segunda-feira, 10 de maio de 2021

O discipulo - Capítulo 10


 Olhos Abertos 

Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrelas que estabeleceste, que ê o  homem que dele te lembres? e o filho do homem, que o visites? (SI 8.3,4.) 

Ruja o mar e a sua plenitude, o mundo e os que nele habitam. Os rios batam palmas, e  juntos cantem de júbilo os montes, na presença do Senhor. (SI 98.7-9a.)  Os poderosos feitos de Deus acham-se em toda a parte. O problema é que nós não os  vemos. Certo dia ocorreu-me uma idéia meio pueril a este respeito. É a seguinte: talvez a  razão de não termos louvores para dar a Deus é que sempre o louvamos de olhos fechados.  Em que podemos pensar quando tudo está escuro? (Geralmente, apenas naquelas quatro  frases.) 

Mas quando abrimos os olhos e olhamos ao nosso redor, encontramos vários tipos de  coisas boas pelas quais podemos agradecer a Deus. 

Certa vez, eu e meu grupo de discipulandos realizamos um retiro num sítio que ficava a  duas horas de Buenos Aires. Era uma casa muito boa, com um grande jardim rodeado de  pinheiros, muitas flores, aves, etc. Começamos a orar sob uma macieira. Estávamos em  setembro, e, em nosso país, nessa época, é primavera. 

O primeiro a orar disse: "Senhor, nós vimos à tua presença..." falava exatamente como  quando orávamos no porão da igreja. O segundo fez a mesma coisa. 

Quando chegou minha vez de orar, eu disse: "Senhor, nós viajamos um bom tempo para  chegar até aqui. Se quiséssemos realizar a mesma reunião de oração que sempre fazemos no  porão da igreja, podíamos ter ficado em Buenos Aires." 

Abri os olhos. A macieira estava toda florida e havia um passarinho pousado bem no  meio dela. Continuei: "Senhor, que tolos nós somos, de vir tão longe e chegar neste recanto  tão agradável, e ficar aqui de olhos fechados. Senhor, como esta macieira é bela! As flores são  belíssimas. Vê esta ave que criaste, Senhor; não é maravilhosa?" 

Os outros homens começaram a abrir os olhos para ver o que se passava com seu pastor.  Eu continuei: 

"Senhor, vê aquela roseira, aqueles pinheiros... Agora eu compreendo por que não  temos encontrado novas expressões de louvor. Agora compreendo por que Davi te louvava  tanto — Senhor, em que verso da Bíblia se diz que temos que fechar os olhos para orar?" 

Dei uma passada rápida de Gênesis a Apocalipse — não encontrei tal regra. Não havia  nenhuma. Na verdade, a Bíblia ensina bem o contrário. O Salmo 121 diz: "Elevo os olhos  para os montes..." Antes de fazer sua última oração, Jesus "levantou os olhos ao céu" (Jo  17.1). Neste caso também nossa tradição nos coloca ao inverso da Bíblia. 

Os outros homens abriram os olhos e daí a pouco começavam a fazer orações diferentes.  Um deles disse: "Olhe, o sol! Não é maravilhoso? Não é um milagre de Deus? Pai, tu és  maravilhoso! Tu fazes tudo tão perfeito!" 

Depois, pusemo-nos a caminhar pelo terreno. Sentimos o perfume das rosas e  conversamos acerca do maravilhoso poder de Deus. Um rapaz subiu a uma árvore e começou  a descrever as coisas que via de lá, mencionando seus nomes e dizendo: "Que coisas  maravilhosas eu vejo daqui!" 

Breve, todos nós estávamos trepados em árvores (foi uma reunião de oração bem  diferente), berrando como um bando de macacos. "Olhe aquela vaca! Veja o milho crescendo  pelo poder de Deus! Veja aquele homem acolá! Olhe aquele casal de namorados. Glória a  Deus pelo amor!"

Depois nós descemos e pouco depois um deles disse: 

"Olhem para esta grama." 

"O que tem a grama?" indaguei. "Nunca viu grama antes?" 

"Já", respondeu ele. "Mas agora estou compreendendo que ela é o tapete que Deus fez  para o mundo. Glória a Deus pelo seu tapete!" 

E continuamos assim durante quatro horas. Foi a reunião de oração mais prática que já  tivemos. 

Depois daquele dia, passamos a orar de olhos abertos, e penetramos em todo um novo  mundo de louvor. 

Aquilo modificou nossa forma pentecostal de cultuar. Antes, em nossas reuniões, havia  muita gritaria e tremores. Mantínhamos os olhos fechados, e assim nos esquecíamos de que  havia outras pessoas presentes. Mas, então, tudo isso acabou. Deixamos de demonstrar  expressões agônicas no semblante, como acontecia antes, quando orávamos. Sabíamos que  havia outras pessoas nos observando, e por isso queríamos estampar no rosto uma expressão  bem bonita. 

Outra coisa que aconteceu foi que paramos de alterar a voz e nosso vocabulário nas  orações. Muitos crentes, quando oram, assumem maneiras diferentes de falar; usam modos  rebuscados e dramáticos. Por quê? Porque fecham os olhos e pensam que entraram em outro  mundo. 

Mas, com os olhos abertos, compreendemos que temos que viver somente um tipo de  vida, nas vinte e quatro horas do dia. Tudo deve ser feito na presença do Senhor; ele está  sempre aqui. Nós não precisamos arranjar nenhum discurso especial para ele. 

Em nossa igreja, tivemos que modificar a disposição dos bancos. Quando estavam em  fileiras, ficávamos sempre olhando uns para a nuca dos outros. Agora, queríamos contemplar  seus rostos. Por isso, dispusemos os bancos em círculos. Agora parece que temos mais  comunhão. Vemos uma pessoa louvando a Deus, e dizemos: "Senhor, eu te agradeço por  aquele homem..." 

É verdade que, às vezes, precisamos fechar os olhos e contemplar o nosso interior. Mas  quando louvamos a Deus, estamos entrando em contato com o mundo que nos cerca, e então  encontramos ao nosso redor muitos objetos com os quais podemos encher nossas caixas de  louvor. 

Não foi isso que Davi fez? Ele deve ter visto um pastor descendo a estrada em sua  direção, e então indagou: 

"Olá, onde vai levando este rebanho?" 

E o pastor deve ter respondido: 

"Para os pastos verdejantes que há do outro lado da colina, e àquele remanso tranqüilo."  E Davi, sendo um homem espiritual, que falava a linguagem do Reino, viu a beleza de  Deus naquilo. E ao prosseguir sozinho em sua caminhada, cantou: 

"O Senhor é o meu pastor: 

Nada me faltará. 

Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso."  (SI 23.1,2.) 

Se fossemos nós, crentes carnais, que estivéssemos ali em vez de Davi, não teríamos  enxergado nada disso, e o diálogo teria se processado do seguinte modo:  "Olá, Sr. pastor! Diga-me, quantos quilos de lã cada ovelha dá, de cada vez?" "Quinze  quilos." "Ah! E a quanto vende o quilo?" "Dez dólares." 

"Entendo. Quer dizer então que você pensa ganhar uns cento e cinqüenta dólares por  ovelha, não é? É um bom negócio." 

Somente materialismo. Entretanto, vamos à igreja e ficamos cantando: "Aleluia! Glória  a Deus!"

E o Senhor nos ouve e diz para si mesmo: Hummm mm. Ê o mesmo velho disco de  sempre. 

Davi disse: "Cantai ao Senhor um cântico novo" (SI 98.1). Se ele fosse um de nossos  compositores modernos, ele estaria interessado em vender suas músicas e diria: "Cantai minha  bela música sempre!" 

Mas ele queria que cada pessoa escrevesse seus próprios salmos. Os salmos não estão  restritos àquele livro da Bíblia que está entre Jó e Provérbios. Os salmos são uma resposta  espontânea de um homem espiritual a uma determinada circunstância. Quando nos sobrevêm  algum contratempo, (e a Davi aconteceram vários) nossa reação deveria ser o cântico de um  salmo para o Senhor. Se recebêssemos boas notícias, procederíamos da mesma forma. 

Paulo disse aos efésios que as pessoas cheias do Espírito Santo falam entre si "com  salmos" (Ef 5.19). Não era necessariamente aos salmos de Davi que ele se referia. Nós nem  precisamos saber ler. Mas o Espírito que habita em nós deve dar origem a novos salmos,  salmos de nossa autoria. 

Quantas vezes, nós "tomamos emprestados" os louvores de outrem. Usamos os salmos  de Davi, mas não temos a sua atitude interior. Se ele estivesse aqui provavelmente se  aproximaria de nós, arrancaria o hinário de nossas mãos, e diria: "Não cante assim! Não  escrevi este salmo para ser cantado em meio a devaneios. Meu coração estava tomado pelas  palavras que dizia; elas eram como uma explosão da minha alma. Mas você canta tão  displicentemente — está entediado." 

Está certo tomarmos emprestado alguns hinos, mas seria melhor cantar ao Senhor um  cântico novo. Lembremo-nos de quando Maria foi visitar Isabel. Em nossa igreja, como seria  a conversa entre duas senhoras que estivessem esperando bebê? 

"Com quantos meses você está?" "Está passando bem?" "Você quer menino ou  menina?" "Já tem bastantes roupinhas?" 

Mas quando Maria e Isabel se encontraram, a saudação foi uma frase de salmo:  "Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre" (Lc 1.42).  E como foi que Maria replicou? Com um cântico de louvor. "A minha alma engrandece  ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador" (w. 46 e seguintes).  Simeão era outro homem cheio do Espírito. Quando viu o menino Jesus, ele não disse:  "Que lindo! Qual a idade de seu filhinho?" Ele disse: "Despede em paz o teu servo, segundo a  tua palavra; porque os meus olhos já viram a tua salvação" (2.29 e seguintes).  A profetisa Ana fez o mesmo. 

Por que as pessoas que estão cheias do Espírito não podem ter um fluir constante de  salmos? 

Um dia eu me tranquei em meu gabinete e disse ao Senhor: "Senhor, hoje cantarei para  ti um cântico novo." Peguei meu violão e comecei a dedilhá-lo. "Aleluia! Aleluia! Glória a  Deus!". Estava bem fraco. Descobri minha pobreza no louvor. Eu não tinha nada para cantar a  não ser aquelas frases que podia tomar emprestado de Davi, da virgem Maria, de Carlos  Wesley. 

Mas não desisti; e de lá para cajá aprendi a louvar a Deus em salmos, expressando-lhe o  muito que ele significa para mim. Eu e meus discipulandos, muitas vezes, temos cantado  cânticos novos para Deus, falando e respondendo, cada um por sua vez. 

Alguns anos atrás, eu e minha esposa ficamos viajando pela Europa durante um mês.  Quando finalmente chegamos a Roma, encontramos ali inúmeras cartas à nossa espera: da  secretária, de minha mãe e das crianças. 

Logicamente, abrimos as das crianças em primeiro lugar. O garoto de seis anos  escrevera todas as palavras que conhecia: papai, mamãe, tio, vaca, cavalo. Não era uma carta,  realmente, mas era o melhor que ele poderia fazer, e nós ficamos deslumbrados.  "Veja isto!" dissemos um para o outro. "Que coisa boa!"

O outro de cinco anos não sabia escrever nada, então ele fez um desenho de um  casamento: o noivo, a noiva, e eu como o pastor oficiante. 

"Olhe só o que ele fez!" exclamamos rindo e exultando, sentindo-nos assaltados por  imensa saudade. 

Depois, pegamos um pedaço de papel amassado — a carta do pequeno de três anos. Era  apenas rabiscos. 

"Olhe para isto!" exclamei. 

Minha esposa começou a chorar, e daí a pouco eu também chorava. 

O pastor italiano que nos levara a correspondência ficou a espiar-nos. Estendi-lhe as três  folhas de papel. "Eles não são maravilhosos?" 

Por que será que ele não disse nada? Porque não se tratava dos filhos dele. Para mim e  minha esposa, aqueles pedaços de papel eram os mais preciosos do mundo. E até hoje os  conservamos. 

Ouça-me! Cante para Deus um cântico novo — mesmo que sejam só uns balbúcios. Ele  vai gostar de ouvi-lo, mais do que o Aleluia de Haendel cantado pelo Coro do Tabernáculo  Mórmon. Comece a cantar. Tome aquilo que está em seu coração e expresse-o em palavras  novas, em cânticos novos. Fale ao Senhor sobre o que lhe sucedeu hoje, sobre alguma coisa  que vê ao seu redor, sobre qualquer coisa que esteja demonstrando seu poder e glória. 

Deus fará um alarde tão grande nos céus, que os anjos irao arregalar os olhos para ele,  exatamente como fez aquele pastor italiano diante de nós. 

"Escutem isto!" gritará o Senhor. "Escutem Juan Carlos cantando e tocando o violão.  Ontem ele só sabia dizer: 'Aleluia! Glória a Deus!' mas hoje ele já está acrescentando palavras  novas. Escutem!" 

A orquestra filarmônica dos anjos e seu coro sabem cantar e tocar bem melhor, mas  Deus diz: "Estou saturado disto. Agora quero ouvir um pouco o Joãozinho com seu balbuciar  vacilante." 

Enchamos nossas caixas vazias com palavras e cânticos novos. Louvai-o pelos seus  poderosos feitos.