Muitas vezes, quando estou falando a respeito do satanismo
em igrejas, surge a seguinte questão: “Por que estamos vendo todas essas coisas
acontecerem atualmente? Meus pais nunca ouviram falar de adoradores de Satanás,
nem de pessoas sendo possuídas pelo diabo. Se tudo isso é verdade, por que a
Igreja não vem tratando dessas questões há mais tempo?”
É uma importante questão e que merece uma resposta séria.
Isso em parte acontece porque há pessoas, tanto incrédulos
como crentes sinceros, que gostariam que acreditássemos que tudo o que temos
ouvido sobre satanismo e opressão demoníaca é apenas o produto de mentes
perturbadas, de sensacionalismo por parte de jornalistas ou, até mesmo, de
ministros do evangelho.
Alguns líderes cristãos não conseguem imaginar que toda essa
situação é uma realidade há vários séculos, bem debaixo do nariz da Igreja, e
que ninguém tinha descoberto isso a não ser há cerca de algumas décadas. Eles
questionam por que o discernimento do Espírito não teria detectado tudo isso.
Também fazem perguntas do tipo: “Onde estão os corpos e outras evidências
físicas que comprovem todos esses supostos rituais?” Ou, ainda: “Como é que
esses satanistas conseguem pessoas para serem sacrificadas?”
Essas perguntas refletem um ingênuo entendimento tanto da
história da Igreja com o da natureza humana. Tais pessoas
desconhecem o impacto de duas heresias que andam de braços dados — o
racionalismo e o cientifismo. ou cientismo — sobre a cultura ocidental,
atingindo até mesmo a Igreja.
Somos, hoje em dia, pressionados por duas cosmovisões: uma
que vê o mundo com uma base bíblica, e outra, modernista e secular. E triste,
mas são muitos os líderes da Igreja que procuram ser bons servos do Senhor e
que, ao mesmo tempo, ainda dobram os joelhos a Baal diante dos altares da
ciência e do secularismo. E bem possível que eles se regozijem diante da
respeitabilidade que o cristianismo tem alcançado em certas áreas da sociedade,
mas ficam com um pé atrás diante das palavras de quem esteja falando sobre
Satanás ou demônios, tornando-se, assim, confusos a esse respeito.
Muitos desses cristãos são totalmente sinceros.
Infelizmente, são tal como um peixe em relação à água em que vive: nem a
percebe. Não têm percepção alguma da influência negativa que a cultura
ocidental lhes tem impingido. Nossa cultura é contagiante e tem sido ainda mais
influente com a onipresença da televisão e do rádio. A aceitação inocente, sem
qualquer avaliação, de pressupostos culturais pode ser a causa de sérios
problemas quando a pessoa estiver face a face com as garras sanguinárias de
Satanás.
A maioria dos cristãos, até mesmo líderes e instrutores, não
leva muito em consideração a esfera espiritual. Este é o fenômeno que um
missiólogo, Dr. Paul Hiebert, chamou de “o meio excluído”. O que isto significa
é, simplesmente, que a maior parte das pessoas das nações industrializadas do
Ocidente acredita no mundo racional de todos os dias, que inclui carros,
telefones e tudo o mais, mas dão muito pouca (ou nenhuma) atenção às coisas da
realidade espiritual.
É certo que os cristãos do mundo ocidental acreditam em Deus
e em Jesus Cristo. Reconhecem, de fato, a existência da Trindade do Pai, Filho
e Espírito Santo. Crêem (assim espero) na Bíblia e nos registros históricos que
ela contém. Todavia, normalmente conseguem ver apenas duas dimensões:
1) A do mundo “real” do dia-a-dia da vida.
2) A dimensão de Deus.
Deste modo, detêm uma mentalidade essencialmente ocidental,
pós-racionalista (isto é, científica, empírica), que não é realmente bíblica.
Esquecem-se de que a Bíblia é um livro oriental, escrito por homens inspirados
pelo Espírito Santo (2 Pe 1 .2 1). A visão bíblica (ou seja, a visão do Senhor)
não é particularmente, ocidental ou racionalista. É uma cosmovisão pela qual,
quase todo dia, acontecem encontros do divino, angélico e humano. E é esta a
mentalidade que permanece pela maior parte do mundo afora, uma mentalidade que
inclui um mundo acima das atividades humanas diárias, com as quais nos ocupamos
em todo o tempo, mas abaixo do mundo de Deus. E a região dos anjos (tanto
eleitos como malignos) e demônios. E a região do meio, que está faltando, e que
foi “excluída” do pensamento da maioria dos cristãos ocidentais.
Já conversei com crentes, que são sinceros e inteligentes,
mas que acham que a esfera espiritual tem muito pouco, ou nenhum, efeito sobre
a vida deles. Admitem que talvez haja um demônio que por vezes atue, por
exemplo, na China, e que pode acontecer que alguém, ao passar por uma grande
dificuldade, possa ter a visão de um anjo. No entanto, em sua quase totalidade,
rejeitam a possibilidade de uma interação diária com a esfera sobrenatural.
Alguns deles até mesmo estão totalmente convencidos de que tal interação é
impossível.
De certo modo, podemos comparar tais pessoas com a antiga
seita judaica dos saduceus, do tempo de Jesus. A aristocracia teológica judaica
naqueles dias estava essencialmente dividida em dois grupos: os fariseus e os
saduceus. O ponto que mais diferenciava a seita dos saduceus é que eles não
acreditavam na ressurreição, nos anjos e nos espíritos.- (Veja Mateus 22.23;
Atos 23.8.)
Os saduceus eram religiosos muito devotos. Ninguém jamais
duvidaria da sua condição de judeus religiosos de primeira ordem. No entanto,
negavam a esfera espiritual e a ressurreição dos mortos.
Embora grande parte dos cristãos de que estamos falando, que
negam ou ignoram a esfera espiritual, realmente creia na ressurreição dos
mortos (assim espero!), é, porém, sob vários aspectos, semelhante aos saduceus.
São piedosos, religiosos, certamente verdadeiros crentes no Senhor Jesus
Cristo. Apesar, no entanto, de seu zelo e de se apegarem à “sã doutrina”,
passam por cima de tudo o que se refere à esfera de anjos e demônios, pois isso
os levaria para longe da região em que se sentem confortáveis. Isso faria com
que o que é divino e sobrenatural afetasse o prazer que sentem na vida, no
dia-a-dia. Eles têm procurado confinar Deus dentro de uma caixa. Tal como os
saduceus, erram “não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus” (Mt 22.29).
Contudo, para os cristãos das nações assim chamadas do
“Terceiro Mundo”, cristãos que atuam na linha de frente da batalha espiritual,
ter encontros com agentes espirituais de Deus ou do diabo é algo comum,
corriqueiro, tal como lhes é trivial, diariamente, fazerem uso de um fogão ou
uma geladeira. E tudo uma questão de qual é o “filtro” através do qual
processamos as informações de que dispomos. Esses cristãos buscam evidências do
poder de Deus nos acontecimentos de cada dia, dando-lhe glória e louvor pelos “pequenos”
milagres que Ele faz, tanto quanto pelos grandes.
Os cristãos que não encontram lugar para as questões
demoníacas e angelicais em sua vida acham-se, infelizmente, fora da realidade
apresentada pela Bíblia e, em especial, pelo Novo Testamento. Sem que o tenham
percebido, assimilaram da mentalidade secular e da cultura ao seu redor.
Acabaram, inocentemente, caindo na mentira de Satanás. Sua mente e seu espírito
foram treinados a ver qualquer evidência de uma intervenção divina em sua vida
como mera e feliz coincidência. São eles os saduceus modernos, que, em sua
forma de pensar, dão toda a primazia à ciência.
No que se refere à ação demoníaca dentro da esfera
espiritual, há sempre o perigo de se cair no extremo oposto. C. S. Lewis faz
uma conhecida observação, em seu livro The Screwtape Letters [Cartas do
Inferno], de que há duas mentiras que Satanás promove de um modo especial: a
plena negação da existência do diabo, ou, então, uma ênfase exagerada a Satanás
e seus servos, desenvolvendo assim uma obsessão doentia. Quero dizer que não
estamos promovendo a segunda alternativa, de jeito nenhum.
Frequentemente aqueles que ministram nesta difícil área são
acusados de “ver demônios em tudo”. Chegam a dizer que eles vêem demônios até
na própria sombra. Eu, em particular, posso dizer com segurança que nunca vi
demônio algum desse jeito. Também não quero negar que alguns dos que oram para
a libertação de pessoas sob opressão demoníaca acabam deixando de ter uma
posição equilibrada. Não obstante, não é pelo exagero de alguns que devemos
ignorar a esfera espiritual e abrir mão do nosso dever de enfrentar batalhas
espirituais. Há quem exagere em suas orações por aqueles que se acham enfermos.
E isso significa que não devemos orar pelos doentes? Creio que bem poucos o
recomendariam.
No entanto, a libertação espiritual é tão importante quanto
as demais áreas do nosso ministério na igreja; mas tem sido negligenciada, para
prejuízo do rebanho.
Há, porém, realmente, aqueles que atribuem tudo como sendo
da esfera demoníaca. Expulsam demônios das mínimas coisas; até mesmo das
frieiras nos pés. Ou culpam os demônios por qualquer pecado da carne.
Obviamente, isso não é razoável nem bíblico. Mas não podemos permitir que os
abusos de alguns venham a destruir as bênçãos que são alcançadas por aqueles
que realmente estejam querendo praticar o discernimento e a oração segundo a
Bíblia.
A verdade, porém, é que aqueles que optam por ignorar a
esfera dos anjos e demônios — esse “meio excluído” — também tendem a negar a
existência de qualquer ameaça por parte do satanismo. Evidentemente que o fato
de que existe, de fato, grupos satânicos que praticam o mal constitui uma
ameaça à sua cosmovisão. Abala a sua confortável e acanhada percepção do modo
pelo qual a realidade funciona.
Os relatórios que são divulgados sobre abusos rituais e
satanismo mostram um tipo de mal praticado que vai além da esfera natural.
Revelam um mal sobrenatural, que chega a abalar a estrutura
das pessoas, até mesmo das mais equilibradas. Uma evidência dessas indica que o
diabo ainda está, de fato, vivo, e passando muito bem, intrometendo-se dia a
dia nas atividades humanas.
Não é um conceito que agrade os cristãos que estão
procurando teologizar o diabo e seus demônios, considerando-os inexistentes ou
colocando-os em alguma “prisão espiritual” até a chegada da Tribulação.
Lembro-me de alguns professores meus, do Seminário Católico, que nos ensinaram
que não existe algum mal com “M ” maiúsculo. Segundo eles, todo o mal que
existe é um mal social (pobreza, guerra, racismo, injustiça) e humano.
Um Mal nítido, puro, cósmico, seria uma concepção por demais
assustadora para um pensamento teológico liberal. E a razão disso, de certo
modo, é que um Mal assim necessitaria da existência de uma divindade pura e
cósmica — conceito do qual não têm muita certeza.
Não obstante, quando começamos a nos deparar com a
malignidade dos atos praticados em crianças (e até mesmo em adultos) que o
satanismo apresenta, não temos como aceitar que isso seja decorrente de um mal
ou neurose social. O fato é que homens como Jeffrey Daumer e Adolf Hitler4 não
podem ser explicados simplesmente por má criação ou necessidades não supridas
na infância. A única explicação plausível é que eles foram atingidos por uma
satânica blitzkrieg [palavra alemã que significa ataque repentino, o qual era,
justamente, o que o exército de Hitler mais praticava], e esse ataque os
contaminou de uma malignidade transcendental — que a mente humana nem pode
imaginar.
Contudo, este é um conceito que não entra na mente da nossa
cultura, por estar muito próximo daquelas duas malfadadas palavras “tabus”,
quais sejam, “pecado” e “inferno”. Vem de encontro aos conceitos teológicos de
muitos cristãos, cujo entendimento do cristianismo é que se trata de uma
instituição em que se entra para ser salvo, passando a integrar o clube do
“Deus Me Abençoe” e ouvir sermões e participar de eventos sobre como ser melhor
pai ou mãe, como ser próspero e como melhorar a auto-estima.
Esquecem-se tais cristãos de que o exemplo mais notável de auto-estima
é o de Satanás. Esquecem-se de que o cristianismo deve ter uma voz profética na
cultura, e não render-se aos valores da cultura. É muito certo e bom que os
pregadores cristãos se voltem contra o aborto ou contra o movimento pelos
direitos dos homossexuais.
No entanto, muitos desses pregadores têm-se deixado levar
por valores bem mais sutis e perigosos da cultura, em aspectos bem mais
insidiosos. São afetados por uma mentalidade mundana, orientada por marketing,
centralizado na mídia, tendo uma visão da Igreja e sua função baseada na
Psicologia moderna. Tal concepção não os protegerá, nem às suas ovelhas, quando
os ventos de enxofre de Satanás começarem a soprar fortemente em seu santuário
acarpetado e provido de ar condicionado, levando o rebanho ao desespero.
Assim, precisamos estar atentos de que a nossa cosmovisão e
as nossas expectativas sejam baseadas na Bíblia. Temos de reexaminar nossos
pressupostos de como o universo funciona. E, acima de tudo, precisamos parar de
nos ajoelharmos diante dos falsos deuses do secularismo e “da falsamente
chamada ciência” (1 Tm 6.20 — Rc).
Tendo estas considerações em mente, fica fácil compreender
por que tais questões são levantadas sobre o satanismo. Procuraremos responder
a estas questões, em espírito de oração.