segunda-feira, 10 de maio de 2021

O discipulo - Capítulo 14

A Formação de Discípulos 

Mas. de preferência, procurai as ovelhas perdidas da casa de Israel; e, à medida que seguirdes,  pregai que está próximo o reino dos céus. Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli  demônios; de graça recebestes, de graça dai... E em qualquer cidade ou povoado em que entrardes, indagai  quem neles é digno; e aí ficai até vos retirardes. Ao entrardes na casa, saudai-a." (Mt 10.6-8; 10,11.) 

Na formação de seus discípulos, Jesus seguia sempre o mesmo padrão. Ao invés de  ensinar-lhes fórmulas para guardarem no cérebro, ele lhes dava tarefas concretas para  realizarem. E eles obedeciam. 

Ele não pregou sermões inspirativos para motivá-los. Ele não precisou fazer isto.  Sermões inspirativos são para pessoas desobedientes que precisam ser coagidas à ação. Tais  pessoas precisam ser ativadas em suas emoções para que possam sentir como seria belo  poderem fazer aquilo que Jesus lhes ordena. 

Se nós nos colocássemos realmente sob as ordens de Cristo, ele simplesmente diria o  que desejava, e não precisaríamos de música suave ao órgão, nem palavras tocantes do púlpito  — nós faríamos aquilo que ele nos ordenou. Jesus não disse aos doze: "Que tal fazermos uma  excursão missionária? Talvez possamos realizar uma viagenzinha por nossa região, agora."  Não. Ele ordenou e eles foram. Foi assim a formação daqueles discípulos. 

Para que haja formação de vidas cristãs, temos que parar de ser oradores e começar a ser  pais. Os pregadores têm apenas ouvintes. Os pais têm filhos. Q aprendizado não ocorre pelo  ouvir, e sim pelo obedecer. 

O que acontece ao orador quando acaba de falar? Os ouvintes dizem: "Obrigado, pastor.  Foi um ótimo sermão." E é tudo. 

Quando os setenta regressaram a Jesus após terem obedecido seu mandamento,  contaram para o Senhor acerca dos demônios que se lhes submetiam. E a réplica de Jesus não  foi: "Muito obrigado por terem feito o que eu disse!" Em vez disso, ele deu outra ordem:  "Alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e, sim, porque os vossos nomes estão  arrolados nos céus" (Lc 10.20). 

Na ocasião em que Tiago e João quiseram invocar fogo dos céus sobre os samaritanos  hostis, a Bíblia diz claramente: "Jesus, porém, voltando-se os repreendeu" (Lc 9.55). Ao agir  assim, ele os estava formando. 

Quando Pedro levantou aquela objeção à idéia da crucificação, Jesus lhe disse: "Arreda!  Satanás; tu és para mim pedra de tropeço" (Mt 16.23). Será que podemos imaginar um pastor  moderno dizendo isto para uma pessoa de seu rebanho? Gostemos ou não, a repreensão é  parte do processo de formação no disci-pulado. 

A primeira lei do discipulado é a seguinte: sem submissão não há formação. Membros  de igreja que 

^ão do tipo sócio de clube não se submetem. Na realidade, tudo funciona exatamente ao  contrário — eles querem que o pastor se submeta a eles, pois eles têm o direito de voto dentro  do "clube". Aqui novamente vemos a coisa funcionando às avessas. No Evangelho Segundo  os Santos Evangélicos o pastor é submisso aos membros. No evangelho do Reino, o braço  controla os dedos, e não o inverso. 

A submissão está tão patente na Bíblia. "Sujei-tando-vos uns aos outros no temor de  Cristo", diz o texto de Efésios 5.21. "Obedecei aos vossos guias, e sede submissos para com  eles; pois velam por vossas almas, como quem deve prestar contas" (Hb 13.17).

Eu só posso formar o caráter de meus filhos se eles se submeterem a mim. Suponhamos  que a cada vez que eu precisar corrigi-los eu esteja correndo o risco de vê-los correr para  outro homem e dizer: "Não quero mais ser filho de Juan Carlos Ortiz. Quero ser seu filho." E  suponhamos que aquele homem diga: "Ah, entrem! Podem vir!" Eu teria que parar de corrigir  meus filhos, pois não desejo perdê-los. Eu os amo. Mas eu os corrijo porque tenho certeza de  que eles ficarão em casa, não importa o que aconteça. Eles são submissos. 

Na igreja, o pastor não pode formar vidas porque se ele endurecer um pouco com um  dos filhos, a .criança foge para outro orfanato. Paulo disse a Tito o seguinte: "Dize estas  cousas; exorta e repreende também com toda a autoridade. Ninguém te despreze" (2.15). Nós,  os pastores, primeiramente, temos que falar a nossos filhos. Se eles não atenderem, então  precisaremos exortá-los. Se apesar disso eles ainda não se corrigirem, temos que repreendê

los com autoridade. Se não agirmos assim, teremos filhos mal criados. 

Suponhamos que criássemos nossos filhos pelo sistema da igreja. Eu diria a meus  filhos: 

"Venham aqui. Está na hora do culto. Hoje o sermão versará sobre a higiene do rosto e  das orelhas. Assentem-se. Primeiro, vamos cantar um corinho muito bonito. Ele diz o  seguinte: O sabonete é maravilhoso, maravilhoso, maravilhoso! E quando misturado com  água, ele faz bolhas que voam, voam, voam!" Não é lindo? Gostaram do corinho? 

"Agora passemos à mensagem. O sabonete foi inventado na China, cerca de quatro  séculos antes de Cristo. Ele é distribuído em barrinhas de tamanhos variados, e apresenta  diversas cores e perfumes. Ele é feito de vários minerais e óleos vegetais ou animais, o que  determina o seu preço. E, quando misturamos água com sabonete e passamos a espuma  produzida no rosto e orelhas, ela nos torna limpos e bonitos. 

"Naturalmente, se deixarem cair sabão nos olhos, vai arder um pouco. Mas não demora  muito e aquilo passa, e se forem bem cuidadosos, poderão evitar este transtorno.  "Portanto, este é o modo de se manter o rosto e as orelhas bem limpos. Agora, enquanto  o órgão toca uma música suave e o coro entoa o hino 'Tal qual estou' , se qualquer um de  vocês se sentir profundamente tocado, e quiser lavar o rosto e as orelhas, por favor, ergam a  mão." 

Não é este o método certo para se formar vidas. Pelo menos, não foi este o método que  minha mãe empregou. Ela dava uma ordem e eu obedecia; agora, eu lavo o rosto e as orelhas  sem que ela tenha que se preocupar com isto. 

A segunda lei do discipulado diz o seguinte: sem submissão, não existe submissão." (O  leitor pode pensar que cometi um engano aqui, mas não.) A pessoa que dá ordens para seus  discípulos deve estar, ela própria, sob o comando de outrem. Ela repreende seus discípulos —  mas quem a repreende? Se não houver submissão em todos os degraus da cadeia de comando,  não há submissão alguma. 

Lembremo-nos do centuriâo romano que pediu a Jesus que curasse um de seus servos.  Jesus respondeu-lhe: "Eu irei curá-lo." 

Então o centuriâo disse: "Senhor, não sou digno de que entres em minha casa; mas  apenas manda com uma palavra, e o meu rapaz será curado. Pois eu também sou homem  sujeito à autoridade, tenho soldados às minhas ordens, e digo a este: Vai, e ele vai; e a outro:  Vem, e ele vem; e ao meu servo: Faze isto, e ele o faz" (Mt 8.7-9). 

Ele compreendia que ter autoridade significava estar sob autoridade. Eu, por mim  próprio, não posso criar minha autoridade. Ela vem de fora de mim. O verso de Romanos 13.1  diz: "Não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele  instituídas." E se Deus colocar mais dois ou três níveis de autoridade acima do meu? ótimo. A  autoridade só pode passar de mim para outros, se eu fizer parte da cadeia.

Imaginemos um sargento do exército. Ele diz a um soldado para fazer algo, e o soldado  obedece. O sargento fica muito feliz e diz consigo mesmo: Como eu sou poderoso! Acho que  vou abandonar o exército e formar meu próprio exército, em minha comunidade. 

Então ele volta para casa, reúne sua antiga turma, e diz: "Muito bem, rapazes. Agora  façam isto!" E eles se riem dele. 

O que aconteceu? Ao rejeitar a autoridade que estava acima dele, ele perdeu a  autoridade que possuía. O grande problema nosso, na igreja, é que desejamos ter autoridade e  ainda ser independentes. E isto é impossível. Ninguém pode ser independente e ainda ter  autoridade. Se alguém deseja possuir o direito de comandar outros, ele próprio precisa estar  sob o controle de outrem. Isto é uma lei eterna de Deus. 

E tal verdade é sumamente importante. O processo de formação de caracteres não  somente requer submissão, mas também uma inter-submissãC'. 

Como foi que aplicamos estas coisas em Buenos Aires? A primeira medida que tomei  foi colocar-me sob a autoridade dos pastores da cidade. (Explicarei isto mais adiante.) Aí  então, eu estava em posição de começar a fazer discípulos em minha própria igreja. 

Resolvemos deixar de empregar a palavra membro, pois ela traz consigo a idéia de um  clube, situação em que não há o conceito de submissão. Decidimos passar a usar a palavra  discípulo. Todos compreendiam bem o significado do vocábulo, e sabiam que ainda não se  enquadravam nele. 

E se alguém perguntasse a qualquer pessoa: "Você é membro desta igreja?" ela  responderia: "Sim, sou. Aqui estão minhas credenciais. Sou o membro de n.° 234."  Mas se ele perguntasse: "Você é um discípulo?" o outro responderia: "Não. Ainda não.  Nem sei se o pastor é realmente um discípulo. Ele ainda não me colocou sob a orientação de  um mestre para ser disci-pulado." 

Continuei pregando sobre o assunto durante um ano e meio, pois estava sem saber como  começar a prática. Todos já compreendiam bem o conceito certo de discipulado. Mas não  sabíamos realizar a transição. Por fim, sentindo-me grandemente frustrado, eu disse: "Olhem,  Jesus escolheu doze discípulos e começou dai. Eu sou o Rev. Juan Carlos Ortiz e tenho que  continuar a servir meu clube, mas também vou fundar uma igreja clandestina." 

E assim o Joãozinho começou as reuniões em sua casa. Roubou os diáconos do clube do  Rev. Juan Ortiz, e passou a tentar fazer deles discípulos. (Nesta nova estrutura, não sou mais o  Reverendo; sou apenas o Joãozinho. Antes, eu tinha que ser respeitado. Agora quero apenas  ser amado.) 

Dediquei-me àqueles discípulos. Eu os servi. Saímos em passeios pelo campo, em  grupo. Eles dormiam em minha casa e eu na deles. Tornamo-nos como uma família.  Após um período de mais ou menos seis meses, (isso não aconteceu da noite para o dia),  o clube todo começou a notar que meus discípulos estavam mais interessados em ajudá-los,  em amá-los, em testemunhar, em aconselhar. Então permiti que meus discípulos roubassem  mais alguns membros e passassem, eles próprios, a fazer discípulos. 

Levamos quase três anos, mas, finalmente, conseguimos transformar todo o clube em  uma família de discípulos de mais de mil e quinhentas pessoas. 

Isto significou, naturalmente, que tivemos de organizar um certo número de células.  Durante o período de transição, outras pessoas estavam sendo salvas nestas células, e nós as  proibimos de freqüentar a igreja-clube, pois não queríamos que se contaminassem com a  estrutura antiga. Eventualmente, esta estrutura velha deixou de existir. Glória a Deus! 

Sabem o que fizemos em seguida? Encerramos uma perseguição imaginária. Fizemos de  conta que nosso templo nos fora tomado por um mês. Reuníamos apenas em casas de família,  e aos domingos visitávamos outras igrejas — católicas, batistas, quaisquer igrejas. Cada um  dos cinco discípulos ficou como cabeça de um grupo, num bairro da cidade. Cacho, por  exemplo, que trabalha como mecânico-lanternei-ro, tem trezentos discípulos em células que se acham sob sua supervisão. Ele trabalha nove horas por dia na oficina, e depois dedica-se à  formação de vidas, e consegue formar mais discípulos que muitos pastores de tempo integral.  Cacho e seus trezentos foram visitar uma igreja batista que contava apenas com cem  assistentes. 

Já imaginaram? Lá vem trezentos visitantes. "De onde são?" 

"Somos da igreja do irmão Ortiz." "Por que vieram aqui?" "Viemos apenas visitá-los."  "E o seu culto?" 

"Bem. nós suspendemos nosso culto, para virmos visitá-los." 

Entenda-se; com esta nova estrutura de trabalho, podemos fazer o que quisermos.  Podemos convocar o grupo todo para uma reunião, e é possível fazê-lo em questão de horas,  caso seja necessário. Da próxima vez que realizarmos uma encenação de perseguição,  faremos no inverno, para ver como funciona. Talvez algum dia possamos muito bem  dispensar totalmente o uso do templo. Contudo, não iremos vendê-lo. 

Colocaremos camas, e instalaremos nele uma cantina para abrigar os pobres da  comunidade. Será também um centro para acolhermos visitantes e apóstolos itinerantes.  Mas nunca mais será uma caverna onde os crentes se escondam do mundo. Jesus nunca  disse: "Pecadores, venham para a igreja!" O que ele disse foi: "Crentes, saiam pelo mundo, e  façam discípulos." 

A igreja se assenta nos bancos e canta: "Vem já! Vem já! Alma cansada, vem já!" Mas  em vez disso, deveríamos cantar: "Vão já! Vão já! O assentados, vão já!" Realmente, nós  fazemos tudo ao contrário. Os pecadores estão mortos, perdidos, surdos, e cegos. No entanto,  nós instalamos cartazes para estes cegos lerem. Se não conseguimos mobilizar os crentes que  supostamente estão vivos, como podemos ter esperanças de mobilizar os não-salvos? 

Por outro lado, nossas células estão no mundo. Seus membros se reúnem em qualquer  lugar — num lar, numa praça, num restaurante, na praia. Alguns se reúnem às seis da manhã.  Outros, à meia-noite, pois as pessoas trabalham até tarde. É um organismo de funcionamento  bem flexível. 

Mais tarde, nós voltamos a usar a palavra membro, mas com um novo significado: o  membro do corpo. 

O membro do corpo é: 

(1) Dependente — Ninguém vê um nariz andando pela rua sozinho. O corpo precisa  estar todo interligado, como um só bloco. Se um membro é independente, não é parte do  corpo. 

(2) Uma parte do corpo que faz a ligação entre duas outras partes. O antebraço liga a  mão ao braço. 

(3) Uma parte que conduz alimentos — Ela recebe a nutrição para si mesma e para as  outras que se situam abaixo dela. 

(4) Um elemento que sustenta, que está fixo — Um membro do corpo não pode ser  atirado para fora do corpo. Por acaso, quando um homem chega em casa, a esposa lhe  pergunta: "Onde você perdeu sua perna direita?" Impossível! Ninguém perde um de seus  membros assim. 

(5) Um elemento que transmite ordens — A cabeça emite uma ordem para a mão, mas  esta ordem tem que atravessar os membros que se acham entre uma e outra. A mão nunca fica  aborrecida com o antebraço e diz: "Acho que vou me desligar de você e instalar um cabo de  ligação direta para a cabeça." Não. Nós somos um só corpo. 

(6) Elástico — O corpo é flexível. As organizações, em geral, caminham como robôs.  No passado, qualquer pessoa que tivesse uma idéia nova ou um talento novo, geralmente,  tinha que deixar a igreja, e ir trabalhar em outra. As pessoas que tinham uma chamada  missionária, precisavam dirigir-se à Cruzada Estudantil Para Cristo, ou à Mocidade Para Cristo, ou juntar-se aos Navegadores, ou a outra missão qualquer, a fim de se entregar a um  trabalho missionário. 

Mas quando a Igreja é um corpo de discípulos, ela é flexível. A Igreja está espalhada  por todas as partes do mundo; está livre para ser o sal da terra e a luz do mundo.