Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua
e as estrelas que estabeleceste, que ê o
homem que dele te lembres? e o filho do homem, que o visites? (SI
8.3,4.)
Ruja o mar e a sua plenitude, o mundo e os que nele habitam.
Os rios batam palmas, e juntos cantem de
júbilo os montes, na presença do Senhor. (SI 98.7-9a.) Os poderosos feitos de Deus acham-se em toda
a parte. O problema é que nós não os
vemos. Certo dia ocorreu-me uma idéia meio pueril a este respeito. É a
seguinte: talvez a razão de não termos
louvores para dar a Deus é que sempre o louvamos de olhos fechados. Em que podemos pensar quando tudo está
escuro? (Geralmente, apenas naquelas quatro
frases.)
Mas quando abrimos os olhos e olhamos ao nosso redor,
encontramos vários tipos de coisas boas
pelas quais podemos agradecer a Deus.
Certa vez, eu e meu grupo de discipulandos realizamos um
retiro num sítio que ficava a duas horas
de Buenos Aires. Era uma casa muito boa, com um grande jardim rodeado de pinheiros, muitas flores, aves, etc.
Começamos a orar sob uma macieira. Estávamos em
setembro, e, em nosso país, nessa época, é primavera.
O primeiro a orar disse: "Senhor, nós vimos à tua
presença..." falava exatamente como
quando orávamos no porão da igreja. O segundo fez a mesma coisa.
Quando chegou minha vez de orar, eu disse: "Senhor, nós
viajamos um bom tempo para chegar até
aqui. Se quiséssemos realizar a mesma reunião de oração que sempre fazemos
no porão da igreja, podíamos ter ficado
em Buenos Aires."
Abri os olhos. A macieira estava toda florida e havia um
passarinho pousado bem no meio dela.
Continuei: "Senhor, que tolos nós somos, de vir tão longe e chegar neste
recanto tão agradável, e ficar aqui de
olhos fechados. Senhor, como esta macieira é bela! As flores são belíssimas. Vê esta ave que criaste, Senhor;
não é maravilhosa?"
Os outros homens começaram a abrir os olhos para ver o que
se passava com seu pastor. Eu
continuei:
"Senhor, vê aquela roseira, aqueles pinheiros... Agora
eu compreendo por que não temos
encontrado novas expressões de louvor. Agora compreendo por que Davi te
louvava tanto — Senhor, em que verso da
Bíblia se diz que temos que fechar os olhos para orar?"
Dei uma passada rápida de Gênesis a Apocalipse — não
encontrei tal regra. Não havia nenhuma.
Na verdade, a Bíblia ensina bem o contrário. O Salmo 121 diz: "Elevo os
olhos para os montes..." Antes de
fazer sua última oração, Jesus "levantou os olhos ao céu" (Jo 17.1). Neste caso também nossa tradição nos
coloca ao inverso da Bíblia.
Os outros homens abriram os olhos e daí a pouco começavam a
fazer orações diferentes. Um deles
disse: "Olhe, o sol! Não é maravilhoso? Não é um milagre de Deus? Pai, tu
és maravilhoso! Tu fazes tudo tão
perfeito!"
Depois, pusemo-nos a caminhar pelo terreno. Sentimos o
perfume das rosas e conversamos acerca
do maravilhoso poder de Deus. Um rapaz subiu a uma árvore e começou a descrever as coisas que via de lá,
mencionando seus nomes e dizendo: "Que coisas maravilhosas eu vejo daqui!"
Breve, todos nós estávamos trepados em árvores (foi uma
reunião de oração bem diferente),
berrando como um bando de macacos. "Olhe aquela vaca! Veja o milho
crescendo pelo poder de Deus! Veja
aquele homem acolá! Olhe aquele casal de namorados. Glória a Deus pelo amor!"
Depois nós descemos e pouco depois um deles disse:
"Olhem para esta grama."
"O que tem a grama?" indaguei. "Nunca viu
grama antes?"
"Já", respondeu ele. "Mas agora estou
compreendendo que ela é o tapete que Deus fez
para o mundo. Glória a Deus pelo seu tapete!"
E continuamos assim durante quatro horas. Foi a reunião de
oração mais prática que já tivemos.
Depois daquele dia, passamos a orar de olhos abertos, e
penetramos em todo um novo mundo de
louvor.
Aquilo modificou nossa forma pentecostal de cultuar. Antes,
em nossas reuniões, havia muita gritaria
e tremores. Mantínhamos os olhos fechados, e assim nos esquecíamos de que havia outras pessoas presentes. Mas, então,
tudo isso acabou. Deixamos de demonstrar
expressões agônicas no semblante, como acontecia antes, quando orávamos.
Sabíamos que havia outras pessoas nos
observando, e por isso queríamos estampar no rosto uma expressão bem bonita.
Outra coisa que aconteceu foi que paramos de alterar a voz e
nosso vocabulário nas orações. Muitos
crentes, quando oram, assumem maneiras diferentes de falar; usam modos rebuscados e dramáticos. Por quê? Porque
fecham os olhos e pensam que entraram em outro
mundo.
Mas, com os olhos abertos, compreendemos que temos que viver
somente um tipo de vida, nas vinte e
quatro horas do dia. Tudo deve ser feito na presença do Senhor; ele está sempre aqui. Nós não precisamos arranjar
nenhum discurso especial para ele.
Em nossa igreja, tivemos que modificar a disposição dos
bancos. Quando estavam em fileiras,
ficávamos sempre olhando uns para a nuca dos outros. Agora, queríamos
contemplar seus rostos. Por isso, dispusemos
os bancos em círculos. Agora parece que temos mais comunhão. Vemos uma pessoa louvando a Deus, e
dizemos: "Senhor, eu te agradeço por
aquele homem..."
É verdade que, às vezes, precisamos fechar os olhos e
contemplar o nosso interior. Mas quando
louvamos a Deus, estamos entrando em contato com o mundo que nos cerca, e
então encontramos ao nosso redor muitos
objetos com os quais podemos encher nossas caixas de louvor.
Não foi isso que Davi fez? Ele deve ter visto um pastor
descendo a estrada em sua direção, e
então indagou:
"Olá, onde vai levando este rebanho?"
E o pastor deve ter respondido:
"Para os pastos verdejantes que há do outro lado da
colina, e àquele remanso tranqüilo."
E Davi, sendo um homem espiritual, que falava a linguagem do Reino, viu
a beleza de Deus naquilo. E ao
prosseguir sozinho em sua caminhada, cantou:
"O Senhor é o meu pastor:
Nada me faltará.
Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para
junto das águas de descanso." (SI
23.1,2.)
Se fossemos nós, crentes carnais, que estivéssemos ali em
vez de Davi, não teríamos enxergado nada
disso, e o diálogo teria se processado do seguinte modo: "Olá, Sr. pastor! Diga-me, quantos
quilos de lã cada ovelha dá, de cada vez?" "Quinze quilos." "Ah! E a quanto vende o
quilo?" "Dez dólares."
"Entendo. Quer dizer então que você pensa ganhar uns
cento e cinqüenta dólares por ovelha,
não é? É um bom negócio."
Somente materialismo. Entretanto, vamos à igreja e ficamos
cantando: "Aleluia! Glória a
Deus!"
E o Senhor nos ouve e diz para si mesmo: Hummm mm. Ê o mesmo
velho disco de sempre.
Davi disse: "Cantai ao Senhor um cântico novo" (SI
98.1). Se ele fosse um de nossos
compositores modernos, ele estaria interessado em vender suas músicas e
diria: "Cantai minha bela música
sempre!"
Mas ele queria que cada pessoa escrevesse seus próprios
salmos. Os salmos não estão restritos
àquele livro da Bíblia que está entre Jó e Provérbios. Os salmos são uma
resposta espontânea de um homem
espiritual a uma determinada circunstância. Quando nos sobrevêm algum contratempo, (e a Davi aconteceram
vários) nossa reação deveria ser o cântico de um salmo para o Senhor. Se recebêssemos boas notícias,
procederíamos da mesma forma.
Paulo disse aos efésios que as pessoas cheias do Espírito
Santo falam entre si "com
salmos" (Ef 5.19). Não era necessariamente aos salmos de Davi que
ele se referia. Nós nem precisamos saber
ler. Mas o Espírito que habita em nós deve dar origem a novos salmos, salmos de nossa autoria.
Quantas vezes, nós "tomamos emprestados" os
louvores de outrem. Usamos os salmos de
Davi, mas não temos a sua atitude interior. Se ele estivesse aqui provavelmente
se aproximaria de nós, arrancaria o
hinário de nossas mãos, e diria: "Não cante assim! Não escrevi este salmo para ser cantado em meio a
devaneios. Meu coração estava tomado pelas
palavras que dizia; elas eram como uma explosão da minha alma. Mas você
canta tão displicentemente — está
entediado."
Está certo tomarmos emprestado alguns hinos, mas seria
melhor cantar ao Senhor um cântico novo.
Lembremo-nos de quando Maria foi visitar Isabel. Em nossa igreja, como
seria a conversa entre duas senhoras que
estivessem esperando bebê?
"Com quantos meses você está?" "Está passando
bem?" "Você quer menino ou
menina?" "Já tem bastantes roupinhas?"
Mas quando Maria e Isabel se encontraram, a saudação foi uma
frase de salmo: "Bendita és tu
entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre" (Lc 1.42). E como foi que Maria replicou? Com um cântico
de louvor. "A minha alma engrandece
ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador" (w.
46 e seguintes). Simeão era outro homem
cheio do Espírito. Quando viu o menino Jesus, ele não disse: "Que lindo! Qual a idade de seu
filhinho?" Ele disse: "Despede em paz o teu servo, segundo a tua palavra; porque os meus olhos já viram a
tua salvação" (2.29 e seguintes). A
profetisa Ana fez o mesmo.
Por que as pessoas que estão cheias do Espírito não podem
ter um fluir constante de salmos?
Um dia eu me tranquei em meu gabinete e disse ao Senhor:
"Senhor, hoje cantarei para ti um
cântico novo." Peguei meu violão e comecei a dedilhá-lo. "Aleluia!
Aleluia! Glória a Deus!". Estava
bem fraco. Descobri minha pobreza no louvor. Eu não tinha nada para cantar
a não ser aquelas frases que podia tomar
emprestado de Davi, da virgem Maria, de Carlos
Wesley.
Mas não desisti; e de lá para cajá aprendi a louvar a Deus
em salmos, expressando-lhe o muito que
ele significa para mim. Eu e meus discipulandos, muitas vezes, temos
cantado cânticos novos para Deus,
falando e respondendo, cada um por sua vez.
Alguns anos atrás, eu e minha esposa ficamos viajando pela
Europa durante um mês. Quando finalmente
chegamos a Roma, encontramos ali inúmeras cartas à nossa espera: da secretária, de minha mãe e das crianças.
Logicamente, abrimos as das crianças em primeiro lugar. O
garoto de seis anos escrevera todas as
palavras que conhecia: papai, mamãe, tio, vaca, cavalo. Não era uma carta, realmente, mas era o melhor que ele poderia
fazer, e nós ficamos deslumbrados.
"Veja isto!" dissemos um para o outro. "Que coisa
boa!"
O outro de cinco anos não sabia escrever nada, então ele fez
um desenho de um casamento: o noivo, a
noiva, e eu como o pastor oficiante.
"Olhe só o que ele fez!" exclamamos rindo e
exultando, sentindo-nos assaltados por
imensa saudade.
Depois, pegamos um pedaço de papel amassado — a carta do
pequeno de três anos. Era apenas
rabiscos.
"Olhe para isto!" exclamei.
Minha esposa começou a chorar, e daí a pouco eu também
chorava.
O pastor italiano que nos levara a correspondência ficou a
espiar-nos. Estendi-lhe as três folhas
de papel. "Eles não são maravilhosos?"
Por que será que ele não disse nada? Porque não se tratava
dos filhos dele. Para mim e minha
esposa, aqueles pedaços de papel eram os mais preciosos do mundo. E até hoje
os conservamos.
Ouça-me! Cante para Deus um cântico novo — mesmo que sejam
só uns balbúcios. Ele vai gostar de
ouvi-lo, mais do que o Aleluia de Haendel cantado pelo Coro do Tabernáculo Mórmon. Comece a cantar. Tome aquilo que está
em seu coração e expresse-o em palavras
novas, em cânticos novos. Fale ao Senhor sobre o que lhe sucedeu hoje,
sobre alguma coisa que vê ao seu redor,
sobre qualquer coisa que esteja demonstrando seu poder e glória.
Deus fará um alarde tão grande nos céus, que os anjos irao
arregalar os olhos para ele, exatamente
como fez aquele pastor italiano diante de nós.
"Escutem isto!" gritará o Senhor. "Escutem
Juan Carlos cantando e tocando o violão.
Ontem ele só sabia dizer: 'Aleluia! Glória a Deus!' mas hoje ele já está
acrescentando palavras novas.
Escutem!"
A orquestra filarmônica dos anjos e seu coro sabem cantar e
tocar bem melhor, mas Deus diz:
"Estou saturado disto. Agora quero ouvir um pouco o Joãozinho com seu
balbuciar vacilante."
Enchamos nossas caixas vazias com palavras e cânticos novos.
Louvai-o pelos seus poderosos feitos.