Juan Carlos Ortiz – que homem e que escritor!
As páginas que se seguem servirão para apresentar aos
leitores um dos mais notáveis e humildes
servos de Deus na América Latina. Juan Carlos Ortiz é um escritor sincero e
franco que não faz uso de meias medidas.
Escreve do mesmo modo que fala; e fala exatamente como escreve. E ele não fala de uma mera teoria
baseada em idéias que teria retirado dos
compêndios empoeirados de alguma biblioteca. Pelo contrário — sua
mensagem de encorajamento para a Igreja
é fundamentada nas muitas experiências que viveu como pastor de uma igreja da capital argentina.
As ilustrações que apresenta levarão o leitor a pensar, e
podem fazê-lo até chorar. E se o leitor
for como eu, algumas de suas histórias lhe arrancarão risadas. Nestas páginas
há um pouco de tudo. E eu quero deixar
aqui um aviso: depois que se pega este livro, fica-se amarrado a ele.
O leitor pode não concordar com todas as suas idéias e
interpretações, mas não deixe que isto o
perturbe. Continue a ler, porque qualquer divergência que porventura surgir,
logo perde importância, diante do que
ele fala aberta e francamente a respeito do que Deus está realizando entre seu povo, na América Latina,
nestes dias.
O tema é o amor: amor fraterno, amor comunitário, amor que
une, e outros tipos de amor. Juan Carlos
nos relembra que, para o seguidor de Cristo, este amor deve se transformar numa compreensão radical e coerente do que
seja o discipulado cristão. Para ele, a Igreja não é mais do que um veículo de preparação e
treinamento de homens e mulheres para o serviço
do Senhor. E é sobre isto que versa esta obra — sobre a Igreja.
Juan Carlos é para mim um querido irmão e amigo. Estou muito
satisfeito de ver que sua mensagem clara
e indiscutível não está mais restrita apenas a nossos vizinhos da América Latina, pois ele é um homem de Deus, que diz
verdades que precisam ser conhecidas por toda
a Igreja, de todo o mundo.
Quando terminar a leitura destas páginas, o leitor
provavelmente quererá dar um caloroso
abraço em Juan Carlos, e, sem se preocupar muito com seu sotaque em
espanhol, poderá querer dizer-lhe:
"Muchas gracias!"
Dr. W. Stanley Mooneyham Presidente de World Vision Inter.
O Vinho Novo
O que é um discípulo? Discípulo é aquele que segue a Jesus
Cristo. Ser cristão não significa
automaticamente ser discípulo, embora os cristãos sejam membros do Reino de Deus. Seguir a
Cristo implica em aceitá-lo como Senhor;
significa servi-lo como um escravo. Também significa amar e louvar.
Ê a respeito disso que falaremos na primeira parte deste
livro.
Por que me chamais. Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu
vos mando? (Lc 6.46.)
Na língua espanhola ocorre um fato curioso com a palavra
Senhor. Utilizamos este vocábulo com um
sentido vocativo, colocando-o adiante do nome das pessoas. Dizemos: Sr. Smith, Sr. William, e Senhor Jesus.
Em conseqüência disto, em espanhol, o conceito que temos
deste termo é muito amplo. Quando
chamamos a Jesus de Senhor, isto realmente não tem um significado muito forte
para nós.
Mas quando entrei em contato com pessoas de fala inglesa,
descobri que elas têm o mesmo problema,
apesar de contarem com duas palavras distintas para os dois usos: mister e lord. Talvez seja porque a palavra lord se
aplica também aos lordes da Inglaterra, alguns dos quais não têm sido lá muito dignos de
admiração.
A palavra senhor não tem hoje o mesmo significado de quando
Jesus se achava na terra. Naquela época,
ela significava autoridade máxima, o número um, o homem que estava acima de todos os outros, o dono de toda a criação.
O vocábulo grego kurios (que significa senhor)
com inicial minúscula era usado pelos escravos ao se dirigirem a seus
amos. A mesma palavra, com inicial
maiúscula, era aplicada a apenas uma pessoa em todo o Império Romano — a César. O césar romano era o Senhor. Em
verdade, quando os funcionários públicos ou
soldados se encontravam na rua, tinham que saudar uns aos outros com as
palavras: "César é o Senhor!"
E a resposta invariavelmente era: "Sim; César é o Senhor!"
Por isso, os cristãos tiveram que enfrentar um grande
problema. Sempre que alguém os saudava
com estas palavras: "César é o Senhor!", eles respondiam: "Não;
Jesus Cristo é o Senhor." Em pouco
tempo, tal prática começou a causar-lhes dificuldades. Não que César tivesse ciúmes do nome. A questão era bem
mais profunda que isto. A verdade é que César
sabia que o que os cristãos diziam na realidade, é que eles estavam
sujeitos a um outro tipo de autoridade,
e que na balança de suas vidas, Jesus Cristo pesava mais que César.
O que eles diziam realmente era: "César, você pode
contar conosco em algumas situações, mas
se formos forçados a fazer uma escolha, preferiremos a Jesus, porque já entregamos toda a nossa vida a ele. Ele é a
pessoa mais importante para nós. Ele é o Senhor, nossa autoridade máxima."
Não é de se admirar que César perseguisse os cristãos.
O evangelho que encontramos na Bíblia é o evangelho do Reino
de Deus. Ele apresenta Jesus como o Rei,
como o Senhor, como a autoridade máxima. Jesus se encontra no centro do evangelho. O evangelho do Reino é
cristocêntrico.
Nos séculos mais recentes, porém, temos ouvido falar de um
outro evangelho – um evangelho cujo
centro é o homem, um evangelho humano. Ê o evangelho da oferta tentadora; o evangelho da venda fácil; o evangelho do
negócio vantajoso que ninguém pode recusar. Os
pregadores dizem: "Amigos, se aceitarem Jesus..." (E aqui já
encontramos um erro, pois é Jesus quem
nos aceita, e não nós a ele. Mas nós colocamos o homem no lugar de Jesus,
e agora o homem é a figura mais
importante.)
Os evangelistas dizem: "Jesus está batendo à porta do seu coração. Por favor, abram a porta! Não vêem que ele está lá fora, de pé, ao frio e ao vento? Coitado de Jesus! Abram a porta para ele." Não é de se espantar que o ouvinte pense que está fazendo um grande favor ao Senhor, ao tornar-se cristão.
Costumamos dizer às pessoas: "Se vocês aceitarem a
Jesus, vocês terão alegria, paz, saúde,
prosperidade... Se derem a Jesus cem cruzeiros, receberão de volta duzentos
cruzeiros." Estamos sempre apelando
para os interesses humanos. Jesus é o Salvador, a cura para nosso corpo, é o Rei que virá para mim. Este mim é
o centro de nosso evangelho.
Nossas reuniões são centralizadas no homem. O arranjo do
mobiliário, as cadeiras, o púlpito —
tudo aponta para o homem. Quando o pastor prepara o programa de culto, ele
não pensa em Deus, mas apenas em seus
ouvintes. "No primeiro hino a congregação fica de pé; no segundo, ficará assentada, para que as pessoas
não se cansem. Em seguida, teremos um dueto
para modificar um pouco a atmosfera; depois faremos outra coisa. E o
culto não deve passar de uma hora para
que o povo não se fatigue." Onde é que está Jesus, o Senhor?
A letra de nossos hinos segue na mesma linha. "Conta as
bênçãos!" "Cristo é meu!"
"Estou feliz com Jesus!" Nossas orações também se centralizam
no homem. "Senhor, abençoa meu lar,
meu marido; abençoa meu gato, meu cachorro, por amor de Cristo, amém!"
Esta petição nunca foi por amor de Cristo.
É por amor a nós! É certo que muitas vezes
empregamos as palavras corretas, mas com a atitude errada. Enganamos a
nós mesmos.
Nosso evangelho é como a lâmpada de Aladim; pensamos que
podemos esfregá-lo e obter tudo que
quisermos. Não é de admirar que Karl Marx tenha dito que a religião é o
"ópio das massas". Talvez ele
tivesse razão; ele não era nenhum tolo. Ele sabia que o evangelho, para muitas pessoas, era apenas uma
fuga.
Mas Jesus Cristo não é ópio. Ele é Senhor. Quando ele se
dirige a nós na qualidade de Senhor,
temos que ir ao seu encontro e entregar-lhe nossa vida, e obedecer as suas
ordens. Se nossos líderes eclesiásticos
fossem ameaçados pelas autoridades religiosas e pela polícia como o foram os apóstolos,
provavelmente, eles teriam orado a Deus nos seguintes termos: "Pai, tem misericórdia de nós.
Socorre-nos, Senhor. Tem misericórdia de Pedro e João. Não deixe que os soldados toquem neles.
Concede-nos um meio de livramento. Não
permita que soframos. Olha o que estão fazendo conosco. Ó Senhor, detém
estes homens; não permita que nos causem
nenhum mal." Nós, nos, eu, me.
Mas quando lemos o capítulo 4 de Atos, vemos que a oração
que os cristãos fizeram foi no sentido
contrário. Notemos quantas vezes os apóstolos dizem tu e teu ou tua. "Ouvindo, isto, unânimes, levantaram a
voz a Deus e disseram: Tu, Soberano Senhor,
que fizeste o céu, e a terra, o mar e tudo o que neles há; que disseste
por intermédio do Espírito Santo, por
boca de nosso pai Davi, teu servo: Por que se enfureceram os gentios, e os povos imaginaram cousas vãs? Levantaram-se os
reis da terra, e as autoridades ajuntaram-se à
uma contra o Senhor e contra o seu Ungido; porque verdadeiramente se
ajuntaram nesta cidade contra o teu
santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e povos de Israel, para fazerem tudo o que a
tua mão e o teu propósito predeterminaram;
agora, Senhor, olha para as suas ameaças, e concede aos teus servos que
anunciem com toda intrepidez a tua
palavra, enquanto estendes a mão para fazer curas, sinais e prodígios, por intermédio do nome do teu santo Servo Jesus.
Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam
reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo, e, com intrepidez,
anunciavam a palavra de Deus."
Não é de se espantar que tenha sido como foi. Não poderia
ter sido de outro modo, já que a oração
deles era centralizada em Deus.
E não se trata apenas de uma questão de semântica; estou-me
referindo ao imenso problema de atitudes
que enfrentamos em nossas igrejas. Não é bastante que modifiquemos nosso vocabulário. Temos que deixar Deus
tomar a nossa mente e lavá-la com detergente,
dando-lhe uma boa escovada e depois recolocá-la no lugar, mas na posição
inversa. Todo o nosso conceito de
valores precisa ser mudado.
Somos como os povos medievais que acreditavam que a terra
era o centro do universo. Estavam
redondamente enganados, e nós também estamos. Pensamos que somos o centro
do universo, e que Deus, Jesus Cristo e
os anjos giram ao nosso redor. O céu é para nós; tudo que existe é para nosso benefício.
Estamos completamente errados. Deus é o centro de tudo.
Temos que modificar nosso conceito sobre
o centro da gravitação universal. Ele é o sol, e nós giramos ao redor
dele. Mas é extremamente difícil mudar.
Até mesmo nossa motivação no trabalho de
evangelismo é centralizada no homem. Lembro-me de que, durante meu curso
na escola bíblica, ouvi várias vezes a
exortação: "0 alunos, olhem as almas perdidas. Elas estão perecendo. Estes pobres homens estão-se
dirigindo para o inferno. Cada vez que o relógio dá uma pancada, mais 5822 e meia pessoas vão
para o inferno. Será que vocês não têm pena
delas?" E nós chorávamos e dizíamos: "Coitada dessa gente!
Vamos sair a campo e salvá-la!"
Estão vendo? Nós não saíamos por amor a Jesus, mas por causa das almas
perdidas. Isto pode parecer muito
bonito, mas está errado, pois todas as nossas ações devem ser motivadas por Cristo. Nós não pregamos para
as almas perdidas por estarem perdidas. O que
temos que fazer é estender o Reino de Deus, pois ele assim nos ordena, e
ele é o Senhor. Este evangelho moderno é
o que eu chamo de Quinto Evangelho. Já contamos com o Evangelho Segundo São Mateus, o Evangelho
segundo São Marcos, o Evangelho Segundo
São Lucas, o Evangelho Segundo São João e também o Evangelho Segundo os
Santos Evangélicos. Este último é um
apanhado geral dos outros quatro; são textos que recolhemos aqui e ali neles. Tomamos as passagens de que
mais gostamos, as que oferecem ou prometem
alguma coisa — como João 3.16 ou 5.24 e assim por diante — e construímos
nossa teologia sistemática em torno
delas, e esquecemos todos os outros versos que apresentam as ordenanças de Jesus Cristo.
Quem autorizou tal liberdade? Quem disse que tínhamos permissão
para apresentar apenas uma face de
Jesus? Suponhamos que estamos assistindo a um casamento, e quando chega o momento de o casal repetir os votos
matrimoniais, o noivo diz: "Pastor, eu aceito esta mulher como minha cozinheira
particular", ou "como minha arrumadeira pessoal". O quê?
A noiva provavelmente diria: "Ei, espere um pouco! É
verdade que eu vou cozinhar. Vou lavar a
louça; vou arrumar a casa. Mas não sou sua empregada — vou ser sua esposa. Você terá de amar-me, dar-me seu coração, seu
lar, seus talentos — tudo!"
Com Jesus também é assim. Ele é nosso Salvador e nosso
Médico. Tudo isto é verdade. Mas não
podemos recortar Jesus em partes e escolher apenas a que nos agrada mais.
Estamos nos comportando como criancinhas
que recebem uma fatia de pão com geléia. Lambem a geléia e depois devolvem o pão. A mãe passa
um pouco mais de geléia, e novamente elas
lambem a geléia e devolvem o pão.
O Senhor Jesus é o Pão da vida, e talvez o céu possa ser
comparado com o doce. Mas temos que
comer o pão e a geléia.
Seria muito interessante, se, durante um congresso de
teólogos, eles chegassem à conclusão de
que não existe céu nem inferno. Quantas pessoas permaneceriam em suas
igrejas depois que tal descoberta fosse
divulgada? A maioria sairia. "Se não existe nem céu nem inferno, para que estou vindo aqui?"
Elas têm freqüentado a igreja apenas por causa da geléia, atendendo a seus próprios interesses — para
se curarem, para escaparem do inferno, para
chegarem ao céu. Estão seguindo o Quinto Evangelho.
Quando Pedro concluía seu sermão no dia de Pentecoste, ele
deixou bem claro o seguinte:
"Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que a este
Jesus que vós crucificastes, Deus o fez
Senhor e Cristo." (At 2.36.) Este era o tema da mensagem.
Quando aquela gente compreendeu que Jesus era realmente o
Senhor, "compungiu-se lhes o coração" (v. 37), e começaram a tremer.
"Que faremos, irmãos?" indagaram eles.
A resposta foi: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja
batizado em nome de Jesus Cristo para
remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo" (v.
38). O evangelho de Paulo acha-se
resumido em Romanos 10.9: "Se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu
coração creres que Deus o ressuscitou dentre os
mortos, serás salvo." Ele é o Senhor. Ele não é apenas o
Salvador.
Deixe-me dar um exemplo a respeito deste Quinto Evangelho.
Em Lucas 12.32, lemos o seguinte:
"Não temais, ó pequenino rebanho; porque vosso Pai se agradou em dar-vos o
seu reino." Este verso é altamente
apreciado por todos os crentes. Eu mesmo já preguei sobre ele várias vezes.
Mas, e o verso seguinte: "Vendei vossos bens e dai
esmolas"? Nunca ouvi um só sermão
baseado neste verso, porque não pertence ao Evangelho Segundo os Santos
Evangélicos. O verso 32 se encontra em
nosso
Quinto Evangelho, mas o 33 não — e ele é uma ordenança de
Jesus.
Jesus ordenou que não matássemos.
Jesus ordenou que amássemos nosso próximo.
Jesus ordenou que vendêssemos os nossos bens e déssemos
esmolas.
Quem está autorizado a decidir quais os mandamentos de Deus
que são obrigatórios e quais os que são
optativos? O Quinto Evangelho introduziu uma estranha inovação: um mandamento optativo. Você faz se quiser, mas
se não quiser, está tudo certo também.
Mas não é assim o evangelho do Reino.