segunda-feira, 10 de maio de 2021

O discipulo - Capítulo 09


 A Linguagem do Reino 

Louvai-o pelos seus feitos poderosos. (SI 150.2.) 

De todos os personagens bíblicos, Davi é o que melhor nos fala acerca do louvor e da  adoração. Ele discorre mais que qualquer outro e com mais autoridade sobre como expressar o  amor do reino, que temos em nosso coração. 

Algum tempo atrás, resolvi ler todos os salmos de Davi de uma assentada. Não  tencionava procurar versos especiais nem mensagens de conforto ou encorajamento. Apenas  queria aprender alguma coisa acerca de Davi, pois desejava ser como ele. 

Descobri que o livro é como uma sinfonia. Ele começa bem suave. Dá-nos a mesma  sensação de quando ouvimos uma orquestra filarmônica pela primeira vez. Vemos todos  aqueles instrumentos e calculamos que iremos ser totalmente envolvidos por uma  avassaladora onda de sons. 

Mas, então, começam a tocar apenas dois ou três violinos. Que decepção! Depois, de  pianíssimo, a música passa para piano. A seguir, fica um pouco mais forte... meio forte...  forte. E quando todos os instrumentos estão soando juntos, ficamos quase amedrontados.  O Salmo 150 é o fortíssimo de Davi, o "grand finale" da sinfonia. 

Louvai-o ao som da trombeta. 

Louvai-o com saltério e com harpa. 

Louvai-o com adufes e danças; 

Louvai-o com instrumentos de cordas e com flautas. 

Louvai-o com címbalos sonoros; 

Louvai-o com címbalos retumbantes. 

Todo ser que respira louve ao Senhor. 

Aleluia! (Versos 3-6.) 

Por que todo este barulho? Por causa de seus "feitos poderosos''. 

Eu nasci e me criei numa igreja que dava muita importância ao louvor a Deus. Bem  cedo, aprendi as palavras de louvor. Contudo, não entendi claramente o conceito certo de  louvor, embora dedicássemos uma grande parte de nossos cultos ao louvor. 

O que é louvar? Qualquer dicionário nos dirá que louvar é reconhecer as virtudes de  alguém. 

Louvar não é apenas repetir a palavra louvor. Se eu estou num culto, e ouço alguém  fazer um belíssimo solo, eu não me dirijo a esta pessoa e fico a repetir: "Eu o louvo! Eu o  louvo! Eu o louvo!" Isto não é louvar. Tenho que louvá-lo por algo que ele fez. Eu deveria  dizer: 

"Olhe, quando você começou a cantar, meu coração se abriu à mensagem do hino. Olhei  para as pessoas ao meu lado, e vi que também elas, todos nós, estávamos arrebatados pelo seu  canto." 

Se eu vejo uma senhora andando pela rua com seu filho, corro para ela, agarro seu braço  e digo: "õ minha senhora, eu a louvo! Eu a louvo! Eu a louvo!" Se eu disser isso, ela dirá:  "Você está louco!" 

Mas se eu disser: "Com licença, minha senhora. É a mãe desta criança?", ela  responderá: "Sou". 

E eu direi: "Ê uma bela criança. Seu filho tem belos modos, e a senhora pode orgulhar se dele." Eu a louvei, embora não tenha pronunciado a palavra louvor.

Se eu me aproximar de um pintor e disser: "Oh! Eu o louvo, aleluia!" ele sairá correndo,  fugindo de mim. 

Eu deveria ter dito: "Eu estava observando seus quadros, e gostei muito da maneira  como você pintou aquela mão segurando a xícara — é simplesmente maravilhoso. Parece até  que ela está saindo da moldura e convidando-nos a sentar e jantar." 

Uma grande parte de nosso louvor consiste somente em repetir a palavra louvor, e isto  não significa nada. 

Nossas palavras são como caixas vazias. Para ensinar à minha igreja esta lição, comecei  a interrogá-los. Todas as vezes que ouvia alguém dizer: "Glória a Deus!" eu diria: "Espere um  pouco, por que você está louvando ao Senhor?" 

"Bem, eu estou louvando a Deus porque, ahhh... porque, bem ahhh..." Não sabia.  Alguém dizia: "Aleluia!" 

E eu perguntava: "Por que você disse: 'Aleluia!' ?"

"Bem, eu disse Aleluia porque... ahhh..., bem, ahh..." 

"Você disse 'Aleluia!' porque é pentecostal e faz parte de nossa liturgia dizer 'Aleluia!'."  Davi disse: "Louvai-o pelos seus poderosos feitos." Mas nós não temos feito isto.  Nós chegamos à igreja puxando um carrinho de mão cheio de caixas belamente 

embaladas e atadas com lindas fitas, ostentando cartões que trazem os dizeres: "Glória ao  Senhor!" "Aleluia!" "Glória a Deus!" e "Amém!" 

E os pastores dizem: "Que gente maravilhosa! Eles trazem tanto louvor à igreja!"  E todas as caixas são levadas para o altar. Mas quando Deus as abre, não encontra nada  dentro. 

Certa vez eu disse para mim mesmo: Já estou na igreja há mais de trinta anos — isto é,  desde que nasci. O que aprendi este tempo todo a respeito do louvor? 

Bem, eu aprendi a repetir quatro fórmulas de louvor: Aleluia! Glória ao Senhor! Glória  a Deus! e Amém. E isso em trinta anos. 

Aprendera também a gritar estas quatro expressões. 

E ultimamente eu dera um passo à frente dos mais antigos: aprendera a cantá-las  também. As palavras eram as mesmas, mas agora eu as cantava, e achei que aquilo era  sensacional. 

E eu disse: "Senhor, será que isto é tudo que eu posso oferecer-te em matéria de  louvor?" 

Depois, então, li um verso que Davi escreveu: - "Louvai-o pelos seus poderosos feitos."  E compreendi que cada palavra de louvor deve ter um motivo. Temos que saber por que  louvamos o Senhor. De outro modo, estaremos apenas nos enganando, pensando que estamos  louvando ao Senhor, quando, na realidade, estamos apenas pronunciando algumas palavras. 

Suponhamos que eu saia para fazer compras. Quando volto para casa, minha esposa  pergunta: "Onde você esteve?" 

"Fazendo compras." 

"O que você comprou?" 

"Nada. Fui fazer compras, mas não comprei nada." 

Eu disse a palavra compras, mas não fiz compras. Apenas fiquei andando de um lado  para outro. 

Muitos de nós empregam palavras de louvor; nós as repetimos muitas vezes. Mas não  estamos louvando realmente. Deus não quer palavras; ele quer louvor. Ele não está  interessado nas caixas; quer o conteúdo delas. 

Minha igreja aceitou bem esta primeira proposição, e então resolvi dar mais um passo.  "Para podermos avançar nesta questão de louvor", disse-lhes, "durante este mês estamos  proibidos de pronunciar estas quatro fórmulas de louvor em nossos cultos. Vamos continuar  louvando a Deus, mas procurando outras palavras."

Ninguém mais sabia louvar a Deus. Minha esposa perguntou: 

"Juan, se eu não posso dizer Aleluia, o que vou dizer então? Afinal de contas, os anjos  dizem: Aleluia!" 

"Certo", respondi-lhe, "mas eles dizem: "Aleluia! Pois reina o Senhor nosso Deus, o  Todo-poderoso." (Ap 19.6.) Eles louvam a Deus "pelos seus poderosos feitos". Precisamos ter  em mente um feito poderoso de Deus, quando o louvamos, senão nosso louvor é vazio." 

Nós nos tornamos como caminhões pesados, quando atolam na lama. Ficam presos ali,  as rodas derrapando violentamente, fazem um enorme barulhão, queimam muito combustível  — mas não saem do lugar. 

Eu estava com o mesmo problema — fazia muito barulho, mas estava grudado no chão.  Não tinha palavras. Reconheci minha pobreza no louvor, e disse: "Senhor, acho que, para o  meu coração, o Senhor não significa muita coisa. Se não canto os salmos de Davi ou os hinos  do hinário, não tenho muita coisa para dizer-te." 

Mas nós aprendemos bastante com aquela experiência. Descobri que estivéramos  avaliando nossas reuniões pela quantidade de palavras de louvor que ouvíamos, o que, muitas  vezes, não significavam nada. Comecei a procurar em minha vida e experiência fatos e  bênçãos pelos quais eu podia louvar a Deus. E encontrei o Senhor em lugares onde nunca  pensei que estaria. 

Passei a ver Cristo no meu irmão. A princípio, a única coisa que eu conseguia dizer era:  “Glória a Deus, porque ele tem uma fisionomia alegre.” Mas, depois, passei a me lembrar de  que Jesus vivia dentro dele. 

E, eventualmente, vim a compreender que o louvor não é apenas uma explosão de  palavras que pronunciamos no domingo pela manhã. O louvor é toda uma linguagem. O  louvor é a linguagem do Reino de Deus. Assim como o espanhol é a língua da Argentina, o  inglês é a língua dos Estados Unidos e da Inglaterra, o português a do Brasil, assim, o louvor  é a linguagem do Reino de Deus. Os cidadãos deste Reino falam seu idioma, e nós nos  reconhecemos uns aos outros pelo sotaque. 

Ê como disse Davi: "O seu louvor estará sempre nos meus lábios" (SI 34.1). Ele  louvava a Deus no leito, da mesma forma que o louvava durante o dia. 

Para Deus, existem somente duas línguas neste mundo: a língua de seu Reino e a do  reino das trevas. A primeira é a linguagem do louvor; a outra, a da queixa. O louvor exalta  virtudes. A queixa critica a virtude. Todo ser humano fala ou uma língua ou a outra.  Vamos escutar um pouquinho os cidadãos do reino das trevas. 

O despertador toca pela manhã: "Ahhhhh! Quem foi que inventou o trabalho?"  Assentam-se para o desjejum: "O café está muito quente." 

Eles reclamam do tempo, do governo, do tráfego — de tudo. É toda uma linguagem.  Foi um choque para mim constatar que os cidadãos do Reino de Deus, na maior parte do  tempo, falam o idioma errado. Eles vão à igreja e cantam: "Aleluia! Aleluia!" Depois, quando  o culto termina, eles saem: "Ih! Está chovendo. Que dia horrível!" 

Quem fez o dia? O Senhor. 

Talvez eles devessem fazer uma corrigenda naquele conhecido corinho, e cantá-lo  assim: "Este é o dia que fez o Senhor, vamos criticar e reclamar." 

Como podemos cantar: "Glória a Deus!" e instantes depois criticarmos a mesma  Pessoa? Nosso louvor não alcança nosso entendimento. Louvamos sem saber o que estamos  fazendo. 

Às vezes alguns americanos aproximam-se de mim e dizem: "Como está usted?"  E eu respondo: "Muchas gracias; muy bien, y usted?"

Então eles riem e dizem: "Ah, bom, eu não sei mais nada de espanhol."  O espanhol não é a língua deles; tudo que sabem são algumas palavras que aprenderam  na escola. Seu vocabulário é muito limitado.

O mesmo acontece com alguns crentes. A sua linguagem não é o louvor; eles sabem  apenas algumas palavras que aprenderam na escola pentecostal: "Aleluia!" "Glória a Deus!"  Mas durante o restante do dia eles falam a linguagem da queixa. 

Se está fazendo muito frio ou muito calor, e não chove, nós reclamamos: "Que dia  horrível!" 

Nada do que Deus fez pode ser considerado horrível. O clima é uma manifestação do  seu grande poder. Também o são a neve, o calor e o gelo. Eu já aprendi a dizer: "Que belo dia  ensolarado!" "Que belo dia chuvoso!" "Que belo dia de neve!" "Que lindo dia quente!" — por  que não? Todos eles são belos, porque Deus os fez, e ele merece ser louvado por tê-los feito. 

Paulo disse a Timóteo: "Tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graça,  nada é recusável." (1 Tm 4.4.) Se nós possuímos um coração agradecido, tudo é bom. Se não,  tudo é sempre ruim. 

Em Buenos Aires, às vezes, a temperatura sobe até 43 ° C, no verão. Então, quando está  pelos 32 ° ou 35 °, encontro com alguém que me diz:

"Olá, Pastor Ortiz, como é que o senhor vai passando com este calor?" 

"Vou bem, obrigado!" respondo eu. "E você?" 

"Ah, terrível." 

"Ah, não, irmão. Foi o nosso Pai que ligou o aquecedor." 

Quando o termômetro sobe para 38 °, eles reclamam mais ainda. Mas o crente pode  sentir orgulho de seu Pai. Que poder tem ele! Para aquecer o prédio de uma galeria de lojas,  por exemplo, são necessárias caldeiras enormes. Mas nosso Pai aquece o país todo elevando  sua temperatura até 43 °, e faz isso sem nenhuma dificuldade. 

Ou então ele congela tudo, e mata todos os germes sem precisar de DDT. É fantástico!  Todos os anos, uma equipe russa de patinadores no gelo visita nossa cidade e dá um  espetáculo ali. Eu já vi as imensas máquinas que eles têm que transportar consigo para  produzir uma simples camada de gelo no piso do estádio. 

Mas também já vi como Deus congela todo o Canadá. E sem maquinário. Isso é o poder  de Deus. Glória a Deus pelo gelo e pela neve! 

Paulo disse também: "Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas,  orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens." (1 Tm 2.1.). Certa vez,  estávamos tentando louvar ao Senhor em um de nossos cultos sem dizer aquelas quatro frases,  quando, num dado momento, pareceu-me que o Espírito tomou controle de mim, e eu disse:  "Senhor, nós vamos agradecer-te por algumas coisas ou pessoas em particular. Vamos  começar pensando no telefone. Geralmente, não lhe damos o devido valor — mas quanta  gente contribui para o seu funcionamento. Quanto trabalho técnico! Graças te damos. Senhor,  pela Companhia Telefônica." 

E todo o povo disse: "Obrigado, Senhor, pela Companhia Telefônica!" 

"Senhor", continuei, e quando nós abrimos a torneira, dali jorra água — quente e fria.  Parece tão simples, mas quantos milhares de pessoas trabalham para que nós tenhamos água.  “Obrigado, Senhor, pelo departamento de águas." 

E novamente o povo disse: "Sim. Nós te agradecemos. Senhor, por ele."  E nós continuamos agradecendo a Deus pelos professores, pelos motoristas de ônibus,  pelos médicos, enfermeiros, policiais, e até pelo prefeito de nossa cidade. Nunca havíamos  feito tal coisa antes. Estávamos por demais atarefados com nossos "Aleluias" e "Glória a  Deus!" Mas, proibidos de falar estas palavras, tivemos que arranjar outras. E assim entramos  numa nova dimensão de louvor. 

Eu creio que Deus está cansado de ouvir queixas. Quando nós dizemos: "Senhor, nós te  damos graças pelas boas realizações de nosso prefeito", eu acho que Deus diz: "Até que  enfim! Alguém finalmente reconheceu que eu realizei algum bem."

Se um dia o telefone não funciona, começamos a nos queixar e nos esquecemos de  todos os outros dias em que ele funcionou perfeitamente. Se um dia o pastor não prega bem,  nós o criticamos, esquecendo-nos das boas mensagens que ele já entregou. 

Mesmo quando alguém morre, por que temos de nos entristecer, esquecendo-nos de  todos os anos que aquela pessoa viveu? 

Certa vez tive que dirigir um culto fúnebre de uma senhora que falecera aos setenta anos  de idade. Eu não queria usar a linguagem das trevas, e por isso disse: 

"Graças a Deus pelos setenta anos em que esta senhora conviveu conosco! Deus é tão  bom! Ele permitiu que ela vivesse entre nós todo este tempo. Vamos agradecer-lhe por isto."  Toda a atmosfera se modificou. Até mesmo o marido disse: "Graças te dou, Senhor, por  teres me dado todo este tempo ao lado de minha esposa!" Mais tarde ele pediu que  cantássemos um corinho cuja letra diz mais ou menos o seguinte: 

Eu venho dizer-te 

Eu venho dizer-te, meu Salvador. 

Que eu amo a ti, que eu amo a ti, 

De todo coração. 

Oh, estou feliz, estou tão feliz e cheio de gozo. Este hino não seria muito apropriado  para um culto fúnebre, mas foi o que ele quis cantar. Depois nós demos as mãos e começamos  a dançar no espírito — até o viúvo. Ele estava tão feliz com a revelação de que Deus dera  todos aqueles 70 anos à sua esposa, que desejou fazer uma comemoração. E por que não? 

Temos que nos observar para ver se estamos falando a linguagem certa. Se a que  falamos é a do Reino de Deus, então temos que louvá-lo todos os dias, o ano inteiro, e  entender plenamente o que dizemos.