Prefácio
"Ela não vai poder figurar neste livro",
dissemos. "Ela sozinha é um livro!"
São estas coisas que a gente diz sem querer insinuar
nada.
Em maio de 1968, estávamos na Alemanha, e fomos assistir
ao culto em uma certa igreja. Um senhor estava narrando os horrores que sofrera
em um campo de concentração nazista. Sua expressão facial era ainda mais
eloqüente que suas palavras; os olhos guardavam a lembrança da dor; suas mãos
tremiam - mãos que não conseguiam esquecer... Sucedeu-o
no púlpito uma mulher de cabelos brancos, grande e forte, usando sapatos
grossos, cujo rosto, em contraste, irradiava alegria, paz e amor. Ela relatava
os mesmos fatos. Também ela estivera em um campo de concentração, presenciara
as mesmas cenas brutais, sofrera as mesmas perdas. Enquanto os sentimentos dele
eram perfeitamente compreensíveis, os dela davam o que pensar.
Encerrado o culto, deixamo-nos ficar para falar com ela.
Assim que principiamos a conversa, percebemos logo que se tratava da Corrie ten
Boom de que André nos falara.
O maravilhoso ministério de consolação e aconselhamento
de Corrie ten Boom se iniciara no campo de concentração, onde ela encontrou um
"esconderijo contra o vento... refúgio contra a tempestade... sombra de
grande rocha em terra sedenta". Ali também aprendera a verdade de que,
quando o pior acontece, o melhor ainda está para vir.
Em palestras posteriores, chegamos a conhecer bem esta
admirável mulher. Com ela visitamos a casa estreita, tipicamente holandesa -
apenas um cômodo na largura - onde, até os cinqüenta anos, ela levara uma vida
pacata de uma solteirona, consertando relógios e cuidando da irmã mais velha e
do pai idoso, sem nem ao menos sonhar que um mundo de aventuras e desventuras
estava lhe batendo à porta. Visitamos aquela casa do sul da Holanda, em cujo
jardim a jovem Corrie entregou a Karel o coração, e também a espaçosa mansão
de Haarlem, onde, em plena guerra, Pickwick serviu café de verdade aos amigos.
E em meio a tudo isso, tivemos a forte impressão de que
não olhávamos para o passado, e, sim, para o futuro. Era como se aqueles
lugares e aquelas pessoas estivessem nos falando, não sobre fatos já
acontecidos, mas sobre o mundo que nos aguardava, na década de 70. Já nos
descobrimos, algumas vezes, pondo em prática os segredos espirituais que com
ela aprendemos a respeito de:
• como suportar uma separação;
• como contentar-se com pouco;
• como sentir-se seguro em meio à insegurança;
• como ter forças para perdoar;
• como Deus usa as fraquezas;
• como lidar com pessoas problemáticas;
• como encarar a morte;
• como amar os inimigos;
• o que fazer quando o mal é vitorioso.
Mencionamos para ela o fato de que tudo que nos contava era muito prático, e que essas lembranças do passado estavam lançando luz sobre alguns dos nossos problemas atuais.
"Mas é para isso que o passado serve",
respondeu. "Cada experiência que Deus nos concede, cada pessoa que passa
pela nossa vida, faz parte de nossa preparação para um futuro que somente ele
vê."
Cada experiência, cada pessoa... o pai, que era o melhor
relojoeiro da Holanda, mas que sempre se esquecia de mandar a conta dos
consertos. A mãe, cujo corpo tornara-se uma prisão, mas cujo espírito vagueava
livremente. Betsie, que com três batatas e um bocadinho de folhas de chá já
usadas, sabia organizar uma festinha. Ao fitar os olhos brilhantes daquela
mulher forte, quase desejamos que essas pessoas tivessem feito parte de nossa
vida também.
Depois, naturalmente, vimos que elas fizeram...
- John e Elizabeth Sherrill