O profano Graal
Nos últimos anos, temos visto um repentino despertar do
interesse pela lenda do assim chamado Santo Graal. Filmes de sucesso, como
Escalibur, O Rei Pescador e Indiana Jones e a Última Cruzada, e ainda o livro,
anterior, tão controvertido, Holy Blood, Holy Grail [no Brasil, O Santo Graal e
a Linhagem Sagrada, fizeram com que o tema do Graal viesse a ser abordado fora
das aulas de História ou Literatura, tornando o assunto conhecido de muita
gente. Graal também fez parte da nossa jornada espiritual, e é necessário falar
sobre ele, a esta altura, por causa de sua surpreendente e perigosa relação com
as mais tenebrosas magias transyuggothianas, mencionadas nos capítulos
anteriores.
Meu primeiro contato com a lenda do Graal foi por meio de
intenso estudo do poeta anglo-americano T. S. Eliot, quase ao final do meu
período de ensino médio. Eliot dedicou-se intensamente, em sua obra literária,
às lendas do Graal e do Rei Pescador, destacando também as cartas de Tarô num
poema, The Waste Land [A Terra Desabitada].
Considera-se geralmente a lenda do Graal como um romance
medieval sobre a busca de um cálice sagrado, que Jesus teria usado ao beber na
Última Ceia. Esse mesmo cálice, segundo a lenda, teria sido usado por José de
Arimatéia no Gólgota para colher um pouco do sangue vertido do corpo de Jesus
quando atingido por uma lança, na cruz.
Depois da ressurreição e ascensão do Senhor, diz a lenda,
José de Arimatéia (supostamente rico comerciante de estanho) teria levado o
Graal consigo num navio seu, numa viagem missionária destinada a proclamar o
evangelho. Sua viagem o teria conduzido a um dos pontos mais distantes do
Império Romano — a hoje Grã-Bretanha. Diz-se que ele e 12 companheiros
estabeleceram-se num local da costa sudoeste da Inglaterra, perto do que hoje é
o canal de Bristol. O povoado que se criou ali veio a ser conhecido como
Glastonbury.
Depois da morte de José e seus 12 parceiros, no início do
segundo século, o Graal teria se perdido. Neste ponto, a lenda se divide em
diferentes versões. Algumas associam a busca do Graal, que teria acontecido
então, com um misterioso Rei Pescador, que fora ferido e cujo ferimento somente
poderia ser curado se o Graal lhe fosse entregue por um genuíno cavaleiro.
Outras versões dizem que o Graal foi parar nas mãos do semi-místico rei Artur e
seus Cavaleiros daTávola Redonda. Outros ainda o relacionam aos misteriosos
Cavaleiros Templários e suas cruzadas ao Oriente Médio.
Mais recentemente, alguns estudiosos afirmam que toda a
lenda do Graal não passa de puro paganismo com aparência cristã. Já havia
antecedentes pagãos do Graal, tanto na Inglaterra como em outros lugares, sendo
os mais notáveis as lendas galesas do “angustiante Annwyn (expressão galesa que
significa Hades, ou inferno)” e o lendário Caldeirão Negro de Cerridwen (um dos
nomes e uma das faces da deusa da feitiçaria).
A Bíblia não dá a menor importância ao cálice usado pelo
Senhor na Última Ceia. Mas será que o Graal é apenas uma superstição romântica
do catolicismo, semelhante à procura da relíquia da “Verdadeira Cruz”? Ou será
que há algo de tenebroso e sinistro por trás desse objeto? E algo cristão,
pagão, ou até, quem sabe, satânico? Para entendermos isso, temos de voltar à
minha dúvida pessoal.
Na Wicca dos dias de hoje, a lenda do Graal é um dos mitos
principais em torno do qual as bruxas alimentam sua tradição.
Foi a partir das minhas iniciações na Wicca para o segundo e
terceiro grau que comecei a entender por que esse assunto me fascinava tanto.
Aprendi que o Graal é um símbolo da Grande Deusa, relacionando-se,
particularmente, à deusa das trevas Cerridwen e seu caldeirão.
Na Wicca “oficial”, diz-se que a deusa tem três formas. E
adorada como Deusa Virgem (lua nova), como Deusa Mãe (lua cheia), e como
decrépita Velha Sábia (lua minguante). Alguns ramos cultuam ainda a deusa como
amante e como irmã, de modo a terem as cinco pontas do pentagrama (estrela de
cinco pontas) tão comumente visto em feitiçaria.
Cerridwen é o nome tradicional da deusa Decrépita. Aprendi
que na antiga lenda era ela a detentora do Caldeirão Negro da Imortalidade.
Deste caldeirão bastaria apenas um gole para se ter incríveis percepções,
sabedoria e poderes sobrenaturais. Dizem ter sido deste modo que o maior dos
poetas druidas, Taleisin, obteve poderes — com apenas um gole do caldeirão!
Este mesmo caldeirão foi posteriormente “removido” (roubado)
do reino secreto de Annwyn por Artur e seus cavaleiros e usado para fazer
ressuscitar pessoas mortas.
Quando iniciante em feitiçaria, deixei-me levar pelo
idealismo das lendas do rei Artur. Na verdade, escolhi “Artur” como meu nome de
magia ao me tornar membro do grupo dos druidas.
Lia tudo o que me vinha às mãos a respeito do rei. Sua vida
é um dos mitos mais preservados da história dos povos de língua inglesa.
Nesses últimos anos, livros como As Brumas de Avalon, de
Marion Zimmer Bradley, revelaram as profundas raízes pagãs e de bruxaria da
lenda do rei Artur, mostrando, assim, por que ela é tão importante para os
feiticeiros. Pode ter existido ou não realmente um rei Artur, mas isso não era
o importante para nós. O que nos deleitava era o poder dos símbolos ou
arquétipos místicos contidos em sua história.
Teria sido Artur, como se descreve, um monarca cristão que
levou a verdadeira fé à Bretanha pagã (representada no mito por personagens
como Merlim — essencialmente um druida — e Morgana — uma bruxa)? Ou talvez
tenha sido um rei-sacerdote mago, com um conselheiro druida, e que procurava
manter viva a velha religião (Wicca) numa Inglaterra cada vez mais cristã? Não
importa como a lenda fosse contada, realmente isso não tinha importância. Havia
muito de idealismo e nobreza, e foi isso que de início me atraiu, como jovem
feiticeiro. Havia também um elemento profético, quase escatológico (do fim dos
tempos), naquela lenda que ressoava profundamente em meu íntimo.
Segundo a lenda, o rei Artur foi ferido mortalmente numa
batalha ardente, quase apocalíptica, contra seu filho ilegítimo Mordred, que
era muito mau. Moribundo, ele arremessou sua espada mágica, Escalibur, de volta
às mãos da Senhora do Lago, e um barco veio para levá-lo num esquife. Este
barco, com três mulheres misteriosas (a Deusa Tríplice?), levou-o para Avalon,
uma ilha mística que alguns dizem localizar-se perto da atual Glastonbury —
talvez em outra dimensão. Não sabemos se de fato ele morreu ou sobreviveu.
O que se diz é que quando a Inglaterra veio a passar pelo
seu momento mais tenebroso, pela sua maior crise, estando prestes a ser
conquistada, Artur despertou do seu esquife. Levantou-se e, tomando de volta Escalibur
em suas mãos, lutou contra os inimigos do país, expulsando-os e restaurando a
glória de Camelot. É por isso que o rei Artur é chamado de “O Rei de Outrora e
do Futuro”.
Há algumas fortes semelhanças entre esta lenda e a vida, a
morte, a ressurreição e a segunda vinda de Jesus Cristo. De muitas maneiras,
Artur é quase um anticristo, no sentido de ser um falso Cristo. Mas eu não
pensava nisso, nem isso me incomodava. Com ansiedade, esperava a volta do rei
Artur, tal como os demais feiticeiros.
A fantasia de um reino benevolente, em que a justiça e a lei
prevaleciam, tendo um soberano aristocrata no trono — com druidas e cristãos
trabalhando lado a lado em harmonia, era muitíssimo atraente para mim. Até
mesmo o episódio da trágica mudança de Guinevere (a esposa do rei Artur),
cometendo adultério com Lancelot (seu maior cavaleiro e amigo), e a subsequente
destruição da Távola Redonda continha estranhas nuanças bíblicas (Artur =
Jesus, Lancelot = Judas).
Toda essa nobreza, heroísmo e a alta qualidade dessa
literatura (viaTennyson, Mallory, etc.) foi usada para introduzir o Santo Graal
clandestinamente como um Cavalo de Tróia, em nossa vida. A busca do Graal
constituía uma das duas tarefas mais importantes do reino de Artur (sendo a
outra a criação da Távola Redonda).
Dependendo de qual seja a versão da lenda que se esteja
lendo, um ou dois dos seus cavaleiros (Galahad e/ou Percival) de fato descobrem
o Graal, o que os leva a certa esfera celestial da qual eles quase nunca
retornam. Algumas lendas até mesmo mencionam que Galahad morreu de êxtase e foi
trasladado para o céu.
Com a publicação, alguns anos atrás, de O Santo Graal e a
Linhagem Sagrada,2 ocorreu uma mudança repentina de rumos quanto a este
mistério. Os autores, Baigent, Leigh e outros, defendem a teoria de que o Graal
é símbolo de um segredo que (afirmam) poderá derrubar o cristianismo. Dizem
eles que a Igreja Católica tem mantido um segredo, que compartilha com uma
sociedade secreta, o Convento de Sião, por quase 2.000 anos. O segredo, em
resumo, é que o “Graal”, na verdade, é uma linhagem de sangue que recua ao
passado até a infância de Jesus e Maria Madalena. O Convento de Sião seria uma
antiga organização secreta oriunda dos Cavaleiros Templários, responsável pela
custódia dessa linhagem real Supostamente, o dirigente desse convento é um dos
descendentes diretos de Jesus. Dizem os autores que a idéia de um Jesus casado
é tão chocante que destruiria os fundamentos do cristianismo — e a idéia de
haver pessoas andando por aí portadoras do sangue de Jesus seria algo que
completaria essa destruição.', Por que eles acham que isso destruiria o
cristianismo, não está muito claro. A Bíblia nada fala de Jesus ter-se casado.
Se ele tivesse se casado, é, sem dúvida, totalmente estranho o fato de a Bíblia
nada falar a respeito de sua esposa. A única esposa de Jesus mencionada no Novo
Testamento é a sua Igreja — a sua verdadeira Igreja. Mas isso poderia, de certo
modo, afetar o catolicismo, porque o seu sacerdócio celibatário (que é
antibíblico) baseia-se na premissa de que Jesus não se casou e que seus
sacerdotes deveriam seguir o mesmo modelo.
Para a maioria dos cristãos, no entanto, uma revelação como
essa — mesmo que fosse verdade — realmente não afetaria os fundamentos da fé.
Observe-se que esses autores não crêem que Jesus é Deus. Em
seus livros subsequentes, eles se revelam como cépticos, que alegam que Jesus não
passa de um personagem judeu messiânico e que nunca pretendeu criar uma Igreja.
A Igreja, dizem, foi obra de Paulo. Isso não chega a ser nem uma nova tese, mas
não tem suporte algum na História e na Bíblia.
Mas, se Jesus não é divino, então qual é a importância de
sua linhagem? Os autores argumentam que o que importa é que o Vaticano
acreditava que Jesus era divino e celibatário, por isso seria seu interesse
permanente manter o segredo da família dele. Assim, seu grande segredo não é um
grande trunfo. No entanto, é curioso observar como esses autores se desviaram
do verdadeiro, até mesmo estranho, segredo do Graal.
Considere o seguinte: todas as lendas dizem que o Graal se
perdeu (ou, pelo menos, que se acha escondido, isto é, oculto) e que é um
cálice do qual flui a imortalidade, a vida eterna.
Quando chegamos ao Terceiro Grau da Feitiçaria, aprendemos
que o Graal é o símbolo da Deusa, assim como o punhal do feiticeiro, ou Athame,
é o símbolo do Deus Chifrudo. Quando entramos no sumo sacerdócio dos druidas,
aprendemos algo bem mais significativo.
O ritual sexual (chamado de “o grande rito” em certas
tradições da Wicca), que geralmente acompanha a iniciação ao terceiro grau,
pretende ser algo mais que um simples ato sexual. Por meio de certa postura,
dentro do ritual, acredita-se que um circuito é fechado. E a fusão de dois
sistemas nervosos. Do sistema nervoso da sacerdotisa (i.é., do Graal) flui uma sabedoria
sobrenatural. O ritual, escrito por Aleister Crowley, diz em sua invocação:
Abre para mim a secreta via:
Onde as veredas da Inteligência estão, Entre as portas da
noite e do dia, Para além do tempo e da razão.
Atenta ao Mistério de modo adequado.
Os Cinco Pontos de Comunhão, Onde a Lança e o Graal se unem,
lado a lado, E os pés, os joelhos, os peitos e os lábios estão.
Pelo que nos informavam, ao fazermos isso estávamos nos
unindo a uma antiga “sucessão apostólica” de autoridade de um elevado sacerdócio,
procedente de Jesus e de sua “grande sacerdotisa”, Maria Madalena.
Acreditávamos que Jesus trouxera consigo todo o poder e toda a sabedoria da
corrente solar de energia; e que Ele se unira sexualmente a Maria Madalena, que
possuía todas as energias da corrente lunar da magia. O resultado dessas duas
ancestrais (e muitas vezes opostas) correntes de energia mística constitui algo
verdadeiramente extraordinário.
Por mais blasfemo que pudesse parecer — diziam — Maria
Madalena “iniciou” sexualmente os 12 apóstolos. Cada um deles recebe, assim, um
doze avos dessa impressionante combinação de magia. Pelos séculos afora, desde
então, houve uma transferência dessa pura força, não contaminada, por meio
desse ritual.
Sharon foi levada, em 1973, a essa incrível cadeia de
iniciação que já tinha mais de 1.900 anos. Ela, por sua vez, fez a minha
iniciação. Uma experiência que me perturbou um pouco, mas não parou por aí.
Anos depois, disseram-nos que teríamos que reunir as 12
linhas antigas de poder de iniciação para que realmente recebêssemos o “Graal”
em toda a sua plenitude. O que, então, esse Graal nos daria? Iríamos adquirir
verdadeira imortalidade! Nós “beberíamos” desse Graal, totalmente cheio, e
viveríamos para sempre!
O “mestre” que nos levou — Sharon e eu — a tudo isso dizia
ter mais de 165 anos. Nossos instrutores nos detalharam os diversos pontos a
respeito. Veja a seguir as “montanhas” metafísicas que teríamos de escalar para
que esse alvo fosse atingido:
1 . Pedro — o sumo sacerdócio católico romano 2. André — o
sumo sacerdócio druida
3. Tiago — o sumo sacerdócio ortodoxo do Leste
4. João — a ordem maçônica
5. Filipe — o sacerdócio tibetano de Bom Pa (budista)
6. Bartolomeu — a linha africana (ashanti), o vodu de hoje
7. Tomé — o hinduísmo e a ioga tântrica
8. Mateus — os videntes iluminados
9. Tiago — a linha dos índios americanos (cherokee
10. Tadeu — a linha árabe (alquimia), ismaelita e muçulmana
(thelêmica)
11. Simão, o Zelote — o sacerdócio satânico
1 2 . Judas Iscariotes — o sumo sacerdócio satânico
Isto talvez mostre a bizarra peregrinação que teve a nossa
vida
(minha e de Sharon) a partir dos anos de 1970. Envolvemo-nos
com praticamente todas essas linhas religiosas, indo atrás
desse
“Graal”, procurando estabelecer uma união de todas elas. A
“alquimia” que isso abarcava cresceu intensamente e, é claro, tornou-se cada
vez mais demoníaca. Estávamos metidos numa salada demoníaca completa!
Muitos dos processos pelos quais passamos não dá para serem
descritos aqui por causa das perversidades envolvidas. No entanto, com o passar
dos anos, até mesmo eu comecei a ver algo por trás do charmoso véu da lenda do
Graal do rei Artur. Comecei a perceber como todo esse processo era cativante e
mortal. Tornou-se um vício sexual letal. Àquela altura, eu já me envolvera com
a magia do tipo transyuggothiana, e tínhamos acumulado quase todas as 12
correntes para alcançar nossa suposta vida eterna.
O perigo (que eu percebera como algo mais) era que, a cada
“corrente” a que me ligava, adquiria uma “bateria” completa de “homens fortes”
demoníacos. Isso acontecia porque o sexo pecaminoso, fora do casamento, é uma
grande brecha pela qual a opressão demoníaca pode passar de uma pessoa a outra.
A mentira é que aquele que bebe do Graal, consumindo
energias sexuais do tantrismo (ioga sexual), tem a vida prolongada.
Quem conseguir ligar completamente as 12 partes desse
processo enigmático terá uma vida eterna. A pessoa torna-se um ser imortal, um
deus vivo sobre a terra.
Foi durante o antepenúltimo desses relacionamentos sexuais
blasfemos que senti algo que quase me levou à beira da loucura total. Enquanto
praticávamos o ritual, senti como se estivesse sendo levado a outra realidade —
um lugar e um espaço no interior de Sbaron e até além dela.
Encontrei-me ajoelhado numa enorme caverna, cercado por um
círculo de 13 mulheres vestidas com roupas bem estranhas.
Lembravam a maneira de vestir das mulheres da época da
colonização da América, só que, em vez de usarem vestidos pretos ou de cor
cinza, com golas, punhos e capelos engomados de cor branca, usavam, cada qual,
um vestido escarlate com um acabamento em branco. Todas elas demonstravam ser
bastante severas e austeras em sua aparência.
A caverna era cor-de-rosa. No centro, à minha frente, havia
uma rústica fonte de água. A iluminação era difusa e também rósea e não
provinha de ponto algum. A atmosfera era úmida, pesada e muito quente.
Achava-me diante de uma senhora, sentada num trono rosa, de uma beleza triste,
mas não envelhecida. Suas sobrancelhas eram escuras, e seu cabelo era preto tal
como a pena de um corvo. Apesar das vestes que trajava e do ar parado do
ambiente, não havia suor algum em sua fronte. Parecia chefiar o grupo.
Ela acenou para que eu me levantasse e fosse à frente.
— Bem-vindo ao Templo do Graal — disse ela, com brandura.
— Onde estou? — balbuciei.
Ela apenas sorriu com um ar benigno, com um sorriso tipo
Mona Lisa.
— Posso perguntar quem é a senhora? — aventurei-me.
— Sou aquela que estava com você desde o começo, e sou
aquilo que se atinge no fim do desejo — disse a mulher.
Reconheci que ela estava citando um dos rituais da Wicca, o
ritual da “Descida da Lua”, palavras da própria Deusa! Senti-me sem saber o que
perguntar, podendo desperdiçar aquela importante oportunidade. Procurei, então,
colocar minha mente perturbada nos trilhos e lembrar-me de duas perguntas que,
segundo a tradição, deveria fazer sobre o Graal. Meu pânico aumentou, e tudo de
que pude lembrar-me foi perguntar:
— O que é o Graal e a quem ele serve?
A mulher sorriu de novo e afirmou:
— Eu sou o Graal e sirvo ao Rei.
Levantou-se do trono e disse:
— Eu sou Maria Madalena.
— Mas a senhora viveu há 2.000 anos! — mal pude exclamar.
— E estou viva hoje. Jesus disse que todo aquele que comesse
da sua carne e bebesse do seu sangue nunca morreria.
Lembrei-me de ter lido isso em alguma parte dos evangelhos,
então balancei a cabeça, em assentimento.
— Agora, você está a um passo do Graal. Você terá que beber
desse cálice para nascer de novo — declarou ela, apontando com a mão para a fonte
rosada, rudemente lavrada, bem no centro do templo. — E então você estará em
condições de ir para o décimo segundo nível de poder.
Eu já tinha ouvido falar de nascer de novo, mas não sabia o
que isso significava. Obviamente, pensei que fosse algo que teria de descobrir
por mim mesmo. Com cuidado, então, me virei e caminhei até a fonte. Sentia o
olhar de cada uma das mulheres daquele lugar fixo em mim. Abaixei-me sobre a
fonte e fiquei surpreso ao ver que a água era quente e tinha a aparência de um
caldo grosso. Esperando estar fazendo o que era certo, tomei um pouco daquela
água. Ela foi doce em minha boca.
Nem bem eu a tinha sorvido, vi que havia sido removido
daquele estranho templo. Senti que me movia rapidamente, passando por imensas
distâncias, numa escuridão. Foi ficando mais frio.
De repente, e de um modo totalmente abrupto, vi-me sendo
lançado no piso do templo onde fazíamos nossos rituais, em casa, encharcado de
uma umidade sobrenatural. Sharon imediatamente encontrava-se ao meu lado,
preocupada. Eu estava dando risadinhas, de um modo incontrolável. O sabor
estranho daquele líquido, que me saciara, estava em meus lábios, e eu me
lembrava das últimas palavras daquela mulher.
Achei que eu tinha nascido de novo e que estava pronto para colocar a última peça naquele quebra-cabeça!