segunda-feira, 3 de maio de 2021

Por esta cruz te matarei - Capítulo 10


 UMA RECEPÇÃO ATERRADORA

Na manhã seguinte, logo cedo, sete de nós partimos, num caminhar bem rápido. O sol estava apenas surgindo sobre as montanhas quando deixamos a aldeia, e o ar estava fresco e agradável.

Quase não falávamos. Caminhamos apressadamente o dia todo, seguindo algumas picadas quase que invisíveis, sobre as bordas das montanhas, tomando o caminho, nas encruzilhadas, sem consulta alguma. Nem sequer paramos para comer. Quando o sol se pôs, caminhamos até não poder mais ver a picada. Na manhã seguinte já estávamos a caminho antes de o sol despontar.

Caminhamos naquela marcha penosa durante seis dias. Gradualmente ia-se dando uma mudança na paisagem e no clima. As árvores esparsas dos altos Andes tornaram-se em árvores altas e abundantes da selva tropical. Cipós pendiam das árvores, alguns tão grossos como cordas. Até mesmo os sons eram diferentes. Os papagaios gritavam quando passávamos. Às vezes um macaco guinchava e saltava de uma para outra árvore, a fim de se esquivar de nós.

No final de cada dia eu caía ao chão quando, finalmente, parávamos. Cada dia era mais difícil para me levantar na manhã escura. Os iucos, no entanto, não demonstravam sinal algum de cansaço. O calor os incomodava e o suor lhes corria pelo rosto enquanto andavam, contudo eles não diminuíam a marcha.

Eles estavam-se dirigindo a uma cordilheira no território dos motilones. Disseram-me que, de onde se pudesse avistar uma casa dos motilones, ali me deixariam, para me defender sozinho. À medida que nos aproximávamos da casa, os iucos foram-se tornando cada vez mais silenciosos. Certa vez comecei a comentar a respeito de um papagaio que eu vira de cores brilhantes e imediatamente senti a mão tapar-me a boca. Era um dos iucos. Não havia sorriso algum no seu rosto. Somente quando teve a certeza de que eu não proferiria palavra alguma, é que ele retirou a mão de sobre a minha boca.

Agora não precisávamos mais escalar os Andes elevados. Aqui havia apenas pequenos penhascos e cumes. As árvores eram tão grossas que raramente víamos o céu. Os rios eram o problema. Quase sempre o solo era pantanoso junto às margens, de modo que muitas vezes eram necessárias horas para conseguirmos um lugar seguro para atravessar. No sétimo dia de nossa viagem, acordamos e começamos a caminhar sem proferir uma palavra sequer. Eu sabia que nos estávamos aproximando da cordilheira dos motilones, e apesar de estar excessivamente cansado, mesmo assim sentia certa elasticidade nos meus passos.

Era para isso que eu viera às selvas. Logo eu veria o meu primeiro motilone.

De repente todos os iucos pararam e ergueram as cabeças, como a farejar o ar. Ficaram parados como estátuas. Eu não ouvira som algum, mas permaneci parado, também, ouvindo o meu fôlego que era pesado e alto — alto demais, pensei. Não ouvia nada mais.

Então, como num só movimento, os iucos desandaram a correr, voltando pelo mesmo caminho que vieram. Fiquei ali parado, abismado, por uns instantes, e depois, desajeitadamente, corri atrás deles, imaginando de que é que eu estava correndo. Corri diretamente em direção a uns cipós, tropecei e cai em cheio sobre o rosto, arrastei-me e emaranhei-me novamente nos cipós. E depois, então, uma dor cruciante atingiu a minha coxa, e todo o meu corpo enfraqueceu. E eu caí.

Tudo parecia mover-se lentamente, até mesmo a minha respiração ofegante. Olhei para a minha coxa. Uma longa haste estava pendurada nela, com um pequeno orifício, redondinho e bem feito, onde a flecha penetrara. O orifício era de um vermelho bem forte, por causa do sangue, o meu sangue, que vertia e me corria pela perna.

Eu não podia retirar os olhos da haste. Parecia algo irreal. Talvez ela estivesse espetada na perna de mais alguém, e não na minha. Mas não estava.

Depois olhei para o alto e o meu coração quase parou de bater. Eu estava rodeado por homens nus, de pele escura, com enormes arcos destendidos. Nove cabeças de flechas, pequenas, estavam apontadas diretamente para mim. Esqueci-me completamente de minha perna. — Não atirem, não! — eu disse em iuco, implorando também com os olhos. Os olhos deles, semelhantes a pequenos pedaços pretos de carvão, não demonstraram reação alguma. Os seus braços não se relaxaram nos arcos.

— Por favor — eu disse em espanhol. — Eu venho como um amigo.

— Amigo — eu disse em latim.

Sem contudo afastar os olhos de mim, removeram as flechas de seus arcos. Um dos homens veio em minha direção. Eu me acovardei. Ele se abaixou até à minha perna e agarrou a flecha pela haste. Colocando o seu pé na minha coxa, arrancou a flecha. Vi estrelas dançando, pequenas e vermelhas. Eu não podia respirar. Olhei para a minha perna e vi um pedaço de meu músculo saindo no sangue de onde a flecha fora retirada. Cada segundo a dor parecia ser muito mais forte do que eu poderia suportar, e depois, então, inacreditável, ela se tornou pior ainda.

O homem retirou a flecha e me cutucou nas costas. Tentei ignorá-lo. Eu simplesmente queria ficar ali deitado e morrer. Ele insistiu. Queria que eu me levantasse. Eu o fiz. Depois ele me espetou pelas costas e fui à frente aos tropeções. Os outros homens formaram uma fila e começamos a caminhar em direção ao território dos motilones.

A marcha durou três horas. Minha perna doía além do que posso descrever, mas toda vez que eu começava a diminuir o passo, sentia a flecha espetar-me as costas.

Subimos uma colina íngreme e longa, e eu sabia que não poderia ir muito além antes de desmaiar. Um ponto escuro no canto de meus olhos ameaçava cobrir todo o meu campo de visão. Parecia que a minha perna fora cortada pela metade.

Finalmente chegamos ao topo da colina, à luz do sol, e vi um enorme outeiro marrom no centro de uma clareira rústica. Parecia uma colméia, colocada de maneira fora do normal, no chão. Ficava a uns doze metros de altura e havia buracos escuros e retangulares ao rés do chão.

Dirigimo-nos diretamente para ele e nos abaixamos para entrar numa daquelas aberturas escuras. A princípio estava escuro demais para se poder ver. Ouvi pequenos gritos proferidos por mulheres, arrastar de pés, e choro de crianças. Aos poucos os meus olhos foram-se acostumando àquela semi-escuridão. Fui atirado sobre uma pequena esteira.

As mulheres e as crianças saíram. Apenas os homens ficaram ao meu redor e, ali na sombra, pareciam amedrontadores e perigosos. Num relance, as estatísticas das mortes dos empregados da companhia de petróleo tornaram-se verdadeiras. Porventura haviam me trazido até ali para depois me matar?

Os homens conversaram e depois se retiraram e me deixaram só. Olhei em torno do edifício. Não era redondo como inicialmente eu pensara, mas sim oblongo. Havia nele seis portas. Haviam curvado e atado os troncos das palmeiras desde o chão, de modo a formar a estrutura de um arco simples e bonito e depois fora coberto de folhas marrons, de palmeira. Meus olhos percorriam de alto a baixo esses arcos. Davam a impressão de que se iam tornando cada vez mais leves, e que se moviam graciosamente, como se uma brisa os estivesse balançando. Senti certo descontraimento. Eu não podia sentir a dor em minhas pernas. Uns instantes antes de eu desmaiar, compreendi o que estava acontecendo, e ri.

— Estou delirando — disse eu em voz alta. — Que tal tudo isso? — E ri novamente.

Creio que acordei no dia seguinte. Não havia jeito de descobrir quanto tempo eu ficara inconsciente. As mulheres e as crianças não me davam a mínima atenção. Senti que estava quente e febril. Minha coxa estava inchada, e um pus amarelado e feio circundava o local onde a fecha havia penetrado.

Tentei erguer-me, apoiado no cotovelo, mas comecei a sentir tonturas, e tive que me deitar novamente, e fiquei olhando para o teto. Os arcos tão altos se assemelhavam quase aos arcos de uma catedral. O murmúrio em surdina das mulheres que trabalhavam, soava como se fossem orações.

Eu estava com diarréia. A primeira vez que senti a necessidade de defecar, tentei levantar-me para ir lá fora. Imediatamente fui atirado de volta à minha esteira. Finalmente conseguimos estabelecer certos sinais convencionais de modo que uma das mulheres pudesse me acompanhar lá fora, junto à porta, onde os índios defecavam. Fiz o mesmo, mas com as faces ruborizadas, porque era uma mulher quem me vigiava cuidadosamente. As minhas viagens, por motivo dessa necessidade, tornaram-se cada vez mais frequentes.

Eu ficava deitado na minha esteira o dia todo, numa semi-consciência. As glândulas debaixo de meus braços começaram a inchar. Não me ofereciam alimento algum. Fui acordado, de certo torpor, por uma série de gritos, que mais pareciam gritos de guerra. Sentei-me, esperando pelo pior. Os homens entraram correndo, gritando e segurando macacos e papagaios que haviam caçado. Uma conversa excitante encheu a atmosfera. Eles seguraram as aves e animais sobre o fogo, a fim de queimar as penas ou o pelo. A casa estava cheia de uma fumaça sufocante e picante. As mulheres cozinharam os animais.

Estava extremamente faminto, apesar de a minha febre fazer-me ficar com o estômago enjoado. Porém, não me ofereceram alimento algum. Aquela noite, quando todos os motilones haviam dependurado as suas redes e estavam dormindo, fiquei ali deitado, acordado e suando, com a sensação de que a casa estava oscilando e ameaçando cair sobre minha cabeça. Minha coxa doía até à medula do osso. Obviamente ela estava infeccionada, e eu nem sequer podia lavá-la. Comecei a chorar, por causa da fraqueza em que me encontrava. De certo modo, as lágrimas foram confortadoras.

Então comecei a orar, e orei como nunca orara havia muito tempo. Silenciosamente conversei com Deus, com os olhos abertos e observando o leve vai-e-vem das redes dos motilones presas bem alto, longe do chão. Deus me confortou. Ele me fez saber que eu estava fazendo o que ele queria.

No dia seguinte um garoto se aproximou de mim com uma folha de palmeira dobrada em sua mão. Ele sorriu e estendeu a folha. Havia nela uma porção de lagartas mexendo-se. Cada uma delas tinha o tamanho e o formato de uma salsicha.

Eu não sabia o que fazer com aquilo. Encolhi os ombros e o meu rosto demonstrava uma expressão de perplexidade.

Uma das lagartas contorceu-se e caiu ao chão. Rapidamente o menino estendeu a mão, pegou-a, mordeu-a, tirando-lhe a cabeça, e depois mastigou e engoliu o resto daquela larva.

Ele estendeu a folha novamente. Eu devia comer aquelas larvas. Uma onda de náusea me encheu todo. Mas eu estava com fome, e se eu recusasse comer isso, quem é que saberia quando ofereceriam outro alimento, outra vez?

Estendi a mão e peguei uma das larvas menores. Ela se mexeu na minha mão. Fechei os olhos, pus a sua cabeça entre os meus dentes, arranquei-a depressa e a cuspi fora. Todo o conteúdo de seu corpo começou a sair. Eu sabia que se eu olhasse para aquilo, eu não seria capaz de comer, e então enfiei a larva toda na boca e mastiguei. Aquilo parecia borracha. O sabor não era ruim: haviam uma pequena semelhança com toucinho defumado. Apanhei mais uma e a comi, e depois mais outra.

Meu estômago se revoltou. Minha pele ficou fria. Eu podia sentir aquelas larvas virando-se lá no meu estômago. De repente elas voltaram do jeito que haviam descido.

Quando, finalmente, olhei para cima, o menino havia saído. Mais tarde ele me trouxe alguns peixes defumados, e fui capaz de comê-los e de conservá-los no estômago. Daí em diante, deram-me comida suficiente, e não me deram mais larvas.

Fiquei muito mais doente. Parecia que os dias flutuavam. Ainda não me era permitido deixar a esteira, e eu duvidava se porventura seria capaz de ficar de pé para poder sair. As glândulas debaixo de um de meus braços estavam tão inchadas que eu não podia abaixar de todo. Minha coxa não estava cicatrizando.

Quando eu podia ficar acordado, olhava as mulheres trabalhando, os homens fazendo arcos. A maior parte dos homens parecia ser bem cruel. Eles me cutucavam e riam quando eu pulava. Contudo, um deles parece que decidira que iria me proteger. Todas as vezes que ele se aproximava de mim, os outros se afastavam. Ele tinha uma risada bem alta e característica — e a sua aparência, também, era engraçada. Ele andava de pés voltados para dentro, e havia uma pequena cicatriz num dos lados de sua boca. Todos os dias quando voltava da caça, ele sorria para mim e me dizia alguma coisa. Usualmente era ele quem me trazia a comida.

Eu estava lá havia um mês, vivendo uma espécie de meia vida. A minha diarréia ficara pior ainda. Eu estava tão doente que era com dificuldade que me sentava. Eu precisava de auxílio para poder ir lá fora. Eu precisava deixar aquele lugar. Deus queria que eu fosse, eu tinha certeza.

Mas isso significava que iria perder o meu contato com os motilones. Como é que eu poderia perder tudo aquilo depois de tudo que eu havia passado para poder entrar lá? Por outro lado, de que me valeria se eu estivesse morto?

Naquela noite a lua estava brilhando. Eu podia vê-la brilhar lá fora da casa. Silenciosamente eu me levantei, oscilando um pouco, por causa da tontura. Ninguém se mexeu para me impedir. Todos estavam dormindo. Caminhei nas pontas dos pés, em direção à porta. Ainda assim, ninguém se moveu. Saí ao ar livre, para o ar fresco da noite e o meu coração batia apressado por causa do medo. Por uns instantes eu até me esqueci que estava doente.

Havia um caminho que saía da porta pela colina abaixo. Eu queria encontrar água, a fim de despistar as minhas pegadas. Minha perna doía, onde a flecha a atingira, e ela estava dura, por isso eu tinha que arrastá-la. O caminho era áspero, e as pedras me feriam os pés.

Quando cheguei ao pé da montanha, parei. Havia ali um riacho. Banhei a minha perna. A água ferroava, fazendo com que lágrimas brotassem em meus olhos. Prestei atenção aos sons, para ouvir se estava sendo seguido. Não havia barulho algum.

Eu precisava acompanhar o rio, para baixo ou para cima, caso contrário, eu me perderia. Rio acima, eu sabia, chegaria às montanhas. E no outro lado delas haveria povoações. Rio abaixo, eu não sabia o que iria encontrar. Portanto segui rio acima.

Caminhei durante quatro dias sem nenhum alimento. Não via coisa alguma pelas margens de que eu tivesse certeza, fosse comestível, e eu tinha medo das inúmeras plantas venenosas que havia nas selvas. A febre me queimava. Alternadamente eu me sentia, ora quente, ora frio. Era com um esforço tremendo que levantava os pés. Às vezes eu até vadeava. Outras vezes andava pelas margens rochosas.

O rio serpenteava o seu curso através das montanhas. Tive que cruzá-lo muitas vezes para achar o caminho sobre as rochas. Às vezes as correntes frias me apanhavam, me levantavam e me atiravam de encontro às rochas e penedos, antes que eu pudesse me safar delas. Teria sido muito mais fácil deixar que o rio me levasse embora.

Meus pés estavam inchados de pisar em rochas pontiagudas. Muitas vezes fui impedido de prosseguir pelas quedas d'água, com rochedos de ambos os lados e tive que escalar aquelas pedras lisas, cobertas de musgo, arquejando, em busca de algo que pudesse me segurar, a fim de não cair.

Na tarde do quinto dia, caí esgotado sobre uma pedra entre dois enormes penedos. Recostei-me, descansando o corpo contra a pedra fria e úmida.

Olhei para as minhas unhas; estavam azuis por causa da água fria; e as mãos e dedos estavam de um branco pálido. Todo o meu corpo. Todo o meu corpo gemia de dor; meu estômago doía por causa da fome. Comecei a tremer; e não podia parar. Olhei para a água, e meu olhar estava fora de foco.

Poderia prosseguir? Eu não via possibilidade. Necessitava de comida, de descanso.

Alguma coisa, de um amarelo vivo, parecia mexer-se, para cima e para baixo na superfície da água. Eu não podia concentrar os olhos naquilo. Achava que estava delirando. Esfreguei os olhos. Consegui focalizar a água. Era um cacho de bananas que se balançava ao longo da corrente de água. Agarrei-as quando boiavam ali perto. Eu não podia acreditar. E as bananas também estavam maduras; bananas verdes são terrivelmente amargas.

Passei por uns maus pedaços, tentando segurá-las no estômago, mas à medida que comecei a digeri-las, sentia que me estavam dando forças e uma nova esperança.

Levantei-me e comecei a andar rio acima. Em poucas horas o rio atingiu uma enorme bacia, de onde aos poucos se foi dividindo em diversos riachos. Subi pelo paredão da bacia e finalmente alcancei o topo das montanhas.

Eu podia ver além os declives arborizados daquela área lá embaixo. Em parte alguma havia sinal de vida. Em parte alguma havia uma brecha entre as árvores — somente quilômetros e quilômetros da mesma selva que eu havia atravessado.

Desabei num tronco caído. Qual o motivo para eu continuar? Mesmo que houvesse uma colônia por ali, eu nunca a poderia achar.

Todos os dias, desde a minha fuga, eu pensava, se eu ao menos pudesse atingir o topo das montanhas, estaria salvo. Agora eu via que não estava em situação muito melhor do que anteriormente. Não havia segurança em parte alguma.

Então, lembrei-me das bananas. Porventura Deus as havia enviado para caçoar de mim, para me fazer pensar que havia esperança, e depois tirá-la?

Lembrei-me das palavras: "Preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários." Deus me havia dado, no meio das selvas, uma mesa, uma mesa de bananas maduras. Iria ele se esquecer de mim, agora?

Algures lá ao longe, pensei, olhando aqueles quilômetros de árvores intocáveis, deve haver pessoas que poderão me ajudar. Deus me mostrou o cacho de bananas quando eu precisava. Ele poderá levar-me àquelas pessoas.

Não posso afirmar que eu tinha plena confiança de que ele faria isso. Contudo, ergui o corpo dolorido daquele tronco e comecei a andar novamente.

Encontrei o leito de um riacho no vale, lá embaixo e o segui. Eu estava num estado de torpor. Parecia que estava passando por um sonho muito ruim, do qual não podia acordar.

Andei pelo leito do rio o dia todo. Às vezes, eu preferiria me deitar e deixar que a água me levasse embora. Mas continuava caminhando.

A princípio não reconheci o barulho. Era alto e agudo — semelhante ao barulho do pica-pau, apenas mais alto e mais lento. Escutei com todo cuidado, pensando que fosse um barulho bastante estranho de se ouvir no meio da selva. Algo dentro de mim me alertou de que aquilo era importante. Alguma coisa despertou em minha memória, mas eu não podia lembrar-me do que era. Tratava-se de um barulho que eu já ouvira antes.

Resolvi investigar. À medida que me aproximava, pude me lembrar. Era o som de um machado batendo na árvore. Um ser humano!

Porventura Deus havia feito isso? Ele me havia levado até à civilização?

Apressei-me em direção ao som, tropeçando, e as minhas pernas se movimentando num gingado descontrolado, tentando correr. Então vi dois homens cortando a base de uma enorme árvore. Quando gritei para eles, perdi o equilíbrio e caí no chão.