terça-feira, 4 de maio de 2021

Lúcifer destronado - Capítulo 07


 Lidando com a confraria

Procurava obter uma resposta de quem eu pensava ser Deus. No auge da minha procura, recebi pelo correio um grande envelope de papel manilha, que aparentemente era uma resposta à minha busca por um presságio ou sinal. Dentro dele, encontrei um jornal de um grupo ocultista chamado A Ordem do Carneiro Negro. Era muito bem diagramado, e isso me despertou a curiosidade. Era um grupo satanista que crescia rapidamente em número, que considerava LaVey um vigarista que estava levando Satanás e o satanismo a adquirirem mau nome.

Referiam-se aos companheiros de LaVey como sendo “satanistas bufões” e falavam da necessidade de se adotar um Satanismo mais sério. A qualidade dos textos e a apresentação editorial estavam bem acima da maioria dos boletins editados pelos movimentos do ocultismo. Não havia nem mesmo incorreções na grafita das palavras!

coisa, foi um artigo cujo autor era: “Orion: Ipsissimus, Sumo Sacerdote e Rei da Estrela da Manhã”. O nível de Ipsissimus (que significa “O Próprio Eu no Máximo do Seu Ego”) é o nível mais elevado de toda a magia. É o décimo grau, e significa que a pessoa literalmente se tornou um deus encarnado.

Para alguém se proclamar um Ipsissimus ou é um insano ou é, de fato, um mestre. O artigo que li era ainda mais interessante do que a própria declaração do autor. Era muito bem escrito e abordava a história da guerra entre Deus e o diabo do ponto de vista de Satanás.

O artigo dava a entender que Lúcifer tinha deixado Deus vencer por motivos ocultos. Dizia haver um pacto secreto entre Deus e Lúcifer, pelo qual estariam fingindo ser inimigos, para dar aos seres criados, que estavam sob a ação deles, a possibilidade de escolha. Nesse contexto, o inferno não era um lugar de castigo, mas um lugar para onde iriam aqueles que eram rebeldes, ió6 individualistas e artistas.

O céu era para os tranquilos, do tipo dos que nada fazem — de personalidade reprimida, que consideram como um grande divertimento coisas tais como um piquenique de igreja ou um joguinho de tiro ao alvo num parque de diversões. O inferno era um lugar de grande desafio e agitação, com música rock, sexo sem parar, drogas e total liberdade de expressão artística.

Todo esse arranjo foi feito porque Deus não queria que seus cidadãos celestiais se aborrecessem com os rebeldes. Precisava de um lugar para colocá-los e de um motivo justo para fazer isso. Desse modo, o diabo e o inferno foram criados como treinamento de recrutas para se tornarem deuses.

Algo sacudiu o meu interior. Isso explicava muitas questões filosóficas, que todos têm, sobre a natureza do mal e do livre-arbítrio! Fiquei realmente muito impressionado, e, imediatamente, escrevi a esse tal de Orion não é este o seu nome verdadeiro), dizendo-lhe exatamente isso.

Será que o que ele dizia era a resposta às minhas orações?

Poderia eu servir tanto a Jesus como a Lúcifer? Então, eu estava enganado ... e isso era exatamente a resposta que esperava! Aparentemente, no que se refere a Satanás, aquilo que você pede é o que você recebe! Fazia sentido. Eu poderia ser um pastor, para os pios católicos, levando-os aos portões de pérolas do céu! E aos anárquicos feiticeiros de nossos grupos, poderia oferecer um êxtase intenso no reino de Satanás.

A carta que recebi desse tal Orion em resposta foi um pouco estranha. Veio junto com um boletim, também escrito por ele, que era um tanto lúgubre. A capa mostrava o Bode de Mendez à frente de uma orgia de pessoas nuas, em prazer umas com as outras. No seu interior, havia artigos sobre a perspectiva de Lúcifer sobre as coisas, cada um mais intrigante que o outro. Havia também uma denúncia à magia branca. O jornal declarava ser a máxima fonte do satanismo de primeira linha.

A carta estava escrita com uma grafia de garranchos, do tipo infantil, em tinta preta, num papel escarlate de alta qualidade, com uma exagerada figura de cabeça de bode satânico impressa no seu cabeçalho. Expressava uma ironia reles, dizendo que tínhamos que marcar um encontro, uma vez que Orion morava em Wheaton, Illinois. Era assinada por Orion — Ipsissimus, Sumo Sacerdote e Rei da Estrela da Manhã.

Minha reação imediata foi observar que a grafia de Orion não era sua melhor qualidade, e que deveria investir numa máquina de escrever ou numa secretária. Na verdade, parecia a escrita de alguém destro usando a mão esquerda! Por outro lado, porém, a filosofia dele era intrigante. Talvez fosse por ali que eu devesse seguir.

Ele me pediu uma foto, e então enviei-lhe uma fotografia em que eu usava as vestes de bispo católico, mas portando um medalhão satânico que mostrava uma enorme espada, que recebera de LaVey. Ele, por sua vez, me enviou uma foto sua que o estrava vestido com um manto escarlate com capuz que escondia tudo, exceto seu cavanhaque e sua mão esquerda erguida com o sinal dos chifres, a tradicional saudação dos satanistas por todo o mundo.

Ficou apenas pendente o nosso encontro. Ele sugeriu vir encontrar-se com o nosso grupo, que estava envolvido “nas trevas”, conforme disse. Assim, certo dia ele veio de carro, e chegou com três horas de atraso. De certo modo, não correspondeu às nossas expectativas!

Era um sujeito baixinho e magro e vestia-se como um ciclista, com um chapéu de feltro de cor marrom, um tanto desgastado, que mais se parecia com algo que o Indiana Jones tinha jogado fora.

Com ele, veio seu motorista, um jovem robusto, de poucas palavras, portando uma camiseta de grife, acompanhado de uma jovem loura, que quase nada falou o tempo todo. Sua principal função parecia ser a de ficar constantemente com os olhos fixos em Orion, em venerável adoração.

Orion era até simpático, em sua maneira maliciosa de ser, embora sua fisionomia e seu comportamento fossem do tipo que tudo investiga em detalhes. Obviamente, não havia frequentado nenhuma escola complementar, nem alguns elementares. Seria realmente ele quem teria produzido todos aqueles pensamentos tão profundos?

Conosco estavam quatro feiticeiros de nossos “covens” que haviam se envolvido intensamente com Crowley e não receavam estar diante de um “satanista de verdade”. Sentamo-nos em círculo por algum tempo, conversando, mas então, pouco a pouco, nossos feiticeiros foram ficando mais à vontade. Tal como Aquarius, meu último “mentor”, Orion gostava de consumir bebidas alcoólicas em demasia, mas o veneno líquido de sua preferência era a cerveja,

Quanto mais bebia, mais eloquente ficava, ao falar de sua participação na confraria satânica.

Disse ter perdido os pais em sua primeira infância, tendo sido criado por um padrasto envolvido com a maçonaria. Quando ainda bem jovem, fugiu de casa e foi para a Califórnia, capital satânica dos Estados Unidos. Ali procurou a Igreja de Satanás, mas achou a fraca demais. Envolveu-se então com ciclistas satanistas e, durante algum tempo, percorreu toda a costa da Califórnia com o grupo satânico Hells Angels [Anjos do Inferno] dilacerando gatos e mulheres e promovendo o mal. Ele me mostrou seus braços, cheios de tatuagens de demônios, cabeças e caveiras.

Então me disse, num tom de voz bem baixo, da existência de um centro de controle, um Pentágono ou Comando de Defesa do poderio satânico, nas proximidades de Los Angeles. Seu chefe supremo, um sujeito que adotara o codinome de “Adrian”, o tinha tomado sob seus cuidados. Esse homem era tão rico e poderoso que ninguém do sul da Califórnia e Hollywood ousaria interpor-se em seu caminho.

Orion me contou que o ator e diretor de cinema Roman Polanski ousara fazer um filme (O Bebê de Rosemary) que continha uma simples alusão à existência de Adrian, e veja só o que havia acontecido à sua família (como se sabe, a esposa de Polanski, a atriz Sharon Tate, e vários amigos seus foram massacrados por uma quadrilha satânica, de Charles Manson).

Com um olhar tenebroso, Orion me disse que conhecia Manson pessoalmente e que, por algum tempo, pertencera ao grupo que havia iniciado Manson na magia, a “Igreja do Processo do Juízo Final”.

Adrian, ao que parece, vira em Orion o cumprimento de uma profecia satânica e, com rituais de magia, adotou-o como filho.

Isso foi feito na encosta de uma colina, num ambiente cercado de relâmpagos, ao mesmo tempo em que três moças virgens eram crucificadas de cabeça para baixo, para aumentar o poder.


Ele me olhou atentamente, para ver se eu ficara chocado com essa informação (eu fiquei, sim, mas não deixei transparecer). E parece ter ficado satisfeito por eu não ter olhado para ele horrorizado. Explicou-me que nos graus mais elevados de magia, para se ter poder, o derramamento de sangue é essencial. Nos graus inferiores, um gato ou um hamster, por exemplo, são suficientes, mas a Alta Magia exige que sangue humano seja derramado sobre o chão.

— Bom até a última gota! — ele riu com sarcasmo. — Foi por isso que Lúcifer teve que matar Jesus, para libertar a humanidade— Orion me informou com conhecimento.

Por causa desse ato, disse-me ele, as pessoas passaram a ser livres para irem para o céu ou para o inferno, antes disso éramos todos forçados a ir para o céu, um lugar terrivelmente enfadonho!

Informou-me, ainda, que o cristianismo fora criado por Satanás como uma contrapartida de simbiose com o satanismo.

— Os cristãos são as ovelhas, e nós somos os lobos — disse.

— Para os cristãos, o ato mais sagrado que podem realizar é morrer pela fé, como mártires. Vão, então, diretamente para o céu. Para o satanista, o ato mais sagrado que se pode fazer é assassinar um cristão; de preferência, jovem e virgem!

Assegurou-me que isso invalidava toda “conversa mole” escrita sobre o diabo.

Se o diabo realmente quisesse almas, argumentou, por que faria com que seus seguidores matassem virgens e bebês, quando esses são os únicos que certamente vão diretamente para o céu? Se a intenção do diabo fosse roubar almas de Deus, não seria mais lógico matar pecadores, velhos, não arrependidos?

Tive de admitir que sim. Era estranho, mas, à medida que eu ouvia Orion falando, observava sua personalidade se desvanecendo, e algo escuro, bruto, complexo e incrivelmente poderoso ia surgindo nele. Era muito mais do que o simples efeito da cerveja.

Ele começava a falar com uma inteligência sobrenatural.

Orion, sem dúvida, estava possesso, e eu quis, então, entender o ser que estava falando por meio dele! Senti mais poder emanando dele do que jamais poderia imaginar. O que estava

dentro de Orion sabia que eu queria obter conhecimento e sabedoria, mais do que qualquer outra coisa, e isso me atraía

pelo valor que representava.

Estava, porém, chocado com a possibilidade de ter um dia que lidar com sacrifício humano. Isso ia contra tudo o que eu sempre acreditara em minha vida. Mas muito do que agora eu acreditava era contrário ao que tinha acreditado antes! Lembrava-me ainda de que fora derramado sangue na minha iniciação na feitiçaria: meu próprio sangue! Sabia também que, segundo os costumes da Wicca, havia ocasiões especiais em que os próprios bruxos se ofereciam como sacrifícios voluntários para uma causa maior.

Isso provavelmente acontecera no tempo da Armada Espanhola, quando a Inglaterra se encontrava em perigo de ser invadida, assim como durante a batalha da Bretanha, na Segunda Guerra Mundial.

As afirmações de Orion davam um estranho sentido ao universo distorcido de estilo Crowley que eu havia construído para mim mesmo. Orion dizia que cristãos e satanistas eram feitos uns para os outros, tal como ovelhas e lobos. Que muitos cristãos não teriam outro propósito a não ser oferecer a sua vida num altar a Satanás! Se não fosse assim, como é que o cristianismo poderia ter permanecido por tanto tempo? E me perguntou:

— É mau o ato de o lobo matar o carneiro, ao fazer exatamente o que ele foi criado para fazer?

Tive que concordar com ele que não. Disse-me, então, que a cada três meses o corpo de uma jovem — geralmente, uma menina cristã — aparecia no leito de um rio próximo de sua casa, morta por meios visivelmente satânicos. E, no entanto, nenhuma providência séria era tomada a esse respeito. Ele me disse que as autoridades sabiam quem cometia esses crimes, mas não ousavam tocar nessas pessoas por estarem a par de quão poderosas eram elas. De fato, muitas das autoridades são satanistas secretos. E de que outra forma poderiam chegar à posição de autoridades?

— Encare a realidade, meu irmãozinho — disse-me Orion, com os olhos brilhando de uma lascívia carnal que tocou muito além do que seria razoável. — Lúcifer é o Deus deste mundo. Todo poder e autoridade são dele, para os dar e tomar. Até mesmo o Nazareno admitiu isso. Se você quiser poder ou dinheiro, tem que tratar disso com “o Dono” das riquezas e do poder!

Então ele arrotou, enchendo o ar da noite de um cheiro de cerveja. Era algo bastante ilógico estar falando com aquele ciclista semi-alfabetizado sobre questões tão profundas, vendo-o argumentar com uma malignidade tão inspirada. Ele me disse que tinha todo o dinheiro de que necessitava. Adrian o sustentava com milhares de dólares, depositados numa conta bancária que tinha em Wheaton.

— Você tem que parar de bancar o bobo com esse lixo da Wicca e começar a fazer a vontade do verdadeiro Senhor da Luz!

— disse-me, então. — Você precisa tocar na Fonte da Sabedoria Imaculada, uma sabedoria que não foi atingida pelas almas humanas. Você tem muito potencial para ser desperdiçado com esses trouxas! Eles estão, de qualquer modo, adorando Satanás, só que são inocentes demais para perceber isso!

Perguntei-lhe, então, o que esperava que eu fizesse.

Ele riu de mim, já fora de si pela bebida, mas, quando falou, suas palavras foram muito claras. uma chama escarlate escura começou a tremular por trás de seus óculos escuros — ou será que era apenas o reflexo dos faróis de carros distantes?

— Faça um pacto, irmãozinho. Prometa servi-lo, dando-lhe o seu corpo, a sua alma e o seu espírito para sempre, e tudo o que você quiser, terá!

Continuou ainda, dizendo:

— Por sete anos, você será escravo de Satanás. Ele tomará conta de você, com todo o cuidado. Depois desse tempo, nosso Mestre o matará e o levará para o inferno, para gozar uma eternidade de êxtase pleno. Se você for realmente um escravo dedicado, no entanto, talvez ele o deixe viver, para servi-lo por mais sete anos. Quem sabe? Isso aconteceu comigo Senti-me preso a um gélido horror. De algum modo, eu sabia que ia dar naquilo. Mas, mesmo assim, tive que perguntar-lhe:

— E o que você me diz de Jesus?

Orion sorriu, ou algo sorriu dentro dele.

— Você ainda não percebeu? Ele próprio teve que passar por isso. Isso acontece com todos para chegarem a Ipsissimus. Lembre-se do que ele disse: “Não seja a minha vontade, mas seja feita a tua vontade.” Com quem você acha que ele estava falando?

— Com o Pai — aventurei-me.

— Certo, mas o pai dele é Satanás! O livro deles até mesmo diz, em 2 Coríntios 4.4, que Satanás é o deus deste mundo. O próprio Nazareno disse, em João 12.31, que o nosso Mestre é o príncipe deste mundo. Você não vê?

Vendo-o citar a Bíblia para mim era ainda mais enervante do que a sua sagacidade sobrenatural. Disse-lhe que iria pensar seriamente no assunto, e esse estranho diálogo chegou ao fim, naquela noite.

Depois de ter ele saído, com aqueles seus dois acompanhantes tão diferentes entre si, analisei nosso diálogo com Sharon. Ela não gostara de Orion. Nem eu, para ser sincero. Ele jamais seria a minha escolha se tivesse que convidar alguém para lanchar.

Ela observou que, de fato, nosso trabalho na magia não nos havia proporcionado nenhuma prosperidade material. Eu estava ainda me desgastando num cansativo emprego que tinha, num ferro-velho, reciclando peças de motor feitas de alumínio, e ela trabalhava num hospital, fazendo de tudo para conseguir pagar nossas contas. Mas a idéia de se fazer um pacto a deixava um tanto intranquila. Insisti, porém, em que, se Crowley estava certo, então Satanás (ou Hórus, ou Lúcifer) seria de fato o verdadeiro Senhor desta era e deste Universo. Jesus o teve como regente, nos 2.000 anos da Era de Osíris.2 Se esse deus de vingança com cabeça de falcão é quem governava o Universo, fazia sentido estabelecer com ele um pacto fundamental.

Tudo dependia de decidir em que acreditaríamos: se na

Bíblia ou no Livro da Lei. A Bíblia tinha sido tão distorcida e pervertida em minha mente — por causa dos nove anos de interpretação ocultista e à “alta crítica da Bíblia” — que me era relativamente fácil ver como as Escrituras podiam perfeitamente estar de acordo com a obra de Crowley.

Então eu fiz o que sempre fizera quando confrontado com uma grande decisão espiritual. Fui até o mosteiro e celebrei uma missa para mim mesmo, a Missa do Espírito Santo. Esta missa é realizada, na tradição católica, com a intenção de dar uma forte direção espiritual ou força a quem esteja passando por um momento de necessidade ou de decisão. Eu estava me valendo de tudo o que podia!

Naquela missa, o padre Daniel, que estava comigo, acendeu todas as velas e regulou o órgão para tocar “fortíssimo” naquela hora. Ele cantou “Vem, Espírito Santo” valorosamente, em seu barítono solene, e mais uma vez fui tocado pela singeleza de sua piedade.

Voltei para casa e peguei meus estudos bíblicos sobre numerologia. Deparei-me com a passagem de Apocalipse 13, e meus olhos pousaram no versículo 18, o mais famoso desse livro: Aqui está a sabedoria. Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, pois é número de homem. Ora, esse número é seiscentos e sessenta e seis.

Comecei a somar os números na Cabala Grega,- cruzando os dados com os de outras passagens. De repente, mediante uma percepção que me veio, e que até hoje me deixa intrigado sobre como foi que aconteceu, “concluí” com uma ofuscante convicção, ao mesmo tempo horripilante e tranquilizadora, que Aleister Crowley era uma reencarnação de Jesus Cristo!

Eu não tinha tomado droga alguma (a não ser o vinho da eucaristia), mas perdi o equilíbrio e caí para trás, contra a parede.

O quarto, ao meu redor, desapareceu, e me senti banhado por uma luz tão intensa que parecia estar derretendo e fundindo o lóbulo frontal do meu cérebro. Caí de joelhos pelo poder do seu brilho, diáfano e fulgurante.

Não tenho a menor idéia de quanto tempo permaneci sob aquela cascata de fogo, que ardia em meus olhos, literalmente, como a chama de um maçarico de gás acetileno. Pareciam estar cheios de areia. Finalmente consegui voltar, cambaleando, para a minha cadeira, à medida que o quarto voltava ao normal.

Meu cérebro começou a trabalhar de novo, mas com uma estranha e sensível lucidez. Senti-me como se estivesse saindo da

ação de um ácido extremamente poderoso, e talvez isso fosse a

memória repentina de algo do passado. Dava até para sentir os

neurônios agitando-se em meu cérebro em fogo, como as velas

de ignição de um carro há muito tempo parado ao ser posto novamente em movimento.

Vejamos, se Crowley era Jesus, então, de acordo com a doutrina do ocultismo, Crowley teria de estar ainda mais evoluído agora, depois de cerca de 2.000 anos, em relação ao que ele era na pessoa de Cristo. Portanto, a doutrina thelêmica de Hórus (Satanás) devia ser a verdadeira doutrina cristã para a época atual!

Senti-me bastante aliviado! Não importava que não houvesse uma base bíblica para a minha percepção. Não importava que fugisse de tudo o que dizia o bom senso. Dentro de mim, sentia que a minha percepção era verdadeira, com um poder que me fizera cair de joelhos, tremendo de medo! Na verdade, era uma progressão lógica que a minha mente percorria para o engano, a gradual revelação da Luz de Lúcifer. Era o que realmente estava acontecendo.

Desse modo, estava dando uma nova largada em minha vida.

Telefonei para Orion e marcamos a cerimônia para a próxima lua nova. Compartilhei minha experiência com Sharon, e ela aceitou, mas com muita relutância. Não quis ir à cerimônia comigo, em parte porque não apreciava nada daquilo que Orion representava e, em parte, por causa de profundas apreensões que sentia quanto à situação.

Foi num ambiente dramático que fiz minha “profissão de fé” para o diabo. Fui levado com os olhos vendados a um enorme parque em alguma parte dos subúrbios de Chicago. Era um lugar cheio de esculturas e altares egípcios. Orion assegurou-me que aquela propriedade fora adquirida secretamente por satanistas e que ninguém nos ousaria incomodar.

Orion ficou por trás do altar de cimento, em forma trapezoidal, vestido com uma toga escarlate. Tirei um manto branco, que simbolizava minha inocência anterior, e ajoelhei-me diante dele declarando minha total lealdade a Satanás. Do processo, fazia parte a assinatura de um pacto com o meu próprio sangue, entregando meu corpo, minha alma e meu espírito a ele.

Orion invocou o poder de Lúcifer, e chamas de fogo surgiram sobre o altar. Meu “contrato” foi arremetido às chamas, sendo consumido instantaneamente, com uma lufada de fogo escarlate. Por fim, vestiram-me com uma veste preta de satanista e me foi dado um novo nome.

Como um gesto final de desafio, eu teria de pisar num crucifixo. Essa prova, que constava ter vindo da tradição dos Templários.

incomodava-me um pouco. Explicaram-me que era para mostrar desprezo por aquilo que o cristianismo acredita que a cruz simboliza, não um ato propriamente contra a crucificação de Jesus, que, a nosso ver, tinha contribuído para que ficássemos livres para servir melhor a Satanás.

No dia seguinte, voltei para Milwaukee, sentindo-me um tanto impuro. Falei sobre isso com Sharon, e ela sugeriu que eu celebrasse uma missa.

Tínhamos uma pequena capela particular num de nossos quartos, completa, com uma mesa e uma pedra de altar (esta, com uma relíquia de São Francisco), que o padre Daniel tinha gentilmente nos doado. Rezei, então, outra missa do Espírito Santo — em busca de alguma confirmação para o que eu estava fazendo — , mas encontrava-me totalmente despreparado para o que aconteceu!

No momento da consagração do vinho, assim que falei as palavras de costume, aconteceu com o vinho o que supostamente teria que sempre acontecer, mas nunca tinha acontecido: ele se transformou em sangue! Em sangue de verdade.

Fiquei, para dizer o mínimo, inteiramente perplexo! Tanto Sharon como o coroinha que estava ajudando a missa viram o cálice cheio de sangue! Sem saber o que fazer com ele, terminei a missa, mas tomei somente uma quantidade mínima possível do sangue, somente para concluir a liturgia. O restante coloquei num frasco de ouro especial, que tinha em meio aos meus objetos religiosos ortodoxos russos, destinado a levar o vinho sacramental para os enfermos.

Levei o frasco ao meu bispo, e ele fez com que o material fosse analisado no laboratório do hospital em que sua esposa, Peg, trabalhava. A análise deu como resultado sangue humano, mas um tipo de sangue hum ano totalmente desconhecido! Rapidamente, chegamos à conclusão de que somente poderia ser o sangue de Cristo!

Considerei o fato realmente um milagre e me voltei para o exercício do meu novo sistema de magia. Tínhamos missas negras em nossa capela, “batizando” vários dos feiticeiros dos nossos “covens” da Igreja de Satanás. Agora, eu teria que ganhar sete almas para ele. Em poucas semanas, consegui que três dos nossos bruxos assinassem pactos com o diabo em troca de maiores ganhos monetários ou sexuais ou mais poder na magia.

Comecei infelizmente a ter, em especial, grande prazer em corromper a inocência, ficando muito excitado com a sexta pessoa que recrutara, que tinha sido uma mulher católica muito devota, a própria alma da inocência e confiança! Eu estava me perdendo completamente, do ponto de vista moral, mas sentia-me meio de um vil e malicioso poder, que toldava meus sentimentos. Quando ela finalmente assinou o pacto, senti um triunfo blasfemo total! Pude vê-la tornando-se espiritualmente suja diante de meus olhos, como se uma sombra obscura e trêmula estivesse passando por todo o seu corpo e por sua face. Ri junto com ela no momento em que as luzes escuras de Lúcifer refletiram-se de seus olhos sobre mim. Foi um momento especialmente agradável porque, então, tive que cometer adultério com ela como arte do ritual. Muito mais do que sexo, tive prazer na experiência por

achar que, por intermédio dela, estaria ferindo o “falso Deus”, inimigo de Satanás!

O sétimo candidato foi fácil. Era um feiticeiro quase lunático, ansioso por assinar o pacto. Achava-se bastante envolvido com Lovecraft e com Satanás, e buscava apenas quem pudesse fazê-lo ingressar oficialmente nessa.

Depois disso, tive o direito de receber uma cópia de um documento satânico, A Grande Mãe, para aprender algumas das cerimônias ultra-secretas que me seriam necessárias para progredir.

Passei então a ir atrás de estudantes da Universidade Marquette, próxima de casa, para corrompê-los. (Só que eu pensava que não os estava corrompendo, mas, sim, iluminando-o!)

Valendo-me do meu próprio passado, descobri que os estudantes daquela universidade católica eram campos particularmente férteis para as sementes de Satanás. Num período relativamente curto em que me empenhei por conseguir convertidos a Satanás, consegui atrair vários dos estudantes ao culto satânico — todos, com exceção de apenas um, eram praticantes entusiastas do jogo de RPG Calabouços e Dragões.

Os adeptos da “alta crítica” da Bíblia tinham feito o seu trabalho muito bem na Universidade Marquette. Aqueles pobres jovens não sabiam mais no que crer e sentiam muita fome espiritual. Que Deus me perdoe, pois fui eu quem acabou levando a eles o pão envenenado que o diabo amassou para “alimentá-los”.