segunda-feira, 10 de maio de 2021

O discipulo - Capítulo 03


 Servos do Reino 

"Qual de vós, tendo um servo, ocupado na lavoura ou em guardar o gado, lhe dirá quando ele voltar  do campo: Vem já e põe-te à mesa? E que antes não lhe diga: Prepara-me a ceia, cinge-te. e serve-me,  enquanto eu como e bebo: depois comerás tu e beberás. Porventura terá de agradecer ao servo por ter este  feito o que lhe havia ordenado?" (Lc 17.7-9.) 

Já falamos a respeito do que significa o vocábulo Senhor. Agora vejamos o que é um  servo, Jesus estava-se dirigindo a pessoas que conheciam perfeitamente o significado da  palavra escravo. Hoje em dia não existem mais tais condições. A melhor aplicação que  poderíamos fazer do termo, seria para servos ou empregados, mas estes percebem um  determinado salário, têm um contrato de trabalho e são registrados num sindicato. 

Mas o servo do primeiro século era um escravo mesmo — uma pessoa que fora  destituída de tudo que possuía neste mundo. Perdera a liberdade, a autonomia pessoal, a  vontade própria, e até o nome. Fora vendido no mercado como um animal. Uma etiqueta com  o preço fora dependurada ao seu pescoço, e os interessados haviam discutido a respeito de seu  valor. Mas, no fim, alguém o adquirira, e o levara para casa. Depois fizera uma perfuração em  sua orelha e colocara nele um brinco de argola que trazia inscrito o nome de seu dono. E então  ele perdera sua identidade. Não se chamava mais João ou Pedro, mas sim o escravo do Sr.  Fulano de Tal. 

E ele não recebia nenhuma paga pelos seus serviços. Perdera totalmente sua liberdade  de ação. Se o seu amo lhe dissesse: "Você terá que se levantar às seis horas", ele se levantava  às seis horas. Se o dono dissesse quatro, então se levantaria às quatro. Se o seu amo quisesse  que ele lhe prestasse um serviço à meia-noite, teria que fazê-lo. Era escravo. Não tinha  liberdade, nem direito de escolha, nada! 

Por isso, quando Jesus narrou esta historieta acerca de um homem que teria convidado  seu escravo para assentar-se à mesa e jantar com ele, os discípulos riram. Ninguém faria isto.  O escravo sempre tinha que servir primeiramente ao seu amo. Ele tinha que se lavar, trocar de  roupa, preparar a refeição e servi-la, e depois que o seu senhor houvesse jantado e tivesse ido  deitar-se, então o escravo estaria livre para comer do que sobrara. 

E quando Jesus afirmou: "E ele não agradece ao servo por ter cumprido as ordens que  lhe deu, agradece?" todos responderam: "Ê lógico que não." 

Então o Senhor concluiu: "Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi  ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer." (Lc  7.10.) 

Nós somos escravos de Jesus Cristo. É possível que não gostemos de ouvir isto, mas é a  verdade. Paulo entendeu tal fato perfeitamente, e explicou: "Porque nenhum de nós vive para  si mesmo, nem morre para si. Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para  o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos, somos do Senhor. Foi precisamente  para esse fim que Cristo morreu e ressurgiu; para ser Senhor, tanto de mortos como de vivos."  (Rm 14.7-9.) 

Já ouvimos muitas vezes a declaração de que Jesus morreu pelos nossos pecados. Mas  isto é apenas uma parte da história. O motivo pelo qual ele morreu e ressuscitou – diz Paulo  — foi tornar-se Senhor de todos nós, escravos. E o apóstolo explica isto com grande  felicidade em 2 Coríntios 5.15: "E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam  mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou."

 Portanto, nós fomos comprados por um preço. É por isso que encontramos tantas vezes  no Novo Testamento a frase: "Paulo, servo de Jesus Cristo", "Tiago, servo de Deus e do  Senhor Jesus Cristo", "Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo". Até Maria denominou se "a serva do Senhor" (Lc 1.38). 

Antes de sermos encontrados pelo nosso proprietário, estávamos perdidos. Estávamos  condenados à maldição eterna. 

Mas atentem para esta verdade: nós ainda estamos perdidos. Antes estávamos perdidos  no pecado, nas mãos de Satanás. Agora estamos perdidos nas mãos de Cristo.  Muitas pessoas crêem que receber a salvação é ser liberto. "Oh! Glória a Deus! Agora  sou livre, livre, livre!" Espere! Não é bem assim. "Uma vez libertos do pecado, fostes feitos  servos da justiça." (Rm 6.18.) 

Como sabemos, existem dois reis neste mundo, e cada um deles tem os seus domínios.  Nós nascemos no reino das trevas. Somos cidadãos naturais do reino do egoísmo. E neste  reino todos seguem sua própria vontade. É deste modo que Satanás governa seu império,  "segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos" (Ef  2.3). 

Nós vivíamos como desejávamos; fazíamos o que nos agradava. E isso não fazia a  mínima diferença para nós. O reino das trevas é como um navio avariado que está afundando  rapidamente. Quando o capitão da embarcação percebe que o navio está perdido, ele se dirige  aos passageiros e diz o seguinte: "Os passageiros da segunda classe podem ir para a primeira.  Todos podem fazer o que quiserem. Quem quiser beber, pode se servir à vontade em nosso  bar; é tudo de graça. Se quiserem jogar futebol no salão de refeições, podem. E se quebrarem  as lâmpadas, não se preocupem com isto." 

E os passageiros exclamam, "Que capitão maravilhoso, este nosso! Podemos fazer o que  quisermos, neste navio." 

Mas acontece que dentro de alguns instantes todos eles estarão mortos.  No reino das trevas, podemos gozar à vontade de todos os prazeres das drogas, da  lascívia e do engano. Não obstante, estamos perdidos. Pensamos que somos uns reis. Somos  dominados pelo espírito de egoísmo de nosso reino. Mas é apenas uma questão de tempo.  E o que é realmente a salvação? É o fato de que "ele nos libertou do império das trevas e  nos transportou para o reino do Filho do seu amor" (Cl 1.13). Isto não significa ficar  totalmente liberto de domínio. É simplesmente mudar do domínio de Satanás para o de Jesus  Cristo. 

Neste novo reino, não podemos fazer tudo que quisermos. Nele, nós somos parte do  reino de Deus. Ele é o Rei. Ele é quem governa. Nós vivemos de acordo com seus desejos e  vontade. 

Algumas pessoas crêem que as características distintivas do Reino de Deus são o fato de  que nós não fumamos, não bebemos e não freqüentamos cinema. Mas a verdade é bem mais  profunda. No Reino de Deus, nós fazemos o que Deus quer. Ele é o Senhor deste reino. 

O testemunho daqueles que passaram da morte para a vida, que se mudaram de um  reino para outro é o seguinte: "Antes de encontrar Jesus, eu dirigia minha própria vida. Mas  depois que o conheci, é ele quem governa." 

Talvez alguns preferissem que não fossemos tão incisivos. Eles pensam que existem três  caminhos, e não dois, e vivem por esta idéia. Para eles, haveria o caminho largo, que é para os  pecadores destinados ao inferno. O caminho estreito seria para pastores e missionários. E este  terceiro caminho — que não é nem muito largo nem muito estreito, uma estrada mediana —  seria para o restante dos crentes. Naturalmente, tal hipótese não se acha nos livros de doutrina,  mas no livro das realidades, que é onde as pessoas vivem.

Este caminho mediano é uma invenção humana. A verdade é que ou nós estamos no  reino das trevas fazendo o que é de nossa vontade, ou estamos no Reino de Deus fazendo a  vontade dele. Não existe uma situação intermediária. 

Em realidade, não é muito fácil mudar-se de um reino para outro. Não existem  passaportes nem vistos. Somos escravos de nossos próprios pecados. Nós não podemos  simplesmente levantar e partir. Nenhum escravo pode fazer isto. 

O único modo de se libertar de um cativeiro é pela morte. Por que é que os cânticos dos  escravos norte-americanos falavam tanto a respeito do céu? É porque esta era sua única  esperança de emancipação. Também nós, só podemos nos libertar do pecado, morrendo. 

E há ainda um outro fator: o reino de Deus não aceita cidadãos naturalizados. O súdito  tem que nascer neste reino. Suponhamos que a constituição dos Estados Unidos fosse assim  também, e que eu me dirigisse ao departamento de imigração e dissesse:  "Eu desejo ser americano." 

"Onde foi que o senhor nasceu?" 

"Em Buenos Aires, na Argentina." 

"Então o senhor não pode ser americano", explicariam eles. "pois para ser americano é  necessário ter nascido em território americano." 

"Ah, senhor, eu quero tanto me tornar americano." 

"Onde foi que o senhor nasceu?" 

"Em Buenos Aires, na Argentina." 

"Bem, eu já lhe disse que o único modo de ser americano é ter nascido nos Estados  Unidos." 

"Como é que poderia fazer isto? Eu gostaria realmente de ser americano."  "Só se o senhor morresse e depois nascesse de novo, mas desta vez, nos Estados  Unidos. É o único meio. Nós não aceitamos mais visitantes, nem concedemos vistos. A  pessoa tem que nascer aqui." 

Então como é que uma pessoa pode mudar sua cidadania do reino das trevas para o  Reino de Deus? 

Jesus- deu a solução. Sua morte na cruz e sua ressurreição significam isto: qualquer  escravo que olhar para a cruz tem permissão para considerar a morte dele como sua morte.  Assim, o escravo morre e Satanás perde seu controle sobre ele. 

Depois vem a ressurreição. Por ela somos transportados para o novo reino. Este fator é  tão importante quanto à cruz. Morremos para um soberano e renascemos sob o domínio de  outro. 

E é exatamente isso que o batismo enfoca. Durante muito tempo eu batizei pessoas, mas  para mim aquilo não passava de uma cerimônia. Era uma bela cerimônia. Contratávamos  fotógrafos, usávamos belos mantos; o coro cantava no fundo, em voz suave. Era quase um  "show". 

Mas isto foi antes de Deus começar a renovar-nos. Agora sabemos que o batismo tem  um profundo significado. Ele deve ser realizado imediatamente; logo que a pessoa começa a  viver neste novo Reino. Não me importo muito se é por imersão ou de outro modo – a Bíblia  não é muito específica a este respeito, pelo menos, não tanto quanto nas vezes em que fala  sobre amarmos uns aos outros (e isso nós não fazemos). Mas a imersão realmente é uma  ilustração clara da morte e ressurreição de Cristo. Nós mergulhamos o batizando na água, mas  não o deixamos lá. Nós o erguemos novamente. 

Tal cerimônia não é uma criação nossa, nem dos apóstolos. O batismo é realizado em  nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Na verdade, a pessoa está sendo batizada por  Deus, que, no ato, é representado por um homem.

Na Argentina, alguns pastores recitam a seguinte fórmula batismal: "Eu o mato em  nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo, para fazê-lo nascer de novo no Reino de Deus  para servi-lo e agradá-lo." É bem diferente, mas funciona bem melhor. 

Algumas pessoas pensam que a salvação vem através do batismo apenas; outros dizem  que é somente pela fé. Mas os apóstolos disseram: "Arrependei-vos e sede batizados." São as  duas coisas. Eles não disseram: "Aquele que crer e for salvo, deve ser batizado alguns meses  depois." Eles afirmavam que o batismo tinha importância para a salvação. 

Qual é esta importância? É como uma nota de dinheiro. Ela tem dois valores. Um é o  seu valor intrínseco — o valor do papel e da tinta, que não é muito grande. Com pouco  dinheiro, poderemos comprar uma folha de papel maior do que o papel da nota, e tinta, em  quantidade suficiente para fazer muitas notas. 

Mas existe um outro valor em uma nota de dinheiro: um valor diferente e bem maior —  ela é endossada pelas reservas federais da nação. Se pegarmos aquele pedaço de papel e o  levarmos ao supermercado, eles nos dão muitas coisas em troca dela (bem, talvez não muitas). 

Assim também é o batismo. A água e a cerimônia não são muita coisa. Mas tudo é  endossado pelo que Cristo realizou na cruz e no túmulo. Portanto, o batismo tem um valor  enorme. Ele diz à pessoa que está sendo batizada, que ela passou da morte para a vida.  É por isso que ele precisa ser realizado na hora do passamento. 

Esta idéia não foi criação minha. A Igreja primitiva não batizava ninguém após o dia da  sua conversão. Eles nem esperavam o culto noturno. Se uma pessoa era salva pela manhã, era  batizada de manhã. Se ela era salva no meio da noite — como foi o caso do carcereiro de  Filipos, narrado em Atos 16 — ela era batizada no meio da noite. 

Na Argentina, nós não damos a certeza de salvação a ninguém, enquanto não for  batizado, não por causa do batismo em si, mas por uma questão de obediência. Se uma pessoa  disser: "Eu creio!" mas não quiser ser batizada, nós duvidamos de sua submissão a este novo  Reino, pois a salvação consiste exatamente nisto: obediência. 

Se não temos acesso a um rio ou a uma piscina ou batistério, batizamos a pessoa na  própria banheira de sua casa. Batizamos o pai, a mãe, e os filhos, todos na mesma banheira. E  isto é bem mais prático do que na igreja, pois na casa já temos à nossa disposição água  aquecida, toalhas, etc, tudo à mão. E até pode ser que depois tomemos um cafezinho com eles. 

Portanto, o batismo é uma valiosa lição objetiva. Se o realizarmos no momento certo, as  pessoas compreenderão melhor o que estão fazendo. Estão deixando as trevas e entrando no  Reino de Deus.