segunda-feira, 10 de maio de 2021

O discipulo - Capítulo 02


 O Evangelho do Reino 

"Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o  meu jugo, e aprendei de mim..." (Mt 11.28,29.) 

Nós todos gostamos muito deste primeiro verso, o 28. Mas as palavras que Jesus  proferiu em seguida — "Tomai sobre vós o meu jugo" — já não são tão apreciadas.  A salvação não significa apenas libertação de nossos fardos e dificuldades. Ê verdade  que ficamos livres deste jugo, mas é verdade também que recebemos outro para substituí-lo  — o jugo de Cristo. Ele nos liberta de nossos velhos fardos a fim de poder utilizar-nos em seu  Reino. Ele nos liberta de nossos problemas para que passemos a arcar com os dele. A partir de  então, vivemos para o Rei, e não para nós mesmos. 

Eu poderia dizer que o Quinto Evangelho é composto de todos os versos que nós  sublinhamos. Se alguém desejar ler o evangelho do Reino basta pegar a Bíblia, e ler todos os  versos que não grifamos, pois eles compõem a verdade que omitimos. Não estou mais  sublinhando versos das Escrituras, pois isso é o mesmo que dividi-los em duas classes,  primeira e segunda. Eu costumava sublinhar os versículos da Bíblia com lápis de diversas  cores, agora, porém, deixo todos da mesma cor. Tudo que está na Bíblia é importante. 

No Velho Testamento, Jesus é sempre apresentado como Senhor e Rei que haveria de  vir. Ele é maior que Moisés, Davi ou que os anjos. Davi chamou-o de "meu Senhor" (SI  110.1). 

Como foi que Jesus se apresentou a Zaqueu? Se em vez de Jesus tivesse sido um de nós,  pastores do século XX, que estivesse tentando abordá-lo, teríamos dito: "O senhor é o Sr.  Zaqueu? Tenho muito prazer em conhecê-lo." 

"Ah! Igualmente. Tenho muita satisfação em conhecê-lo, também." 

"Sr. Zaqueu, gostaria de dar-lhe uma palavrinha. Será que poderíamos examinar sua  agenda? Sei que o senhor é muito ocupado, mas talvez possamos marcar uma entrevista.  Quando seria mais conveniente para o senhor?" 

Isto daria a Zaqueu a chance de optar. Ele diria: 

"Bem; o assunto é importante?" 

"É uma questão muito importante, embora o senhor possa pensar diferente."  "Bem, vejamos. Esta semana está toda tomada. Talvez, na semana que vem..."  Jesus não agiu assim. Ele ergueu os olhos para a árvore, e ordenou: "Zaqueu, desce depressa, pois me convém ficar hoje em tua casa." Quando se trata do Senhor, não há para nós  uma escolha de condições. A salvação não é uma opção; é um mandamento.  Zaqueu tinha que decidir como iria encarar a ordem que Jesus lhe deu. Ele iria obedecer  ou desobedecer. (Foi isso que Jesus quis dizer certa vez, quando afirmou: "Quem não é por  mim é contra mim." A posição de cada pessoa em relação a ele, só poderia ser a favor ou  contra.) Obedecer implicava num reconhecimento de Cristo como autoridade, como o Senhor.  Se Zaqueu houvesse desobedecido, ele teria se tornado inimigo de Cristo.  Mas ele resolveu obedecer. Desceu da árvore prontamente, e levou Jesus e os apóstolos  até sua casa. Logo que entrou, disse à esposa: "Querida, prepare uma refeição para estes  homens." 

Provavelmente, sua esposa indagou: 

"Mas por que você não me avisou que havia convidado estes amigos para almoçar?"  "Mas, querida, eu não os convidei; foram eles que se convidaram." 

Jesus não precisa de convite. Ele é o Senhor de todas as casas, de todas as pessoas.

 Alguns instantes depois, Jesus declarou: "Hoje veio a salvação a esta casa."  Quando isso aconteceu? Ninguém lhe havia explicado o plano da salvação. Ninguém  lhe havia falado das quatro leis espirituais. Quando Zaqueu foi salvo? Quando ele obedeceu  ao Senhor. No instante em que desceu daquela árvore, ele se colocou sob o senhorio de Cristo.  O mesmo aconteceu com Mateus. Ele estava recolhendo impostos. Jesus não parou a  seu lado e esperou até que estivesse livre para dizer: "Olá! Como vai? Meu nome é Jesus.  Tenho muito prazer em conhecê-lo. Sei que está muito ocupado, mas... oh! espere..." Não!  Isto teria dado ocasião a que Mateus pudesse escolher entre dar e não dar atenção a Jesus.  Mas Cristo disse: "Mateus, siga-me!" Não foi um convite. Foi uma ordem. Mateus iria  obedecer ou desobedecer. É assim o evangelho do Reino. "Arrependei-vos, e crede." Ou nós  obedecemos, ou não. 

O mesmo sucedeu ao jovem rico. Ele perguntou: "Bom Mestre, que farei para herdar a  vida eterna?" (Lc 18.18.) E ele já havia feito quase tudo. 

Jesus lhe respondeu: "Uma cousa ainda te falta: vende tudo o que tens, dá-o aos  pobres... depois vem, e segue-me" (v. 22). 

O moço foi para casa muito triste. 

O que nós teríamos feito? Talvez tivéssemos corrido atrás dele para dizer-lhe: "Moço,  não leve isto tão a sério. Você pode vir conosco assim mesmo. Nós daremos um jeito."  Isto significaria que ele poderia seguir a Jesus, e continuar vivendo de acordo com suas  próprias idéias. 

Embora Jesus o amasse, deixou que ele se fosse. Se Jesus houvesse abaixado o padrão  de suas exigências, o moço nunca teria realmente sido salvo de si mesmo.  Jesus ordenou a um outro homem que o seguisse, mas o homem replicou: "Permite-me  ir primeiro sepultar meu pai" (Lc 9.59). 

Nós teríamos respondido: 

"Lógico! Lógico! Desculpe-me ter chamado você justamente agora. Ah, coitado.  Lamento muito. Pode tirar uns dois ou três dias de folga, para o enterro."  Mas Jesus não! Ele disse ao homem que deixasse que outros se encarregassem daquilo.  O Senhor era muito mais importante que um pai morto ou que qualquer outra pessoa. O  homem concordou em seguir a Jesus, mas impôs uma condição: "Permite-me primeiro..."  Quem é o primeiro, senão Jesus? Este outro também queria seguir a Jesus em seus próprios  termos. E Jesus respondeu: "Não. Sou eu quem determina as condições."  Obviamente, Jesus poderia ter permitido que ele fosse sepultar o pai. Mas havia um  princípio envolvido naquilo tudo. 

Um outro homem disse: "Seguir-te-ei, Senhor; mas deixa-me primeiro despedir-me dos  de casa." 

Jesus poderia ter respondido: "Naturalmente! Vá; jante com sua família, e agradeça a  todos por permitirem que um de seus membros me siga." Mas Jesus nunca permitiu tal coisa.  Nós não somos salvos por aceitarmos uma certa doutrina ou fórmula de vida. Somos  salvos porque obedecemos ao que Deus ordena. Tudo que Jesus diz é: "Segue-me!" Ele não  diz para onde, e nem quanto nos pagará. Ele apenas dá a ordem. 

A salvação é uma ordenança. Deus quer que sejamos salvos, pois todos pecaram. Por  isso, ele ordena a todos que se arrependam. Se não nos arrependermos, estaremos  desobedecendo a Deus. É por isso que as pessoas que não se arrependem são castigadas. Se se  tratasse apenas de um convite, não poderia haver castigo. 

Suponhamos que alguém me diga: 

"Juan Carlos, você aceita um pedaço de bolo?" 

"Não, obrigado", diria eu. 

Então a pessoa começasse a esmurrar-me. 

"Ei, por que está me batendo?"

 "Porque você não aceitou o bolo." 

"Mas você me ofereceu e perguntou se eu queria. Por que tenho de ser castigado?"  O arrependimento nos é apresentado como um mandamento, e não como um convite. Se  assim não fosse, Jesus não poderia punir as pessoas que se recusam a arrepender-se.  Se Jesus tivesse permitido que o moço rico o seguisse sem ter que vender seus bens, ele  teria sido um mau discípulo. Toda vez que Jesus lhe desse uma ordem, ele diria consigo  mesmo: "Bem, eu faço ou não faço?" Assim são muitas das pessoas que se encontram em  nossas igrejas hoje, e tudo porque temos pregado o Quinto Evangelho. 

Salvação é submissão. Salvar-se significa colocar-se sob o domínio de Cristo. Podemos  não entender bem o significado de termos tais como expiação e propiciação, mas todos  entendemos o que seja submissão ao Senhor. É tornar-nos cidadãos de seu reino. Somos  cobertos pela sua proteção. 

O que significa a petição que fazemos no Pai Nosso, "Venha o teu reino, seja feita a tua  vontade assim na terra como no céu"? Significa que precisamos abandonar o trono de nossa  vida, que estamos ocupando, e permitir que Jesus tome lugar nele. Antes de eu me encontrar  com Jesus, era o único dono de minha vida. Mas depois que o encontrei, é ele quem dita as  ordens. 

"Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu", é uma norma para ser observada  no momento presente, não amanhã, nem nas eras vindouras. Nós, os pregadores modernos,  não apenas diluímos o evangelho do Reino, mas também o dividimos em suaves prestações  mensais. É como a compra de um carro. Paga-se uma certa quantia de entrada, mas leva-se o  carro todo, e continua-se pagando depois. 

Talvez estejamos tentando vender o evangelho do mesmo modo que vendemos carros.  Nós dizemos: "Quer ser salvo? Levante a mão e pronto." 

"E pronto!" Por quê? Isso é apenas a entrada. Depois de algum tempo, aparece alguém  que nos diz: "Você já ouviu falar de batismo? Nós devemos realizar batismos muito breve.  Será em um dia bem agradável; aqueceremos a água. Há um bom grupo para ser batizado."  Trata-se da primeira prestação. 

E se o interpelado responde: "Oh, não. Eu não quero ser batizado", então dizemos: "Está  bem. Você pode esperar até sentir-se mais preparado." 

Não era esta a mensagem da Igreja primitiva. Ela dizia: "Arrependam-se e sejam  batizados!" Era uma ordem, não uma questão de opção. 

Depois de algum tempo, temos que fazer mais um pagamento. 

"Sabe, irmão, é preciso pagar todas as despesas da igreja e por isso damos o dízimo de  nosso salário. Mas não é tão ruim quanto pode parecer, porque quando nós damos o dízimo,  os noventa por cento que nos sobram rendem muito mais que o salário completo. Deus estica  nosso dinheiro para nós." 

É um evangelho centralizado no homem. 

O que acontece é que, recebendo estas doses que lhe são aplicadas de vez em quando, as  pessoas ficam imunizadas contra o verdadeiro evangelho do Reino. Depois ficamos  admirados ao perceber que pregamos, pregamos e pregamos, e nossa mensagem não parece  penetrar no coração do povo. 

Jesus disse: "Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas  cousas vos serão acrescentadas." (Mt 6.33.) Que coisas são estas? O contexto é claro:  alimento, vestuário, habitação – as coisas essenciais da vida. Muitas pessoas ficam pedindo a  Deus: "Senhor, dá-me isto", ou "Senhor, dá-me aquilo". Se elas têm que pedir estas coisas é  porque não as possuem. E o motivo por que não as possuem é que não buscam o reino de  Deus em primeiro lugar. 

Deus prometeu todas estas coisas àqueles que buscarem o seu reino. Eu tenho que  buscar apenas o Reino de Deus, e depois irei olhar ao meu redor e ficar espantado. "Mas

como foi que consegui todas estas coisas? Elas devem ter-me sido concedidas enquanto  buscava seu Reino." 

Se um ser de outro planeta viesse aqui e procurasse ver como vivem os cristãos, ele  pensaria que Jesus disse o seguinte: "Busquem primeiro o que vão comer, o que vão vestir, e a  casa que vão comprar, o carro que vão preferir, o trabalho que vão fazer e a pessoa com quem  vão se casar. Depois, se sobrar tempo, e se não for muito incômodo, façam alguma coisa em  prol do Reino de Deus." 

Certa vez perguntei a um homem: "Por que você trabalha?" 

"Trabalho porque tenho que comer. Se eu não trabalhar, não poderei comer."  "E por que é que você come?" perguntei. 

"Porque preciso de forças para trabalhar mais." 

"E por que você tem que trabalhar mais?" 

"Bem, eu trabalho mais para poder comer de novo, e para trabalhar mais, e para  comer..." 

Isso não é viver. Isso é apenas respirar. Não existe objetivo algum nisso.  Certo dia compreendi tudo. Meu objetivo deve ser estender o Reino de Deus. Jesus  disse aos discípulos: "Toda autoridade me foi dada no céu e na terra." (Mt 28.18.) Ele tem que  conquistar o universo todo para Deus. O Pai disse ao Filho: "Você fará isto por mim.  Você reinará até que todos os inimigos estejam subjugados aos seus pés."  Jesus veio à terra e declarou aos discípulos: "Eu sou o comandante supremo dos  exércitos de Deus. Tenho que conquistar o universo para meu Pai. Entrego a vocês este  planeta. Vocês têm que ir ao mundo todo e fazer discípulos em toda a parte, batizando-os e  ensinando-os a obedecer todos os meus mandamentos. Adeus, e mãos ao trabalho!"  Portanto, é meu dever reconquistar, palmo a palmo, as coisas que pertencem a Deus.  Para fazer isto, tenho que comer; para comer, tenho que trabalhar. Mas o propósito é estender  o Reino de meu Senhor. 

Isto significa que meu conceito de valores tem que se modificar inteiramente. Eu não  estudo na universidade para obter um diploma; vou lá para estender o Reino de Cristo, e a seu  serviço. E, de passagem, obtenho o diploma. 

Não trabalho na Ford Motores para ganhar a vida. Trabalho lá porque Deus precisa  conquistar aquele pedacinho de terreno; precisa que um de seus soldados o conquiste para ele.  E o meu patrão me paga para fazer isto. Mas nosso verdadeiro Senhor é Jesus Cristo. 

Se assim não for, é melhor que eu pare de clamar pelo seu nome, já que Jesus diz: "Por  que me chamais, Senhor, Senhor, e não fazeis o que vos mando?"