segunda-feira, 10 de maio de 2021

O refugio secreto - Prefácio 00

Prefácio

             Durante todo o tempo em que fizemos nosso trabalho de pesquisa para o livro O Contrabandista de Deus, um nome despontou várias vezes: Corrie ten Boom. Essa extraordiná­ria mulher - que estava com seus setenta e cinco anos quan­do dela ouvimos pela primeira vez - era o melhor "compa­nheiro de viagem" do Irmão André. As histórias fascinantes que este nos contou a seu respeito, no Oriente - onde era conhecida pelo honroso nome de "Velha vovó" - e em outras partes do mundo, vinham à tona com tanta freqüência, que afinal erguemos os braços pedindo-lhe que cessasse com aque­la torrente de recordações.

            "Ela não vai poder figurar neste livro", dissemos. "Ela so­zinha é um livro!"

            São estas coisas que a gente diz sem querer insinuar nada.

            Em maio de 1968, estávamos na Alemanha, e fomos assis­tir ao culto em uma certa igreja. Um senhor estava narrando os horrores que sofrera em um campo de concentração nazis­ta. Sua expressão facial era ainda mais eloqüente que suas palavras; os olhos guardavam a lembrança da dor; suas mãos tremiam - mãos que não conseguiam esquecer...      Sucedeu-o no púlpito uma mulher de cabelos brancos, grande e forte, usando sapatos grossos, cujo rosto, em contraste, irradiava alegria, paz e amor. Ela relatava os mesmos fatos. Também ela estivera em um campo de concentração, presenciara as mesmas cenas brutais, sofrera as mesmas perdas. Enquanto os sentimentos dele eram perfeitamente compreensíveis, os dela davam o que pensar.

            Encerrado o culto, deixamo-nos ficar para falar com ela. Assim que principiamos a conversa, percebemos logo que se tratava da Corrie ten Boom de que André nos falara.

            O maravilhoso ministério de consolação e aconselha­mento de Corrie ten Boom se iniciara no campo de con­centração, onde ela encontrou um "esconderijo contra o vento... refúgio contra a tempestade... sombra de grande rocha em terra sedenta". Ali também aprendera a verdade de que, quando o pior acontece, o melhor ainda está para vir.

            Em palestras posteriores, chegamos a conhecer bem esta admirável mulher. Com ela visitamos a casa estreita, tipica­mente holandesa - apenas um cômodo na largura - onde, até os cinqüenta anos, ela levara uma vida pacata de uma solteirona, consertando relógios e cuidando da irmã mais velha e do pai idoso, sem nem ao menos sonhar que um mundo de aventuras e desventuras estava lhe batendo à porta. Visita­mos aquela casa do sul da Holanda, em cujo jardim a jovem Corrie entregou a Karel o coração, e também a espaçosa man­são de Haarlem, onde, em plena guerra, Pickwick serviu café de verdade aos amigos.

            E em meio a tudo isso, tivemos a forte impressão de que não olhávamos para o passado, e, sim, para o futuro. Era como se aqueles lugares e aquelas pessoas estivessem nos falando, não sobre fatos já acontecidos, mas sobre o mundo que nos aguardava, na década de 70. Já nos descobrimos, algumas vezes, pondo em prática os segredos espirituais que com ela aprendemos a respeito de:

• como suportar uma separação;

• como contentar-se com pouco;

• como sentir-se seguro em meio à insegurança;

• como ter forças para perdoar;

• como Deus usa as fraquezas;

• como lidar com pessoas problemáticas;

• como encarar a morte;

• como amar os inimigos;

• o que fazer quando o mal é vitorioso.

             Mencionamos para ela o fato de que tudo que nos contava era muito prático, e que essas lembranças do passado esta­vam lançando luz sobre alguns dos nossos problemas atuais.

            "Mas é para isso que o passado serve", respondeu. "Cada experiência que Deus nos concede, cada pessoa que passa pela nossa vida, faz parte de nossa preparação para um futu­ro que somente ele vê."

            Cada experiência, cada pessoa... o pai, que era o melhor relojoeiro da Holanda, mas que sempre se esquecia de man­dar a conta dos consertos. A mãe, cujo corpo tornara-se uma prisão, mas cujo espírito vagueava livremente. Betsie, que com três batatas e um bocadinho de folhas de chá já usadas, sabia organizar uma festinha. Ao fitar os olhos brilhantes daquela mulher forte, quase desejamos que essas pessoas ti­vessem feito parte de nossa vida também.

            Depois, naturalmente, vimos que elas fizeram... 

- John e Elizabeth Sherrill