mais soro antivenenoso — eu disse. — Onde você o conseguiu?

— Nós não tínhamos nenhum — respondeu o médico-feiticeiro.

— Que é que vocês, em nome do céu, fizeram para que ele se recuperasse?

— Pois bem, tudo o que tínhamos eram alguns antibióticos. Então nós os demos a ele e oramos para que Deus o curasse. E como você pode ver, ele o curou.

Eu estava abismado. O antibiótico não tem efeito algum sobre o veneno de cobra. Deus havia curado o homem, e não o remédio.

Mas não era isso que os motilones diziam a respeito de todas as curas? Que diferença faziam os métodos aplicados por Deus? Quer as pessoas usassem o remédio adequado ou não, ainda assim era Deus quem efetuava a cura.

Porém eu estava tão satisfeito que Deus escolhera trabalhar de maneira poderosa e visível, entre os motilones, simplesmente para mostrar-me que ele realmente estava mudando os seus corações. De outro modo, seria quase impossível crer na quase totalidade da aceitação do Evangelho, pelos motilones. As vezes, eu me punha a pensar: Isso é realmente conversão ou é simplesmente mais uma lenda em que os motilones se apóiam? Deus me fez ver as mudanças poderosas ocorridas na vida daquela gente, de modo que eu não podia duvidar de que ele estava agindo sobre eles e por intermédio deles.

Certo dia voltei de uma viagem e soube que Atabacdora havia sido trazido para a casa comunitária com uma fratura nas costas. Ele caíra de uma árvore durante uma caçada aos macacos. Não tínhamos meio algum de ajudá-lo ali mesmo, e então o levamos durante três dias através de picadas, e depois, por barco, rio abaixo, depois para o hospital em Tibu. Lá no hospital tiraram uma radiografia de suas costas, e o médico depois me informou que ele havia fraturado o pescoço. Ele deveria ficar em repouso, imóvel, durante meses. Sendo eu a única pessoa que falava espanhol e motilone, fui encarregado de dar-lhe essa notícia.

Atabacdora estava deitado de costas. Eles haviam colocado, no seu leito, alguns suportes, de modo que o seu corpo estivesse curvado ao meio. Estava numa posição desconfortável. Queixara-se de que as enfermeiras não o deixavam mover.

— O médico acabou de me dizer que você terá que ficar aí, imóvel, durante três meses — eu lhe disse. — Se você não obedecer, nunca mais ficará bom.

— Não, Bruchko — disse ele. — Não posso fazer isso. Não posso ficar aqui deitado todo esse tempo.

— Atabacdora, você precisa fazer isso. Se não o fizer, não ficará curado.

Fiz com que ele prometesse obedecer às ordens do médico, porém ele não estava muito contente, não. E também, eu não tinha certeza de quanto tempo duraria sua promessa. Bobby e eu falamos a esse respeito, mas nenhum de nós tinha uma solução para o caso. Ele poderia permanecer imóvel por uma semana, se realmente tentasse. Mas três meses? Era impossível.

— Escute, Bobby — eu disse —, às vezes os homens que conheceram a Jesus, quando ele andava pelas picadas, ungiam com óleo um doente e oravam para que ele fosse curado. Acho que talvez deveríamos fazer isso com Atabacdora.

— E isso funciona, Bruchko? — perguntou Bobby. — Deus cura desse modo?

Eu não tinha muita fé que isso realmente fosse ajudar, mas eu sabia que Atabacdora nunca seria capaz de ficar três meses imóvel, e eu nem sequer podia pensar em vê-lo disforme para o resto da vida.

Arranjamos um pouco de óleo e fomos ao seu quarto lá no hospital. Ele estava sofrendo dores horríveis. Os sedativos não estavam produzindo o efeito necessário, contudo ele ainda sorriu para nós. — Nós queremos orar por você — eu disse.

Bobby colocou o dedo no óleo, e depois eu fiz a mesma coisa. Ficamos ali por um momento; Bobby esperava pela minha iniciativa.

— Não sei onde devo colocar o óleo — ele disse. — Deve ser em algum lugar em sua cabeça, mas eu não sei onde.

— Ponhamos na sua testa — disse Bobby.

Fizemos isso, e depois pusemos as mãos sobre a sua cabeça. Então Bobby orou.

— Deus — ele disse —, Atabacdora tem dores nas costas. Ele precisa ficar bom novamente, de modo que ele possa voltar a correr pelas picadas, pescar e caçar, com os seus irmãos motilones. Tu podes livrá-lo dessa dor nas costas. Nós queremos que faças isso, e te pedimos em nome de Jesus.

Dissemos mais algumas palavras a Atabacdora e depois fomos embora. Eu tinha alguns negócios a ver em Cucuta e assim deixei Atabacdora aos cuidados de Bobby. Os meus negócios levaram três dias, e passei a maior parte desse tempo preocupando-me com o estado de Atabacdora. Quando voltei, fui imediatamente ter com Bobby. Ele estava aborrecido.

— Atabacdora nem sequer tenta ficar parado, Bruchko — ele disse. — Ele diz que não é nada confortável para ele ficar de costas, e ele não fica deitado.

Fomos ao hospital visitá-lo. Sua cama estava vazia. Fiquei assustado. Será que ele se havia mexido tanto, prejudicando a si mesmo, e fora levado à sala de operação para uma cirurgia?

Nisso Atabacdora surgiu pelo quarto a dentro. Quando nos viu, havia certo ar de culpa em seu rosto, como o de uma criança apanhada ao pegar as bolachas, sem licença. Rapidamente, e sem uma palavra sequer, ele se deitou, e deu uma demonstração de como deveria ficar deitado corretamente, com as costas curvadas ao meio. Ele mal acabara de deitar-se e de colocar-se naquela posição, quando uma enfermeira, com o rosto vermelho, chegou atrás dele, bufando. Com o dedo em riste, e aos trancos, ela me repreendeu em voz bem alta, por deixá-lo sair da cama. Atabacdora permaneceu ali bem quieto, com certo ar de santidade no rosto. Finalmente, quando a enfermeira saiu, fazendo toda sorte de ameaças, ele sorriu.

Era a minha vez de ralhar com ele. — Atabacdora, você não se interessa em ficar bom? Se não ficar aí quieto, talvez você nunca mais poderá caçar.

Ele falou amuado: "Bruchko, eu não podia mais ficar aqui nesta cama. Ela é muito sem conforto. Fiz isso durante três dias e foi o bastante.

— Bruchko — disse Bobby —, se ele não sente mais dores nas costas, por que deve ficar imóvel na cama?

Eu não pensara nisso. Procurei o médico e perguntei-lhe se não poderia tirar outra radiografia de Atabacdora. Ele não queria, porém eu consegui demovê-lo. — Pois bem — disse ele —, se isso o faz sentir mais feliz, eu o farei.

No dia seguinte ele veio ter comigo com ar um tanto embaraçado.

— Esse é o mesmo índio que você trouxe anteriormente?

— De certo que é — eu disse. — Acha que nós brincamos de esconde-esconde com os seus pacientes?

— Pois bem, se esse é o mesmo homem, as suas costas foram curadas. É algo surpreendente. Não há sinal algum, nem o sinal de fratura. É algo como um milagre.

— Gente — ele disse —, vou procurar saber qual foi exatamente o seu tratamento. Nunca soube que o nosso tratamento fosse tão eficaz como esse.

Eu ri. — O senhor não acha que houve algo mais do que simplesmente a medicina que agiu sobre ele?

— O quê, por exemplo? — perguntou ele.

— Deus, por exemplo.

Ele saiu sacudindo a cabeça.

Eu estava profundamente exultante. Encontrei-me com Bobby e contei a ele o que acontecera. — Bobby, você acredita que isso é um milagre?

Bobby não estava tão excitado. Para ele, era simplesmente uma dor nas costas que Deus curara. Muitas pessoas sentiam dores nas costas, ficavam deitadas em suas redes durante um dia, e em seguida se levantavam e iam cuidar de seus negócios. Essa dor era um pouco pior do que as comuns.

— Mas, Bobby — eu disse —, a radiografia provou que o pescoço dele estava quebrado.

— O que é radiografia?

— Bem, não posso explicar isso, Bobby. O negócio é que Deus o curou.

— Mas, Bruchko, por que isso é surpresa para você? Nós já vimos tantas pessoas serem curadas, que não constitui mais surpresa.

Em 1967, depois de quase um ano que os primeiros motilones se tomaram cristãos, Arabadoyca e mais um pequeno grupo de outros índios vieram falar comigo. Eles haviam decidido que desejavam ir contar a respeito de Jesus aos índios iucos. Eu sentira o mesmo desejo anteriormente, e até fizera uma viagem de volta à aldeia dos iucos, onde eu passara quase um ano.

Eu estava lá não fazia nem uma hora quando percebi que alguma coisa havia mudado. Logo descobri o que era. Uma das mulheres a quem eu tentara falar a respeito de Jesus, quando eu estivera lá na primeira vez, tivera uma visão. Como resultado disso, a maior parte da aldeia havia aceito a Jesus. Eles haviam abandonado a chicha, a bebida com a qual se embebedavam tão frequentemente, e havia uma mudança notória ali na aldeia. Em vez de falar a respeito de Jesus aos iucos, como eu tencionara fazer, eles é que falavam a respeito dele para mim.

No entanto, eu estava surpreso ao ouvir que os motilones desejavam falar a respeito de Jesus aos iucos. As duas tribos haviam sido inimigas acérrimas durante anos. Os iucos tinham certa brincadeira que gostavam de fazer. Eles costumavam trançar os espinhos longos, de quase treze centímetros, que havia nas selvas, e colocá-los nas picadas dos motilones. Depois se escondiam por trás das moitas e esperavam. Quando os motilones corriam ao longo daquela picada, pisavam naqueles espinhos. Os iucos desandavam a rir de seus sofrimentos e saíam correndo.

Agora os motilones queriam ir aos iucos e falar-lhes sobre Jesus. Naquela ocasião eles não entendiam que havia outras línguas, além da que os motilones falavam. Eles achavam que os iucos falavam da mesma maneira que eles. Porém, as duas línguas são completamente diferentes. Eu não podia ver como eles poderiam transmitir qualquer coisa a respeito de Jesus.

Porém, não seria eu que iria impedi-los de fazer isso. Sugeri que fossem às tribos nas terras baixas, que ainda não tinham ouvido acerca de Jesus. Alguns dias mais tarde eles partiram. Orei para que aquela não fosse uma experiência destruidora para eles, e que Deus os confortasse no seu desapontamento em não poderem comunicar-se com os índios iucos.

Eles estiveram por lá durante diversas semanas. Quando voltaram, fui ver Arabadoyca, curioso por saber o que acontecera.

— Como é que foi? — perguntei.

Ele estava fabricando flechas; olhou para mim com o seu sorriso familiar e meio torto. — Maravilhoso — disse. — Eles nunca antes tinham ouvido falar de Jesus.

— E eles compreenderam?

— Oh, sim, nós lhes dissemos uma porção de coisas sobre Jesus.

— Você falou com eles?

— De certo —. Arabadoyca estava um tanto preocupado com a minha surpresa. — Como é que você lhes falaria?

— Oh...da mesma maneira. Mas como sabe você que eles compreenderam?

Novamente ele parecia perplexo. — Ora, eles nos disseram que haviam compreendido. Estavam tão animados ao ouvirem as boas-novas, Bruchko.

— Você quer dizer que simplesmente abriram a boca e conversaram com os iucos e eles compreenderam o que vocês diziam, e que eles conversavam com vocês e vocês os entendiam?

— É isso mesmo, na verdade.

A língua dos iucos não é um dos dialetos dos motilones. É uma língua totalmente diferente. Você nunca compreenderia uma se soubesse a outra. No entanto, eu tinha certeza de que Arabadoyca e os outros não estavam mentindo. A mentira é algo quase totalmente desconhecido entre os motilones. E eles não tinham razão alguma para estar mentindo. E, também, há o fato concreto de que agora, nas terras baixas, há cristãos entre os iucos, quando anteriormente não havia nenhum.

Só posso concluir que o Espírito Santo de Deus fez com que os motilones falassem e entendessem a língua dos iucos. Era um milagre para mim. Mas, para os motilones, tudo o que Deus faz é um milagre.

Aprendi com os motilones a esperar que Deus providencie tudo o de que precisamos, apesar das circunstâncias. Certa ocasião, quando tivemos uma epidemia de sarampo, fiquei sem nenhum remédio. O sarampo é uma das doenças mais mortais entre os índios, e sem os antibióticos eu estava desamparado. Já havia dez casos de sarampo, e ele estava-se espalhando rapidamente.

Porém eu tinha certeza de que Deus providenciaria os remédios de um jeito qualquer. Eu nunca duvidara disso, embora eu não tivesse dinheiro algum no banco, e tampouco crédito.

Fui a Tibu, certo de que ali haveria algum dinheiro. Abri toda a minha correspondência. Não havia nenhum centavo.

Mas, mesmo assim, eu ainda me sentia seguro de que Deus tinha uma resposta para o problema. Ele a tivera em circunstâncias semelhantes anteriormente, e o seu Espírito estava-me confortando a respeito dessa situação.

Fui a Cucuta, abri a minha caixa postal e ali encontrei um cheque de quinhentos dólares.

Isso não me surpreendeu. Eu simplesmente disse: "Graças a Deus, ele chegou. Descontei o cheque e comprei os remédios de que necessitava. Os remédios custaram quinhentos e sessenta e cinco dólares.

— Tenho aqui comigo quinhentos dólares; se você puder esperar, pagarei o restante mais tarde — eu disse ao balconista. Ele concordou. Era uma transação muito grande e ele não queria perdê-la.

No dia antes de deixar Cucuta, voltei ao correio novamente. Havia um cheque de cem dólares. Voltei à farmácia, paguei o restante de minha compra, e ainda sobrou um pouco para fazer uma boa refeição e comprar algumas coisas de que eu precisava lá nas selvas. Voltei a Tibu, e de lá segui para as selvas. Os remédios foram suficientes para exterminar a epidemia e controlar as suas complicações.

No entanto, o maior dos milagres que eu já vira foi a mudança que se dera na vida dos motilones. Eles haviam encontrado o propósito de sua vida em Jesus Cristo. Como resultado, haviam abandonado aquela individualidade que os impedia de ajudar um ao outro. Há um verdadeiro sentido de cuidado uns pelos outros, de um verdadeiro sacrifício próprio, o que fez possível o seu desenvolvimento econômico, tanto quanto o desenvolvimento espiritual. Sem ele, os seus programas sempre se afundavam. Com ele, os seus problemas estavam sendo resolvidos.

Já falei perante as Nações Unidas. Já falei à Organização dos Estados Americanos. Fui amigo pessoal dos últimos quatro presidentes da Colômbia. Minha experiência com os índios motilones ensinou-me a trabalhar com as outras culturas; a prover mudanças positivas sem estraçalhar as estruturas sociais existentes. Tento compartilhar essas experiências. Porém, a coisa mais importante que posso afirmar àqueles que desejam auxiliar os povos primitivos é esta: Eles não serão auxiliados em muitos aspectos, a não ser que encontrem um propósito de vida através de Jesus Cristo. Sem ele, qualquer desenvolvimento que ocorra será sempre torcido ou corrompido. Isto amargurará aqueles que tentam mantê-lo unido, e os que não se preocupam com isso serão arruinados pela apatia e alienação.

Porém, com Jesus, haverá uma mudança real. Não apenas uma mudança espiritual. Nem tampouco uma mudança gradual. Haverá uma mudança real, agora, com poderes visíveis. Jesus é a fonte de toda mudança. Ele é o Deus dos milagres de cada dia.