Após um mês em Bogotá, as selvas pareciam estranhamente
quietas e serenas. Montei o meu acampamento junto à margem de um riacho, e
esperei que os motilones me achassem. O acampamento estava na junção de três
trilhas diferentes usadas por eles, e eu sabia que não estava muito distante da
habitação dos motilones. Mas teria sido perigoso simplesmente ir até eles. Em
vez disso, deixei vários presentes nas picadas, para que os motilones os
achassem.
Meus equipamentos pareciam luxuosos comparados ao que eu
possuíra anteriormente. Eu possuía um encerado plástico para me proteger das
chuvas que caíam à noite, e suficiente alimentação para uma semana ou mais. Eu
tinha, inclusive, três livros: uma Bíblia, Dr. Jivago e Selva Verde em Pano
Vermelho, uma aventura antropológica com os índios iucos. Eu estava muito
satisfeito comigo mesmo. Logo eu estaria de volta, no meio dos motilones,
pensei. Durante a expectativa, eu podia ir gozando a selva, fazer as minhas
leituras e descansar.
A civilização estava a muitos quilômetros longe de mim. Do
rio de Ouro, onde terminava o território da companhia petrolífera, um
fazendeiro me havia levado rio acima até ao ponto onde tivera coragem de
chegar. E então eu entrara novamente nas selvas, perdendo várias vezes o
caminho, indo e voltando, e tentando compreender, pelo instinto, essas picadas
indígenas tão emaranhadas. Finalmente eu encontrara um local para acampar.
Todos os dias eu ia observar os presentes que colocara nas
picadas. Eu amarrara um pedaço grande de fazenda vermelha nos galhos de uma das
picadas, amarrara às árvores pequenos saquinhos contendo açúcar e sal, e
deixara três machadinhas "deitadas" no solo de uma outra picada. Elas
estavam deitadas porque os motilones haviam declarado guerra, segundo me
informara um dos empregados da companhia petrolífera, espetando nas picadas as
suas flechas de ponta para baixo. Eu não desejava confusão alguma: eu vinha
numa atitude de paz.
Todos os dias eu gastava uma boa parte do dia observando os
presentes, pois eu precisava enfrentar e lutar contra os cipós e galhos que
cobriam as diferentes picadas. Depois de investigar, eu voltava para o meu
acampamento. Ele estava situado num outeiro, à sombra de uma árvore de mogno,
cujas raízes se projetavam para fora, semelhantes aos botaréus de uma catedral.
Era um lugar confortável, com exceção dos insetos. Usualmente eu costumava
pescar à tarde, cozinhava algum alimento no fogo que eu mantinha sempre aceso,
e depois lia.
Passou-se uma semana, depois duas. Não havia sinal algum de
que os presentes tivessem sido tocados. As semanas se transformaram num mês. O
meu alimento terminara. A selva já começava a me parecer apreensiva. Os gritos
dos animais, muitas vezes, não me deixavam dormir a noite toda. Eu sabia que
havia tigres que sorrateiramente buscavam suas presas durante a noite. As
vezes, quando ouvia o grito de um animal, eu chegava a tremer. Durante o dia,
as grandes árvores estavam sempre gotejando e pareciam escuras e sombrias. Eu
desejava poder ver o sol através da vegetação da selva. Havia um sentido
amedrontador na quietude, como se a minha presença tivesse feito calar a selva
toda; como se qualquer palavra proferida ecoasse incessantemente na quietude.
As vezes, para aliviar aquele silêncio, eu ficava ali de pé, e gritava várias
frases em todas as línguas que eu podia me lembrar.
Comecei a pensar se realmente os meus presentes trariam
algum resultado. Todos os dias, quando fazia a ronda e ao contornar uma picada,
eu esperava ver alguma mudança. Todos os dias eles estavam exatamente como eu
os deixara. Comecei a ficar impaciente. Depois de lutar durante várias horas
para chegar aonde estavam os presentes, eu dava uma olhadela com todo desprezo
e saía. Eu já lera os meus livros várias vezes e já me cansara deles. Eu
desejava que acontecesse algo.
A minha impaciência parecia ridícula. Ali estava eu, que
entregara toda a minha vida aos motilones, e não podia ficar nas selvas,
algumas semanas, esperando confortavelmente. Por que toda aquela pressa?
Todas essas considerações racionais foram postas de lado no
entanto, quando fiquei sumamente feliz, porque após dois meses de espera,
descobri que os meus presentes haviam desaparecido. Eu quase não podia
acreditar. Examinei com cuidado para ver se era exatamente o mesmo lugar. Não
havia dúvida alguma; eu conhecia a localização tão bem quanto a palma da minha
mão. Podia descrever cada ramo da árvore. Os presentes haviam sido levados.
Coloquei mais alguns presentes. No dia seguinte também
aqueles foram levados. Novamente coloquei outros presentes. Naquele dia eles
foram substituídos por um arco e uma flecha. Aquilo era um grande passo: eles
estavam prontos a trocar os presentes.
Desta vez resolvi colocar os presentes e ficar ali por
perto, para ver se eles os aceitariam de mim pessoalmente. Eu tinha certeza de
que na selva havia olhos que me espreitavam. Eu os queria ver.
Então me sentei na picada e esperei. Passaram-se várias
horas. Não vi e tampouco ouvi coisa alguma. Eu tinha o meu equipamento de
pescar e ali perto havia um riacho; então resolvi pescar. Provavelmente eu os
ouviria se viessem buscar os presentes.
Quando voltei, depois de pescar, os presentes já não estavam
mais ali. No lugar deles havia quatro flechas enterradas no solo, de ponta para
baixo.
Era um aviso dos motilones. Eu devia fugir para salvar a
vida. Mas se fugisse agora, provavelmente nunca mais os veria. Eu teria perdido
todos aqueles meses e anos. Minha consagração teria sido uma fase vazia de
minha vida.
Ajoelhei-me e orei. Parecia ser a única coisa lógica que eu
poderia fazer. Quando me levantei, tive uma idéia. Arranquei as flechas e as
coloquei estendidas, uma por uma, ali no chão. Depois apanhei mais alguns
presentes e os coloquei sobre as flechas. Talvez aquilo os convenceria de que
eu vinha com sentimentos de paz.
Comecei a dirigir-me de volta para o meu acampamento,
seguindo a picada. À medida que avançava, encontrava outros sinais. Havia uma
camisa branca, toda cortada e feita em trapos. Mais além, junto à picada,
encontrei uma raiz de mandioca aberta ao meio, onde haviam esfregado terra
dentro dela.
Que é que esses sinais indicavam? Porventura os motilones
iriam cortar o meu corpo ao meio e esfregar terra dentro dele? Iriam retalhar o
meu corpo?
Nisso ouvi um farfalhar na moita. Parei à escuta. O farfalhar
parou também.
Era a minha imaginação, pensei. Comecei a caminhar
novamente. Porém havia sons bem definidos junto à picada. Eu estava sendo
seguido.
Procurei ver através daquela vegetação verde e espessa. Mas
não vi coisa alguma. Continuei a caminhar, olhando ao meu redor constantemente,
esperando sentir uma flecha chiando em minhas costas.
Lembrei-me de uma frase em motilone que eu aprendera com
eles quando estivera lá anteriormente. Tinha plena certeza de que significava
"venha cá". Eu a gritei para os índios.
"Guaycaba dobucubi! Guaycaba dobucubi!"
Depois de proferi-la várias vezes, novamente ouvi aquele
farfalhar, desta vez como se alguém se estivesse afastando de mim, e voltando
para as selvas. Então houve completo silêncio.
Mais tarde descobri que "dobucubi" queria dizer:
"Vocês aí, preguiçosos, que não valem nada", portanto eu estava gritando:
"Venham seus preguiçosos, vocês que não valem nada." Mas naquela
ocasião eu não sabia. Não sabia o que fizera, então. Dois meses de espera
haviam-se transformado em nada por um erro estúpido que eu nem sequer podia
identificar. Senti-me completamente frustrado. Minhas esperanças, que haviam
sido tão grandes naquela manhã, desapareceram. Comecei a correr pela picada em
direção ao meu acampamento, debatendo-me contra os espinhos e os cipós. Tudo o
que eu desejava era poder sair daquele lugar. Eu já suportara dos índios tudo o
que fora possível. Eles eram estúpidos e irracionais.
Então corri, arfando furiosamente, e tampouco sentindo o
cansaço. Senti, então, toda aquela solidão dos dois meses passados ali. Eu
sentia que as moitas me estavam estraçalhando as mãos e o rosto, mas aquilo até
me parecia bom. Eu queria partir, esquecer os índios.
Penetrei abruptamente na clareira onde estava o meu
acampamento, e fiquei ali por uns instantes, arfando. Depois, então, apanhei o
machado e corri até à água, e comecei a derrubar uma árvore de madeira própria
para se construir uma balsa. Eu construiria uma jangada, e flutuaria para fora
dali.
Trabalhei num frenesi. Logo a árvore se balançou, caindo com
um choque no rio. Imediatamente parti para uma segunda, aprofundando o corte do
machado. Essa também caiu. Fui a uma terceira.
Então olhei para cima. Ali estavam os motilones — seis
deles, com as cordas de seus arcos esticadas. Sem pensar, atirei o machado ao
chão e me escondi atrás de uma árvore. Eu os espiei. Aparentemente não davam
indicação alguma de que desejavam me matar. Eles, simplesmente estavam esperando,
segurando os seus arcos de prontidão.
Saí de trás da árvore. Estendi as mãos, mostrando que elas
estavam vazias. Minha raiva havia desaparecido. Olhei para os seus rostos em
busca de algum sinal; minhas mãos tremiam levemente.
Lentamente eles relaxaram a posição dos arcos. Um deles avançou
em minha direção. Ele era aquele de pés voltados para dentro. Olhei mais
cuidadosamente para o seu rosto. Havia uma pequena cicatriz num dos lados da
boca.
Sorri para ele, com a esperança de que ele me reconhecesse.
Ele retribuiu o sorriso. Sorri mais abertamente. Ele fez o mesmo. Ele me
conhecera. Falou uma palavra com os outros homens. Eles abrandaram. Então ele
deu aquela risada grande e longa, pela qual eu o conhecera no outro lado das
montanhas. Lá ele fora a única pessoa amiga, e agora eu vinha encontrá-lo aqui
a centenas de quilômetros.
Os homens começaram a falar entre si. Eu podia ver que não
estavam zangados; até nem pareciam me vigiar tão de perto. Depois, então, o
homem da risada fez sinal para que eu os seguisse, e nós partimos. Desta vez
não havia nenhuma lança em minhas costas.
Quando chegamos à casa comunitária, causei uma grande
comoção. Os motilones me cercaram, cutucaram, esfregaram. Eles estavam tão
interessados nos cabelos de meus braços e pernas. Eu notara anteriormente que
os motilones não os têm. Um jovem tocou-me o braço, depois segurou um pouco de
cabelos loiros e puxou-os.
— Ui! eu disse. A dor fora excruciante. Porém ele apenas riu
e todos os outros riram com ele. Eles puxaram a minha camisa, os meus shorts,
como se não tivessem certeza de que aquilo não fazia parte de meu corpo. Eles
me deram socos e me apertaram os músculos.
Arrancaram mais uns punhados de meus cabelos. Doeu, mas, é
claro, eles estavam-se divertindo. Logo eu mesmo precisei rir. Eu estava
sorridente. Eles não iriam me ferir. Eu fizera novo contato com eles. Mais uma
vez tinha a oportunidade de alcançar os motilones.
Naquela noite me deram alimento e uma rede na qual eu
poderia dormir. A rede estava pendurada tão alta nos caibros, que foram
necessárias várias tentativas para alcançá-la. Na primeira vez que tentei, caí,
e todos riram. Mas finalmente consegui, e sentindo-me um tanto inseguro, tentei
relaxar. A rede balançava suavemente.
Olhando para o teto, estudei aqueles caibros curvos, tão
meus conhecidos. E então vi algo que se parecia com um ratinho que descia por
uma das cordas e caminhava em minha direção. Tinha um formato chato e bastante
esquisito para ser aquele animal. Quando estava a uma distância de um braço, vi
que era uma enorme barata, talvez de doze centímetros de comprimento. Dei um
pequeno grito e atirei-a ao chão. Aparentemente ninguém notara. Voltei a
deitar-me na rede e ri nervosamente.
A casa estava em silêncio. Eu ouvia, de vez em quando,
apenas alguns fragmentos da linguagem modulada e explosiva dos motilones.
Logo, pensei, compreenderei isso.