OS MILAGRES DE CADA DIA
Parecia um milagre que os motilones tivessem aceito a Jesus
no dia do Festival das Flechas. Durante vários dias, um cântico de louvor
encheu-me o coração.
Depois ouvi relatos acerca de outros Festivais de Flechas.
As palavras que Bobby cantara haviam sido repetidas lá e alegremente haviam
sido aceitas. Era muito mais do que eu podia acreditar.
À medida que as pessoas começaram a responder à Palavra e a
obedecer a Deus, outras coisas foram acontecendo, as quais eu também chamava de
"milagres", coisas que eram claramente sobrenaturais. Mas a idéia de
milagre para os motilones não era, necessariamente, igual à minha. Algumas
coisas que me surpreendiam, eles as aceitavam sem hesitação.
A medicina, por exemplo. Depois que os motilones aceitaram a
Jesus Cristo, houve uma tremenda expansão nesse campo. Porém, todas as vezes
que injeções, comprimidos ou unguento fossem aplicados, eles eram acompanhados
por cânticos que invocavam a Jesus para curar. Para os motilones, a cura que a
medicina realizava era um milagre da parte de Jesus. Era algo que ele fazia em
benefício do povo. As suas orações eram parte desse processo de cura.
Às vezes isso trazia resultados surpreendentes. Certo dia
cheguei a uma casa onde havia um homem que, na semana anterior, havia sido
picado por uma cobra venenosa. Ele estava praticamente recuperado.
— Eu julgava que você não tivesse mais soro antivenenoso —
eu disse. — Onde você o conseguiu?
— Nós não tínhamos nenhum — respondeu o médico-feiticeiro.
— Que é que vocês, em nome do céu, fizeram para que ele se
recuperasse?
— Pois bem, tudo o que tínhamos eram alguns antibióticos.
Então nós os demos a ele e oramos para que Deus o curasse. E como você pode
ver, ele o curou.
Eu estava abismado. O antibiótico não tem efeito algum sobre
o veneno de cobra. Deus havia curado o homem, e não o remédio.
Mas não era isso que os motilones diziam a respeito de todas
as curas? Que diferença faziam os métodos aplicados por Deus? Quer as pessoas
usassem o remédio adequado ou não, ainda assim era Deus quem efetuava a cura.
Porém eu estava tão satisfeito que Deus escolhera trabalhar
de maneira poderosa e visível, entre os motilones, simplesmente para mostrar-me
que ele realmente estava mudando os seus corações. De outro modo, seria quase
impossível crer na quase totalidade da aceitação do Evangelho, pelos motilones.
As vezes, eu me punha a pensar: Isso é realmente conversão ou é simplesmente
mais uma lenda em que os motilones se apóiam? Deus me fez ver as mudanças
poderosas ocorridas na vida daquela gente, de modo que eu não podia duvidar de
que ele estava agindo sobre eles e por intermédio deles.
Certo dia voltei de uma viagem e soube que Atabacdora havia
sido trazido para a casa comunitária com uma fratura nas costas. Ele caíra de
uma árvore durante uma caçada aos macacos. Não tínhamos meio algum de ajudá-lo
ali mesmo, e então o levamos durante três dias através de picadas, e depois,
por barco, rio abaixo, depois para o hospital em Tibu. Lá no hospital tiraram
uma radiografia de suas costas, e o médico depois me informou que ele havia
fraturado o pescoço. Ele deveria ficar em repouso, imóvel, durante meses. Sendo
eu a única pessoa que falava espanhol e motilone, fui encarregado de dar-lhe
essa notícia.
Atabacdora estava deitado de costas. Eles haviam colocado,
no seu leito, alguns suportes, de modo que o seu corpo estivesse curvado ao
meio. Estava numa posição desconfortável. Queixara-se de que as enfermeiras não
o deixavam mover.
— O médico acabou de me dizer que você terá que ficar aí,
imóvel, durante três meses — eu lhe disse. — Se você não obedecer, nunca mais
ficará bom.
— Não, Bruchko — disse ele. — Não posso fazer isso. Não
posso ficar aqui deitado todo esse tempo.
— Atabacdora, você precisa fazer isso. Se não o fizer, não
ficará curado.
Fiz com que ele prometesse obedecer às ordens do médico,
porém ele não estava muito contente, não. E também, eu não tinha certeza de
quanto tempo duraria sua promessa. Bobby e eu falamos a esse respeito, mas
nenhum de nós tinha uma solução para o caso. Ele poderia permanecer imóvel por
uma semana, se realmente tentasse. Mas três meses? Era impossível.
— Escute, Bobby — eu disse —, às vezes os homens que
conheceram a Jesus, quando ele andava pelas picadas, ungiam com óleo um doente
e oravam para que ele fosse curado. Acho que talvez deveríamos fazer isso com
Atabacdora.
— E isso funciona, Bruchko? — perguntou Bobby. — Deus cura
desse modo?
Eu não tinha muita fé que isso realmente fosse ajudar, mas
eu sabia que Atabacdora nunca seria capaz de ficar três meses imóvel, e eu nem
sequer podia pensar em vê-lo disforme para o resto da vida.
Arranjamos um pouco de óleo e fomos ao seu quarto lá no
hospital. Ele estava sofrendo dores horríveis. Os sedativos não estavam
produzindo o efeito necessário, contudo ele ainda sorriu para nós. — Nós
queremos orar por você — eu disse.
Bobby colocou o dedo no óleo, e depois eu fiz a mesma coisa.
Ficamos ali por um momento; Bobby esperava pela minha iniciativa.
— Não sei onde devo colocar o óleo — ele disse. — Deve ser
em algum lugar em sua cabeça, mas eu não sei onde.
— Ponhamos na sua testa — disse Bobby.
Fizemos isso, e depois pusemos as mãos sobre a sua cabeça.
Então Bobby orou.
— Deus — ele disse —, Atabacdora tem dores nas costas. Ele
precisa ficar bom novamente, de modo que ele possa voltar a correr pelas
picadas, pescar e caçar, com os seus irmãos motilones. Tu podes livrá-lo dessa
dor nas costas. Nós queremos que faças isso, e te pedimos em nome de Jesus.
Dissemos mais algumas palavras a Atabacdora e depois fomos
embora. Eu tinha alguns negócios a ver em Cucuta e assim deixei Atabacdora aos
cuidados de Bobby. Os meus negócios levaram três dias, e passei a maior parte
desse tempo preocupando-me com o estado de Atabacdora. Quando voltei, fui
imediatamente ter com Bobby. Ele estava aborrecido.
— Atabacdora nem sequer tenta ficar parado, Bruchko — ele
disse. — Ele diz que não é nada confortável para ele ficar de costas, e ele não
fica deitado.
Fomos ao hospital visitá-lo. Sua cama estava vazia. Fiquei assustado.
Será que ele se havia mexido tanto, prejudicando a si mesmo, e fora levado à
sala de operação para uma cirurgia?
Nisso Atabacdora surgiu pelo quarto a dentro. Quando nos
viu, havia certo ar de culpa em seu rosto, como o de uma criança apanhada ao
pegar as bolachas, sem licença. Rapidamente, e sem uma palavra sequer, ele se
deitou, e deu uma demonstração de como deveria ficar deitado corretamente, com
as costas curvadas ao meio. Ele mal acabara de deitar-se e de colocar-se
naquela posição, quando uma enfermeira, com o rosto vermelho, chegou atrás
dele, bufando. Com o dedo em riste, e aos trancos, ela me repreendeu em voz bem
alta, por deixá-lo sair da cama. Atabacdora permaneceu ali bem quieto, com
certo ar de santidade no rosto. Finalmente, quando a enfermeira saiu, fazendo
toda sorte de ameaças, ele sorriu.
Era a minha vez de ralhar com ele. — Atabacdora, você não se
interessa em ficar bom? Se não ficar aí quieto, talvez você nunca mais poderá
caçar.
Ele falou amuado: "Bruchko, eu não podia mais ficar
aqui nesta cama. Ela é muito sem conforto. Fiz isso durante três dias e foi o
bastante.
— Bruchko — disse Bobby —, se ele não sente mais dores nas
costas, por que deve ficar imóvel na cama?
Eu não pensara nisso. Procurei o médico e perguntei-lhe se não
poderia tirar outra radiografia de Atabacdora. Ele não queria, porém eu
consegui demovê-lo. — Pois bem — disse ele —, se isso o faz sentir mais feliz,
eu o farei.
No dia seguinte ele veio ter comigo com ar um tanto embaraçado.
— Esse é o mesmo índio que você trouxe anteriormente?
— De certo que é — eu disse. — Acha que nós brincamos de
esconde-esconde com os seus pacientes?
— Pois bem, se esse é o mesmo homem, as suas costas foram
curadas. É algo surpreendente. Não há sinal algum, nem o sinal de fratura. É
algo como um milagre.
— Gente — ele disse —, vou procurar saber qual foi exatamente
o seu tratamento. Nunca soube que o nosso tratamento fosse tão eficaz como
esse.
Eu ri. — O senhor não acha que houve algo mais do que
simplesmente a medicina que agiu sobre ele?
— O quê, por exemplo? — perguntou ele.
— Deus, por exemplo.
Ele saiu sacudindo a cabeça.
Eu estava profundamente exultante. Encontrei-me com Bobby e
contei a ele o que acontecera. — Bobby, você acredita que isso é um milagre?
Bobby não estava tão excitado. Para ele, era simplesmente
uma dor nas costas que Deus curara. Muitas pessoas sentiam dores nas costas,
ficavam deitadas em suas redes durante um dia, e em seguida se levantavam e iam
cuidar de seus negócios. Essa dor era um pouco pior do que as comuns.
— Mas, Bobby — eu disse —, a radiografia provou que o
pescoço dele estava quebrado.
— O que é radiografia?
— Bem, não posso explicar isso, Bobby. O negócio é que Deus
o curou.
— Mas, Bruchko, por que isso é surpresa para você? Nós já
vimos tantas pessoas serem curadas, que não constitui mais surpresa.
Em 1967, depois de quase um ano que os primeiros motilones
se tomaram cristãos, Arabadoyca e mais um pequeno grupo de outros índios vieram
falar comigo. Eles haviam decidido que desejavam ir contar a respeito de Jesus
aos índios iucos. Eu sentira o mesmo desejo anteriormente, e até fizera uma
viagem de volta à aldeia dos iucos, onde eu passara quase um ano.
Eu estava lá não fazia nem uma hora quando percebi que
alguma coisa havia mudado. Logo descobri o que era. Uma das mulheres a quem eu
tentara falar a respeito de Jesus, quando eu estivera lá na primeira vez,
tivera uma visão. Como resultado disso, a maior parte da aldeia havia aceito a
Jesus. Eles haviam abandonado a chicha, a bebida com a qual se embebedavam tão frequentemente,
e havia uma mudança notória ali na aldeia. Em vez de falar a respeito de Jesus
aos iucos, como eu tencionara fazer, eles é que falavam a respeito dele para
mim.
No entanto, eu estava surpreso ao ouvir que os motilones
desejavam falar a respeito de Jesus aos iucos. As duas tribos haviam sido
inimigas acérrimas durante anos. Os iucos tinham certa brincadeira que gostavam
de fazer. Eles costumavam trançar os espinhos longos, de quase treze centímetros,
que havia nas selvas, e colocá-los nas picadas dos motilones. Depois se
escondiam por trás das moitas e esperavam. Quando os motilones corriam ao longo
daquela picada, pisavam naqueles espinhos. Os iucos desandavam a rir de seus
sofrimentos e saíam correndo.
Agora os motilones queriam ir aos iucos e falar-lhes sobre
Jesus. Naquela ocasião eles não entendiam que havia outras línguas, além da que
os motilones falavam. Eles achavam que os iucos falavam da mesma maneira que
eles. Porém, as duas línguas são completamente diferentes. Eu não podia ver
como eles poderiam transmitir qualquer coisa a respeito de Jesus.
Porém, não seria eu que iria impedi-los de fazer isso.
Sugeri que fossem às tribos nas terras baixas, que ainda não tinham ouvido
acerca de Jesus. Alguns dias mais tarde eles partiram. Orei para que aquela não
fosse uma experiência destruidora para eles, e que Deus os confortasse no seu
desapontamento em não poderem comunicar-se com os índios iucos.
Eles estiveram por lá durante diversas semanas. Quando
voltaram, fui ver Arabadoyca, curioso por saber o que acontecera.
— Como é que foi? — perguntei.
Ele estava fabricando flechas; olhou para mim com o seu
sorriso familiar e meio torto. — Maravilhoso — disse. — Eles nunca antes tinham
ouvido falar de Jesus.
— E eles compreenderam?
— Oh, sim, nós lhes dissemos uma porção de coisas sobre
Jesus.
— Você falou com eles?
— De certo —. Arabadoyca estava um tanto preocupado com a
minha surpresa. — Como é que você lhes falaria?
— Oh...da mesma maneira. Mas como sabe você que eles
compreenderam?
Novamente ele parecia perplexo. — Ora, eles nos disseram que
haviam compreendido. Estavam tão animados ao ouvirem as boas-novas, Bruchko.
— Você quer dizer que simplesmente abriram a boca e
conversaram com os iucos e eles compreenderam o que vocês diziam, e que eles
conversavam com vocês e vocês os entendiam?
— É isso mesmo, na verdade.
A língua dos iucos não é um dos dialetos dos motilones. É
uma língua totalmente diferente. Você nunca compreenderia uma se soubesse a
outra. No entanto, eu tinha certeza de que Arabadoyca e os outros não estavam
mentindo. A mentira é algo quase totalmente desconhecido entre os motilones. E
eles não tinham razão alguma para estar mentindo. E, também, há o fato concreto
de que agora, nas terras baixas, há cristãos entre os iucos, quando
anteriormente não havia nenhum.
Só posso concluir que o Espírito Santo de Deus fez com que
os motilones falassem e entendessem a língua dos iucos. Era um milagre para
mim. Mas, para os motilones, tudo o que Deus faz é um milagre.
Aprendi com os motilones a esperar que Deus providencie tudo
o de que precisamos, apesar das circunstâncias. Certa ocasião, quando tivemos
uma epidemia de sarampo, fiquei sem nenhum remédio. O sarampo é uma das doenças
mais mortais entre os índios, e sem os antibióticos eu estava desamparado. Já
havia dez casos de sarampo, e ele estava-se espalhando rapidamente.
Porém eu tinha certeza de que Deus providenciaria os
remédios de um jeito qualquer. Eu nunca duvidara disso, embora eu não tivesse
dinheiro algum no banco, e tampouco crédito.
Fui a Tibu, certo de que ali haveria algum dinheiro. Abri
toda a minha correspondência. Não havia nenhum centavo.
Mas, mesmo assim, eu ainda me sentia seguro de que Deus
tinha uma resposta para o problema. Ele a tivera em circunstâncias semelhantes
anteriormente, e o seu Espírito estava-me confortando a respeito dessa
situação.
Fui a Cucuta, abri a minha caixa postal e ali encontrei um
cheque de quinhentos dólares.
Isso não me surpreendeu. Eu simplesmente disse: "Graças
a Deus, ele chegou. Descontei o cheque e comprei os remédios de que
necessitava. Os remédios custaram quinhentos e sessenta e cinco dólares.
— Tenho aqui comigo quinhentos dólares; se você puder
esperar, pagarei o restante mais tarde — eu disse ao balconista. Ele concordou.
Era uma transação muito grande e ele não queria perdê-la.
No dia antes de deixar Cucuta, voltei ao correio novamente.
Havia um cheque de cem dólares. Voltei à farmácia, paguei o restante de minha
compra, e ainda sobrou um pouco para fazer uma boa refeição e comprar algumas
coisas de que eu precisava lá nas selvas. Voltei a Tibu, e de lá segui para as
selvas. Os remédios foram suficientes para exterminar a epidemia e controlar as
suas complicações.
No entanto, o maior dos milagres que eu já vira foi a
mudança que se dera na vida dos motilones. Eles haviam encontrado o propósito
de sua vida em Jesus Cristo. Como resultado, haviam abandonado aquela
individualidade que os impedia de ajudar um ao outro. Há um verdadeiro sentido
de cuidado uns pelos outros, de um verdadeiro sacrifício próprio, o que fez
possível o seu desenvolvimento econômico, tanto quanto o desenvolvimento
espiritual. Sem ele, os seus programas sempre se afundavam. Com ele, os seus
problemas estavam sendo resolvidos.
Já falei perante as Nações Unidas. Já falei à Organização
dos Estados Americanos. Fui amigo pessoal dos últimos quatro presidentes da
Colômbia. Minha experiência com os índios motilones ensinou-me a trabalhar com
as outras culturas; a prover mudanças positivas sem estraçalhar as estruturas
sociais existentes. Tento compartilhar essas experiências. Porém, a coisa mais
importante que posso afirmar àqueles que desejam auxiliar os povos primitivos é
esta: Eles não serão auxiliados em muitos aspectos, a não ser que encontrem um
propósito de vida através de Jesus Cristo. Sem ele, qualquer desenvolvimento
que ocorra será sempre torcido ou corrompido. Isto amargurará aqueles que
tentam mantê-lo unido, e os que não se preocupam com isso serão arruinados pela
apatia e alienação.
Porém, com Jesus, haverá uma mudança real. Não apenas uma
mudança espiritual. Nem tampouco uma mudança gradual. Haverá uma mudança real,
agora, com poderes visíveis. Jesus é a fonte de toda mudança. Ele é o Deus dos
milagres de cada dia.