segunda-feira, 10 de maio de 2021

O discipulo - Capítulo 13


 Membros ou Discípulos? 

Também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio  santo. (1 Pe 2.5.) 

Se ao menos esta declaração de Pedro pudesse ser aplicada aos crentes de hoje em dia.  E em alguns lugares talvez possa, mas o mais comum é a igreja não ser uma casa espiritual —  mas apenas uma pilha de tijolos soltos. Existe uma grande diferença entre uma e outras 

Cada membro da congregação é um tijolo, e todos I nós nos esforçamos arduamente  para conseguir mais tijolos. Até o pastor trabalha em evangelismo, no intento de levar mais  tijolos para o local da construção. 

Mas existe um problema com este material solto — os tijolos podem ser roubados. O  pastor e o pessoal da igreja têm que estar sempre atentojs, pois alguém de outra igreja pode  vir e roubar alguns tijolos de seu lote. E, na verdade, estão todos tão atarefados nisso, que o  edifício nunca é construído. 

Nós somos a alvenaria de Deus, mas ainda não fomos assentados no lugar devido, em  seu edifício, para que possamos sustentar nossa parte da responsabilidade, e, fortalecer a  estrutura. Se tivéssemos sido colocados no lugar, saberíamos quais os tijolos que estão abaixo  de nós e quais os que estão acima, e saberíamos como nos relacionar uns com os outros. 

Mas, atualmente, o que fazemos é ficar o tempo todo vigiando uns aos outros. Temos  tanto medo que alguém possa escapulir! E enquanto isso, esquecemo-nos dos perdidos que se  encontram lá fora, ao frio, procurando uma casa aquecida que os abrigue. 

Se o pastor pensa em nos pegar e colocar em nosso lugar do edifício, resistimos. A  igreja tem que funcionar democraticamente, dizemos. Não nos submetemos a pessoa alguma.  Submetemo-nos somente ao voto da maioria (e, por vezes, nem a ele). Já ouvi crentes dizerem  orgulhosamente: "Não sigo homem algum — sigo a Cristo." Tal afirmação pode parecer  muito espiritual, mas, na realidade, é um terrível engano. Ela significa que a pessoa quer fazer  a própria vontade; ela nem sabe o que significa seguir a Cristo. 

Paulo disse: "Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo" (1 Co 11.1). Nós,  os pastores, às vezes, tememos dizer isto, porque não estamos vivendo como devíamos. E, por  isso, o que falamos é: "Não olhe para mim, irmão. Siga a Bíblia." 

Sabe o que isto quer dizer? Isto quer dizer o seguinte: "Eu já tentei e não consegui.  Agora tente você." Não admira que os leigos se sintam desencorajados. Se o pastor não  consegue fazer aquilo que a Bíblia diz, quem conseguirá? 

Paulo não tinha medo de colocar-se como modelo a ser imitado. Ele disse o seguinte aos  filipenses: "O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso  praticai; e o Deus da paz será convosco" (Fp 4.9). Isto pode não ser muito democrático, mas  dá como resultado a edificação de um prédio forte. 

A razão por que isto dá certo é que se baseia no princípio da multiplicação. Certa vez  uma senhora idosa apresentou-me uma moça. 

"Esta jovem é minha neta", disse ela. 

"É mesmo?" indaguei. 

"É. E eu já tenho bisnetos", informou ela. "E uma delas já tem quinze anos. Se ela se  casar breve, eu posso até chegar a ver meus trinetos." 

"Quantos filhos a senhora teve?" perguntei. 

"Seis." 

"E quantos netos?" i| "Trinta e seis."

"E quantos bisnetos?" 

"Não sei", respondeu ela. "Nunca contei." 

Nas mesmas proporções, ela poderia ter 216 bisnetos e 1296 trinetos. E a sua família era  realmente notável. Um dos filhos era médico; outro, advogado. Dois eram fazendeiros. Um  deles era motorista de praça. Entre seus netos contavam-se engenheiros e muitos outros  profissionais liberais. 

Se eu lhe perguntasse: "E como foi que a senhora conseguiu criar uma família tão  numerosa — isto é, alimentar bem todos eles, vesti-los, dar-lhes boa educação escolar?" ela  teria respondido: "Mas eu não criei todos. Criei apenas seis." 

Nós não aplicamos este processo de multiplicação na igreja. O pobre do pastor tem que  tomar conta de todos, e aí é que está o problema. 

Se quisermos crescer e expandir e assentar os tijolos para edificar o edifício, temos que  modificar este estado de coisas. Temos que fazer discípulos para que estes possam fazer  outros discípulos. Temos que ser pais, e não diretores de orfanatos. 

Foi assim que Jesus agiu. E não foi ele o melhor pastor que já existiu? Entretanto, ele  cuidou apenas de doze homens. O verso de Mateus 9.36 diz: "Vendo ele as multidões,  compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor." 

Por quê? Não era ele o bom pastor? Sim, era. Mas um pastor não pode ocupar-se de um  ilimitado número de ovelhas, mesmo que este pastor seja Jesus. Se ele não pôde fazer mais  que doze discípulos de uma vez, como é que eu posso fazê-lo? 

Jesus colocou-os no edifício. Quando partiu, eles já sabiam o que fazer: sair para formar  outros discípulos, assim como Jesus fizera com eles. 

Então eles partiram e começaram a ensinar e a testemunhar de casa em casa, em  pequenos grupos. Nós não fazemos assim na igreja moderna. Aos domingos, nós reunimos  todos no refeitório do orfanato e dizemos: "Atenção! Abram todos a boca. Aí vai o almoço!"  E depois, atiramo-lhes o alimento, a todos eles de uma vez, e no final dizemos: "Adeus. Estão  dispensados, e até o próximo domingo!" 

Isto não é modo de alimentar crianças. Temos que tomar cada uma no colo, uma a uma,  e colocar o bico da mamadeira em sua boca. Depois que ela cresce um pouco mais, já começa  a alimentar-se sozinha, e por fim, poderá até ajudar-nos a preparar a mamadeira para os mais  novinhos. Ela já ocupa sua própria posição de desenvolvimento dentro da família. 

Assim, trata-se de um ministério de edificação, de construção, e não de ama-seca.  Naturalmente, temos que perguntar a nós mesmos o que é que estamos edificando. Uma  denominação? Descobri que eu havia feito isto por vários anos. Nas convenções, eu tinha  muito orgulho das realizações de meu grupo: era um outro reinozinho pequeno.  Então eu compreendi que Paulo nos conclama a trabalhar em prol da edificação do  "corpo de Cristo" (Ef 4.12). Nós não entendemos isto hoje em dia. Não pensamos em termos  do corpo de Cristo como um todo. Pensamos em termos de partes do corpo — a parte batista,  a parte presbiteriana, a parte das Assembléias de Deus, etc. E temos a pretensão de pensar que  aquela parte é o todo. 

Paulo disse aos coríntios que era um erro muito grave comer e beber sem "discernir o  corpo" (1 Co 11.29). O pão único da Ceia do Senhor significa que apesar de sermos muitos,  somos um. 

Mas, como podemos edificar algo que não entendemos? Não podemos, e não estamos  edificando. Em vez disso, estamos edificando nossos próprios reinos, denominações e  programas às expensas de outras partes do corpo. 

Nós estamos loucos! Se alguém vir um homem cortando o próprio pé com uma faca, ele  dirá: 

"Que loucura é esta que você está fazendo?" 

"Estou cortando meu pé."

"Por quê?" 

"Porque este pé pisou no outro, e o outro disse: 'Corte-o'." 

Este homem perdeu o juízo. Ele não tem discernimento para ver que os dois pés  pertencem a um mesmo corpo. 

As vezes quando estamos comendo, mordemos a língua. Ah, que dor! Mas ninguém  resolve, por isso, extrair todos os dentes. A língua, embora ela possa falar, não se vira para  nós e diz: "Vamos nos livrar de todos estes dentes." Está claro que os dentes pertencem ao  corpo. 

Ouçam-me: nós precisamos compreender o que o Corpo de Cristo é. Temos que parar  de fazer loucuras com nós mesmos, falando uns contra os outros. Não é de se surpreender que  soframos tanto. Não é de se admirar que a Igreja esteja tão fraca e perdendo sangue. 

Os homens que mataram o corpo físico de Cristo — Pôncio Pilatos, os executores  romanos e os sacerdotes judeus — pelo menos tinham um objetivo em mira. Foi um ato  terrível, mas pelo menos resultou no fato de Jesus pagar pelos nossos pecados. 

Mas qual é nosso propósito ao perseguir o corpo espiritual de Cristo? Qual é nosso  motivo para crucificar, ferir e dividir o corpo? Não o temos, e nosso castigo por fazermos tal  coisa será mais severo que o de Pilatos ou Judas. 

Talvez a Ceia do Senhor possa ensinar-nos a amar e respeitar e edificar o Corpo de  Cristo — todo o corpo. Se não aprendemos isto, estamos loucos. 

O corpo todo precisa, como dizem os americanos, "ficar junto". Os braços e pernas  precisam estar solidamente interligados. "Porque, assim como num só corpo temos muitos  membros, mas nem todos os membros têm a mesma função; assim também nós, conquanto  muitos, somos um só corpo em Cristo, e membros uns dos outros." (Rm 12.4,5). 

Já mencionei anteriormente a passagem de Efésios 4.11-15. O verso 16 fala de Cristo:  "de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado, pelo auxílio de toda junta, segundo a  justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo  em amor." 

Deixem-me enfatizar bem isto: se os membros não estão ajustados e consolidados, eles  não formam um corpo. São apenas um conjunto de vários membros. 

O que significa ser membro da igreja hoje em dia? Quase todas as igrejas fazem três  exigências: 

(1) O membro deve freqüentar as reuniões. 

(2) O membro deve contribuir. 

(3) O membro deve ter um bom caráter. 

Se estes três requisitos são satisfeitos, ele é considerado um bom membro da igreja.  Então ele é como um sócio de um clube qualquer — freqüenta a sede, paga as mensalidades e  procura não envergonhar sua agremiação. 

Mas quando nós, lá em Buenos Aires, começamos a procurar estas coisas nos  Evangelhos e em Atos dos Apóstolos, não encontramos nada. Na verdade, não encontramos a  palavra membro em lugar algum. Não encontramos em nenhum dos registros da Igreja  primitiva um lugar onde se narrasse que eles aceitaram membros na igreja, ou tivessem  realizado uma cerimônia especial, ou coisa semelhante. 

Mas no livro de Atos, encontramos outra palavra que realmente revolucionou nossa vida  e nossa igreja — a palavra discípulo. E indagamos de nós mesmos: "O que era um discípulo?"  Não era o que chamamos "membro de igreja". Um discípulo é uma pessoa que aprende  a viver do mesmo modo que seu mestre. E depois, ele próprio comunica a outros a vida que  tem. 

Portanto, o discipulado não consiste em uma transmissão de conhecimentos ou de  informações. É uma transmissão de vida. Foi por isto que Jesus disse: "As palavras que eu vos  tenho dito são espírito e são vida" (Jo 6.63).

Ser discipulado não_é_apenas aprender o que o mestre sabe — e chegara ser  como_gle_á1 Y É por isso que a Bíblia diz que temos que fazer discípulos. Isto implica em  algo mais do que apenas falar com eles, ou ganhá-los ou instruí-los. Fazer um discípulo  significa formar uma duplicata de outrem. 

Obviamente, então, o mestre tem que ser, ele também, um discípulo. A visão atual do  significado de discipular permite brigar com a esposa à mesa do café, e depois ir para a igreja  e pregar a respeito do amor no lar. Mas no método de fazer discípulos, não podemos agir  assim. Os discípulos ficam mais tempo conosco; eles entram em nossa casa, vêem como é que  nós vivemos e é deste modo que passam a imitar-nos.

Suponhamos que uma pessoa viajasse comigo durante uma semana e depois dissesse:  "Olhe aqui, Juan Carlos, você é um mestre. Por favor, marque comigo uma hora para ensinar me algumas coisas." Eu responderia: "Se você não aprendeu nada estando em minha  companhia estes sete dias, não tenho nada para ensinar-lhe.".Discipular não é tanto falar; é  mais vjxex. 

Vamos pensar um pouco acerca das três dimensões do ensino: revelação, formação e  informação. 

A revelação é algo que somente Deus pode dar. Eu poderia descrever para meus  ouvintes a cidade do Rio de Janeiro, falando da atmosfera do lugar, da Baía de Guanabara, do  Pão de Açúcar — e mesmo assim eles não poderiam dizer que conheciam o Rio. Eles  saberiam alguma coisa a respeito dele, mas, realmente, só conheceriam a cidade quando  fossem lá, e ela se revelasse para eles. 

Da mesma forma, Deus tem que revelar-se a nós, face a face, para que possamos dizer  que o conhecemos. 

Na realidade, qualquer descrição que eu fizesse do Rio de Janeiro representaria apenas a  menor dimensão do ensino: a informação. É o modo que usávamos para ensinar em nossa  escola dominical e na igreja. 

P. Quantos livros contém a Bíblia? 

R. Sessenta e seis. 

P. Qual é o salmo que fala do bom pastor? R. O Salmo 23. 

E assim por diante. Recebemos informações acerca de Abraão, Moisés, sobre o céu e o  inferno, sobre anjos e demônios, sobre a queda de Satanás e a segunda vinda de Cristo. Dar  informação em si não é errado, mas é a mais elementar forma de ensino. Tudo que ela faz é  despertar nosso interesse para conhecer experimentalmente as coisas de que nos fala. 

Infelizmente, nós fizemos da informação um fim em si mesma. Conhecer e memorizar  as palavras da Bíblia tornou-se nosso único objetivo. 

O mais estranho é que Jesus quase nunca usou este método. Nunca vemos Jesus dando  aos discípulos um estudo bíblico. Não conseguimos imaginá-lo dizendo: "Não se esqueçam de  que amanhã teremos um culto de oito às nove. De nove às dez, estudaremos os profetas  menores. E das dez às onze, veremos os livros poéticos, e depois, de onze até meio-dia,  teremos aula de homilética e hermenêutica. 

No entanto, ele estava preparando os melhores ministros que a história já viu. Como é  que ele pôde ignorar matérias tão importantes? 

Será que alguém pode imaginá-lo dizendo: "Agora vamos estudar o livro de Jeremias.  De acordo com a alta crítica Jeremias é um mito; ele realmente não existiu. Ou, então, se ele  existiu, não foi o autor deste livro..."? 

Nunca! Jesus não tinha tempo a perder. Ele usava de linguagem simples, clara e  concreta. Muitos de nós querem ser assim em nossos estudos bíblicos, mas sempre acabam  confundindo as coisas. 

Certa vez convidaram-me para ensinar o livro de Romanos na Escola Bíblica Argentina.  Como considero o livro de Romanos grandemente importante, achei que ele deveria ser analisado verso por verso. E foi o que fiz. Levei o ano todo para estudar o livro até o fim.  Quando terminamos, não creio que eles soubessem o que a epístola aos Romanos tencionava  dizer. 

Suponhamos que eu escreva ao pastor uma carta assim: "Prezado Bill, estou escrevendo  de Roma, onde acabo de chegar com minha esposa e filhos. Até o momento já vimos..." e por  aí vou eu, e acabo escrevendo uma longa carta. 

Ele recebe a carta, e no domingo seguinte vai à igreja e diz: "Amigos, recebemos uma  carta do irmão Juan Carlos, e agora dedicaremos os próximos três meses ao estudo dela.  "A carta começa dizendo: "Prezado Bill". No grego a palavra "prezado" significa uma  pessoa a quem amamos. Ele se dirige a mim como uma pessoa que ele preza. Posso imaginar  o irmão Juan pegando a pena e escrevendo "prezado". Seu coração está transbordante de  amor. Sua esposa, que se acha a seu lado, também compartilha de seus sentimentos.  "Prezados irmãos, como é que os irmãos escrevem suas cartas? Iniciam com a palavra  "prezado"? Vamos todos, de hoje em diante, agir sempre assim. 

"Prezado Bill" — ele me chama pelo meu nome. Ele me conhece. Está interessado em  mim pessoalmente. E você? Você chama ai pessoas pelo nome, demonstrando assim que você  as reconhece? 

"Estou escrevendo de Roma..." Ele próprio escreve para nós. Não está-nos escrevendo  através de uma secretária, mas escreve para nós de seu próprio punho. 

"Bem, hoje vamos parar por aqui. No domingo que vem. continuaremos a estudar a  carta de Juan Carlos." 

E no domingo seguinte: 

"Estou escrevendo de Roma." Ah, é a cidade fundada por Rómulo e Remo, dois homens  que na infância foram amamentados por uma loba. É a capital do Império Romano, onde  viveram os césares. Todos se lembram de que mais tarde o império se dividiu em duas partes:  oriental e ocidental, e por fim, desintegrou-se. 

"Passemos agora ao verso seguinte..." 

E o povo da igreja dirá: "Como nosso pastor é profundo. Ele passa dois ou três  domingos somente em um verso. Que maravilha!" 

E três meses depois terão terminado o estudo da carta, mas ninguém saberá o que eu  disse. 

É assim que ensinamos a Bíblia. Vai ser interessante quando chegarmos ao céu e Paulo  agarrar pelo braço alguns de nós, professores e mestres, e disser: "Venha cá. Quero ter uma  conversa com você. Eu nunca escrevi aquilo que você disse que eu escrevi." 

Nós gostamos de impressionar os outros com o montante de conhecimentos que  possuímos acerca de um verso bíblico. Pensamos estar sendo "profundos". Mas será que  alguém realmente entende o que estamos dizendo? Duvido. 

Nós estamos preocupados em passar informação. Mas Jesus estava mais interessado em  formação. Precisamos aprender com ele a fazer discípulos.