Felizmente, para o bem da minha sanidade mental, somente fui
chamado a voltar à “Catedral da Dor” umas poucas vezes. Não consegui, em
nenhuma das vezes, descobrir se se tratava de um lugar real, um templo astral
ou um local de encontro criado pelos satanistas. Contudo, as lembranças dessa
experiência perseguiram-me por muitos anos.
Discuti com Sharon o que eu conseguia lembrar-me dessas
viagens, e ela ficou um tanto perturbada. Por incrível que pareça, eu sentia
que meu cérebro estava diferente. A impressão que me dava é que estava
carregando uma peça metálica em torno da minha cabeça. Era como se alguma
coisa, de uma tecnologia alienígena, tivesse sido inserida no meu lobo frontal.
Mas, não importa o que fosse, eu não havia ficado com cicatriz alguma — exceto
na cabeça. Assim, como eu poderia saber o que tinha acontecido?
Uma parte do meu ser estava temerosa, e outra parte,
excitada. Teria sido admitido no misterioso e augusto corpo dos Illuminat. Se
fora, o que isso significava para a minha busca de conhecimento e de poder do
ocultismo?
De um modo bastante estranho, essa pergunta foi respondida
num dia em que Orion entrou em contato comigo inesperadamente. Disse-me estar
vindo a Milwaukee a negócios e perguntou se não nos importávamos se aparecesse
em nossa casa.
Embora nem Sharon nem eu nos entusiasmássemos muito com ele
e seus acompanhantes, sentimo-nos mais ou menos obrigados a convidá-lo.
Ao chegar, irrompeu portas adentro de nossa casa com sua
característica risadinha sem graça, que me lembrava uma hiena.
Além daqueles que normalmente trazia consigo, veio ainda um
sujeito que eu não conhecia, que era de pele bem morena e de pequena estatura,
com um bigode bem aparado e uma careca aparecendo à frente de um ondulado cabelo
bem preto. Orion me chamou para ficar a sós comigo num quarto à parte, levantou
as mãos e as agitou à moda daqueles antigos pregadores negros avivalistas, e
disse:
— Ouvi dizer que você viu a Luz!
Para meu espanto, sacou de dentro do seu bolso um papel, ou
melhor, um pergaminho, que declarava ser eu um membro de primeiro grau dos
Illuminati. Não me deu o pergaminho, mas deixou-me vê-lo. Explicou-me que iria
mantê-lo consigo até que eu atingisse níveis mais elevados e provasse, assim,
ser “digno” de ficar com o papel. Observei que o documento estava assinado com
um estranho selo sob a forma de uma folha com letras escritas à mão.
Perguntei-lhe então que assinatura era aquela. Seus olhos saltaram para fora, e
ele deu aquele seu sorrisinho, dizendo:
— E a assinatura do Mestre, meu irmão. Da mão do Mestre!
Ele estava quase fora de si, de alegria. Dava até para eu
imaginar uma cauda batendo, saindo do traseiro dele, bastante agitada, talvez
até mesmo com uma seta na ponta!
O bode sem chifres
Explicou-me Orion que essa minha nova ‘promoção” por parte
das altas patentes dava-me condições de copiar e estudar mais páginas dos
livros sinistros de Satanás e que teríamos de ter rituais de sangue com maior frequência.
— Você tem que se preparar para o Maior de Todos! — riu ele,
com uma gargalhada casquinada.
Eu sabia, por minha experiência passada, o que Orion queria
dizer com “o Maior de Todos”. Referia-se ao sacrifício do que é chamado, entre
os praticantes do ocultismo, de le cabrit sans cornu— em Francês, “o bode sem
chifres”, ou seja, um ser humano.
Embora isso fosse um elemento do satanismo e do vodu que eu
sempre tivesse procurado desconsiderar em minha mente, sabia ser uma terrível
realidade. As assombrosas experiências por que passara naquela apavorante “catedral”,
porém, haviam-me marcado de um modo tremendo, como eu jamais poderia ter
imaginado. Tinha me esquivado até então de pensar no assunto e cheguei até
mesmo a admitir que nunca consideraria o sacrifício humano como uma
possibilidade em minha vida. Mas é impressionante como a mente humana consegue
racionalizar as coisas para que possam ser aceitáveis.
Um sentimento abrasador, que em mim nunca houve sentido,
brotou, então, dentro de mim. Meu interior foi quase todo tomado por uma
excitação ante a perspectiva de dar uma vida humana em culto a Satanás.
Orion pôde ver, evidentemente, algo em meus olhos, pois
sorriu tal como um gato que acaba de engolir um passarinho.
— Não dá para esperar, hein? Você tem razão. É, talvez,
melhor até do que sexo! — disse ele, mais uma vez com o seu sorriso
característico.
Sentou-se ao meu lado no sofá.
— Não se preocupe, meu irmãozinho, vamos iniciá-lo nisso com
a maior facilidade! — prometeu.
Não sei se ele sabia quanto me irritava ser chamado de
“irmãozinho”, especialmente por ele, aquele sujeitinho com cara de rato, mas
com certeza essa expressão tornou-se uma coisa terrível para mim. E ele
chamar-se desse modo era, também, um tanto incongruente, já que eu era uns 25
centímetros mais alto e pesava uns 30 quilos a mais do que ele. Além disso,
acho que era também mais velho.
Mas consegui esconder minha irritação. Pelo que sabia, podia
ser um dos demônios dentro dele que falava, e esse demônio talvez fosse bem
maior do que eu, ou até uma casa, e com milhares de anos de idade. De modo que
aquilo me aborreceu mais do que nas vezes anteriores, mas senti não ter deixado
que ele percebesse.
Orion reclinou-se no sofá, demonstrando sentir-se magnânimo,
o que o impediu de ver qualquer problema em mim.
— Não se preocupe. Muitos irmãos ficam nervosos na sua
primeira vez. E mais ou menos como sexo; a primeira vez é a mais complicada.
Mas temos nossos métodos.
De novo sorriu ele, e parecia estar pronto para uma nova
série de risadinhas, quando prosseguiu:
— E necessário que você tenha um candidato para a oblação
que esteja mais que disposto, quem sabe uma pessoa jovem, mas que tenha idade
suficiente, ou esteja dopada, a ponto de não gritar muito, que se ofereça de
bom grado como uma dádiva ao Mestre. Desse jeito, fica bem mais fácil. A pessoa
se dá morrendo, irmãozinho!
Você não vê a hora de fincar o punhal no coração dela!
Orion sorriu de um modo que poderia parecer angelical na
face de qualquer outra pessoa. E concluiu:
— É como dizem: a morte é a última viagem. É por isso que as
pessoas a evitam até o último momento!
Fiquei conturbadamente incitado com as imagens que esse
monólogo absurdo fez surgir em minha mente. Minha boca estava um tanto
estranha, como que querendo alguma coisa — mas o quê? Senti um gosto metálico
na boca, como se tivesse acabado de tomar uma dose de LSD. Morte? Querendo
matar? Seria isso que eu estava sentindo? Uma parte do meu ser sentia uma
aversão, mas era praticamente vencida pela excitação dos impulsos que agitavam
meu interior.
Orion, com um gesto de camaradagem, bateu de leve no meu
joelho e disse:
— Não se preocupe, não será de imediato. Temos de fazer
certas coisas antes. Quem sabe começando com algumas oblações menores...
— De que tipo? — consegui perguntar, mesmo com a boca
totalmente seca.
— Bem, em parte é por isso que estou aqui. Você viu esse
cara que eu trouxe comigo?
Meneei a cabeça em sinal de assentimento.
— Seu nome não é importante agora. Esse sujeito é um nenhum [nossa
desdenhosa palavra em código significando “mero humano”, isto é, um simples ser
humano que me procurou em Chicago. Ele quer dar um jeito na sua ex-mulher.
Pagou-me em “dinheiro vivo”
para fazer um trabalho psíquico contra ela. Parece que ela
está lhe causando muitos problemas; tem a custódia dos filhos, mas é um tanto
desequilibrada. Você conhece esse tipo de história.
Ele prosseguiu com a sua trama:
— Disse-me que daria sua alma ao Mestre se conseguíssemos
uma maldadezinha feita à distância. Entende o que eu quero dizer?
— Sim. E qual é o meu papel, nesse caso?
Orion encolheu os ombros.
— Bem, achei que você gostaria de colaborar com suas
energias para essa maldição. Vamos ter que fazer um ritual bem caprichado de
destruição, incluindo o sacrifício de um animal. Então, quando a “ex” dele
apagar, você terá parte do crédito.
— “Crédito”?
— Você sabe como é, irmãozinho. Todo mundo que você matar a
serviço de Satanás torna-se um sacrifício para o Mestre. Não importa se for um
esquartejamento num belo acidente de carro a 150 quilômetros de distância
daqui, ou alguém levado amarrado a um altar, se retorcendo todo, com um punhal
apontado no pescoço. Torna-se carne morta e passa a pertencer ao Mestre para
sempre. E eu vou permitir que você tenha uma parte da recompensa!
— ele me observou com muito interesse para ver como eu
reagia.
— Você já fez trabalhos de maldição antes, não é mesmo? —
apressou-se, então, a perguntar.
— Claro! — respondi.
Num certo sentido, era verdade. Eu tinha me envolvido com
“guerras" de magia, muito frequentes entre os feiticeiros da nossa região.
Até mesmo os bruxos da linha “branca”, como os da Wicca, crêem que têm o
direito de se defender por meio de magia, quando atacados. Há uma doutrina bem
difundida entre os participantes da Wicca, conhecida como Lei do Tríplice
Retorno. Como feiticeiro, a pessoa tem o direito (e até o dever) de retornar de
modo triplicado qualquer bem ou mal que lhe tenha sido feito. E a sua forma
particular de concepção da doutrina do carma. Assim, nos sentíamos no direito
de nos defender, quando atacados. Se o que fazíamos era ou não, realmente, uma
maldição, isso era outro assunto.
Além disso, uma ou duas vezes, em meus primeiros anos como
feiticeiro, eu tinha amaldiçoado algumas pessoas que achei que mereciam isso,
sem que tivessem me atacado antes. Uma delas foi um homem que conheci em Dubuque.
Era um hippie, adepto do uso de drogas e do amor livre. Tinha alcançado grande
reputação de conseguir muitas garotas, mesmo bem jovens, para fazer sexo com
elas, descartando-as, em seguida, de maneira rude. Dizia a cada uma delas que
as amava e gostaria de casar com elas,
seduzindo-as, para logo em seguida despachá-las como algo
desprezível. Fez isso à irmãzinha de um amigo meu, que frequentava um de nossos
cursos na Wicca. Achei que aquele “bestalhão” merecia ser punido. Para mim, ele
estava pervertendo mulheres que eram imagens da Deusa-mãe que eu adorava.
Assim, lancei uma maldição sobre ele, tornando-o incapaz de praticar o sexo.
Pelo que sei, ele ficou daquele jeito pelo menos durante o
tempo em que moramos em Iowa, ou seja, por alguns anos. Presumo que o feitiço
já se tenha, a esta altura, desgastado. Mas não é preciso dizer que lhe causei
um grande dano.
De outra vez, foi quando ainda estava radiante com o êxito
da minha magia sobre esse hippie. Antes de eu ter conhecido minha esposa, havia
uma moça que estava treinando para sacerdotisa da Wicca. Tinha conseguido para
ela algumas jóias de bruxaria, compradas numa livraria ocultista de Milwaukee.
Era um bem adornado colar, um anel e uma pulseira, todos de prata. Seriam suas
bigghes, ou “jóias oficiais” da bruxaria, como se fossem as “jóias da coroa”
do grupo de bruxaria local. Não era nada de muito caro ou
requintado, mas tinha para mim um grande significado espiritual. Aquelas jóias
tinham sido consagradas num Círculo de Deusas da Wicca, segundo as tradições.
Durante um evento, as jóias foram roubadas da sua
penteadeira, por uma amiga. Tanto ela como eu ficamos muito aborrecidos e
lançamos uma bruxaria. Invocamos a Deusa, para que amaldiçoasse a ladra ou a
forçasse a nos devolver as jóias. Dias depois, a moça, que certamente não tinha
mais do que 18 anos, caiu e rolou pela escada do seu apartamento e ficou
paralítica da cintura para baixo.
Não nos sentimos nada bem com isso. Então, tomei a resolução
de que, dali em diante, não me envolveria mais com maldições. Agora, como
satanista, estavam me pedindo para começar a fazer isso de novo. Desta vez, a
vítima seria uma mulher, possivelmente inocente, cujo único crime era o de ter
sido a esposa daquele cidadão. Isso me incomodou muito, mas eu não tinha como
recusar.
Orion pediu-nos que o deixássemos usar nossa capela de missa
gnóstica e thelêmica, para o ritual de maldição. Sharon concordou, com alguma
insistência minha, mas com certa relutância.
No entanto, decidiu não participar do ritual.
Orion me pediu, então, que eu fosse conhecer melhor nosso
“cliente”, enquanto ele iria preparar o lugar para o ritual. Estava até
curioso, de modo que fui para a sala e me sentei ao lado do sujeito. Ele
parecia estar sob uma forte tensão, fumando um cigarro após outro. Apresentei-me,
e ele tossiu, um tanto nervoso, dizendo chamar-se “Andy” (não é este seu
verdadeiro nome).
Tratava-se de um sujeito gentil. Sua aparência física
fazia-me lembrar de algum artista de ópera italiana — tive a impressão de que,
a qualquer momento, ele começaria a cantar Dolce Far Niente.
Mas ele não tinha nada a ver com o “bel canto”. Explicou-me
sua situação, como se quisesse justificar o que estava nos pedindo que
fizéssemos. O que ficou claro é que tinha filhos do seu primeiro casamento e
que a ex-mulher (que descreveu era uma mistura da Lady MacBeth com Lucrécia
Bórgia) tinha a custódia deles e os ensinava a odiar o pai.
Andy me disse, quase com lágrimas nos olhos, que já tinha
feito de tudo, mediante todos os meios legais, para obter a guarda dos filhos,
mas a mulher continuava detendo esse direito. Ele havia se casado de novo, era
feliz com sua nova esposa, mas o fato de poder ver seus filhos apenas por
algumas horas a cada duas semanas estava acabando com ele. Tinha até mesmo
considerado a possibilidade de contratar uma gangue e pagar aos bandidos para
acabar com ela, mas teve medo dos riscos e possíveis consequências. Então, num
dia em que estava visitando a Livraria do Ocultismo, no centro de Chicago,
ouviu falar sobre certo Orion, que tinha a habilidade de amaldiçoar pessoas até
a morte. Aquilo lhe pareceu ser o modo mais seguro de resolver o seu problema
de voltar a ter a posse das crianças, sem nunca ser descoberto.
Foi assim que veio a se achar ali, sentado em nossa sala de
estar, esperando vender a sua alma a Satanás, fazendo sua parte na maldição de
morte da sua ex-esposa, para poder retomar as crianças. Isso tudo o deixava
bastante preocupado. Mas, enquanto conversávamos, descobri mais algumas coisas
que causavam todo o seu nervosismo.
Ele era filho de um pastor adventista do sétimo dia! Sem
dúvida, se considerava cristão. Sabia que o que estava por fazer seria
considerado uma apostasia de sua fé, mas, para ele, não havia alternativa.
Segundo alegava, havia se decepcionado com sua igreja por causa do legalismo e
por causa da hipocrisia que nela havia (foi esta a expressão que usou). Se eu,
na época, conhecesse melhor aquela igreja, teria percebido que ele não era um
adventista que levasse sua fé a sério, pois fumar é algo totalmente proibido
aos adventistas.
Andy parecia arrasado e cheio de conflitos. Senti pena dele.
Perguntei-lhe quanto havia pago a Orion pelos “nossos serviços”, e ele disse
que tinham sido 500 dólares. Surpreso, pensei comigo: “Nada mau para uma hora
de trabalho num ritual.”
Mesmo não me sentindo totalmente à vontade, preparei Andy
para a cerimônia em que ele faria o seu pacto, depois da qual participaria do
ritual da destruição. Mais uma vez, senti aquela estranha ambivalência dentro
de mim. Uma parte do meu ser entristecia-se por causa desse trágico homem e seu
desespero por ter seus filhos de volta, sujeitando-se a um processo pelo qual,
achava eu, conforme sua própria crença, iria lhe custar uma grande dor por toda
a eternidade. Ele não acreditava, como nós, que o inferno fosse um lugar de
“gloriosas” orgias e rolar de drogas. Para ele, certamente, o inferno era um
lugar de tormento.
Mas, ao mesmo tempo, no meu íntimo, um ativo homem máquina
satânico, brilhante como a prata, e movido por uma incandescente caldeira de
ira em meu cérebro, regozijava-se por mais uma alma ganha para o diabo e pela
morte de uma mulher.
A cerimônia do pacto transcorreu, como sempre, sem nenhuma
manifestação extraordinária. Em seguida, passamos diretamente para o ritual de
amaldiçoamento. Andy tinha trazido uma foto da sua ex-mulher, e dela Orion
havia feito uma boneca de barro. Tinha também conseguido alguns fios de cabelo
da infeliz, retirados de uma velha escova. Estas duas coisas formavam o que os
ocultistas chamam de “objetos de ligação”.
E uma doutrina não só do satanismo, mas da maioria dos
grupos de feitiçaria e ocultismo, que é muito mais fácil amaldiçoar alguém
quando se tem alguma coisa dessa pessoa que dê condição ao feiticeiro de fazer
uma ligação com ela. Geralmente é algo pertencente à pessoa ou, melhor ainda,
uma parte do seu corpo, como um fio de cabelo, uma lasca de unha. E por isso
que a maioria dos praticantes da magia guardam com zelo o seu cabelo cortado e
as aparas de suas unhas, assegurando-se de que não venham a cair em mãos estranhas.
Orion pegou os fios de cabelo trazidos por Andy e os prendeu
na cabeça da boneca, enquanto cantava, em voz baixa, em
“Enoquiano”. O Enoquiano é a língua mágica do satanismo, sendo o Latim sua
linguagem cerimonial. O Enoquiano é uma língua estranha, tipicamente satanista,
restaurada pelo feiticeiro Dr. John Dee, o primeiro astrólogo da corte da
rainha Elizabeth I, com a colaboração do seu médium, Edward Kelly. A última
parte da Bíblia Satânica contém todas as chaves enoquianas ou invocações, com a
tradução feita por LaVey de cada uma delas.
Os verdadeiros praticantes da magia sabem que o Enoquiano
tem de ser falado de trás para a frente, para produzir o seu maior efeito. Isto
é muito difícil de ser feito sem a assistência de um demônio. Eu tinha demônios
que me davam condições de falar em várias línguas diferentes (Grego, Hebraico,
Alemão e Latim), línguas que eu desconhecia (exceto algumas reminiscências do
Latim escolar). Eles também me capacitavam a falar ou a cantar de trás para a
frente, tanto em Inglês como em Enoquiano, com bem pouca dificuldade.
Então Orion começou a purificar a câmara do ritual, fazendo
o sino soar nove vezes, borrifando os quatro quadrantes com “água benta” de um
borrifador cheio de urina, e traçando pentagramas invertidos. Invocou a
presença e o poder de Lúcifer para testemunhar a cerimônia. Senti o poder de
ferro dentro de mim aquecendo-se com um fogo negro.
De uma caixa num dos cantos da câmara, Orion retirou um
porquinho-da-índia que ele tinha comprado numa loja de animais em Chicago.
Consagrou então o bichinho, que se contorcia todo, a Lúcifer e em seguida
cortou sua garganta. Enquanto os jatos de sangue saíam do animalzinho, ele
“batizou” a boneca com sangue, conforme o ritual de batismo católico romano,
dando a ela o nome da ex-mulher de Andy. A foto dela estava fixada sobre a
“face” de
barro da boneca.
Orion tinha instruído Andy a ficar irado quanto pudesse,
lançando toda a sua ira e todo o seu ódio contra a sua esposa anterior.
Nós estávamos ali para reforçar o poder do seu ódio, mas,
uma vez que ele a conhecia melhor, era ele quem poderia externar melhor todo o
seu ódio naquela hora.
Enquanto fazíamos a reza enoquiana para abrir toda desolação
e destruição, Andy pôs para fora toda a sua raiva e frustração que os anos passados
tinham trazido à sua vida. Senti, então, que toda aquela ira se erigia em meu
interior como se fosse um pequeno punhal apontado para a cabeça daquela boneca
manchada de sangue que estava sobre o altar. O calor foi aumentando naquela
câmara, de modo que vi gotas de suor escorrerem em meu corpo e ensoparem o meu
manto. Minha mente havia se tornado uma máquina de malignidade. Era como se um
aço em brasa, derretido, fluísse pelas minhas veias, chegando até minhas mãos.
Uma parte de mim estava amedrontada pelo que estava acontecendo, mas era uma
parte bem pequena e que ficava cada vez menor. Todo o restante do meu ser
estava excitado diante do poder de uma raiva frenética! Eu estava me tornando o
que LaVey chamava de “monstruosa máquina de aniquilação”, e isso me dava um
enorme prazer!
Meus dedos fecharam-se sobre a invisível garganta daquela
mulher e, com um incrível poder, esmaguei sua traquéia como se fosse o talo de
uma flor! Eu podia ouvir minha respiração ofegante, com uma fúria que crescia
num delírio cada vez maior. Se ela estivesse ali presente, eu bem que poderia
tê-la estrangulado até a morte, naquela hora.
Orion soltou, então, um grito agudo, cheio de ódio. Deviam
ser os demônios, pois acho que ele não tinha, por si mesmo, como fazer isso.
Atravessou a boneca de barro com a ponta da sua espada mágica e a ergueu diante
do gigantesco símbolo de Baphomet colocado acima do altar, que contemplava tudo
o que ali se passava.
Proclamou, então, em alta voz a maldição, junto com Andy
(que repetia com ele as palavras do ritual, conforme o livro).
Por causa da natureza maligna daquela maldição, e por não
querer ensiná-la desnecessariamente, não vou transcrevê-la aqui.
Basta dizer que Andy repetiu palavra por palavra.
Orion num ato informal derrubou então a “boneca” de barro
sobre o altar rugindo e grunhindo, pedindo a Andy que tomasse conta dela. Andy
prosseguiu externando sua ira e frustração sobre a boneca. Pegou um punhal que
estava no altar e golpeou, cheio de maldade e com toda a ira e frustração, a cabeça
e o corpo da bonequinha, chorando com muita revolta, como se estivesse fora de
si.
Por fim, o que restou dela parecia mais um hambúrguer de
barro do que uma forma humana. Andy parou, então, quase sem forças, totalmente
exausto.
— Shemhamforasch! — berrou Orion.
— Shemhamforasch! — repetimos.
Esta palavra é tida como sendo de grande poder no satanismo.
Dizem que é a “palavra” por meio da qual o Senhor criou os
céus e a terra, e Satanás a roubou. Agora ela é tradicionalmente usada para
selar muitos dos rituais satânicos, mais ou menos como um “amém”.
Naquela noite, Orion e sua comitiva foram embora, certos de
que a ex-esposa de Andy morreria em breve, e de um modo bem terrível. No meu
caso, sentia-me totalmente exausto e com náuseas de tudo que tínhamos feito,
embora houvesse forças dentro de mim que reagiam com incrível entusiasmo.
O interessante é que durante todo o ano que se seguiu não
houve evidência alguma de que a maldição tivesse tido sucesso; a pior coisa que
aconteceu com a mulher foi um resfriado. Aparentemente, era o primeiro fracasso
de Orion (e, num grau menor, meu também). Fizemos ainda vários rituais
adicionais, mas a ex-mulher de Andy demonstrou ser inatingível!
Claro que Andy nunca recebeu seu dinheiro de volta.
Alguma coisa estava impedindo que as maldições funcionassem.
Foi nessa época que comecei a ter uma premonição de que havia poderes que
ultrapassavam o poder de Lúcifer. Apenas não conseguia imaginar que poderes
seriam esses.