segunda-feira, 10 de maio de 2021

O discipulo - Capítulo 17

Mais que um Culto Dominical 

Ide, portanto, fazei discípulos... (Mt 28.19.) 

Agora chegou o momento de abordarmos as facetas práticas deste "fazei discípulos". Eu  hesito um pouco em fazê-lo. pelo receio de que alguém possa querer sair correndo e tentar pôr  em prática o que estou dizendo, sem antes ser renovado pelo Espírito. Se o fizer, logo se  sentirá frustrado. 

Antes de a Igreja poder colocar estas coisas em prática, ela deve renovar sua  conceituação do senhorio de Cristo e do papel de escravo — os princípios que expus na  primeira parte deste volume. Se não tivermos o vinho novo, não precisamos dos odres novos.  A coisa mais importante é conseguir o vinho novo, depois, então, podemos pensar na  estrutura que deverá contê-lo. 

Não recolhemos estas idéias em livros ou salas de aula. Elas brotaram da nossa própria  vivência em comum. Começamos a executá-las quase que sem pensar nelas; nós  simplesmente estávamos tentando nos ampliar para dar lugar à ação do vinho novo. 

Primeiramente, a discipulação tem que começar pelos pastores. Se os pastores não se  reunirem como expliquei no capítulo anterior, vendo a si mesmos como anciãos da Igreja de  Deus na cidade, nunca poderão fazer discípulos de seu povo. O discipulado não se propaga de  baixo para cima; ele tem que fluir de cima para baixo. Para podermos fazer discípulos,  precisamos ser discípulos. Discipular não é simplesmente ensinar, não é uma experiência de  sala de aula; é uma experiência de vida. Os pastores não podem pregar seus velhos sermões e  esperar conseguir discípulos com eles. Não dará certo. 

A vontade de Deus para nossos dias só é manifestada no grupo de seus ministros.  Quando eles se colocam diante do Senhor, oram juntos e amam uns aos outros, Deus revela  seus propósitos para a sua cidade. Por fim, Deus pode falar aos seus pastores como grupo. 

Se nós, pastores, não tivermos um espírito de submissão uns para com os outros, como  poderemos esperar que o povo se submeta a nós? 

O fato de existir um grupo de pastores nesta igreja única de Deus é uma garantia,  extremamente importante, de que as ovelhas não sofrerão os desmandos de um ditador. Elas  sabem que seu pastor também é discípulo, sujeito à liderança do presbitério da cidade. 

Leva algum tempo para que um grupo de pastores seja transformado em discípulos. Mas  isto tem que ser feito. É espantoso o quanto se pode aprender. Eu era um pentecostal  orgulhoso, que pensava não ter nada a aprender com os batistas, nem com os presbiterianos,  nem com os da Igreja dos Irmãos, nem com um irmão católico. Eu possuía o evangelho  "completo". Mas quando começamos a nos reunir, em 1967, descobri que eu e minha igreja  não éramos assim tão perfeitos, no final das contas. 

Nem todo ministro é um profeta ou evangelista. 

Mas juntos nós nos enriquecemos uns aos outros, exercitando cada um o seu ministério.  Agora somos cerca de vinte e cinco pastores. 

Este grupo acabou por tornar-se uma das células-mães de Buenos Aires. Depois que já  estava organizada, dedicamo-nos a selecionar alguns discípulos para cada ancião. Tivemos  que tomar cuidado para não escolhermos as pessoas de quem mais gostávamos, ou as pessoas  mais ricas, ou mais cultas — não, não. Os discípulos têm que ser escolhidos pela orientação  de Deus. Por si mesmo, Paulo nunca teria escolhido Timóteo. Era jovem demais. Além disso  era tímido. Paulo teve que escrever-lhe mensagens assim: "Não te envergonhes, portanto, do testemunho de nosso Senhor, nem do seu encarcerado que sou eu" (2Tm 1.8). E para  culminar, ele padecia de um mal crônico, do estômago. Que discípulo! 

Mas Timóteo foi escolhido por Deus. 

Jesus orou toda uma noite, antes de escolher seus doze discípulos (Lc 6.12,13). A  escolha dos discípulos é uma decisão espiritual muito séria. 

A partir daí as células começaram a multiplicar-se. E quanto mais nos expandíamos,  mais importante se tornava a questão do senhorio de Cristo — como se verá.  Cada discípulo tem sete noites por semana, certo? (Na Argentina, falamos muito em  noites, porque quase todo o mundo trabalha o dia todo.) 

Uma noite é dedicada à reunião da célula, onde o discípulo recebe. 

Duas noites são destinadas ao dar. Numa célula, ele está formando as vidas de novos  convertidos; na outra, está formando futuros dirigentes de células. Aqui vemos o princípio da  multiplicação sendo aplicado o tempo todo. 

Então, quando uma pessoa se torna crente, ela freqüenta somente uma célula, no início.  Trata-se de uma célula para bebês em Cristo. Mas, pouco depois, ela se transfere para a célula  em que receberá instruções para a liderança. Então, começa a atuar como discípulo completo  — recebendo do alto, e ao mesmo tempo, dando, tanto a novos convertidos como a discípulos  jovens. Ninguém fica continuamente dando, e portanto ninguém corre o perigo de se esvaziar.  Mas também ninguém fica só sentado, "engordando". 

Numa outra noite (geralmente domingo), nós nos reunimos em conjunto.  Uma outra noite é consagrada à família. Isto é um mandamento divino. Os solteiros  devem dedicar aquele tempo a seus pais. Afinal, as relações familiares são muito importantes  no discipulado. Isto se constitui em todo um novo modo de vida, e não um modo de falar,  apenas. 

A sexta noite é dedicada ao descanso. Isto também é um mandamento. Nós precisamos  disto, porque nas noites de reunião de célula raramente vamos dormir antes de uma da  madrugada. Portanto precisamos descansar, no interesse do próprio Reino. O Rei precisa de  nós repousados para efetuarmos nosso trabalho. Foi com esta finalidade que ele deu a Moisés  o quarto mandamento. 

Muitos crentes dizem que o domingo é seu dia de descanso. Como podem afirmar isto?  Domingo é o dia em que se cansam mais. Levantam-se cedo para irem à escola dominical;  depois vão para o culto; à tarde, distribuem folhetos; segue-se a reunião da união de jovens e  depois o culto noturno. Nós distribuímos as quatro atividades durante a semana. Eles  aglomeram tudo em um só dia. Isto não é dia de descanso. 

Quando Deus disse: "Não farás nenhum trabalho", foi exatamente isso que ele quis  dizer. Os fabricantes de roupas ou tecidos geralmente anexam ao seu produto etiquetas com  instruções para a lavagem dele: "Lave este tecido assim e assim; passe a ferro assim e assim",  e etc. Quando Deus nos criou, ele disse: "Esta máquina tem que descansar um dia por  semana." Os médicos e psiquiatras não ganhariam tanto dinheiro se estas instruções divinas  fossem obedecidas. 

Foi por isso que suspendemos os cultos de domingo pela manhã. Nós precisamos  dormir. Neste dia, todos ficam em casa e dormem até às dez ou onze horas. É diferente, mas  dá certo. 

A última noite é para reforço. A atividade da semana que precisar de um reforço a mais,  recebe-a nesta sétima noite. O discípulo vai ao seu dirigente para receber uma ajuda especial  em qualquer setor de sua vida que esteja mais fraco. Ou então ele visita um de seus discípulos.  Pode também reforçar seu relacionamento familiar, ou então descansar. 

Uma vez por mês todas as células se reúnem e passam um fim de semana no campo —  de sexta-feira à noite até domingo ao meio-dia. Nós conversamos, convivemos uns com os  outros, confessamos pecados, e assim edificamos o nosso relacionamento em comunidade.

Agora os leitores já podem entender por que nosso povo tem que ser totalmente  dedicado ao Reino de Deus. Todo o dia, enquanto trabalham, eles pensam naquilo que irão  fazer para o Reino após a jornada de serviço. Eles são discípulos nas vinte e quatro horas do  dia. (Eu não creio que tenha que me preocupar com as pessoas que procuram nos imitar, sem  estar plenamente submissas a Jesus. Aquilo simplesmente não dura muito.) 

O que é uma célula? Célula é um nome temporário com que designamos um grupo de  pessoas que se reúne com determinados propósitos. Não é um termo bíblico. O nome certo  seria "igreja que está na casa", mas muitos crentes não entendem bem esta expressão. Pensam  que irão a uma casa e realizarão um culto de igreja — um hino, leitura bíblica, mensagem,  oração, encerramento. E as células não operam assim. (Eventualmente passaremos a chamá

las a igreja na casa, depois que as pessoas esquecerem o velho conceito de igreja.)  Após um ano de uso do termo célula, mudamos para o de pequena comunidade, a fim  de dar mais ênfase ao espírito de compartilhar, que é tão importante. Temos nos esforçado  grandemente para acabar com a pobreza em nossa igreja. Afinal de contas, temos que ser a luz  do mundo. Como poderemos abordar os problemas sociais fora do âmbito eclesiástico,  quando não resolvemos os da igreja? Alguns pastores se empolgam muito com questões  políticas em favor da justiça social — mas não conseguem resolver o problema dentro da  própria igreja. Temos que começar num lugar onde nossas palavras são ouvidas e acatadas.  Comecemos com as pessoas que carregam a Bíblia debaixo do braço. Elas, mais que ninguém,  têm que praticar a justiça social. 

É incrível pensar que um irmão da congregação pode possuir dois televisores enquanto  outro não tem nem cama. É incrível que um tenha dois ou mais carros, enquanto outro tem  que andar a pé vinte quarteirões, e esperar ônibus uma hora por dia. Mas isto acontece demais  em nosso país. 

Por isso, estamos enfatizando o espírito comunitário em nossa igreja. Quando  eliminarmos a pobreza de nossa congregação, então teremos autoridade para falar ao mundo  acerca da justiça social. Estamos cuidando de arrumar nossa casa primeiro. 

Uma célula é constituída de cinco a oito pessoas. Se passar disso, ela começará a formar  uma igrejinha para si mesma. Queremos que a igreja permaneça unida, e cada pessoa esteja  bem cônscia de sua parte dentro do corpo. (Nem todos os componentes das células pertencem  à nossa congregação. Alguns deles são batistas, nazarenos, ou católicos, que moram na  mesma área, e desejam se desenvolver no discipulado.) 

O dirigente da célula não recebe nenhuma designação especial. Depois que Deus  começou a renovar-nos, ficamos muito cautelosos com títulos. Ainda não impusemos as mãos  sobre ninguém para eleger diáconos, anciãos, ou quaisquer outros encargos. Antes, fazíamos  isto freqüentemente. Eu era o Reverendo, um pastor ordenado. Mas agora entendo que, na  Igreja primitiva, eu não poderia ser nem diácono — eles possuíam iriais espiritualidade, mais  sabedoria, mais poder espiritual, mais dons, mais tudo, que os mais importantes prelados de  nossos dias. Meu único título é Servo Inútil. 

A força da autoridade decorre da espiritualidade de alguém, e não do fato de ele possuir  um título. Se agirmos de outro modo, é possível que fiquemos decepcionados e cheguemos a  desejar que nunca tivéssemos eleito certa pessoa como diácono ou ancião. Se o dirigente  cresce espiritualmente, os discípulos se submetem a ele sem qualquer título. Mas se ele não  tem a autoridade de Deus, nem o título de Reverendíssimo valerá coisa alguma. 

Não quero dizer que seja errado indicarmos líderes. Digo apenas que é mais sensato  esperar que Deus os leve a operar. Depois, podemos elegê-los facilmente.  As células podem reunir-se em qualquer lugar, em qualquer hora. Se faz muito calor no  apartamento, as pessoas podem ir para a praia ou para uma praça, já que são somente cinco a  oito elementos. A hora do dia também não importa. Não é como numa igreja, onde as portas,  em muitos casos, só são abertas às nove horas da manhã de domingo e às sete da noite, e quem não comparece nessas ocasiões, perdeu. (O caminho do Senhor é estreito, mas não tão  estreito.) 

A célula deve ter dois objetivos em mira: os grupos e sua tarefa. Eu costumava  preocupar-me muito com o trabalho. Desejava alcançar certos alvos e não podia perder tempo  preocupando-me com as pessoas que eu estava utilizando para alcançá-los. Eu era como um  executivo de uma grande empresa que vê cada empregado apenas como uma máquina, uma  ferramenta necessária à obtenção de lucros. 

Eu adquirira tal atitude no sistema em que fora criado. Quando jovem, eu saía para  pregar em cidades pequenas. E quando ia ao escritório central da denominação, quase nunca  era notado. Quando visitei a escola bíblica, ninguém me cumprimentou. Corri as salas, visitei  os estudantes, e foi só. 

Mas depois que me tornei pastor de uma grande igreja, a situação se modificou  enormemente. Todas as vezes que vou ao escritório da escola bíblica: "Olá, irmão Ortiz! Dê me seu casaco. Gostaria de tomar uma xícara de chá?" Agora eu era importante para o  negócio deles. 

Coitado do pobre pastor que cair no desagrado! De repente ele se torna um joâo ninguém, novamente. 

Mas nesta nova vida de discipulado, nós amamos as pessoas, qualquer que seja sua  contribuição. Cada membro da célula é importante. O dirigente compreende que cada um  deles tem suas aspirações e esperanças. A célula procura atender às necessidades de cada  pessoa. 

O resultado é que não temos que suplicar a ninguém para assistir às reuniões. Não  precisamos fazer chamadas telefônicas para dizer: "Olhe, não se esqueça da reunião da célula.  Por favor, esteja presente. Prometa-me que irá comparecer." Não. Eles vão porque não podem  deixar de ir. Neste grupo, eles se realizam. A célula atende às suas necessidades de contato  social, crescimento espiritual, e até as necessidades materiais. Ela os alivia de seus fardos e  problemas de modo que eles ficam aptos a assumir responsabilidades no Reino. 

Mas a célula não pode centralizar-se apenas no grupo, senão não passaria de um clube  de boas pessoas que fazem festas e piqueniques em conjunto. A célula também tem uma  tarefa a cumprir: a grande comissão do Senhor Jesus Cristo. Ela tem que fazer discípulos, pois  de outro modo não haveria razão para sua existência. 

Entretanto, a tarefa nunca será realizada se as pessoas do grupo não se amarem umas às  outras. As duas coisas se acham estreitamente associadas.