Procurava obter uma resposta de quem eu pensava ser Deus. No
auge da minha procura, recebi pelo correio um grande envelope de papel manilha,
que aparentemente era uma resposta à minha busca por um presságio ou sinal.
Dentro dele, encontrei um jornal de um grupo ocultista chamado A Ordem do
Carneiro Negro. Era muito bem diagramado, e isso me despertou a curiosidade.
Era um grupo satanista que crescia rapidamente em número, que considerava LaVey
um vigarista que estava levando Satanás e o satanismo a adquirirem mau nome.
Referiam-se aos companheiros de LaVey como sendo “satanistas
bufões” e falavam da necessidade de se adotar um Satanismo mais sério. A
qualidade dos textos e a apresentação editorial estavam bem acima da maioria dos
boletins editados pelos movimentos do ocultismo. Não havia nem mesmo
incorreções na grafita das palavras!
coisa, foi um artigo cujo autor era: “Orion: Ipsissimus,
Sumo Sacerdote e Rei da Estrela da Manhã”. O nível de Ipsissimus (que significa
“O Próprio Eu no Máximo do Seu Ego”) é o nível mais elevado de toda a magia. É
o décimo grau, e significa que a pessoa literalmente se tornou um deus
encarnado.
Para alguém se proclamar um Ipsissimus ou é um insano ou é,
de fato, um mestre. O artigo que li era ainda mais interessante do que a
própria declaração do autor. Era muito bem escrito e abordava a história da
guerra entre Deus e o diabo do ponto de vista de Satanás.
O artigo dava a entender que Lúcifer tinha deixado Deus
vencer por motivos ocultos. Dizia haver um pacto secreto entre Deus e Lúcifer,
pelo qual estariam fingindo ser inimigos, para dar aos seres criados, que
estavam sob a ação deles, a possibilidade de escolha. Nesse contexto, o inferno
não era um lugar de castigo, mas um lugar para onde iriam aqueles que eram
rebeldes, ió6 individualistas e artistas.
O céu era para os tranquilos, do tipo dos que nada fazem —
de personalidade reprimida, que consideram como um grande divertimento coisas
tais como um piquenique de igreja ou um joguinho de tiro ao alvo num parque de
diversões. O inferno era um lugar de grande desafio e agitação, com música
rock, sexo sem parar, drogas e total liberdade de expressão artística.
Todo esse arranjo foi feito porque Deus não queria que seus
cidadãos celestiais se aborrecessem com os rebeldes. Precisava de um lugar para
colocá-los e de um motivo justo para fazer isso. Desse modo, o diabo e o
inferno foram criados como treinamento de recrutas para se tornarem deuses.
Algo sacudiu o meu interior. Isso explicava muitas questões filosóficas,
que todos têm, sobre a natureza do mal e do livre-arbítrio! Fiquei realmente
muito impressionado, e, imediatamente, escrevi a esse tal de Orion não é este o
seu nome verdadeiro), dizendo-lhe exatamente isso.
Será que o que ele dizia era a resposta às minhas orações?
Poderia eu servir tanto a Jesus como a Lúcifer? Então, eu
estava enganado ... e isso era exatamente a resposta que esperava!
Aparentemente, no que se refere a Satanás, aquilo que você pede é o que você
recebe! Fazia sentido. Eu poderia ser um pastor, para os pios católicos,
levando-os aos portões de pérolas do céu! E aos anárquicos feiticeiros de
nossos grupos, poderia oferecer um êxtase intenso no reino de Satanás.
A carta que recebi desse tal Orion em resposta foi um pouco
estranha. Veio junto com um boletim, também escrito por ele, que era um tanto
lúgubre. A capa mostrava o Bode de Mendez à frente de uma orgia de pessoas
nuas, em prazer umas com as outras. No seu interior, havia artigos sobre a
perspectiva de Lúcifer sobre as coisas, cada um mais intrigante que o outro.
Havia também uma denúncia à magia branca. O jornal declarava ser a máxima fonte
do satanismo de primeira linha.
A carta estava escrita com uma grafia de garranchos, do tipo
infantil, em tinta preta, num papel escarlate de alta qualidade, com uma
exagerada figura de cabeça de bode satânico impressa no seu cabeçalho.
Expressava uma ironia reles, dizendo que tínhamos que marcar um encontro, uma
vez que Orion morava em Wheaton, Illinois. Era assinada por Orion — Ipsissimus,
Sumo Sacerdote e Rei da Estrela da Manhã.
Minha reação imediata foi observar que a grafia de Orion não
era sua melhor qualidade, e que deveria investir numa máquina de escrever ou
numa secretária. Na verdade, parecia a escrita de alguém destro usando a mão
esquerda! Por outro lado, porém, a filosofia dele era intrigante. Talvez fosse
por ali que eu devesse seguir.
Ele me pediu uma foto, e então enviei-lhe uma fotografia em
que eu usava as vestes de bispo católico, mas portando um medalhão satânico que
mostrava uma enorme espada, que recebera de LaVey. Ele, por sua vez, me enviou
uma foto sua que o estrava vestido com um manto escarlate com capuz que
escondia tudo, exceto seu cavanhaque e sua mão esquerda erguida com o sinal dos
chifres, a tradicional saudação dos satanistas por todo o mundo.
Ficou apenas pendente o nosso encontro. Ele sugeriu vir
encontrar-se com o nosso grupo, que estava envolvido “nas trevas”, conforme
disse. Assim, certo dia ele veio de carro, e chegou com três horas de atraso.
De certo modo, não correspondeu às nossas expectativas!
Era um sujeito baixinho e magro e vestia-se como um
ciclista, com um chapéu de feltro de cor marrom, um tanto desgastado, que mais
se parecia com algo que o Indiana Jones tinha jogado fora.
Com ele, veio seu motorista, um jovem robusto, de poucas
palavras, portando uma camiseta de grife, acompanhado de uma jovem loura, que
quase nada falou o tempo todo. Sua principal função parecia ser a de ficar
constantemente com os olhos fixos em Orion, em venerável adoração.
Orion era até simpático, em sua maneira maliciosa de ser,
embora sua fisionomia e seu comportamento fossem do tipo que tudo investiga em
detalhes. Obviamente, não havia frequentado nenhuma escola complementar, nem alguns
elementares. Seria realmente ele quem teria produzido todos aqueles pensamentos
tão profundos?
Conosco estavam quatro feiticeiros de nossos “covens” que
haviam se envolvido intensamente com Crowley e não receavam estar diante de um
“satanista de verdade”. Sentamo-nos em círculo por algum tempo, conversando,
mas então, pouco a pouco, nossos feiticeiros foram ficando mais à vontade. Tal
como Aquarius, meu último “mentor”, Orion gostava de consumir bebidas
alcoólicas em demasia, mas o veneno líquido de sua preferência era a cerveja,
Quanto mais bebia, mais eloquente ficava, ao falar de sua
participação na confraria satânica.
Disse ter perdido os pais em sua primeira infância, tendo
sido criado por um padrasto envolvido com a maçonaria. Quando ainda bem jovem,
fugiu de casa e foi para a Califórnia, capital satânica dos Estados Unidos. Ali
procurou a Igreja de Satanás, mas achou a fraca demais. Envolveu-se então com
ciclistas satanistas e, durante algum tempo, percorreu toda a costa da
Califórnia com o grupo satânico Hells Angels [Anjos do Inferno] dilacerando
gatos e mulheres e promovendo o mal. Ele me mostrou seus braços, cheios de
tatuagens de demônios, cabeças e caveiras.
Então me disse, num tom de voz bem baixo, da existência de
um centro de controle, um Pentágono ou Comando de Defesa do poderio satânico,
nas proximidades de Los Angeles. Seu chefe supremo, um sujeito que adotara o
codinome de “Adrian”, o tinha tomado sob seus cuidados. Esse homem era tão rico
e poderoso que ninguém do sul da Califórnia e Hollywood ousaria interpor-se em
seu caminho.
Orion me contou que o ator e diretor de cinema Roman
Polanski ousara fazer um filme (O Bebê de Rosemary) que continha uma simples
alusão à existência de Adrian, e veja só o que havia acontecido à sua família
(como se sabe, a esposa de Polanski, a atriz Sharon Tate, e vários amigos seus
foram massacrados por uma quadrilha satânica, de Charles Manson).
Com um olhar tenebroso, Orion me disse que conhecia Manson
pessoalmente e que, por algum tempo, pertencera ao grupo que havia iniciado
Manson na magia, a “Igreja do Processo do Juízo Final”.
Adrian, ao que parece, vira em Orion o cumprimento de uma
profecia satânica e, com rituais de magia, adotou-o como filho.
Isso foi feito na encosta de uma colina, num ambiente
cercado de relâmpagos, ao mesmo tempo em que três moças virgens eram
crucificadas de cabeça para baixo, para aumentar o poder.
Ele me olhou atentamente, para ver se eu ficara chocado com
essa informação (eu fiquei, sim, mas não deixei transparecer). E parece ter
ficado satisfeito por eu não ter olhado para ele horrorizado. Explicou-me que
nos graus mais elevados de magia, para se ter poder, o derramamento de sangue é
essencial. Nos graus inferiores, um gato ou um hamster, por exemplo, são
suficientes, mas a Alta Magia exige que sangue humano seja derramado sobre o
chão.
— Bom até a última gota! — ele riu com sarcasmo. — Foi por
isso que Lúcifer teve que matar Jesus, para libertar a humanidade— Orion me
informou com conhecimento.
Por causa desse ato, disse-me ele, as pessoas passaram a ser
livres para irem para o céu ou para o inferno, antes disso éramos todos
forçados a ir para o céu, um lugar terrivelmente enfadonho!
Informou-me, ainda, que o cristianismo fora criado por
Satanás como uma contrapartida de simbiose com o satanismo.
— Os cristãos são as ovelhas, e nós somos os lobos — disse.
— Para os cristãos, o ato mais sagrado que podem realizar é
morrer pela fé, como mártires. Vão, então, diretamente para o céu. Para o
satanista, o ato mais sagrado que se pode fazer é assassinar um cristão; de
preferência, jovem e virgem!
Assegurou-me que isso invalidava toda “conversa mole”
escrita sobre o diabo.
Se o diabo realmente quisesse almas, argumentou, por que
faria com que seus seguidores matassem virgens e bebês, quando esses são os
únicos que certamente vão diretamente para o céu? Se a intenção do diabo fosse
roubar almas de Deus, não seria mais lógico matar pecadores, velhos, não
arrependidos?
Tive de admitir que sim. Era estranho, mas, à medida que eu
ouvia Orion falando, observava sua personalidade se desvanecendo, e algo
escuro, bruto, complexo e incrivelmente poderoso ia surgindo nele. Era muito
mais do que o simples efeito da cerveja.
Ele começava a falar com uma inteligência sobrenatural.
Orion, sem dúvida, estava possesso, e eu quis, então,
entender o ser que estava falando por meio dele! Senti mais poder emanando dele
do que jamais poderia imaginar. O que estava
dentro de Orion sabia que eu queria obter conhecimento e
sabedoria, mais do que qualquer outra coisa, e isso me atraía
pelo valor que representava.
Estava, porém, chocado com a possibilidade de ter um dia que
lidar com sacrifício humano. Isso ia contra tudo o que eu sempre acreditara em
minha vida. Mas muito do que agora eu acreditava era contrário ao que tinha
acreditado antes! Lembrava-me ainda de que fora derramado sangue na minha
iniciação na feitiçaria: meu próprio sangue! Sabia também que, segundo os
costumes da Wicca, havia ocasiões especiais em que os próprios bruxos se
ofereciam como sacrifícios voluntários para uma causa maior.
Isso provavelmente acontecera no tempo da Armada Espanhola,
quando a Inglaterra se encontrava em perigo de ser invadida, assim como durante
a batalha da Bretanha, na Segunda Guerra Mundial.
As afirmações de Orion davam um estranho sentido ao universo
distorcido de estilo Crowley que eu havia construído para mim mesmo. Orion
dizia que cristãos e satanistas eram feitos uns para os outros, tal como
ovelhas e lobos. Que muitos cristãos não teriam outro propósito a não ser
oferecer a sua vida num altar a Satanás! Se não fosse assim, como é que o
cristianismo poderia ter permanecido por tanto tempo? E me perguntou:
— É mau o ato de o lobo matar o carneiro, ao fazer
exatamente o que ele foi criado para fazer?
Tive que concordar com ele que não. Disse-me, então, que a
cada três meses o corpo de uma jovem — geralmente, uma menina cristã — aparecia
no leito de um rio próximo de sua casa, morta por meios visivelmente satânicos.
E, no entanto, nenhuma providência séria era tomada a esse respeito. Ele me
disse que as autoridades sabiam quem cometia esses crimes, mas não ousavam
tocar nessas pessoas por estarem a par de quão poderosas eram elas. De fato,
muitas das autoridades são satanistas secretos. E de que outra forma poderiam
chegar à posição de autoridades?
— Encare a realidade, meu irmãozinho — disse-me Orion, com
os olhos brilhando de uma lascívia carnal que tocou muito além do que seria
razoável. — Lúcifer é o Deus deste mundo. Todo poder e autoridade são dele,
para os dar e tomar. Até mesmo o Nazareno admitiu isso. Se você quiser poder ou
dinheiro, tem que tratar disso com “o Dono” das riquezas e do poder!
Então ele arrotou, enchendo o ar da noite de um cheiro de
cerveja. Era algo bastante ilógico estar falando com aquele ciclista semi-alfabetizado
sobre questões tão profundas, vendo-o argumentar com uma malignidade tão
inspirada. Ele me disse que tinha todo o dinheiro de que necessitava. Adrian o
sustentava com milhares de dólares, depositados numa conta bancária que tinha
em Wheaton.
— Você tem que parar de bancar o bobo com esse lixo da Wicca
e começar a fazer a vontade do verdadeiro Senhor da Luz!
— disse-me, então. — Você precisa tocar na Fonte da
Sabedoria Imaculada, uma sabedoria que não foi atingida pelas almas humanas.
Você tem muito potencial para ser desperdiçado com esses trouxas! Eles estão,
de qualquer modo, adorando Satanás, só que são inocentes demais para perceber
isso!
Perguntei-lhe, então, o que esperava que eu fizesse.
Ele riu de mim, já fora de si pela bebida, mas, quando
falou, suas palavras foram muito claras. uma chama escarlate escura começou a
tremular por trás de seus óculos escuros — ou será que era apenas o reflexo dos
faróis de carros distantes?
— Faça um pacto, irmãozinho. Prometa servi-lo, dando-lhe o
seu corpo, a sua alma e o seu espírito para sempre, e tudo o que você quiser,
terá!
Continuou ainda, dizendo:
— Por sete anos, você será escravo de Satanás. Ele tomará
conta de você, com todo o cuidado. Depois desse tempo, nosso Mestre o matará e
o levará para o inferno, para gozar uma eternidade de êxtase pleno. Se você for
realmente um escravo dedicado, no entanto, talvez ele o deixe viver, para
servi-lo por mais sete anos. Quem sabe? Isso aconteceu comigo Senti-me preso a
um gélido horror. De algum modo, eu sabia que ia dar naquilo. Mas, mesmo assim,
tive que perguntar-lhe:
— E o que você me diz de Jesus?
Orion sorriu, ou algo sorriu dentro dele.
— Você ainda não percebeu? Ele próprio teve que passar por
isso. Isso acontece com todos para chegarem a Ipsissimus. Lembre-se do que ele
disse: “Não seja a minha vontade, mas seja feita a tua vontade.” Com quem você
acha que ele estava falando?
— Com o Pai — aventurei-me.
— Certo, mas o pai dele é Satanás! O livro deles até mesmo
diz, em 2 Coríntios 4.4, que Satanás é o deus deste mundo. O próprio Nazareno
disse, em João 12.31, que o nosso Mestre é o príncipe deste mundo. Você não vê?
Vendo-o citar a Bíblia para mim era ainda mais enervante do
que a sua sagacidade sobrenatural. Disse-lhe que iria pensar seriamente no
assunto, e esse estranho diálogo chegou ao fim, naquela noite.
Depois de ter ele saído, com aqueles seus dois acompanhantes
tão diferentes entre si, analisei nosso diálogo com Sharon. Ela não gostara de
Orion. Nem eu, para ser sincero. Ele jamais seria a minha escolha se tivesse
que convidar alguém para lanchar.
Ela observou que, de fato, nosso trabalho na magia não nos
havia proporcionado nenhuma prosperidade material. Eu estava ainda me
desgastando num cansativo emprego que tinha, num ferro-velho, reciclando peças
de motor feitas de alumínio, e ela trabalhava num hospital, fazendo de tudo
para conseguir pagar nossas contas. Mas a idéia de se fazer um pacto a deixava
um tanto intranquila. Insisti, porém, em que, se Crowley estava certo, então
Satanás (ou Hórus, ou Lúcifer) seria de fato o verdadeiro Senhor desta era e
deste Universo. Jesus o teve como regente, nos 2.000 anos da Era de Osíris.2 Se
esse deus de vingança com cabeça de falcão é quem governava o Universo, fazia
sentido estabelecer com ele um pacto fundamental.
Tudo dependia de decidir em que acreditaríamos: se na
Bíblia ou no Livro da Lei. A Bíblia tinha sido tão
distorcida e pervertida em minha mente — por causa dos nove anos de
interpretação ocultista e à “alta crítica da Bíblia” — que me era relativamente
fácil ver como as Escrituras podiam perfeitamente estar de acordo com a obra de
Crowley.
Então eu fiz o que sempre fizera quando confrontado com uma
grande decisão espiritual. Fui até o mosteiro e celebrei uma missa para mim
mesmo, a Missa do Espírito Santo. Esta missa é realizada, na tradição católica,
com a intenção de dar uma forte direção espiritual ou força a quem esteja
passando por um momento de necessidade ou de decisão. Eu estava me valendo de
tudo o que podia!
Naquela missa, o padre Daniel, que estava comigo, acendeu
todas as velas e regulou o órgão para tocar “fortíssimo” naquela hora. Ele
cantou “Vem, Espírito Santo” valorosamente, em seu barítono solene, e mais uma
vez fui tocado pela singeleza de sua piedade.
Voltei para casa e peguei meus estudos bíblicos sobre
numerologia. Deparei-me com a passagem de Apocalipse 13, e meus olhos pousaram
no versículo 18, o mais famoso desse livro: Aqui está a sabedoria. Aquele que
tem entendimento calcule o número da besta, pois é número de homem. Ora, esse
número é seiscentos e sessenta e seis.
Comecei a somar os números na Cabala Grega,- cruzando os
dados com os de outras passagens. De repente, mediante uma percepção que me
veio, e que até hoje me deixa intrigado sobre como foi que aconteceu, “concluí”
com uma ofuscante convicção, ao mesmo tempo horripilante e tranquilizadora, que
Aleister Crowley era uma reencarnação de Jesus Cristo!
Eu não tinha tomado droga alguma (a não ser o vinho da
eucaristia), mas perdi o equilíbrio e caí para trás, contra a parede.
O quarto, ao meu redor, desapareceu, e me senti banhado por
uma luz tão intensa que parecia estar derretendo e fundindo o lóbulo frontal do
meu cérebro. Caí de joelhos pelo poder do seu brilho, diáfano e fulgurante.
Não tenho a menor idéia de quanto tempo permaneci sob aquela
cascata de fogo, que ardia em meus olhos, literalmente, como a chama de um
maçarico de gás acetileno. Pareciam estar cheios de areia. Finalmente consegui
voltar, cambaleando, para a minha cadeira, à medida que o quarto voltava ao
normal.
Meu cérebro começou a trabalhar de novo, mas com uma
estranha e sensível lucidez. Senti-me como se estivesse saindo da
ação de um ácido extremamente poderoso, e talvez isso fosse
a
memória repentina de algo do passado. Dava até para sentir
os
neurônios agitando-se em meu cérebro em fogo, como as velas
de ignição de um carro há muito tempo parado ao ser posto
novamente em movimento.
Vejamos, se Crowley era Jesus, então, de acordo com a
doutrina do ocultismo, Crowley teria de estar ainda mais evoluído agora, depois
de cerca de 2.000 anos, em relação ao que ele era na pessoa de Cristo.
Portanto, a doutrina thelêmica de Hórus (Satanás) devia ser a verdadeira
doutrina cristã para a época atual!
Senti-me bastante aliviado! Não importava que não houvesse
uma base bíblica para a minha percepção. Não importava que fugisse de tudo o
que dizia o bom senso. Dentro de mim, sentia que a minha percepção era
verdadeira, com um poder que me fizera cair de joelhos, tremendo de medo! Na
verdade, era uma progressão lógica que a minha mente percorria para o engano, a
gradual revelação da Luz de Lúcifer. Era o que realmente estava acontecendo.
Desse modo, estava dando uma nova largada em minha vida.
Telefonei para Orion e marcamos a cerimônia para a próxima
lua nova. Compartilhei minha experiência com Sharon, e ela aceitou, mas com
muita relutância. Não quis ir à cerimônia comigo, em parte porque não apreciava
nada daquilo que Orion representava e, em parte, por causa de profundas
apreensões que sentia quanto à situação.
Foi num ambiente dramático que fiz minha “profissão de fé”
para o diabo. Fui levado com os olhos vendados a um enorme parque em alguma
parte dos subúrbios de Chicago. Era um lugar cheio de esculturas e altares
egípcios. Orion assegurou-me que aquela propriedade fora adquirida secretamente
por satanistas e que ninguém nos ousaria incomodar.
Orion ficou por trás do altar de cimento, em forma
trapezoidal, vestido com uma toga escarlate. Tirei um manto branco, que
simbolizava minha inocência anterior, e ajoelhei-me diante dele declarando
minha total lealdade a Satanás. Do processo, fazia parte a assinatura de um
pacto com o meu próprio sangue, entregando meu corpo, minha alma e meu espírito
a ele.
Orion invocou o poder de Lúcifer, e chamas de fogo surgiram
sobre o altar. Meu “contrato” foi arremetido às chamas, sendo consumido
instantaneamente, com uma lufada de fogo escarlate. Por fim, vestiram-me com
uma veste preta de satanista e me foi dado um novo nome.
Como um gesto final de desafio, eu teria de pisar num crucifixo.
Essa prova, que constava ter vindo da tradição dos Templários.
incomodava-me um pouco. Explicaram-me que era para mostrar
desprezo por aquilo que o cristianismo acredita que a cruz simboliza, não um
ato propriamente contra a crucificação de Jesus, que, a nosso ver, tinha
contribuído para que ficássemos livres para servir melhor a Satanás.
No dia seguinte, voltei para Milwaukee, sentindo-me um tanto
impuro. Falei sobre isso com Sharon, e ela sugeriu que eu celebrasse uma missa.
Tínhamos uma pequena capela particular num de nossos
quartos, completa, com uma mesa e uma pedra de altar (esta, com uma relíquia de
São Francisco), que o padre Daniel tinha gentilmente nos doado. Rezei, então,
outra missa do Espírito Santo — em busca de alguma confirmação para o que eu
estava fazendo — , mas encontrava-me totalmente despreparado para o que
aconteceu!
No momento da consagração do vinho, assim que falei as
palavras de costume, aconteceu com o vinho o que supostamente teria que sempre acontecer,
mas nunca tinha acontecido: ele se transformou em sangue! Em sangue de verdade.
Fiquei, para dizer o mínimo, inteiramente perplexo! Tanto
Sharon como o coroinha que estava ajudando a missa viram o cálice cheio de
sangue! Sem saber o que fazer com ele, terminei a missa, mas tomei somente uma
quantidade mínima possível do sangue, somente para concluir a liturgia. O
restante coloquei num frasco de ouro especial, que tinha em meio aos meus
objetos religiosos ortodoxos russos, destinado a levar o vinho sacramental para
os enfermos.
Levei o frasco ao meu bispo, e ele fez com que o material
fosse analisado no laboratório do hospital em que sua esposa, Peg, trabalhava.
A análise deu como resultado sangue humano, mas um tipo de sangue hum ano
totalmente desconhecido! Rapidamente, chegamos à conclusão de que somente
poderia ser o sangue de Cristo!
Considerei o fato realmente um milagre e me voltei para o
exercício do meu novo sistema de magia. Tínhamos missas negras em nossa capela,
“batizando” vários dos feiticeiros dos nossos “covens” da Igreja de Satanás.
Agora, eu teria que ganhar sete almas para ele. Em poucas semanas, consegui que
três dos nossos bruxos assinassem pactos com o diabo em troca de maiores ganhos
monetários ou sexuais ou mais poder na magia.
Comecei infelizmente a ter, em especial, grande prazer em
corromper a inocência, ficando muito excitado com a sexta pessoa que recrutara,
que tinha sido uma mulher católica muito devota, a própria alma da inocência e
confiança! Eu estava me perdendo completamente, do ponto de vista moral, mas
sentia-me meio de um vil e malicioso poder, que toldava meus sentimentos.
Quando ela finalmente assinou o pacto, senti um triunfo blasfemo total! Pude
vê-la tornando-se espiritualmente suja diante de meus olhos, como se uma sombra
obscura e trêmula estivesse passando por todo o seu corpo e por sua face. Ri
junto com ela no momento em que as luzes escuras de Lúcifer refletiram-se de
seus olhos sobre mim. Foi um momento especialmente agradável porque, então,
tive que cometer adultério com ela como arte do ritual. Muito mais do que sexo,
tive prazer na experiência por
achar que, por intermédio dela, estaria ferindo o “falso
Deus”, inimigo de Satanás!
O sétimo candidato foi fácil. Era um feiticeiro quase
lunático, ansioso por assinar o pacto. Achava-se bastante envolvido com
Lovecraft e com Satanás, e buscava apenas quem pudesse fazê-lo ingressar
oficialmente nessa.
Depois disso, tive o direito de receber uma cópia de um
documento satânico, A Grande Mãe, para aprender algumas das cerimônias
ultra-secretas que me seriam necessárias para progredir.
Passei então a ir atrás de estudantes da Universidade
Marquette, próxima de casa, para corrompê-los. (Só que eu pensava que não os
estava corrompendo, mas, sim, iluminando-o!)
Valendo-me do meu próprio passado, descobri que os
estudantes daquela universidade católica eram campos particularmente férteis
para as sementes de Satanás. Num período relativamente curto em que me empenhei
por conseguir convertidos a Satanás, consegui atrair vários dos estudantes ao
culto satânico — todos, com exceção de apenas um, eram praticantes entusiastas
do jogo de RPG Calabouços e Dragões.
Os adeptos da “alta crítica” da Bíblia tinham feito o seu trabalho muito bem na Universidade Marquette. Aqueles pobres jovens não sabiam mais no que crer e sentiam muita fome espiritual. Que Deus me perdoe, pois fui eu quem acabou levando a eles o pão envenenado que o diabo amassou para “alimentá-los”.