Mais que um Culto Dominical
Ide, portanto, fazei discípulos... (Mt 28.19.)
Agora chegou o momento de abordarmos as facetas práticas
deste "fazei discípulos". Eu
hesito um pouco em fazê-lo. pelo receio de que alguém possa querer sair
correndo e tentar pôr em prática o que
estou dizendo, sem antes ser renovado pelo Espírito. Se o fizer, logo se sentirá frustrado.
Antes de a Igreja poder colocar estas coisas em prática, ela
deve renovar sua conceituação do
senhorio de Cristo e do papel de escravo — os princípios que expus na primeira parte deste volume. Se não tivermos
o vinho novo, não precisamos dos odres novos.
A coisa mais importante é conseguir o vinho novo, depois, então, podemos
pensar na estrutura que deverá
contê-lo.
Não recolhemos estas idéias em livros ou salas de aula. Elas
brotaram da nossa própria vivência em
comum. Começamos a executá-las quase que sem pensar nelas; nós simplesmente estávamos tentando nos ampliar
para dar lugar à ação do vinho novo.
Primeiramente, a discipulação tem que começar pelos
pastores. Se os pastores não se reunirem
como expliquei no capítulo anterior, vendo a si mesmos como anciãos da Igreja
de Deus na cidade, nunca poderão fazer
discípulos de seu povo. O discipulado não se propaga de baixo para cima; ele tem que fluir de cima
para baixo. Para podermos fazer discípulos,
precisamos ser discípulos. Discipular não é simplesmente ensinar, não é
uma experiência de sala de aula; é uma
experiência de vida. Os pastores não podem pregar seus velhos sermões e esperar conseguir discípulos com eles. Não dará
certo.
A vontade de Deus para nossos dias só é manifestada no grupo
de seus ministros. Quando eles se
colocam diante do Senhor, oram juntos e amam uns aos outros, Deus revela seus propósitos para a sua cidade. Por fim,
Deus pode falar aos seus pastores como grupo.
Se nós, pastores, não tivermos um espírito de submissão uns
para com os outros, como poderemos
esperar que o povo se submeta a nós?
O fato de existir um grupo de pastores nesta igreja única de
Deus é uma garantia, extremamente
importante, de que as ovelhas não sofrerão os desmandos de um ditador.
Elas sabem que seu pastor também é
discípulo, sujeito à liderança do presbitério da cidade.
Leva algum tempo para que um grupo de pastores seja
transformado em discípulos. Mas isto tem
que ser feito. É espantoso o quanto se pode aprender. Eu era um
pentecostal orgulhoso, que pensava não
ter nada a aprender com os batistas, nem com os presbiterianos, nem com os da Igreja dos Irmãos, nem com um
irmão católico. Eu possuía o evangelho "completo".
Mas quando começamos a nos reunir, em 1967, descobri que eu e minha igreja não éramos assim tão perfeitos, no final das
contas.
Nem todo ministro é um profeta ou evangelista.
Mas juntos nós nos enriquecemos uns aos outros, exercitando
cada um o seu ministério. Agora somos
cerca de vinte e cinco pastores.
Este grupo acabou por tornar-se uma das células-mães de
Buenos Aires. Depois que já estava
organizada, dedicamo-nos a selecionar alguns discípulos para cada ancião.
Tivemos que tomar cuidado para não
escolhermos as pessoas de quem mais gostávamos, ou as pessoas mais ricas, ou mais cultas — não, não. Os
discípulos têm que ser escolhidos pela orientação de Deus. Por si mesmo, Paulo nunca teria
escolhido Timóteo. Era jovem demais. Além disso
era tímido. Paulo teve que escrever-lhe mensagens assim: "Não te
envergonhes, portanto, do testemunho de nosso Senhor, nem do seu encarcerado
que sou eu" (2Tm 1.8). E para
culminar, ele padecia de um mal crônico, do estômago. Que
discípulo!
Mas Timóteo foi escolhido por Deus.
Jesus orou toda uma noite, antes de escolher seus doze
discípulos (Lc 6.12,13). A escolha dos
discípulos é uma decisão espiritual muito séria.
A partir daí as células começaram a multiplicar-se. E quanto
mais nos expandíamos, mais importante se
tornava a questão do senhorio de Cristo — como se verá. Cada discípulo tem sete noites por semana,
certo? (Na Argentina, falamos muito em
noites, porque quase todo o mundo trabalha o dia todo.)
Uma noite é dedicada à reunião da célula, onde o discípulo
recebe.
Duas noites são destinadas ao dar. Numa célula, ele está
formando as vidas de novos convertidos;
na outra, está formando futuros dirigentes de células. Aqui vemos o princípio
da multiplicação sendo aplicado o tempo
todo.
Então, quando uma pessoa se torna crente, ela freqüenta
somente uma célula, no início. Trata-se
de uma célula para bebês em Cristo. Mas, pouco depois, ela se transfere para a
célula em que receberá instruções para a
liderança. Então, começa a atuar como discípulo completo — recebendo do alto, e ao mesmo tempo, dando,
tanto a novos convertidos como a discípulos
jovens. Ninguém fica continuamente dando, e portanto ninguém corre o
perigo de se esvaziar. Mas também ninguém
fica só sentado, "engordando".
Numa outra noite (geralmente domingo), nós nos reunimos em
conjunto. Uma outra noite é consagrada à
família. Isto é um mandamento divino. Os solteiros devem dedicar aquele tempo a seus pais.
Afinal, as relações familiares são muito importantes no discipulado. Isto se constitui em todo um
novo modo de vida, e não um modo de falar,
apenas.
A sexta noite é dedicada ao descanso. Isto também é um
mandamento. Nós precisamos disto, porque
nas noites de reunião de célula raramente vamos dormir antes de uma da madrugada. Portanto precisamos descansar, no
interesse do próprio Reino. O Rei precisa de
nós repousados para efetuarmos nosso trabalho. Foi com esta finalidade
que ele deu a Moisés o quarto
mandamento.
Muitos crentes dizem que o domingo é seu dia de descanso.
Como podem afirmar isto? Domingo é o dia
em que se cansam mais. Levantam-se cedo para irem à escola dominical; depois vão para o culto; à tarde, distribuem
folhetos; segue-se a reunião da união de jovens e depois o culto noturno. Nós distribuímos as
quatro atividades durante a semana. Eles
aglomeram tudo em um só dia. Isto não é dia de descanso.
Quando Deus disse: "Não farás nenhum trabalho",
foi exatamente isso que ele quis dizer.
Os fabricantes de roupas ou tecidos geralmente anexam ao seu produto etiquetas
com instruções para a lavagem dele:
"Lave este tecido assim e assim; passe a ferro assim e assim", e etc. Quando Deus nos criou, ele disse:
"Esta máquina tem que descansar um dia por
semana." Os médicos e psiquiatras não ganhariam tanto dinheiro se
estas instruções divinas fossem
obedecidas.
Foi por isso que suspendemos os cultos de domingo pela
manhã. Nós precisamos dormir. Neste dia,
todos ficam em casa e dormem até às dez ou onze horas. É diferente, mas dá certo.
A última noite é para reforço. A atividade da semana que
precisar de um reforço a mais, recebe-a
nesta sétima noite. O discípulo vai ao seu dirigente para receber uma ajuda
especial em qualquer setor de sua vida
que esteja mais fraco. Ou então ele visita um de seus discípulos. Pode também reforçar seu relacionamento
familiar, ou então descansar.
Uma vez por mês todas as células se reúnem e passam um fim
de semana no campo — de sexta-feira à
noite até domingo ao meio-dia. Nós conversamos, convivemos uns com os outros, confessamos pecados, e assim
edificamos o nosso relacionamento em comunidade.
Agora os leitores já podem entender por que nosso povo tem
que ser totalmente dedicado ao Reino de
Deus. Todo o dia, enquanto trabalham, eles pensam naquilo que irão fazer para o Reino após a jornada de serviço.
Eles são discípulos nas vinte e quatro horas do
dia. (Eu não creio que tenha que me preocupar com as pessoas que
procuram nos imitar, sem estar
plenamente submissas a Jesus. Aquilo simplesmente não dura muito.)
O que é uma célula? Célula é um nome temporário com que
designamos um grupo de pessoas que se
reúne com determinados propósitos. Não é um termo bíblico. O nome certo seria "igreja que está na casa",
mas muitos crentes não entendem bem esta expressão. Pensam que irão a uma casa e realizarão um culto de
igreja — um hino, leitura bíblica, mensagem,
oração, encerramento. E as células não operam assim. (Eventualmente
passaremos a chamá
las a igreja na casa, depois que as pessoas esquecerem o
velho conceito de igreja.) Após um ano
de uso do termo célula, mudamos para o de pequena comunidade, a fim de dar mais ênfase ao espírito de compartilhar,
que é tão importante. Temos nos esforçado
grandemente para acabar com a pobreza em nossa igreja. Afinal de contas,
temos que ser a luz do mundo. Como
poderemos abordar os problemas sociais fora do âmbito eclesiástico, quando não resolvemos os da igreja? Alguns
pastores se empolgam muito com questões
políticas em favor da justiça social — mas não conseguem resolver o
problema dentro da própria igreja. Temos
que começar num lugar onde nossas palavras são ouvidas e acatadas. Comecemos com as pessoas que carregam a
Bíblia debaixo do braço. Elas, mais que ninguém, têm que praticar a justiça social.
É incrível pensar que um irmão da congregação pode possuir
dois televisores enquanto outro não tem
nem cama. É incrível que um tenha dois ou mais carros, enquanto outro tem que andar a pé vinte quarteirões, e esperar
ônibus uma hora por dia. Mas isto acontece demais em nosso país.
Por isso, estamos enfatizando o espírito comunitário em
nossa igreja. Quando eliminarmos a
pobreza de nossa congregação, então teremos autoridade para falar ao mundo acerca da justiça social. Estamos cuidando de
arrumar nossa casa primeiro.
Uma célula é constituída de cinco a oito pessoas. Se passar
disso, ela começará a formar uma
igrejinha para si mesma. Queremos que a igreja permaneça unida, e cada pessoa
esteja bem cônscia de sua parte dentro
do corpo. (Nem todos os componentes das células pertencem à nossa congregação. Alguns deles são
batistas, nazarenos, ou católicos, que moram na
mesma área, e desejam se desenvolver no discipulado.)
O dirigente da célula não recebe nenhuma designação
especial. Depois que Deus começou a
renovar-nos, ficamos muito cautelosos com títulos. Ainda não impusemos as
mãos sobre ninguém para eleger diáconos,
anciãos, ou quaisquer outros encargos. Antes, fazíamos isto freqüentemente. Eu era o Reverendo, um
pastor ordenado. Mas agora entendo que, na
Igreja primitiva, eu não poderia ser nem diácono — eles possuíam iriais
espiritualidade, mais sabedoria, mais
poder espiritual, mais dons, mais tudo, que os mais importantes prelados
de nossos dias. Meu único título é Servo
Inútil.
A força da autoridade decorre da espiritualidade de alguém,
e não do fato de ele possuir um título.
Se agirmos de outro modo, é possível que fiquemos decepcionados e cheguemos
a desejar que nunca tivéssemos eleito
certa pessoa como diácono ou ancião. Se o dirigente cresce espiritualmente, os discípulos se
submetem a ele sem qualquer título. Mas se ele não tem a autoridade de Deus, nem o título de Reverendíssimo
valerá coisa alguma.
Não quero dizer que seja errado indicarmos líderes. Digo
apenas que é mais sensato esperar que
Deus os leve a operar. Depois, podemos elegê-los facilmente. As células podem reunir-se em qualquer lugar,
em qualquer hora. Se faz muito calor no
apartamento, as pessoas podem ir para a praia ou para uma praça, já que
são somente cinco a oito elementos. A
hora do dia também não importa. Não é como numa igreja, onde as portas, em muitos casos, só são abertas às nove horas
da manhã de domingo e às sete da noite, e quem não comparece nessas ocasiões,
perdeu. (O caminho do Senhor é estreito, mas não tão estreito.)
A célula deve ter dois objetivos em mira: os grupos e sua
tarefa. Eu costumava preocupar-me muito
com o trabalho. Desejava alcançar certos alvos e não podia perder tempo preocupando-me com as pessoas que eu estava
utilizando para alcançá-los. Eu era como um
executivo de uma grande empresa que vê cada empregado apenas como uma
máquina, uma ferramenta necessária à
obtenção de lucros.
Eu adquirira tal atitude no sistema em que fora criado.
Quando jovem, eu saía para pregar em
cidades pequenas. E quando ia ao escritório central da denominação, quase
nunca era notado. Quando visitei a
escola bíblica, ninguém me cumprimentou. Corri as salas, visitei os estudantes, e foi só.
Mas depois que me tornei pastor de uma grande igreja, a
situação se modificou enormemente. Todas
as vezes que vou ao escritório da escola bíblica: "Olá, irmão Ortiz! Dê me
seu casaco. Gostaria de tomar uma xícara de chá?" Agora eu era importante
para o negócio deles.
Coitado do pobre pastor que cair no desagrado! De repente
ele se torna um joâo ninguém, novamente.
Mas nesta nova vida de discipulado, nós amamos as pessoas,
qualquer que seja sua contribuição. Cada
membro da célula é importante. O dirigente compreende que cada um deles tem suas aspirações e esperanças. A
célula procura atender às necessidades de cada
pessoa.
O resultado é que não temos que suplicar a ninguém para
assistir às reuniões. Não precisamos
fazer chamadas telefônicas para dizer: "Olhe, não se esqueça da reunião da
célula. Por favor, esteja presente.
Prometa-me que irá comparecer." Não. Eles vão porque não podem deixar de ir. Neste grupo, eles se realizam.
A célula atende às suas necessidades de contato
social, crescimento espiritual, e até as necessidades materiais. Ela os
alivia de seus fardos e problemas de
modo que eles ficam aptos a assumir responsabilidades no Reino.
Mas a célula não pode centralizar-se apenas no grupo, senão
não passaria de um clube de boas pessoas
que fazem festas e piqueniques em conjunto. A célula também tem uma tarefa a cumprir: a grande comissão do Senhor
Jesus Cristo. Ela tem que fazer discípulos, pois de outro modo não haveria razão para sua
existência.
Entretanto, a tarefa nunca será realizada se as pessoas do grupo não se amarem umas às outras. As duas coisas se acham estreitamente associadas.