Também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados
casa espiritual para serdes sacerdócio
santo. (1 Pe 2.5.)
Se ao menos esta declaração de Pedro pudesse ser aplicada
aos crentes de hoje em dia. E em alguns
lugares talvez possa, mas o mais comum é a igreja não ser uma casa espiritual
— mas apenas uma pilha de tijolos
soltos. Existe uma grande diferença entre uma e outras
Cada membro da congregação é um tijolo, e todos I nós nos
esforçamos arduamente para conseguir
mais tijolos. Até o pastor trabalha em evangelismo, no intento de levar
mais tijolos para o local da
construção.
Mas existe um problema com este material solto — os tijolos
podem ser roubados. O pastor e o pessoal
da igreja têm que estar sempre atentojs, pois alguém de outra igreja pode vir e roubar alguns tijolos de seu lote. E,
na verdade, estão todos tão atarefados nisso, que o edifício nunca é construído.
Nós somos a alvenaria de Deus, mas ainda não fomos
assentados no lugar devido, em seu
edifício, para que possamos sustentar nossa parte da responsabilidade, e,
fortalecer a estrutura. Se tivéssemos
sido colocados no lugar, saberíamos quais os tijolos que estão abaixo de nós e quais os que estão acima, e
saberíamos como nos relacionar uns com os outros.
Mas, atualmente, o que fazemos é ficar o tempo todo vigiando
uns aos outros. Temos tanto medo que
alguém possa escapulir! E enquanto isso, esquecemo-nos dos perdidos que se encontram lá fora, ao frio, procurando uma
casa aquecida que os abrigue.
Se o pastor pensa em nos pegar e colocar em nosso lugar do
edifício, resistimos. A igreja tem que
funcionar democraticamente, dizemos. Não nos submetemos a pessoa alguma. Submetemo-nos somente ao voto da maioria (e,
por vezes, nem a ele). Já ouvi crentes dizerem
orgulhosamente: "Não sigo homem algum — sigo a Cristo." Tal
afirmação pode parecer muito espiritual,
mas, na realidade, é um terrível engano. Ela significa que a pessoa quer
fazer a própria vontade; ela nem sabe o
que significa seguir a Cristo.
Paulo disse: "Sede meus imitadores, como também eu sou
de Cristo" (1 Co 11.1). Nós, os
pastores, às vezes, tememos dizer isto, porque não estamos vivendo como
devíamos. E, por isso, o que falamos é:
"Não olhe para mim, irmão. Siga a Bíblia."
Sabe o que isto quer dizer? Isto quer dizer o seguinte:
"Eu já tentei e não consegui. Agora
tente você." Não admira que os leigos se sintam desencorajados. Se o
pastor não consegue fazer aquilo que a
Bíblia diz, quem conseguirá?
Paulo não tinha medo de colocar-se como modelo a ser
imitado. Ele disse o seguinte aos
filipenses: "O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e
vistes em mim, isso praticai; e o Deus
da paz será convosco" (Fp 4.9). Isto pode não ser muito democrático,
mas dá como resultado a edificação de um
prédio forte.
A razão por que isto dá certo é que se baseia no princípio
da multiplicação. Certa vez uma senhora
idosa apresentou-me uma moça.
"Esta jovem é minha neta", disse ela.
"É mesmo?" indaguei.
"É. E eu já tenho bisnetos", informou ela. "E
uma delas já tem quinze anos. Se ela se
casar breve, eu posso até chegar a ver meus trinetos."
"Quantos filhos a senhora teve?" perguntei.
"Seis."
"E quantos netos?" i| "Trinta e seis."
"E quantos bisnetos?"
"Não sei", respondeu ela. "Nunca
contei."
Nas mesmas proporções, ela poderia ter 216 bisnetos e 1296
trinetos. E a sua família era realmente
notável. Um dos filhos era médico; outro, advogado. Dois eram fazendeiros.
Um deles era motorista de praça. Entre
seus netos contavam-se engenheiros e muitos outros profissionais liberais.
Se eu lhe perguntasse: "E como foi que a senhora
conseguiu criar uma família tão numerosa
— isto é, alimentar bem todos eles, vesti-los, dar-lhes boa educação
escolar?" ela teria respondido:
"Mas eu não criei todos. Criei apenas seis."
Nós não aplicamos este processo de multiplicação na igreja.
O pobre do pastor tem que tomar conta de
todos, e aí é que está o problema.
Se quisermos crescer e expandir e assentar os tijolos para
edificar o edifício, temos que modificar
este estado de coisas. Temos que fazer discípulos para que estes possam
fazer outros discípulos. Temos que ser
pais, e não diretores de orfanatos.
Foi assim que Jesus agiu. E não foi ele o melhor pastor que
já existiu? Entretanto, ele cuidou apenas
de doze homens. O verso de Mateus 9.36 diz: "Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e
exaustas como ovelhas que não têm pastor."
Por quê? Não era ele o bom pastor? Sim, era. Mas um pastor
não pode ocupar-se de um ilimitado
número de ovelhas, mesmo que este pastor seja Jesus. Se ele não pôde fazer
mais que doze discípulos de uma vez,
como é que eu posso fazê-lo?
Jesus colocou-os no edifício. Quando partiu, eles já sabiam
o que fazer: sair para formar outros
discípulos, assim como Jesus fizera com eles.
Então eles partiram e começaram a ensinar e a testemunhar de
casa em casa, em pequenos grupos. Nós
não fazemos assim na igreja moderna. Aos domingos, nós reunimos todos no refeitório do orfanato e dizemos:
"Atenção! Abram todos a boca. Aí vai o almoço!" E depois, atiramo-lhes o alimento, a todos
eles de uma vez, e no final dizemos: "Adeus. Estão dispensados, e até o próximo domingo!"
Isto não é modo de alimentar crianças. Temos que tomar cada
uma no colo, uma a uma, e colocar o bico
da mamadeira em sua boca. Depois que ela cresce um pouco mais, já começa a alimentar-se sozinha, e por fim, poderá até
ajudar-nos a preparar a mamadeira para os mais
novinhos. Ela já ocupa sua própria posição de desenvolvimento dentro da
família.
Assim, trata-se de um ministério de edificação, de
construção, e não de ama-seca.
Naturalmente, temos que perguntar a nós mesmos o que é que estamos
edificando. Uma denominação? Descobri
que eu havia feito isto por vários anos. Nas convenções, eu tinha muito orgulho das realizações de meu grupo:
era um outro reinozinho pequeno. Então
eu compreendi que Paulo nos conclama a trabalhar em prol da edificação do "corpo de Cristo" (Ef 4.12). Nós
não entendemos isto hoje em dia. Não pensamos em termos do corpo de Cristo como um todo. Pensamos em
termos de partes do corpo — a parte batista,
a parte presbiteriana, a parte das Assembléias de Deus, etc. E temos a
pretensão de pensar que aquela parte é o
todo.
Paulo disse aos coríntios que era um erro muito grave comer
e beber sem "discernir o
corpo" (1 Co 11.29). O pão único da Ceia do Senhor significa que
apesar de sermos muitos, somos um.
Mas, como podemos edificar algo que não entendemos? Não
podemos, e não estamos edificando. Em
vez disso, estamos edificando nossos próprios reinos, denominações e programas às expensas de outras partes do
corpo.
Nós estamos loucos! Se alguém vir um homem cortando o
próprio pé com uma faca, ele dirá:
"Que loucura é esta que você está fazendo?"
"Estou cortando meu pé."
"Por quê?"
"Porque este pé pisou no outro, e o outro disse:
'Corte-o'."
Este homem perdeu o juízo. Ele não tem discernimento para
ver que os dois pés pertencem a um mesmo
corpo.
As vezes quando estamos comendo, mordemos a língua. Ah, que
dor! Mas ninguém resolve, por isso,
extrair todos os dentes. A língua, embora ela possa falar, não se vira
para nós e diz: "Vamos nos livrar
de todos estes dentes." Está claro que os dentes pertencem ao corpo.
Ouçam-me: nós precisamos compreender o que o Corpo de Cristo
é. Temos que parar de fazer loucuras com
nós mesmos, falando uns contra os outros. Não é de se surpreender que soframos tanto. Não é de se admirar que a
Igreja esteja tão fraca e perdendo sangue.
Os homens que mataram o corpo físico de Cristo — Pôncio
Pilatos, os executores romanos e os
sacerdotes judeus — pelo menos tinham um objetivo em mira. Foi um ato terrível, mas pelo menos resultou no fato de
Jesus pagar pelos nossos pecados.
Mas qual é nosso propósito ao perseguir o corpo espiritual
de Cristo? Qual é nosso motivo para
crucificar, ferir e dividir o corpo? Não o temos, e nosso castigo por fazermos
tal coisa será mais severo que o de
Pilatos ou Judas.
Talvez a Ceia do Senhor possa ensinar-nos a amar e respeitar
e edificar o Corpo de Cristo — todo o
corpo. Se não aprendemos isto, estamos loucos.
O corpo todo precisa, como dizem os americanos, "ficar
junto". Os braços e pernas precisam
estar solidamente interligados. "Porque, assim como num só corpo temos muitos membros, mas nem todos os membros têm a mesma
função; assim também nós, conquanto
muitos, somos um só corpo em Cristo, e membros uns dos outros." (Rm
12.4,5).
Já mencionei anteriormente a passagem de Efésios 4.11-15. O
verso 16 fala de Cristo: "de quem
todo o corpo, bem ajustado e consolidado, pelo auxílio de toda junta, segundo
a justa cooperação de cada parte, efetua
o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor."
Deixem-me enfatizar bem isto: se os membros não estão
ajustados e consolidados, eles não
formam um corpo. São apenas um conjunto de vários membros.
O que significa ser membro da igreja hoje em dia? Quase
todas as igrejas fazem três
exigências:
(1) O membro deve freqüentar as reuniões.
(2) O membro deve contribuir.
(3) O membro deve ter um bom caráter.
Se estes três requisitos são satisfeitos, ele é considerado
um bom membro da igreja. Então ele é
como um sócio de um clube qualquer — freqüenta a sede, paga as mensalidades
e procura não envergonhar sua
agremiação.
Mas quando nós, lá em Buenos Aires, começamos a procurar
estas coisas nos Evangelhos e em Atos
dos Apóstolos, não encontramos nada. Na verdade, não encontramos a palavra membro em lugar algum. Não
encontramos em nenhum dos registros da Igreja
primitiva um lugar onde se narrasse que eles aceitaram membros na
igreja, ou tivessem realizado uma
cerimônia especial, ou coisa semelhante.
Mas no livro de Atos, encontramos outra palavra que
realmente revolucionou nossa vida e
nossa igreja — a palavra discípulo. E indagamos de nós mesmos: "O que era
um discípulo?" Não era o que chamamos
"membro de igreja". Um discípulo é uma pessoa que aprende a viver do mesmo modo que seu mestre. E
depois, ele próprio comunica a outros a vida que tem.
Portanto, o discipulado não consiste em uma transmissão de
conhecimentos ou de informações. É uma
transmissão de vida. Foi por isto que Jesus disse: "As palavras que eu
vos tenho dito são espírito e são
vida" (Jo 6.63).
Ser discipulado não_é_apenas aprender o que o mestre sabe —
e chegara ser como_gle_á1 Y É por isso
que a Bíblia diz que temos que fazer discípulos. Isto implica em algo mais do que apenas falar com eles, ou
ganhá-los ou instruí-los. Fazer um discípulo
significa formar uma duplicata de outrem.
Obviamente, então, o mestre tem que ser, ele também, um
discípulo. A visão atual do significado
de discipular permite brigar com a esposa à mesa do café, e depois ir para a
igreja e pregar a respeito do amor no
lar. Mas no método de fazer discípulos, não podemos agir assim. Os discípulos ficam mais tempo
conosco; eles entram em nossa casa, vêem como é que nós vivemos e é deste modo que passam a
imitar-nos.
Suponhamos que uma pessoa viajasse comigo durante uma semana
e depois dissesse: "Olhe aqui, Juan
Carlos, você é um mestre. Por favor, marque comigo uma hora para ensinar me
algumas coisas." Eu responderia: "Se você não aprendeu nada estando
em minha companhia estes sete dias, não
tenho nada para ensinar-lhe.".Discipular não é tanto falar; é mais vjxex.
Vamos pensar um pouco acerca das três dimensões do ensino:
revelação, formação e informação.
A revelação é algo que somente Deus pode dar. Eu poderia
descrever para meus ouvintes a cidade do
Rio de Janeiro, falando da atmosfera do lugar, da Baía de Guanabara, do Pão de Açúcar — e mesmo assim eles não
poderiam dizer que conheciam o Rio. Eles
saberiam alguma coisa a respeito dele, mas, realmente, só conheceriam a
cidade quando fossem lá, e ela se
revelasse para eles.
Da mesma forma, Deus tem que revelar-se a nós, face a face,
para que possamos dizer que o
conhecemos.
Na realidade, qualquer descrição que eu fizesse do Rio de
Janeiro representaria apenas a menor
dimensão do ensino: a informação. É o modo que usávamos para ensinar em
nossa escola dominical e na igreja.
P. Quantos livros contém a Bíblia?
R. Sessenta e seis.
P. Qual é o salmo que fala do bom pastor? R. O Salmo
23.
E assim por diante. Recebemos informações acerca de Abraão,
Moisés, sobre o céu e o inferno, sobre
anjos e demônios, sobre a queda de Satanás e a segunda vinda de Cristo.
Dar informação em si não é errado, mas é
a mais elementar forma de ensino. Tudo que ela faz é despertar nosso interesse para conhecer
experimentalmente as coisas de que nos fala.
Infelizmente, nós fizemos da informação um fim em si mesma.
Conhecer e memorizar as palavras da
Bíblia tornou-se nosso único objetivo.
O mais estranho é que Jesus quase nunca usou este método.
Nunca vemos Jesus dando aos discípulos
um estudo bíblico. Não conseguimos imaginá-lo dizendo: "Não se esqueçam
de que amanhã teremos um culto de oito
às nove. De nove às dez, estudaremos os profetas menores. E das dez às onze, veremos os livros
poéticos, e depois, de onze até meio-dia,
teremos aula de homilética e hermenêutica.
No entanto, ele estava preparando os melhores ministros que
a história já viu. Como é que ele pôde
ignorar matérias tão importantes?
Será que alguém pode imaginá-lo dizendo: "Agora vamos
estudar o livro de Jeremias. De acordo
com a alta crítica Jeremias é um mito; ele realmente não existiu. Ou, então, se
ele existiu, não foi o autor deste
livro..."?
Nunca! Jesus não tinha tempo a perder. Ele usava de
linguagem simples, clara e concreta.
Muitos de nós querem ser assim em nossos estudos bíblicos, mas sempre
acabam confundindo as coisas.
Certa vez convidaram-me para ensinar o livro de Romanos na
Escola Bíblica Argentina. Como considero
o livro de Romanos grandemente importante, achei que ele deveria ser analisado
verso por verso. E foi o que fiz. Levei o ano todo para estudar o livro até o
fim. Quando terminamos, não creio que
eles soubessem o que a epístola aos Romanos tencionava dizer.
Suponhamos que eu escreva ao pastor uma carta assim:
"Prezado Bill, estou escrevendo de
Roma, onde acabo de chegar com minha esposa e filhos. Até o momento já
vimos..." e por aí vou eu, e acabo
escrevendo uma longa carta.
Ele recebe a carta, e no domingo seguinte vai à igreja e
diz: "Amigos, recebemos uma carta
do irmão Juan Carlos, e agora dedicaremos os próximos três meses ao estudo
dela. "A carta começa dizendo:
"Prezado Bill". No grego a palavra "prezado" significa uma pessoa a quem amamos. Ele se dirige a mim
como uma pessoa que ele preza. Posso imaginar
o irmão Juan pegando a pena e escrevendo "prezado". Seu
coração está transbordante de amor. Sua
esposa, que se acha a seu lado, também compartilha de seus sentimentos. "Prezados irmãos, como é que os irmãos
escrevem suas cartas? Iniciam com a palavra
"prezado"? Vamos todos, de hoje em diante, agir sempre
assim.
"Prezado Bill" — ele me chama pelo meu nome. Ele
me conhece. Está interessado em mim
pessoalmente. E você? Você chama ai pessoas pelo nome, demonstrando assim que
você as reconhece?
"Estou escrevendo de Roma..." Ele próprio escreve
para nós. Não está-nos escrevendo
através de uma secretária, mas escreve para nós de seu próprio
punho.
"Bem, hoje vamos parar por aqui. No domingo que vem.
continuaremos a estudar a carta de Juan
Carlos."
E no domingo seguinte:
"Estou escrevendo de Roma." Ah, é a cidade fundada
por Rómulo e Remo, dois homens que na
infância foram amamentados por uma loba. É a capital do Império Romano,
onde viveram os césares. Todos se
lembram de que mais tarde o império se dividiu em duas partes: oriental e ocidental, e por fim,
desintegrou-se.
"Passemos agora ao verso seguinte..."
E o povo da igreja dirá: "Como nosso pastor é profundo.
Ele passa dois ou três domingos somente
em um verso. Que maravilha!"
E três meses depois terão terminado o estudo da carta, mas
ninguém saberá o que eu disse.
É assim que ensinamos a Bíblia. Vai ser interessante quando
chegarmos ao céu e Paulo agarrar pelo
braço alguns de nós, professores e mestres, e disser: "Venha cá. Quero ter
uma conversa com você. Eu nunca escrevi
aquilo que você disse que eu escrevi."
Nós gostamos de impressionar os outros com o montante de
conhecimentos que possuímos acerca de um
verso bíblico. Pensamos estar sendo "profundos". Mas será que alguém realmente entende o que estamos
dizendo? Duvido.
Nós estamos preocupados em passar informação. Mas Jesus
estava mais interessado em formação.
Precisamos aprender com ele a fazer discípulos.