Quem era eu para que pudesse resistir a Deus? (At 11.17.)
Ainda me lembro de como fiquei orgulhoso no dia em que meu
primeiro filho entrou para a escola. Na
Argentina, todas as crianças usam uniforme escolar, uma espécie de macacão branco, e nós fôramos às melhores
lojas da cidade, e compráramos para Davi o mais
caro macacão que encontramos. E ele ficara tão bem!
Seis meses depois, porém, já não nos sentíamos tão felizes.
O macacão de boa qualidade não servia
mais. Davi crescera. Tivemos que pôr aquele uniforme de lado e comprar
outro, um pouco maior.
Naturalmente, agora nós já sabemos como são estas coisas. E
para nossos quatro filhos, compramos os
mais baratos macacões da loja, pois sabemos que dentro de seis meses não servirão mais para eles.
' É o que acontece com qualquer tipo de estrutura. Qualquer
estrutura serve muito bem enquanto as
pessoas permanecem como estão. Depois que elas crescem, as estruturas não servem mais.
Isto sucedeu com a igreja. Quanto mais nos desenvolvíamos na
questão do discipulado, mais percebíamos
que nossas estruturas estavam atravancando o livre curso do Espírito
Santo. Não que as estruturas em si
fossem erradas. Nós não as desprezamos: apenas reconhecemos que foram criadas para ontem, e não para
hoje.
Os líderes não devem se ofender quando falamos acerca de
mudanças de estruturação. Isto significa
apenas que estamos crescendo. Se pudermos viver anos e anos acomodados dentro das mesmas estruturas, isto demonstra
que não estamos crescendo. Por exemplo, em
nossa igreja havíamos usado um certo hinário durante quarenta anos.
Depois que Deus começou a nos renovar,
já mudamos de hinário cinco vezes.
Vinho novo precisa de odres novos. A diferença não está no
estilo; não é que um odre novo seja mais
atraente ou esteja mais em moda que o velho. Não nos descartamos dos odres velhos simplesmente porque estivessem velhos;
nós os abandonamos porque estavam
enrijecidos. O odre deve ser flexível e elástico para aceitar bem o
vinho novo.
Os odres velhos de que Cristo nos fala em Mateus 9.17 são as
estruturas tradicionais antigas, que às
vezes são mais duras que qualquer outra coisa. Alguns de nós acham mais
fácil anular um verso das Escrituras,
que abandonar uma tradição. Muitas vezes, entramos em conflito com a Bíblia a fim de obedecermos à
nossa estrutura.
Certa vez indaguei a um católico:!
“Escute aqui, onde é que se encontra a adoração de Maria na
Bíblia?” Eu realmente desejava
convencê-lo de seu erro.
Ele era muito humilde. Por isso respondeu-me: “Bem, é
possível que a Igreja Católica dê uma
importância demasiada à Virgem Maria; mas pelo menos existe uma Maria na
Bíblia; não existe?” “Certamente”,
respondi.
“No entanto, onde é que se encontram na Bíblia as
denominações que vocês tanto defendem?”
perguntou ele.
Não obstante o que a Bíblia ensina, também temos nossas
tradições: as denominações. Jesus tem
somente uma esposa, a Igreja. Ele não é polígamo. No entanto, chegamos até
a dizer que as denominações fazem parte
da vontade de Deus. Assim, nós culpamos a Deus
pelas nossas divisões e falta de amor. E depois criticamos os católicos
pelas suas tradições.
Pelo menos, suas tradições são mais antigas que as nossas.
Não devemos tentar remover o argueiro
dos olhos dos católicos, enquanto não tirarmos a trave que se encontra diante
do nosso. (No início deste nosso
avivamento, comecei a escrever um livro intitulado As Santas Tradições da Igreja Protestante, mas percebi
que não estava sendo movido pelo amor, e parei.)
Já mencionei anteriormente nossa tradição de fechar os olhos
para orar. Mais de uma vez, a Bíblia
ensina exatamente o contrário.
Observei, também, que a Bíblia diz: "Quem crer e for
batizado será salvo" (Mc 16.16).
Nossa tradição, porém, ensina que quem crer e for salvo, após alguns
meses de teste, será batizado.
Jesus disse: "Ide, portanto, fazei discípulos de todas
as nações, batizando-as em nome do Pai,
e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as cousas que vos
tenho ordenado" (Mt 28.19, 20).
Nossa tradição diz para sairmos e fazermos discípulos de todas as nações, ensinando-os a obedecer tudo que
Jesus ordenou, e depois batizá-los. E em alguns
casos, os membros da igreja ainda precisam votar para aprovar o batismo
de qualquer pessoa.
De onde foi que tiramos isto? Não sei. Faz parte das santas
tradições protestantes. E nós também
excluímos pessoas da igreja quando elas não se ajustam direitinho aos
padrões propostos pela tradição, sob
todos os seus aspectos.
E as tradições e estruturas são tão fortes! As vezes, até me
pergunto se elas não são inspiradas por
um espírito maligno. É interessante notar a força que tem a tradição, mesmo
na vida de um apóstolo como Pedro,
quando foi enviado à casa de Cornélio.
Pedro estivera presente no momento em que Jesus dissera:
"Ide, portanto, fazei discípulos de
todas as nações" (Mt 28.19). Ele também ouviu Jesus ordenar-lhes
claramente: "Sereis minhas
testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra." (At 1.8.)
Mas quando se lhe apresentou o momento de testemunhar para
Cornélio, um centurião gentio, a
tradição de Pedro o impediu. O Senhor precisou repetir a visão de animais
imundos suspensos por um lençol e dizer:
"Ao que Deus purificou não consideres comum". E Pedro insistia em responder: "De modo nenhum,
Senhor..." (At 10.14,15). As tradições têm um poder misterioso. As vezes, elas passam por
cima até das palavras do próprio Deus.
É a tradição que nos faz dizer: "Não, Senhor!" Nós
lemos na Bíblia acerca da unidade do
Corpo de Cristo, e dizemos: "Não. Deus deseja que as denominações existam
exatamente como são!" Afirmamos que
a Bíblia é nossa regra de fé e prática — a menos que entre em conflito com nossa tradição. É fantástico!
Por fim, o Senhor disse a Pedro: "Estão aí dois homens
que te procuram; levanta-te, pois, desce
e vai com eles nada duvidando; porque eu os enviei" (vv. 19,20). (Ele não
lhe disse que os dois homens eram
gentios, nem qual seria sua missão.) E afinal, Pedro convenceu-se de que poderia obedecer, pelo
menos nesta parte. \
Os homens lhe relatam o impressionante fato de que Cornélio
estivera orando e recebera a visita de
um anjo, que lhe dissera para enviar mensageiros a Jope, exatamente àquela rua
e número, para encontrar um homem por
nome Simão. O que o apóstolo poderia dizer? Ele é obrigado a acompanhá-los.
Mas durante todo o caminho ele vai contrariado. Entra na
casa de Cornélio e quase que a primeira
coisa que diz é: "Vocês sabem que é abominação para nós visitarmos pessoas
como vocês." (Uma tradução livre da
versão da Bíblia em espanhol.)
Suponhamos que alguém entre em nossa casa e nos diga isto.
Imediatamente, nós responderíamos: “E
ali é a porta da rua!”
Podemos bem imaginar como Cornélio se sentiu. Ele convidara
todos os seus parentes e amigos para
irem à sua casa. "Vocês irão conhecer um verdadeiro homem de Deus",
disse lhes. "Um anjo me disse para chamá-lo. Ele é um santo homem, um
varão perfeito, e ele nos ensinará
muitas coisas a respeito de Deus."
E então Pedro chega e os insulta.
A seguir, o apóstolo menciona por que se deu ao trabalho de
ir até ali, e depois diz: “Pergunto,
pois, por que razão me mandastes chamar?” (V. 29.)
Um apóstolo de Jesus Cristo — e não sabe o que tem a fazer.
Até mesmo uma criancinha saberia. Pedro
sabe que está fazendo uma pergunta tola; mas não parece disposto a entregar-lhes a mensagem. Por quê?
Tradição.
Então Cornélio conta-lhe novamente sua história, repetindo o
que seus mensageiros já haviam dito a
Pedro dois dias antes. Por fim, Pedro começa a pregar. Ele lhes fala de Jesus,
de seus milagres, de sua morte e
ressurreição.
Será que Pedro se atreverá a chegar ao ponto de apelar aos
gentios para que se arrependam? Acho que
não. Acho que ele está somente rodeando... e finalmente, Deus intervém, a despeito do que Pedro pensa, e o
povo começa a louvar o Senhor, a falar em
línguas, a chorar, e, talvez, até a dançar — quem sabe?
Pedro corre ao cômodo contíguo, onde estão seus companheiros
judeus, e conferencia com eles.
“O que está havendo?” indaga um deles. “O que você fez,
Pedro?”
“Não fiz nada”, responde ele. “Eu não os batizei com o
Espírito Santo — foi Deus. Eu não posso
fazer nada.”
“Bem, e o que faremos agora? Será que devemos batizá-los nas
águas?” Enquanto isto, os gentios não
enfrentam problema algum. Eles estão desfrutando daquele derramamento do Espírito. Mas os
tradicionalistas estão a braços com uma terrível questão. A estrutura deles foi abalada.
E eles discutem o assunto. Afinal, Pedro diz: "Bem, eu
acho que devemos batizá-los. Pois, se
Deus..."
"Pedro, o que você irá dizer à nossa cúpula em
Jerusalém?"
"Não sei; mas não encontro razão para não
batizá-los."
E quando eles regressam a Jerusalém, a notícia já lá
chegara, antes deles. Pedro entra na
casa.
"Olá, irmão. Como vai?" diz ele para alguém.
"Vai haver uma reunião da mesa diretora às 6:00
horas."
"Para quê?"
"Quando chegar lá, ficará sabendo." A reunião
inicia.
"Muito bem, Pedro", diz um deles, "ouvimos
dizer que você entrou na casa de um
gentio, comeu com eles. Não toque em nós; não toque em nós. Isto é
verdade mesmo?" E Pedro passa a
relatar os fatos.
"...e logo que comecei a falar caiu sobre eles o
Espírito Santo..."
"Não! Não!"
"...exatamente como aconteceu conosco, no
início..." "Não!"
"...e se Deus concedeu a eles o mesmo dom que deu a
nós, após crermos no Senhor Jesus
Cristo, quem era eu para me opor aos intentos de Deus?"
Ouçamos agora o que a Bíblia diz: "E ouvindo eles estas
cousas, apaziguaram-se e glorificaram a
Deus dizendo: Logo..." (At 11.15-18.)
O poder da tradição é terrível. Deus fica impedido de
realizar muitas das coisas que deseja
por causa das amarras que nos tolhem. E nós ficamos escandalizados todas as
vezes que ele quer modificar-nos um
pouco.
Nossa mente é como estas pequenas mesinhas de cabeceiras que
comportam somente uma lâmpada e alguns
livros. Não poderíamos colocar um refrigerador sobre elas, pois se quebrariam. É isto que acontece quando nossas
mentes tradicionais recebem algum ensino
daquilo a que estamos acostumados. Ficamos quebrados em pedacinhos.
Lembro-me da primeira vez que fui a uma igreja da Assembléia
de Deus, e vi as pessoas batendo palmas.
"Oh!" pensei, "Como estas pessoas são carnais." E eu lhes
disse o que pensava. Minha mentalidade
simplesmente não tolerava aquilo.
Mas depois eles mencionaram para mim todos os versos de
Salmos que falam em bater palmas perante
o Senhor.
A mesma coisa aconteceu na primeira vez que vi as pessoas
começarem a dançar para o Senhor. Ah!
como eu me escandalizei. Minha tradição não permitia aquilo. E novamente, Deus me fez saber que ele purificara tal
coisa, e eu não podia declará-la imunda.
Vejamos o fato da mulher que chegou diante de Jesus e
quebrou o vaso com o perfume sobre ele.
Os discípulos ficaram contrariados e perguntaram: "Para que este
desperdício?" (Mt 26.8.) Mas Jesus
respondeu: "Ela praticou boa ação para comigo" (v. 10). Que coisa maravilhosa! A mente dele não ficou nem um
pouco transtornada!
Devemos pedir a Deus para fortalecer nossas
"mesinhas", para que elas possam
agüentar qualquer peso que ele queira colocar sobre nós. Ele quer
realizar coisas maiores em nossos dias,
mas ele as retém por temer que sejamos esmigalhados.
O que precisamos fazer para conhecer e realizar toda a
vontade de Deus? Duas coisas, diz
Romanos 12.1,2. Primeiro, precisamos apresentar nosso corpo como sacrifício
vivo e santo. Um sacrifício vivo e santo
é melhor que um sacrifício morto, pois o sacrifício vivo tem um futuro. Deus pode fazer com ele o que
desejar.
Em segundo lugar, temos que ser transformados pela renovação
de nossa mente. Temos que estar
preparados para mudanças. Estar no centro da vontade de Deus significa
estar continuamente pronto para sofrer
mudanças. As vezes dizemos: "Senhor, mostra-me a tua vontade!" Mas se ele mostrar, nós não
faremos nada. Somos como um trem de ferro que diga: "Por favor, dirija-me por estes
trilhos." Para quê? Os trilhos já estão ali.
Os trilhos são nossas tradições. Nós oramos assim:
"Senhor, ajuda-nos a fazer tua
vontade", mas os trilhos que seguimos já estão pregados ao
chão.
Somos como as crianças num parque de diversões, guiando
carrinhos. Elas giram o volante para um
lado e para outro, mas a despeito disso o carro segue sempre na mesma direção. É assim que somos nas igrejas e nos
concílios denominacionais. Fazemos vários tipos
de proposições (muita movimentação), mas tudo continua na mesma.