terça-feira, 4 de maio de 2021

Lúcifer destronado - Capítulo 15

O profano Graal

Nos últimos anos, temos visto um repentino despertar do interesse pela lenda do assim chamado Santo Graal. Filmes de sucesso, como Escalibur, O Rei Pescador e Indiana Jones e a Última Cruzada, e ainda o livro, anterior, tão controvertido, Holy Blood, Holy Grail [no Brasil, O Santo Graal e a Linhagem Sagrada, fizeram com que o tema do Graal viesse a ser abordado fora das aulas de História ou Literatura, tornando o assunto conhecido de muita gente. Graal também fez parte da nossa jornada espiritual, e é necessário falar sobre ele, a esta altura, por causa de sua surpreendente e perigosa relação com as mais tenebrosas magias transyuggothianas, mencionadas nos capítulos anteriores.

Meu primeiro contato com a lenda do Graal foi por meio de intenso estudo do poeta anglo-americano T. S. Eliot, quase ao final do meu período de ensino médio. Eliot dedicou-se intensamente, em sua obra literária, às lendas do Graal e do Rei Pescador, destacando também as cartas de Tarô num poema, The Waste Land [A Terra Desabitada].

Considera-se geralmente a lenda do Graal como um romance medieval sobre a busca de um cálice sagrado, que Jesus teria usado ao beber na Última Ceia. Esse mesmo cálice, segundo a lenda, teria sido usado por José de Arimatéia no Gólgota para colher um pouco do sangue vertido do corpo de Jesus quando atingido por uma lança, na cruz.

Depois da ressurreição e ascensão do Senhor, diz a lenda, José de Arimatéia (supostamente rico comerciante de estanho) teria levado o Graal consigo num navio seu, numa viagem missionária destinada a proclamar o evangelho. Sua viagem o teria conduzido a um dos pontos mais distantes do Império Romano — a hoje Grã-Bretanha. Diz-se que ele e 12 companheiros estabeleceram-se num local da costa sudoeste da Inglaterra, perto do que hoje é o canal de Bristol. O povoado que se criou ali veio a ser conhecido como Glastonbury.

Depois da morte de José e seus 12 parceiros, no início do segundo século, o Graal teria se perdido. Neste ponto, a lenda se divide em diferentes versões. Algumas associam a busca do Graal, que teria acontecido então, com um misterioso Rei Pescador, que fora ferido e cujo ferimento somente poderia ser curado se o Graal lhe fosse entregue por um genuíno cavaleiro. Outras versões dizem que o Graal foi parar nas mãos do semi-místico rei Artur e seus Cavaleiros daTávola Redonda. Outros ainda o relacionam aos misteriosos Cavaleiros Templários e suas cruzadas ao Oriente Médio.

Mais recentemente, alguns estudiosos afirmam que toda a lenda do Graal não passa de puro paganismo com aparência cristã. Já havia antecedentes pagãos do Graal, tanto na Inglaterra como em outros lugares, sendo os mais notáveis as lendas galesas do “angustiante Annwyn (expressão galesa que significa Hades, ou inferno)” e o lendário Caldeirão Negro de Cerridwen (um dos nomes e uma das faces da deusa da feitiçaria).

A Bíblia não dá a menor importância ao cálice usado pelo Senhor na Última Ceia. Mas será que o Graal é apenas uma superstição romântica do catolicismo, semelhante à procura da relíquia da “Verdadeira Cruz”? Ou será que há algo de tenebroso e sinistro por trás desse objeto? E algo cristão, pagão, ou até, quem sabe, satânico? Para entendermos isso, temos de voltar à minha dúvida pessoal.

Na Wicca dos dias de hoje, a lenda do Graal é um dos mitos principais em torno do qual as bruxas alimentam sua tradição.

Foi a partir das minhas iniciações na Wicca para o segundo e terceiro grau que comecei a entender por que esse assunto me fascinava tanto. Aprendi que o Graal é um símbolo da Grande Deusa, relacionando-se, particularmente, à deusa das trevas Cerridwen e seu caldeirão.

Na Wicca “oficial”, diz-se que a deusa tem três formas. E adorada como Deusa Virgem (lua nova), como Deusa Mãe (lua cheia), e como decrépita Velha Sábia (lua minguante). Alguns ramos cultuam ainda a deusa como amante e como irmã, de modo a terem as cinco pontas do pentagrama (estrela de cinco pontas) tão comumente visto em feitiçaria.

Cerridwen é o nome tradicional da deusa Decrépita. Aprendi que na antiga lenda era ela a detentora do Caldeirão Negro da Imortalidade. Deste caldeirão bastaria apenas um gole para se ter incríveis percepções, sabedoria e poderes sobrenaturais. Dizem ter sido deste modo que o maior dos poetas druidas, Taleisin, obteve poderes — com apenas um gole do caldeirão!

Este mesmo caldeirão foi posteriormente “removido” (roubado) do reino secreto de Annwyn por Artur e seus cavaleiros e usado para fazer ressuscitar pessoas mortas.

Quando iniciante em feitiçaria, deixei-me levar pelo idealismo das lendas do rei Artur. Na verdade, escolhi “Artur” como meu nome de magia ao me tornar membro do grupo dos druidas.

Lia tudo o que me vinha às mãos a respeito do rei. Sua vida é um dos mitos mais preservados da história dos povos de língua inglesa.

Nesses últimos anos, livros como As Brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley, revelaram as profundas raízes pagãs e de bruxaria da lenda do rei Artur, mostrando, assim, por que ela é tão importante para os feiticeiros. Pode ter existido ou não realmente um rei Artur, mas isso não era o importante para nós. O que nos deleitava era o poder dos símbolos ou arquétipos místicos contidos em sua história.

Teria sido Artur, como se descreve, um monarca cristão que levou a verdadeira fé à Bretanha pagã (representada no mito por personagens como Merlim — essencialmente um druida — e Morgana — uma bruxa)? Ou talvez tenha sido um rei-sacerdote mago, com um conselheiro druida, e que procurava manter viva a velha religião (Wicca) numa Inglaterra cada vez mais cristã? Não importa como a lenda fosse contada, realmente isso não tinha importância. Havia muito de idealismo e nobreza, e foi isso que de início me atraiu, como jovem feiticeiro. Havia também um elemento profético, quase escatológico (do fim dos tempos), naquela lenda que ressoava profundamente em meu íntimo.

Segundo a lenda, o rei Artur foi ferido mortalmente numa batalha ardente, quase apocalíptica, contra seu filho ilegítimo Mordred, que era muito mau. Moribundo, ele arremessou sua espada mágica, Escalibur, de volta às mãos da Senhora do Lago, e um barco veio para levá-lo num esquife. Este barco, com três mulheres misteriosas (a Deusa Tríplice?), levou-o para Avalon, uma ilha mística que alguns dizem localizar-se perto da atual Glastonbury — talvez em outra dimensão. Não sabemos se de fato ele morreu ou sobreviveu.

O que se diz é que quando a Inglaterra veio a passar pelo seu momento mais tenebroso, pela sua maior crise, estando prestes a ser conquistada, Artur despertou do seu esquife. Levantou-se e, tomando de volta Escalibur em suas mãos, lutou contra os inimigos do país, expulsando-os e restaurando a glória de Camelot. É por isso que o rei Artur é chamado de “O Rei de Outrora e do Futuro”.

Há algumas fortes semelhanças entre esta lenda e a vida, a morte, a ressurreição e a segunda vinda de Jesus Cristo. De muitas maneiras, Artur é quase um anticristo, no sentido de ser um falso Cristo. Mas eu não pensava nisso, nem isso me incomodava. Com ansiedade, esperava a volta do rei Artur, tal como os demais feiticeiros.

A fantasia de um reino benevolente, em que a justiça e a lei prevaleciam, tendo um soberano aristocrata no trono — com druidas e cristãos trabalhando lado a lado em harmonia, era muitíssimo atraente para mim. Até mesmo o episódio da trágica mudança de Guinevere (a esposa do rei Artur), cometendo adultério com Lancelot (seu maior cavaleiro e amigo), e a subsequente destruição da Távola Redonda continha estranhas nuanças bíblicas (Artur = Jesus, Lancelot = Judas).

Toda essa nobreza, heroísmo e a alta qualidade dessa literatura (viaTennyson, Mallory, etc.) foi usada para introduzir o Santo Graal clandestinamente como um Cavalo de Tróia, em nossa vida. A busca do Graal constituía uma das duas tarefas mais importantes do reino de Artur (sendo a outra a criação da Távola Redonda).

Dependendo de qual seja a versão da lenda que se esteja lendo, um ou dois dos seus cavaleiros (Galahad e/ou Percival) de fato descobrem o Graal, o que os leva a certa esfera celestial da qual eles quase nunca retornam. Algumas lendas até mesmo mencionam que Galahad morreu de êxtase e foi trasladado para o céu.

Com a publicação, alguns anos atrás, de O Santo Graal e a Linhagem Sagrada,2 ocorreu uma mudança repentina de rumos quanto a este mistério. Os autores, Baigent, Leigh e outros, defendem a teoria de que o Graal é símbolo de um segredo que (afirmam) poderá derrubar o cristianismo. Dizem eles que a Igreja Católica tem mantido um segredo, que compartilha com uma sociedade secreta, o Convento de Sião, por quase 2.000 anos. O segredo, em resumo, é que o “Graal”, na verdade, é uma linhagem de sangue que recua ao passado até a infância de Jesus e Maria Madalena. O Convento de Sião seria uma antiga organização secreta oriunda dos Cavaleiros Templários, responsável pela custódia dessa linhagem real Supostamente, o dirigente desse convento é um dos descendentes diretos de Jesus. Dizem os autores que a idéia de um Jesus casado é tão chocante que destruiria os fundamentos do cristianismo — e a idéia de haver pessoas andando por aí portadoras do sangue de Jesus seria algo que completaria essa destruição.', Por que eles acham que isso destruiria o cristianismo, não está muito claro. A Bíblia nada fala de Jesus ter-se casado. Se ele tivesse se casado, é, sem dúvida, totalmente estranho o fato de a Bíblia nada falar a respeito de sua esposa. A única esposa de Jesus mencionada no Novo Testamento é a sua Igreja — a sua verdadeira Igreja. Mas isso poderia, de certo modo, afetar o catolicismo, porque o seu sacerdócio celibatário (que é antibíblico) baseia-se na premissa de que Jesus não se casou e que seus sacerdotes deveriam seguir o mesmo modelo.

Para a maioria dos cristãos, no entanto, uma revelação como essa — mesmo que fosse verdade — realmente não afetaria os fundamentos da fé.

Observe-se que esses autores não crêem que Jesus é Deus. Em seus livros subsequentes, eles se revelam como cépticos, que alegam que Jesus não passa de um personagem judeu messiânico e que nunca pretendeu criar uma Igreja. A Igreja, dizem, foi obra de Paulo. Isso não chega a ser nem uma nova tese, mas não tem suporte algum na História e na Bíblia.

Mas, se Jesus não é divino, então qual é a importância de sua linhagem? Os autores argumentam que o que importa é que o Vaticano acreditava que Jesus era divino e celibatário, por isso seria seu interesse permanente manter o segredo da família dele. Assim, seu grande segredo não é um grande trunfo. No entanto, é curioso observar como esses autores se desviaram do verdadeiro, até mesmo estranho, segredo do Graal.

Considere o seguinte: todas as lendas dizem que o Graal se perdeu (ou, pelo menos, que se acha escondido, isto é, oculto) e que é um cálice do qual flui a imortalidade, a vida eterna.

Quando chegamos ao Terceiro Grau da Feitiçaria, aprendemos que o Graal é o símbolo da Deusa, assim como o punhal do feiticeiro, ou Athame, é o símbolo do Deus Chifrudo. Quando entramos no sumo sacerdócio dos druidas, aprendemos algo bem mais significativo.

O ritual sexual (chamado de “o grande rito” em certas tradições da Wicca), que geralmente acompanha a iniciação ao terceiro grau, pretende ser algo mais que um simples ato sexual. Por meio de certa postura, dentro do ritual, acredita-se que um circuito é fechado. E a fusão de dois sistemas nervosos. Do sistema nervoso da sacerdotisa (i.é., do Graal) flui uma sabedoria sobrenatural. O ritual, escrito por Aleister Crowley, diz em sua invocação:

Abre para mim a secreta via:

Onde as veredas da Inteligência estão, Entre as portas da noite e do dia, Para além do tempo e da razão.

Atenta ao Mistério de modo adequado.

Os Cinco Pontos de Comunhão, Onde a Lança e o Graal se unem, lado a lado, E os pés, os joelhos, os peitos e os lábios estão.

Pelo que nos informavam, ao fazermos isso estávamos nos unindo a uma antiga “sucessão apostólica” de autoridade de um elevado sacerdócio, procedente de Jesus e de sua “grande sacerdotisa”, Maria Madalena. Acreditávamos que Jesus trouxera consigo todo o poder e toda a sabedoria da corrente solar de energia; e que Ele se unira sexualmente a Maria Madalena, que possuía todas as energias da corrente lunar da magia. O resultado dessas duas ancestrais (e muitas vezes opostas) correntes de energia mística constitui algo verdadeiramente extraordinário.

Por mais blasfemo que pudesse parecer — diziam — Maria Madalena “iniciou” sexualmente os 12 apóstolos. Cada um deles recebe, assim, um doze avos dessa impressionante combinação de magia. Pelos séculos afora, desde então, houve uma transferência dessa pura força, não contaminada, por meio desse ritual.

Sharon foi levada, em 1973, a essa incrível cadeia de iniciação que já tinha mais de 1.900 anos. Ela, por sua vez, fez a minha iniciação. Uma experiência que me perturbou um pouco, mas não parou por aí.

Anos depois, disseram-nos que teríamos que reunir as 12 linhas antigas de poder de iniciação para que realmente recebêssemos o “Graal” em toda a sua plenitude. O que, então, esse Graal nos daria? Iríamos adquirir verdadeira imortalidade! Nós “beberíamos” desse Graal, totalmente cheio, e viveríamos para sempre!

O “mestre” que nos levou — Sharon e eu — a tudo isso dizia ter mais de 165 anos. Nossos instrutores nos detalharam os diversos pontos a respeito. Veja a seguir as “montanhas” metafísicas que teríamos de escalar para que esse alvo fosse atingido:

1 . Pedro — o sumo sacerdócio católico romano 2. André — o sumo sacerdócio druida

3. Tiago — o sumo sacerdócio ortodoxo do Leste

4. João — a ordem maçônica

5. Filipe — o sacerdócio tibetano de Bom Pa (budista)

6. Bartolomeu — a linha africana (ashanti), o vodu de hoje

7. Tomé — o hinduísmo e a ioga tântrica

8. Mateus — os videntes iluminados

9. Tiago — a linha dos índios americanos (cherokee

10. Tadeu — a linha árabe (alquimia), ismaelita e muçulmana (thelêmica)

11. Simão, o Zelote — o sacerdócio satânico

1 2 . Judas Iscariotes — o sumo sacerdócio satânico

Isto talvez mostre a bizarra peregrinação que teve a nossa vida

(minha e de Sharon) a partir dos anos de 1970. Envolvemo-nos

com praticamente todas essas linhas religiosas, indo atrás desse

“Graal”, procurando estabelecer uma união de todas elas. A “alquimia” que isso abarcava cresceu intensamente e, é claro, tornou-se cada vez mais demoníaca. Estávamos metidos numa salada demoníaca completa!

Muitos dos processos pelos quais passamos não dá para serem descritos aqui por causa das perversidades envolvidas. No entanto, com o passar dos anos, até mesmo eu comecei a ver algo por trás do charmoso véu da lenda do Graal do rei Artur. Comecei a perceber como todo esse processo era cativante e mortal. Tornou-se um vício sexual letal. Àquela altura, eu já me envolvera com a magia do tipo transyuggothiana, e tínhamos acumulado quase todas as 12 correntes para alcançar nossa suposta vida eterna.

O perigo (que eu percebera como algo mais) era que, a cada “corrente” a que me ligava, adquiria uma “bateria” completa de “homens fortes” demoníacos. Isso acontecia porque o sexo pecaminoso, fora do casamento, é uma grande brecha pela qual a opressão demoníaca pode passar de uma pessoa a outra.

A mentira é que aquele que bebe do Graal, consumindo energias sexuais do tantrismo (ioga sexual), tem a vida prolongada.

Quem conseguir ligar completamente as 12 partes desse processo enigmático terá uma vida eterna. A pessoa torna-se um ser imortal, um deus vivo sobre a terra.

Foi durante o antepenúltimo desses relacionamentos sexuais blasfemos que senti algo que quase me levou à beira da loucura total. Enquanto praticávamos o ritual, senti como se estivesse sendo levado a outra realidade — um lugar e um espaço no interior de Sbaron e até além dela.

Encontrei-me ajoelhado numa enorme caverna, cercado por um círculo de 13 mulheres vestidas com roupas bem estranhas.

Lembravam a maneira de vestir das mulheres da época da colonização da América, só que, em vez de usarem vestidos pretos ou de cor cinza, com golas, punhos e capelos engomados de cor branca, usavam, cada qual, um vestido escarlate com um acabamento em branco. Todas elas demonstravam ser bastante severas e austeras em sua aparência.

A caverna era cor-de-rosa. No centro, à minha frente, havia uma rústica fonte de água. A iluminação era difusa e também rósea e não provinha de ponto algum. A atmosfera era úmida, pesada e muito quente. Achava-me diante de uma senhora, sentada num trono rosa, de uma beleza triste, mas não envelhecida. Suas sobrancelhas eram escuras, e seu cabelo era preto tal como a pena de um corvo. Apesar das vestes que trajava e do ar parado do ambiente, não havia suor algum em sua fronte. Parecia chefiar o grupo.

Ela acenou para que eu me levantasse e fosse à frente.

— Bem-vindo ao Templo do Graal — disse ela, com brandura.

— Onde estou? — balbuciei.

Ela apenas sorriu com um ar benigno, com um sorriso tipo Mona Lisa.

— Posso perguntar quem é a senhora? — aventurei-me.

— Sou aquela que estava com você desde o começo, e sou aquilo que se atinge no fim do desejo — disse a mulher.

Reconheci que ela estava citando um dos rituais da Wicca, o ritual da “Descida da Lua”, palavras da própria Deusa! Senti-me sem saber o que perguntar, podendo desperdiçar aquela importante oportunidade. Procurei, então, colocar minha mente perturbada nos trilhos e lembrar-me de duas perguntas que, segundo a tradição, deveria fazer sobre o Graal. Meu pânico aumentou, e tudo de que pude lembrar-me foi perguntar:

— O que é o Graal e a quem ele serve?

A mulher sorriu de novo e afirmou:

— Eu sou o Graal e sirvo ao Rei.

Levantou-se do trono e disse:

— Eu sou Maria Madalena.

— Mas a senhora viveu há 2.000 anos! — mal pude exclamar.

— E estou viva hoje. Jesus disse que todo aquele que comesse da sua carne e bebesse do seu sangue nunca morreria.

Lembrei-me de ter lido isso em alguma parte dos evangelhos, então balancei a cabeça, em assentimento.

— Agora, você está a um passo do Graal. Você terá que beber desse cálice para nascer de novo — declarou ela, apontando com a mão para a fonte rosada, rudemente lavrada, bem no centro do templo. — E então você estará em condições de ir para o décimo segundo nível de poder.

Eu já tinha ouvido falar de nascer de novo, mas não sabia o que isso significava. Obviamente, pensei que fosse algo que teria de descobrir por mim mesmo. Com cuidado, então, me virei e caminhei até a fonte. Sentia o olhar de cada uma das mulheres daquele lugar fixo em mim. Abaixei-me sobre a fonte e fiquei surpreso ao ver que a água era quente e tinha a aparência de um caldo grosso. Esperando estar fazendo o que era certo, tomei um pouco daquela água. Ela foi doce em minha boca.

Nem bem eu a tinha sorvido, vi que havia sido removido daquele estranho templo. Senti que me movia rapidamente, passando por imensas distâncias, numa escuridão. Foi ficando mais frio.

De repente, e de um modo totalmente abrupto, vi-me sendo lançado no piso do templo onde fazíamos nossos rituais, em casa, encharcado de uma umidade sobrenatural. Sharon imediatamente encontrava-se ao meu lado, preocupada. Eu estava dando risadinhas, de um modo incontrolável. O sabor estranho daquele líquido, que me saciara, estava em meus lábios, e eu me lembrava das últimas palavras daquela mulher.

Achei que eu tinha nascido de novo e que estava pronto para colocar a última peça naquele quebra-cabeça!