segunda-feira, 10 de maio de 2021

O discipulo - Capítulo 15


 As "Santas Tradições Protestantes" 

Quem era eu para que pudesse resistir a Deus? (At 11.17.)  

Ainda me lembro de como fiquei orgulhoso no dia em que meu primeiro filho entrou  para a escola. Na Argentina, todas as crianças usam uniforme escolar, uma espécie de  macacão branco, e nós fôramos às melhores lojas da cidade, e compráramos para Davi o mais  caro macacão que encontramos. E ele ficara tão bem!

Seis meses depois, porém, já não nos sentíamos tão felizes. O macacão de boa qualidade  não servia mais. Davi crescera. Tivemos que pôr aquele uniforme de lado e comprar outro,  um pouco maior. 

Naturalmente, agora nós já sabemos como são estas coisas. E para nossos quatro filhos,  compramos os mais baratos macacões da loja, pois sabemos que dentro de seis meses não  servirão mais para eles. 

' É o que acontece com qualquer tipo de estrutura. Qualquer estrutura serve muito bem  enquanto as pessoas permanecem como estão. Depois que elas crescem, as estruturas não  servem mais. 

Isto sucedeu com a igreja. Quanto mais nos desenvolvíamos na questão do discipulado,  mais percebíamos que nossas estruturas estavam atravancando o livre curso do Espírito Santo.  Não que as estruturas em si fossem erradas. Nós não as desprezamos: apenas reconhecemos  que foram criadas para ontem, e não para hoje. 

Os líderes não devem se ofender quando falamos acerca de mudanças de estruturação.  Isto significa apenas que estamos crescendo. Se pudermos viver anos e anos acomodados  dentro das mesmas estruturas, isto demonstra que não estamos crescendo. Por exemplo, em  nossa igreja havíamos usado um certo hinário durante quarenta anos. Depois que Deus  começou a nos renovar, já mudamos de hinário cinco vezes. 

Vinho novo precisa de odres novos. A diferença não está no estilo; não é que um odre  novo seja mais atraente ou esteja mais em moda que o velho. Não nos descartamos dos odres  velhos simplesmente porque estivessem velhos; nós os abandonamos porque estavam  enrijecidos. O odre deve ser flexível e elástico para aceitar bem o vinho novo. 

Os odres velhos de que Cristo nos fala em Mateus 9.17 são as estruturas tradicionais  antigas, que às vezes são mais duras que qualquer outra coisa. Alguns de nós acham mais fácil  anular um verso das Escrituras, que abandonar uma tradição. Muitas vezes, entramos em  conflito com a Bíblia a fim de obedecermos à nossa estrutura. 

Certa vez indaguei a um católico:! 

“Escute aqui, onde é que se encontra a adoração de Maria na Bíblia?” Eu realmente  desejava convencê-lo de seu erro. 

Ele era muito humilde. Por isso respondeu-me: “Bem, é possível que a Igreja Católica  dê uma importância demasiada à Virgem Maria; mas pelo menos existe uma Maria na Bíblia;  não existe?” “Certamente”, respondi. 

“No entanto, onde é que se encontram na Bíblia as denominações que vocês tanto  defendem?” perguntou ele. 

Não obstante o que a Bíblia ensina, também temos nossas tradições: as denominações.  Jesus tem somente uma esposa, a Igreja. Ele não é polígamo. No entanto, chegamos até a  dizer que as denominações fazem parte da vontade de Deus. Assim, nós culpamos a Deus  pelas nossas divisões e falta de amor. E depois criticamos os católicos pelas suas tradições.

Pelo menos, suas tradições são mais antigas que as nossas. Não devemos tentar remover  o argueiro dos olhos dos católicos, enquanto não tirarmos a trave que se encontra diante do  nosso. (No início deste nosso avivamento, comecei a escrever um livro intitulado As Santas  Tradições da Igreja Protestante, mas percebi que não estava sendo movido pelo amor, e parei.) 

Já mencionei anteriormente nossa tradição de fechar os olhos para orar. Mais de uma  vez, a Bíblia ensina exatamente o contrário. 

Observei, também, que a Bíblia diz: "Quem crer e for batizado será salvo" (Mc 16.16).  Nossa tradição, porém, ensina que quem crer e for salvo, após alguns meses de teste, será  batizado. 

Jesus disse: "Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-as em nome  do Pai, e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as cousas que vos tenho  ordenado" (Mt 28.19, 20). Nossa tradição diz para sairmos e fazermos discípulos de todas as  nações, ensinando-os a obedecer tudo que Jesus ordenou, e depois batizá-los. E em alguns  casos, os membros da igreja ainda precisam votar para aprovar o batismo de qualquer pessoa. 

De onde foi que tiramos isto? Não sei. Faz parte das santas tradições protestantes. E nós  também excluímos pessoas da igreja quando elas não se ajustam direitinho aos padrões  propostos pela tradição, sob todos os seus aspectos. 

E as tradições e estruturas são tão fortes! As vezes, até me pergunto se elas não são  inspiradas por um espírito maligno. É interessante notar a força que tem a tradição, mesmo na  vida de um apóstolo como Pedro, quando foi enviado à casa de Cornélio. 

Pedro estivera presente no momento em que Jesus dissera: "Ide, portanto, fazei  discípulos de todas as nações" (Mt 28.19). Ele também ouviu Jesus ordenar-lhes claramente:  "Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos  confins da terra." (At 1.8.) 

Mas quando se lhe apresentou o momento de testemunhar para Cornélio, um centurião  gentio, a tradição de Pedro o impediu. O Senhor precisou repetir a visão de animais imundos  suspensos por um lençol e dizer: "Ao que Deus purificou não consideres comum". E Pedro  insistia em responder: "De modo nenhum, Senhor..." (At 10.14,15). As tradições têm um  poder misterioso. As vezes, elas passam por cima até das palavras do próprio Deus. 

É a tradição que nos faz dizer: "Não, Senhor!" Nós lemos na Bíblia acerca da unidade  do Corpo de Cristo, e dizemos: "Não. Deus deseja que as denominações existam exatamente  como são!" Afirmamos que a Bíblia é nossa regra de fé e prática — a menos que entre em  conflito com nossa tradição. É fantástico! 

Por fim, o Senhor disse a Pedro: "Estão aí dois homens que te procuram; levanta-te,  pois, desce e vai com eles nada duvidando; porque eu os enviei" (vv. 19,20). (Ele não lhe  disse que os dois homens eram gentios, nem qual seria sua missão.) E afinal, Pedro  convenceu-se de que poderia obedecer, pelo menos nesta parte. \ 

Os homens lhe relatam o impressionante fato de que Cornélio estivera orando e recebera  a visita de um anjo, que lhe dissera para enviar mensageiros a Jope, exatamente àquela rua e  número, para encontrar um homem por nome Simão. O que o apóstolo poderia dizer? Ele é  obrigado a acompanhá-los. 

Mas durante todo o caminho ele vai contrariado. Entra na casa de Cornélio e quase que  a primeira coisa que diz é: "Vocês sabem que é abominação para nós visitarmos pessoas como  vocês." (Uma tradução livre da versão da Bíblia em espanhol.) 

Suponhamos que alguém entre em nossa casa e nos diga isto. Imediatamente, nós  responderíamos: “E ali é a porta da rua!” 

Podemos bem imaginar como Cornélio se sentiu. Ele convidara todos os seus parentes e  amigos para irem à sua casa. "Vocês irão conhecer um verdadeiro homem de Deus", disse lhes. "Um anjo me disse para chamá-lo. Ele é um santo homem, um varão perfeito, e ele nos  ensinará muitas coisas a respeito de Deus."

E então Pedro chega e os insulta. 

A seguir, o apóstolo menciona por que se deu ao trabalho de ir até ali, e depois diz:  “Pergunto, pois, por que razão me mandastes chamar?” (V. 29.) 

Um apóstolo de Jesus Cristo — e não sabe o que tem a fazer. Até mesmo uma  criancinha saberia. Pedro sabe que está fazendo uma pergunta tola; mas não parece disposto a  entregar-lhes a mensagem. Por quê? Tradição. 

Então Cornélio conta-lhe novamente sua história, repetindo o que seus mensageiros já  haviam dito a Pedro dois dias antes. Por fim, Pedro começa a pregar. Ele lhes fala de Jesus, de  seus milagres, de sua morte e ressurreição. 

Será que Pedro se atreverá a chegar ao ponto de apelar aos gentios para que se  arrependam? Acho que não. Acho que ele está somente rodeando... e finalmente, Deus  intervém, a despeito do que Pedro pensa, e o povo começa a louvar o Senhor, a falar em  línguas, a chorar, e, talvez, até a dançar — quem sabe? 

Pedro corre ao cômodo contíguo, onde estão seus companheiros judeus, e conferencia  com eles. 

“O que está havendo?” indaga um deles. “O que você fez, Pedro?” 

“Não fiz nada”, responde ele. “Eu não os batizei com o Espírito Santo — foi Deus. Eu  não posso fazer nada.” 

“Bem, e o que faremos agora? Será que devemos batizá-los nas águas?”  Enquanto isto, os gentios não enfrentam problema algum. Eles estão desfrutando  daquele derramamento do Espírito. Mas os tradicionalistas estão a braços com uma terrível  questão. A estrutura deles foi abalada. 

E eles discutem o assunto. Afinal, Pedro diz: "Bem, eu acho que devemos batizá-los.  Pois, se Deus..." 

"Pedro, o que você irá dizer à nossa cúpula em Jerusalém?" 

"Não sei; mas não encontro razão para não batizá-los." 

E quando eles regressam a Jerusalém, a notícia já lá chegara, antes deles. Pedro entra na  casa. 

"Olá, irmão. Como vai?" diz ele para alguém. 

"Vai haver uma reunião da mesa diretora às 6:00 horas." 

"Para quê?" 

"Quando chegar lá, ficará sabendo." A reunião inicia. 

"Muito bem, Pedro", diz um deles, "ouvimos dizer que você entrou na casa de um  gentio, comeu com eles. Não toque em nós; não toque em nós. Isto é verdade mesmo?"  E Pedro passa a relatar os fatos. 

"...e logo que comecei a falar caiu sobre eles o Espírito Santo..." 

"Não! Não!" 

"...exatamente como aconteceu conosco, no início..." "Não!" 

"...e se Deus concedeu a eles o mesmo dom que deu a nós, após crermos no Senhor  Jesus Cristo, quem era eu para me opor aos intentos de Deus?" 

Ouçamos agora o que a Bíblia diz: "E ouvindo eles estas cousas, apaziguaram-se e  glorificaram a Deus dizendo: Logo..." (At 11.15-18.) 

O poder da tradição é terrível. Deus fica impedido de realizar muitas das coisas que  deseja por causa das amarras que nos tolhem. E nós ficamos escandalizados todas as vezes  que ele quer modificar-nos um pouco. 

Nossa mente é como estas pequenas mesinhas de cabeceiras que comportam somente  uma lâmpada e alguns livros. Não poderíamos colocar um refrigerador sobre elas, pois se  quebrariam. É isto que acontece quando nossas mentes tradicionais recebem algum ensino  daquilo a que estamos acostumados. Ficamos quebrados em pedacinhos.

Lembro-me da primeira vez que fui a uma igreja da Assembléia de Deus, e vi as pessoas  batendo palmas. "Oh!" pensei, "Como estas pessoas são carnais." E eu lhes disse o que  pensava. Minha mentalidade simplesmente não tolerava aquilo. 

Mas depois eles mencionaram para mim todos os versos de Salmos que falam em bater  palmas perante o Senhor. 

A mesma coisa aconteceu na primeira vez que vi as pessoas começarem a dançar para o  Senhor. Ah! como eu me escandalizei. Minha tradição não permitia aquilo. E novamente,  Deus me fez saber que ele purificara tal coisa, e eu não podia declará-la imunda. 

Vejamos o fato da mulher que chegou diante de Jesus e quebrou o vaso com o perfume  sobre ele. Os discípulos ficaram contrariados e perguntaram: "Para que este desperdício?" (Mt  26.8.) Mas Jesus respondeu: "Ela praticou boa ação para comigo" (v. 10). Que coisa  maravilhosa! A mente dele não ficou nem um pouco transtornada! 

Devemos pedir a Deus para fortalecer nossas "mesinhas", para que elas possam  agüentar qualquer peso que ele queira colocar sobre nós. Ele quer realizar coisas maiores em  nossos dias, mas ele as retém por temer que sejamos esmigalhados. 

O que precisamos fazer para conhecer e realizar toda a vontade de Deus? Duas coisas,  diz Romanos 12.1,2. Primeiro, precisamos apresentar nosso corpo como sacrifício vivo e  santo. Um sacrifício vivo e santo é melhor que um sacrifício morto, pois o sacrifício vivo tem  um futuro. Deus pode fazer com ele o que desejar. 

Em segundo lugar, temos que ser transformados pela renovação de nossa mente. Temos  que estar preparados para mudanças. Estar no centro da vontade de Deus significa estar  continuamente pronto para sofrer mudanças. As vezes dizemos: "Senhor, mostra-me a tua  vontade!" Mas se ele mostrar, nós não faremos nada. Somos como um trem de ferro que diga:  "Por favor, dirija-me por estes trilhos." Para quê? Os trilhos já estão ali. 

Os trilhos são nossas tradições. Nós oramos assim: "Senhor, ajuda-nos a fazer tua  vontade", mas os trilhos que seguimos já estão pregados ao chão. 

Somos como as crianças num parque de diversões, guiando carrinhos. Elas giram o  volante para um lado e para outro, mas a despeito disso o carro segue sempre na mesma  direção. É assim que somos nas igrejas e nos concílios denominacionais. Fazemos vários tipos  de proposições (muita movimentação), mas tudo continua na mesma.