"Quem é meu Deus?" perguntei. Eu tinha catorze
anos. "Quem é ele?" Não havia ninguém para responder. Do outro lado
do pátio do ginásio eu podia ouvir os ruídos surdos e os apitos dos que
treinavam futebol. Pela centésima vez desejaram que eu fosse bastante forte nos
esportes, a fim de ser convidado a jogar.
Porém, havia algo mais além dos esportes em minha mente ...
algo que me preocupava havia vários dias.
"Quem é meu Deus?" perguntei a mim mesmo,
novamente. "Há o Deus luterano, de quem nós falamos na igreja. Há o Deus
de todas as igrejas cristãs, a respeito de quem nós estudamos na escola. Há o
Deus do qual eu tenho lido na Bíblia. Porém qual deles é o meu Deus?"
Não recebi resposta alguma dos céus gelados de Minessota. Eu
me dirigi para casa.
Parece que ninguém sabia a resposta. No domingo anterior me
enchera de coragem e perguntara ao meu professor. Ele sorrira, um sorriso muito
grande e esquelético. — Você não fez a sua profissão de fé?
Eu sabia tudo a respeito de como preparar-se para a profissão.
Enquanto estudava para fazê-la, aprendera teologia. Mas eu queria conhecer
Deus.
O meu pai gostaria que não pensasse mais aquilo. Eu não lhe
perguntara pois sabia o que diria. Ele olharia para mim, com os seus olhos
azuis cristalinos, e me diria que estava desperdiçando o seu tempo e o meu.
Talvez eu estivesse. Parece que não havia outro Deus
qualquer senão o Deus feroz dos luteranos; eu sentia medo só em pensar nesse
Deus.
Esse vento gelado, cortando o meu rosto, é o seu vento, pensei.
Chutei a grama seca, marrom, ao longo da calçada. Essa manhã ela fora enfeitada
pela neve. Alguns pedaços ainda gelados estavam espalhados à sombra das
sarjetas.
Por que é que eu nasci? Eu sou tão alto e magro... tão
míope... muito acanhado. Eu nem posso jogar futebol. Quando eles me passam uma
bola, e ela me atinge, todos riem de mim.
Eu podia ver o rosto cheio de sardas de Kent Lange, envolto
por cabelos escuros, ondulados, e sua boca aberta numa grande gargalhada. Era o
meu melhor amigo. Senti um peso gelado no meu estômago, semelhante a quando eu
tomava sorvete rapidamente.
Por que é que eu tomava tudo isso tão seriamente? Era apenas
um jogo. Quando eu chegar em casa, pensei, pegarei os meus livros. Então todos
esses problemas serão esquecidos.
Eu gostava de arrumar os meus livros sobre a minha cama,
colocando-os ao meu redor, de acordo com o idioma. Nas últimas duas noites
estivera estudando grego, lendo a minha Bíblia. Eu possuía uma grande Bíblia de
couro, lindamente encadernada, e muito bem impressa; eu gostava de folheá-la.
Havia vários anos eu vinha lendo a Bíblia, especialmente o Antigo Testamento.
Agora que estava aprendendo grego, era muito interessante aprofundar-me no Novo
Testamento.
Porém, por enquanto, o Antigo Testamento era o meu favorito.
Estava encantado com as histórias, fascinado pelas batalhas. Às vezes, aos
domingos à tarde, eu lia muitos capítulos seguidos.
Os profetas eram diferentes. Muitas vezes eles me amedrontavam
tanto que eu fechava a Bíblia bruscamente, até me convencer de que esse era um
"livro de sonho", e não de verdadeira profecia. O julgamento de Deus
era muito fácil de ser previsto: a terra abrindo-se e as pessoas sendo levadas
para o fogo eterno; Jesus chegando com seus exércitos de anjos ferozes e
resplandecentes, com espadas para destruir toda a criação por causa de sua
pecabilidade.
Eu me amedrontava todo, só em pensar em Deus. Às vezes,
quando perdia a calma, descobria o que estava fazendo, e então eu me encolhia
internamente e os músculos de meu estômago ficavam tensos. E no entanto, não
podia parar; ia para a frente, lutando, sentindo-me desagradável o tempo todo.
Mais tarde eu pensaria: Oh, Deus, eu vou ser julgado. Eu me arrependia, mas
intimamente sabia que tornaria a agir do mesmo modo.
O Novo Testamento parecia diferente. Durante duas noites eu
estivera lendo o livro de João. Estava confuso com ele. Jesus não se parecia em
nada com aquele que me fora descrito. Ou será que eu teria confundido Jesus com
o Deus que eu temia? Por toda parte por onde Jesus andava, as pessoas eram
mudadas por ele — e sempre para melhor.
Lembrei-me de minha classe da Escola Dominical. Conhecia
cada um dos alunos. Eu frequentava a igreja com todos eles, toda a minha vida.
Eles nunca haviam mudado. Nenhum de nós jamais se transformara.
Sempre houvera muita conversa a respeito de transformação. O
ministro nos dissera: "Vocês precisam mudar porque Deus vai amaldiçoar a
terra e os seus pecadores. Vocês precisam ser santos, assim como Deus é santo.
Isso é o que ele exige de vocês. Tendo pouco de sua perfeição, significa ter
pouco de sua eternidade."
E essa maldição me amedrontava. Às vezes, aos sábados, Kent
ia à minha casa e conversávamos a respeito de histórias de terror e de filmes
que havíamos visto. Tentávamos nos amedrontar mutuamente, e ríamos e dávamos
risadinhas e escondíamos a cabeça embaixo dos travesseiros. Tínhamos prazer em
amedrontar-nos. Mais cedo ou mais tarde, estávamos conversando a respeito do
julgamento de Deus, sobre o fogo eterno e o céu sendo enrolado como um rolo. E
então ficávamos bem quietos. Sabíamos que não era invenção de um diretor de
cinema, ou de um escritor. Era algo verdadeiro. Esse fim viria.
Mamãe estava preparando o jantar lá na cozinha, quando
cheguei em casa. Eu estava gelado por causa do vento frio e cortante. Tirei o
casaco e o pendurei; depois fui à cozinha, esfregando as mãos. Ela afastou um
de seus cachos loiros para trás e olhou para mim.
— Como foi a aula, hoje, Bruce?
— Muito boa — disse eu. — Onde está Dave?
Ela baixou os olhos. — Seu irmão e seu pai tiveram uma
discussão. Está lá em cima no quarto.
Repentinamente me senti cansado até aos ossos. Sempre alguém
estava discutindo lá em nossa casa. As coisas pareciam muito melhores quando
não conversávamos uns com os outros.
Subi as escadas para o meu quarto, notando que cada degrau
estava tão limpo e tão brilhante, com um vermelho bem escuro — semelhante a uma
cereja madura. Gostei de ver aquilo. Tudo deveria estar em ordem. Tudo deveria
ser perfeito e limpo. Por que a nossa família não poderia ser assim?
Simplesmente olhando para todos nós, você pensaria que tudo estava bem. Minha
mãe era uma mulher sueca muito bonita, perfeita como uma estátua. Nenhum de
meus amigos tinha uma mãe semelhante a ela. E o meu pai era elegante, com um
queixo forte, cabelos castanhos abundantes, que nunca estavam despenteados. Mas
dificilmente nós combinávamos.
Fui para o meu quarto e guardei os livros. Então tirei
outros livros e os coloquei em minha cama. Tinha uma Bíblia em inglês, um Novo
Testamento em grego, e alguns livros que me ajudavam a compreender grego.
Estiquei o corpo magricela na cama. Meus pés projetavam-se
sobre os pés da cama. Meus livros formavam um círculo ao meu redor. Isso era o
mais próximo do que se poderia chamar de um lar. Eu me sentia confortável no
meio deles.
Li até ao entardecer. Minha mãe me chamou para jantar; desci
para o círculo silencioso de minha família, ainda pensando sobre aquilo que
acabara de ler.
Meu pai observara que eu não proferira palavra alguma.
— Por que você não contribui com alguma coisa para o bem do
resto da família? — perguntou ele. Ele falara com grande precisão.
— Eu estava pensando a respeito de outra coisa, pai — disse
eu.
— E sobre o que estava pensando?
Olhei para minha mãe meio desamparado. Não desejava ser
obrigado a falar.
— Bruce — disse meu pai — não olhe para a sua mãe —. Sou eu
quem está falando com você.
E então eu fui forçado a tentar explicar que estivera lendo
o Novo Testamento e que não o compreendera muito bem.
— Naturalmente que você não o entende — disse ele —. Ele foi
escrito há dois mil anos. E naturalmente não faz sentido nos dias de hoje.
Um bocado de alimento parou-me na garganta. Estava tão
cansado de ouvir o meu pai descartar as coisas com uma simples sentença. Que
sabia ele a respeito disso? Olhei para o meu prato. Era tão mais fácil se nós
simplesmente não conversássemos.
Logo que pude pedir licença, me retirei e voltei para o meu
quarto. Tudo estava errado. Apanhei a Bíblia, mas as palavras dançavam em volta
da página. O meu rosto estava queimando.
Retirei os óculos e deitei-me na cama. "Que coisas mais
estúpidas", disse eu, olhando para as minhas lentes grossas, que vinha
usando desde que posso me lembrar. Eu as odiava. Aqueles óculos haviam sido um
empecilho no caminho dos esportes; fizeram com que eu fosse apelidado de
quatro-olhos, e de olhos de inseto, durante todo o tempo que eu os usei.
Coloquei a cabeça no travesseiro. Que vantagem havia em
ficar zangado com os óculos?
Certamente que em algum, lugar haveria alguém que me poderia
ajudar. O apóstolo João encontrara-se com Jesus e desde então nunca mais fora a
mesma pessoa. Todos os Evangelhos contavam a respeito de pessoas que foram
mudadas por Jesus. Eu ansiava por uma mudança, também. Mas julgava que o meu
Deus não se preocupava comigo o suficiente para fazer alguma coisa.
"Afinal de contas, quem é o meu Deus? Onde está
ele?" disse para mim mesmo.
Talvez se continuar lendo, possa encontrar a resposta,
pensei.
Mas, realmente não esperava encontrar algo que me auxiliasse.
Afinal de contas, a Bíblia fora escrita antes que os luteranos existissem. E
então me deparei com um versículo que me chocou, que fez com que sentisse a
eletricidade tilintar dentro de meu corpo.
Sentei-me e o li novamente: "Porque o Filho do homem veio
buscar e salvar o perdido." Eu sabia a respeito da justiça de Deus de que
ele me julgaria sob o ponto de vista das minhas impurezas — mas aqui estava um
versículo dizendo que Jesus tinha vindo salvar o perdido. Eu sabia,
imediatamente, de quem ele estava falando. Eu. Mas como é que Jesus iria me
salvar? E de quê? Porventura iria ele fazer algum milagre?
Um versículo que eu lera em Romanos começou a ter sentido:
"Se em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás
salvo." E salvo era o oposto de perdido.
Isso é tudo? pensei. Somente crer? Eu não teria que fazer
alguma coisa muito grande? não deveria viver uma vida perfeita? Essa fora a
idéia que minha igreja me dera.
Pensei a respeito das coisas de que não gostava em mim
mesmo. O meu gênio. Os maus pensamentos que às vezes surgiam em minha mente.
Jesus poderia mudar essas coisas?
Talvez. Ele fora capaz de transformar a água em vinho dois
mil anos atrás. Mas o que isso poderia provar com Bruce Olson? Pensei acerca
daquelas pessoas, nos Evangelhos, que foram transformadas por Jesus. Mas o que
é que elas tinham a ver comigo?
As horas passaram. Parece que não havia nenhuma solução para
as minhas perguntas. Estava exausto. O relógio, no meu quarto, marcava duas
horas da madrugada.
E então senti, repentinamente, e com muita certeza, que
aquelas perguntas não eram para eu responder.
Senti-me atraído a falar com Cristo. Naturalmente já orara
antes, mas de maneira formal, na igreja, lendo no hinário. Mas agora era
diferente. Deitei-me de bruços e conversei com Jesus. Foi uma conversa muito
simples, mas a primeira que realmente tive com ele.
"Oh, Jesus", disse eu, "li como as pessoas
que estavam em volta de ti foram transformadas. Agora eu desejo ser transformado.
Quero paz e satisfação como Paulo, João e Tiago, e os outros discípulos. Quero
ser libertado de todos os meus temores e ..."
Naquele instante senti uma Presença em meu quarto, como uma
quietude. Eu era, ao mesmo tempo, pequeno e calmo, enorme e suspenso, cobrindo
tudo.
"Senhor, estou sendo amedrontado por ti",
continuei; "tu sabes que eu até não gosto de mim mesmo. Tudo está tão
atrapalhado por aqui. E também está confuso comigo mesmo. Mas, por favor, Deus,
quero ser transformado. Eu mesmo não posso fazê-lo. E não compreendo como é que
tu podes fazer alguma coisa dentro de mim. Mas, Jesus, se tu pudeste mudar
todas aquelas pessoas que a Bíblia cita, acredito que podes mudar-me também.
Por favor, Jesus, faze com que eu te conheça. Faze-me nova criatura."
E então eu sabia que estava sendo salvo. Senti-me como um
miserável, alquebrado, e saturado de mim mesmo. Mas, ao mesmo tempo, sentia que
uma paz me invadia. Não era algo sem vida, passivo. Não era, tampouco, uma
espécie de silêncio acabando com a guerra que havia dentro de mim. Era algo bem
vivo, e aquilo me estava dando vida. Sentia que ia acabar gostando de mim
mesmo. E sentia que não desejava que aquela paz, aquela quietude se afastasse.
Fiquei ali deitado em minha cama, sentindo-me perplexo,
estarrecido até mesmo para me mover ou até mesmo para pensar. Continuei a
conversar com Jesus, sabendo que ele estava ali. Jesus estava ali no meu
quarto. Eu não precisava me afligir a respeito do Deus luterano, ou do Deus
cristão ou o Deus de qualquer outra pessoa. Eles não eram o meu problema. Jesus
era o meu Deus, o meu Deus pessoal. Eu acabara de conversar com ele.