A Formação de Discípulos
Mas. de preferência, procurai as ovelhas perdidas da casa de
Israel; e, à medida que seguirdes,
pregai que está próximo o reino dos céus. Curai enfermos, ressuscitai
mortos, purificai leprosos, expeli demônios;
de graça recebestes, de graça dai... E em qualquer cidade ou povoado em que
entrardes, indagai quem neles é digno; e
aí ficai até vos retirardes. Ao entrardes na casa, saudai-a." (Mt 10.6-8;
10,11.)
Na formação de seus discípulos, Jesus seguia sempre o mesmo
padrão. Ao invés de ensinar-lhes
fórmulas para guardarem no cérebro, ele lhes dava tarefas concretas para realizarem. E eles obedeciam.
Ele não pregou sermões inspirativos para motivá-los. Ele não
precisou fazer isto. Sermões
inspirativos são para pessoas desobedientes que precisam ser coagidas à ação.
Tais pessoas precisam ser ativadas em
suas emoções para que possam sentir como seria belo poderem fazer aquilo que Jesus lhes
ordena.
Se nós nos colocássemos realmente sob as ordens de Cristo,
ele simplesmente diria o que desejava, e
não precisaríamos de música suave ao órgão, nem palavras tocantes do
púlpito — nós faríamos aquilo que ele
nos ordenou. Jesus não disse aos doze: "Que tal fazermos uma excursão missionária? Talvez possamos
realizar uma viagenzinha por nossa região, agora." Não. Ele ordenou e eles foram. Foi assim a
formação daqueles discípulos.
Para que haja formação de vidas cristãs, temos que parar de
ser oradores e começar a ser pais. Os
pregadores têm apenas ouvintes. Os pais têm filhos. Q aprendizado não ocorre
pelo ouvir, e sim pelo obedecer.
O que acontece ao orador quando acaba de falar? Os ouvintes
dizem: "Obrigado, pastor. Foi um
ótimo sermão." E é tudo.
Quando os setenta regressaram a Jesus após terem obedecido
seu mandamento, contaram para o Senhor
acerca dos demônios que se lhes submetiam. E a réplica de Jesus não foi: "Muito obrigado por terem feito o
que eu disse!" Em vez disso, ele deu outra ordem: "Alegrai-vos, não porque os espíritos se
vos submetem, e, sim, porque os vossos nomes estão arrolados nos céus" (Lc 10.20).
Na ocasião em que Tiago e João quiseram invocar fogo dos
céus sobre os samaritanos hostis, a
Bíblia diz claramente: "Jesus, porém, voltando-se os repreendeu" (Lc
9.55). Ao agir assim, ele os estava
formando.
Quando Pedro levantou aquela objeção à idéia da
crucificação, Jesus lhe disse: "Arreda!
Satanás; tu és para mim pedra de tropeço" (Mt 16.23). Será que
podemos imaginar um pastor moderno
dizendo isto para uma pessoa de seu rebanho? Gostemos ou não, a repreensão
é parte do processo de formação no disci-pulado.
A primeira lei do discipulado é a seguinte: sem submissão
não há formação. Membros de igreja
que
^ão do tipo sócio de clube não se submetem. Na realidade,
tudo funciona exatamente ao contrário —
eles querem que o pastor se submeta a eles, pois eles têm o direito de voto
dentro do "clube". Aqui
novamente vemos a coisa funcionando às avessas. No Evangelho Segundo os Santos Evangélicos o pastor é submisso aos
membros. No evangelho do Reino, o braço
controla os dedos, e não o inverso.
A submissão está tão patente na Bíblia.
"Sujei-tando-vos uns aos outros no temor de Cristo", diz o texto de Efésios 5.21.
"Obedecei aos vossos guias, e sede submissos para com eles; pois velam por vossas almas, como quem
deve prestar contas" (Hb 13.17).
Eu só posso formar o caráter de meus filhos se eles se
submeterem a mim. Suponhamos que a cada
vez que eu precisar corrigi-los eu esteja correndo o risco de vê-los correr
para outro homem e dizer: "Não
quero mais ser filho de Juan Carlos Ortiz. Quero ser seu filho." E suponhamos que aquele homem diga: "Ah,
entrem! Podem vir!" Eu teria que parar de corrigir meus filhos, pois não desejo perdê-los. Eu os
amo. Mas eu os corrijo porque tenho certeza de
que eles ficarão em casa, não importa o que aconteça. Eles são
submissos.
Na igreja, o pastor não pode formar vidas porque se ele
endurecer um pouco com um dos filhos, a
.criança foge para outro orfanato. Paulo disse a Tito o seguinte: "Dize
estas cousas; exorta e repreende também
com toda a autoridade. Ninguém te despreze" (2.15). Nós, os pastores, primeiramente, temos que falar a
nossos filhos. Se eles não atenderem, então
precisaremos exortá-los. Se apesar disso eles ainda não se corrigirem,
temos que repreendê
los com autoridade. Se não agirmos assim, teremos filhos mal
criados.
Suponhamos que criássemos nossos filhos pelo sistema da
igreja. Eu diria a meus filhos:
"Venham aqui. Está na hora do culto. Hoje o sermão
versará sobre a higiene do rosto e das
orelhas. Assentem-se. Primeiro, vamos cantar um corinho muito bonito. Ele diz
o seguinte: O sabonete é maravilhoso,
maravilhoso, maravilhoso! E quando misturado com água, ele faz bolhas que voam, voam,
voam!" Não é lindo? Gostaram do corinho?
"Agora passemos à mensagem. O sabonete foi inventado na
China, cerca de quatro séculos antes de
Cristo. Ele é distribuído em barrinhas de tamanhos variados, e apresenta diversas cores e perfumes. Ele é feito de
vários minerais e óleos vegetais ou animais, o que determina o seu preço. E, quando misturamos
água com sabonete e passamos a espuma
produzida no rosto e orelhas, ela nos torna limpos e bonitos.
"Naturalmente, se deixarem cair sabão nos olhos, vai
arder um pouco. Mas não demora muito e
aquilo passa, e se forem bem cuidadosos, poderão evitar este transtorno. "Portanto, este é o modo de se manter o
rosto e as orelhas bem limpos. Agora, enquanto
o órgão toca uma música suave e o coro entoa o hino 'Tal qual estou' ,
se qualquer um de vocês se sentir
profundamente tocado, e quiser lavar o rosto e as orelhas, por favor, ergam
a mão."
Não é este o método certo para se formar vidas. Pelo menos,
não foi este o método que minha mãe
empregou. Ela dava uma ordem e eu obedecia; agora, eu lavo o rosto e as
orelhas sem que ela tenha que se preocupar
com isto.
A segunda lei do discipulado diz o seguinte: sem submissão,
não existe submissão." (O leitor
pode pensar que cometi um engano aqui, mas não.) A pessoa que dá ordens para
seus discípulos deve estar, ela própria,
sob o comando de outrem. Ela repreende seus discípulos — mas quem a repreende? Se não houver submissão
em todos os degraus da cadeia de comando,
não há submissão alguma.
Lembremo-nos do centuriâo romano que pediu a Jesus que
curasse um de seus servos. Jesus
respondeu-lhe: "Eu irei curá-lo."
Então o centuriâo disse: "Senhor, não sou digno de que
entres em minha casa; mas apenas manda
com uma palavra, e o meu rapaz será curado. Pois eu também sou homem sujeito à autoridade, tenho soldados às
minhas ordens, e digo a este: Vai, e ele vai; e a outro: Vem, e ele vem; e ao meu servo: Faze isto, e
ele o faz" (Mt 8.7-9).
Ele compreendia que ter autoridade significava estar sob
autoridade. Eu, por mim próprio, não
posso criar minha autoridade. Ela vem de fora de mim. O verso de Romanos
13.1 diz: "Não há autoridade que
não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas." E se Deus colocar mais
dois ou três níveis de autoridade acima do meu? ótimo. A autoridade só pode passar de mim para outros,
se eu fizer parte da cadeia.
Imaginemos um sargento do exército. Ele diz a um soldado
para fazer algo, e o soldado obedece. O
sargento fica muito feliz e diz consigo mesmo: Como eu sou poderoso! Acho
que vou abandonar o exército e formar
meu próprio exército, em minha comunidade.
Então ele volta para casa, reúne sua antiga turma, e diz:
"Muito bem, rapazes. Agora façam
isto!" E eles se riem dele.
O que aconteceu? Ao rejeitar a autoridade que estava acima
dele, ele perdeu a autoridade que
possuía. O grande problema nosso, na igreja, é que desejamos ter autoridade
e ainda ser independentes. E isto é
impossível. Ninguém pode ser independente e ainda ter autoridade. Se alguém deseja possuir o
direito de comandar outros, ele próprio precisa estar sob o controle de outrem. Isto é uma lei
eterna de Deus.
E tal verdade é sumamente importante. O processo de formação
de caracteres não somente requer
submissão, mas também uma inter-submissãC'.
Como foi que aplicamos estas coisas em Buenos Aires? A
primeira medida que tomei foi colocar-me
sob a autoridade dos pastores da cidade. (Explicarei isto mais adiante.)
Aí então, eu estava em posição de
começar a fazer discípulos em minha própria igreja.
Resolvemos deixar de empregar a palavra membro, pois ela
traz consigo a idéia de um clube,
situação em que não há o conceito de submissão. Decidimos passar a usar a
palavra discípulo. Todos compreendiam
bem o significado do vocábulo, e sabiam que ainda não se enquadravam nele.
E se alguém perguntasse a qualquer pessoa: "Você é
membro desta igreja?" ela
responderia: "Sim, sou. Aqui estão minhas credenciais. Sou o membro
de n.° 234." Mas se ele
perguntasse: "Você é um discípulo?" o outro responderia: "Não.
Ainda não. Nem sei se o pastor é
realmente um discípulo. Ele ainda não me colocou sob a orientação de um mestre para ser disci-pulado."
Continuei pregando sobre o assunto durante um ano e meio,
pois estava sem saber como começar a
prática. Todos já compreendiam bem o conceito certo de discipulado. Mas
não sabíamos realizar a transição. Por
fim, sentindo-me grandemente frustrado, eu disse: "Olhem, Jesus escolheu doze discípulos e começou dai.
Eu sou o Rev. Juan Carlos Ortiz e tenho que
continuar a servir meu clube, mas também vou fundar uma igreja
clandestina."
E assim o Joãozinho começou as reuniões em sua casa. Roubou
os diáconos do clube do Rev. Juan Ortiz,
e passou a tentar fazer deles discípulos. (Nesta nova estrutura, não sou mais
o Reverendo; sou apenas o Joãozinho.
Antes, eu tinha que ser respeitado. Agora quero apenas ser amado.)
Dediquei-me àqueles discípulos. Eu os servi. Saímos em
passeios pelo campo, em grupo. Eles
dormiam em minha casa e eu na deles. Tornamo-nos como uma família. Após um período de mais ou menos seis meses,
(isso não aconteceu da noite para o dia),
o clube todo começou a notar que meus discípulos estavam mais
interessados em ajudá-los, em amá-los,
em testemunhar, em aconselhar. Então permiti que meus discípulos roubassem mais alguns membros e passassem, eles
próprios, a fazer discípulos.
Levamos quase três anos, mas, finalmente, conseguimos
transformar todo o clube em uma família
de discípulos de mais de mil e quinhentas pessoas.
Isto significou, naturalmente, que tivemos de organizar um
certo número de células. Durante o
período de transição, outras pessoas estavam sendo salvas nestas células, e nós
as proibimos de freqüentar a
igreja-clube, pois não queríamos que se contaminassem com a estrutura antiga. Eventualmente, esta
estrutura velha deixou de existir. Glória a Deus!
Sabem o que fizemos em seguida? Encerramos uma perseguição
imaginária. Fizemos de conta que nosso
templo nos fora tomado por um mês. Reuníamos apenas em casas de família, e aos domingos visitávamos outras igrejas —
católicas, batistas, quaisquer igrejas. Cada um
dos cinco discípulos ficou como cabeça de um grupo, num bairro da
cidade. Cacho, por exemplo, que trabalha
como mecânico-lanternei-ro, tem trezentos discípulos em células que se acham
sob sua supervisão. Ele trabalha nove horas por dia na oficina, e depois
dedica-se à formação de vidas, e
consegue formar mais discípulos que muitos pastores de tempo integral. Cacho e seus trezentos foram visitar uma
igreja batista que contava apenas com cem
assistentes.
Já imaginaram? Lá vem trezentos visitantes. "De onde
são?"
"Somos da igreja do irmão Ortiz." "Por que
vieram aqui?" "Viemos apenas visitá-los." "E o seu culto?"
"Bem. nós suspendemos nosso culto, para virmos
visitá-los."
Entenda-se; com esta nova estrutura de trabalho, podemos
fazer o que quisermos. Podemos convocar
o grupo todo para uma reunião, e é possível fazê-lo em questão de horas, caso seja necessário. Da próxima vez que
realizarmos uma encenação de perseguição,
faremos no inverno, para ver como funciona. Talvez algum dia possamos
muito bem dispensar totalmente o uso do
templo. Contudo, não iremos vendê-lo.
Colocaremos camas, e instalaremos nele uma cantina para
abrigar os pobres da comunidade. Será
também um centro para acolhermos visitantes e apóstolos itinerantes. Mas nunca mais será uma caverna onde os
crentes se escondam do mundo. Jesus nunca
disse: "Pecadores, venham para a igreja!" O que ele disse foi:
"Crentes, saiam pelo mundo, e façam
discípulos."
A igreja se assenta nos bancos e canta: "Vem já! Vem
já! Alma cansada, vem já!" Mas em
vez disso, deveríamos cantar: "Vão já! Vão já! O assentados, vão já!"
Realmente, nós fazemos tudo ao
contrário. Os pecadores estão mortos, perdidos, surdos, e cegos. No
entanto, nós instalamos cartazes para
estes cegos lerem. Se não conseguimos mobilizar os crentes que supostamente estão vivos, como podemos ter
esperanças de mobilizar os não-salvos?
Por outro lado, nossas células estão no mundo. Seus membros
se reúnem em qualquer lugar — num lar,
numa praça, num restaurante, na praia. Alguns se reúnem às seis da manhã. Outros, à meia-noite, pois as pessoas
trabalham até tarde. É um organismo de funcionamento bem flexível.
Mais tarde, nós voltamos a usar a palavra membro, mas com um
novo significado: o membro do
corpo.
O membro do corpo é:
(1) Dependente — Ninguém vê um nariz andando pela rua
sozinho. O corpo precisa estar todo
interligado, como um só bloco. Se um membro é independente, não é parte do corpo.
(2) Uma parte do corpo que faz a ligação entre duas outras
partes. O antebraço liga a mão ao
braço.
(3) Uma parte que conduz alimentos — Ela recebe a nutrição
para si mesma e para as outras que se
situam abaixo dela.
(4) Um elemento que sustenta, que está fixo — Um membro do
corpo não pode ser atirado para fora do
corpo. Por acaso, quando um homem chega em casa, a esposa lhe pergunta: "Onde você perdeu sua perna
direita?" Impossível! Ninguém perde um de seus membros assim.
(5) Um elemento que transmite ordens — A cabeça emite uma
ordem para a mão, mas esta ordem tem que
atravessar os membros que se acham entre uma e outra. A mão nunca fica aborrecida com o antebraço e diz: "Acho
que vou me desligar de você e instalar um cabo de ligação direta para a cabeça." Não. Nós
somos um só corpo.
(6) Elástico — O corpo é flexível. As organizações, em
geral, caminham como robôs. No passado,
qualquer pessoa que tivesse uma idéia nova ou um talento novo, geralmente, tinha que deixar a igreja, e ir trabalhar em
outra. As pessoas que tinham uma chamada
missionária, precisavam dirigir-se à Cruzada Estudantil Para Cristo, ou
à Mocidade Para Cristo, ou juntar-se aos Navegadores, ou a outra missão
qualquer, a fim de se entregar a um
trabalho missionário.
Mas quando a Igreja é um corpo de discípulos, ela é flexível. A Igreja está espalhada por todas as partes do mundo; está livre para ser o sal da terra e a luz do mundo.