Nas entranhas da besta
Voltando ao relato do meu “progresso” dentro da confraria
satânica, com o passar dos anos a constituição dos “covens” também foi sofrendo
alterações. Muitos dos alunos mudaram-se para outros estados, e alguns
casamentos e relacionamentos se deterioraram rapidamente.
Tínhamos ainda uma razoável base de fiéis seguidores que
eram a “prata da casa”. Assim, contávamos com pessoas no terceiro grau em
número suficiente para ministrarem os estudos de magia avançada, preparatórios
para o quarto grau.
Para essas classes, muito nos valemos da nossa associação
com a O.T.O. Tanto Sharon como eu éramos membros do quinto grau daquele grupo,
e começamos a dar treinamento para os nossos sumo sacerdotes em práticas
avançadas, tais como magia de Crowley, ciências herméticas, magia gnóstica e
maçonaria.
É importante compreender que Aleister Crowley havia
convencido finalmente o dirigente da O.T.O., Theodore Reuss, de que a era
crista tinha sido superada e que um Novo Eon começara em 1904, sob o reinado do
Filho Divino — Hórus (um deus egípcio com cabeça de falcão). Afirmava que a
religião da Nova Era era baseada na palavra grega Thelema, que significa
“vontade”. Ensinava também que a “superada” fé crista baseava-se numa outra
palavra grega, Ágape, cujo significado é o de um amor espiritual, não egoísta.
Crowley, com a ajuda de sua primeira esposa, Rose Kelly,
supostamente foi o portador de uma mensagem dada por um ser “sobrehumano” (um
espírito guia) chamado Aiwass (pronuncia-se “ai-Uás”). Seu livro, LiberAl
velLegis [O Livro da Lei], passou a ser considerado pelos seguidores de Crowley
como o livro que veio substituir todas as outras escrituras, inclusive a Bíblia
Sagrada.
Observa-se que Crowley subordina o princípio cristão do amor
Ágape (o amor não egoísta) ao princípio gnóstico da Thelema (vontade). Ele
convenceu o cabeça da O.T.O. quanto à validade dessa nova religião, e Reuss fez
do ramo da O.T.O. na Inglaterra, dirigido por Crowley, a primeira ordem
“thelêmica” do mundo. Desse modo, Crowley recebeu o pretensioso título maçônico
de “Supremo e Mais Sagrado Rei da Grã-Bretanha, Irlanda, lona e todas as ilhas
que estão no Santuário da Gnose”.
Sharon e eu, e o principal núcleo dos sumos sacerdotes do
nosso grupo, nos considerávamos thelemitas, acreditando na religião de Crowley
como sendo a evolução lógica do cristianismo no século 20. E, como membros da
O.T.O., ensinávamos aos nossos alunos em estágio avançado a forma de magia
praticada por Crowley.
Em nossa associação com a O.T.O., fomos a um suposto Mestre
de Vama Marg— um caminho à esquerda, ou seja, de ocultismo tântrico, sendo a
Tantra, a ioga do sexo. Os termos “caminho à direita e à esquerda” originam-se
do ocultismo, procedendo da índia a ioga tântrica, a ioga da magia sexual.
O caminho à direita é tido como masculino (ou Yang, em
Chinês) e geralmente considerado como bom por todos os ocultistas. Assim, a Tantra
da direita é predominantemente masculina, envolvendo formas de castidade. Seu
ponto principal é também a deliberada contenção da consumação do ato sexual por
parte do homem, o que é chamado de maithuna. Acreditam que isso contribui para
adquirir união (ioga) com o deus Shiva e com a deusa Shakti.
O caminho da esquerda é predominantemente feminino (Yin),
sendo considerado mau por alguns ocultistas, exceto pelos bruxos e satanistas,
que consideram tais distinções como
cristãs e sexistas. A Tantra da esquerda permite a
consumação total do ato sexual pelo homem fazendo uso de outros métodos
extremamente perversos para, supostamente, alcançar os mesmos objetivos da
ioga.
Acredita-se que, por meio de certos exercícios e treinamento
73 de ordem sexual, pode se alcançar a imortalidade humana, e que alguns canais
do corpo humano podem ser desenvolvidos como portas de entrada para outras
dimensões do tempo e do espaço.
A ioga tântrica é considerada blasfema e maligna pela
maioria dos praticantes da ioga, mas desde o surgimento de Crowley está sendo
ensinada no Ocidente.
O “Mestre” com quem iríamos nos relacionar era ao que
supúnhamos, verdadeiro pioneiro no desenvolvimento da tecnologia mágica que
tinha a ver com a Tantra da esquerda. Vamos chamá-lo de Aquarius. Ele era, por
certo, o homem mais esquisito que eu já conheci e, possivelmente, o mais
perigoso. Aquarius foi grandemente recomendado pelo Chefe Exterior da O.T.O.
(algo assim como o seu papa), de modo que fomos assistir a um de seus
seminários em Chicago. Não era como o havíamos imaginado. Era um sujeito bem
forte, meio calvo, de estatura mediana, com uma barba preta e branca bem
cerrada e olhos bastante expressivos.
Sua palestra foi sobre a Arquitetura da Magia e sobre a
teoria da Arqueometria Transespacial. Ele era, usando uma expressão popular,
“da pesada”. Aprendi com ele, naquelas duas horas, mais do que tinha aprendido
em cinco anos de um intensivo estudo do ocultismo, acho eu. Simpatizou comigo,
mas Sharon não gostou nada dele! Durante os intervalos das várias palestras,
ele me procurou. Disse que queria me matricular no Mosteiro dos Sete Raios, a
fim de me tornar o arcebispo de Milwaukee.
Naturalmente que a minha atenção voltou-se para isso.
Aquarius era o arcebispo metropolitano da América do Norte
da Igreja Católica Gnóstica. Era também o Mestre do Rito da Maçonaria Egípcia
(Mênfis-Mitzraim) e um hierofante do vodu!
Disse-lhe que eu era sacerdote da Igreja Católica Antiga, e
ele ficou mais impressionado ainda comigo. Explicou-me que os católicos
gnósticos tinham vindo da França para a América via Haiti e que a sucessão
apostólica deles vinha do arcebispo de Babilônia; já no caso da Igreja Católica
Antiga, essa sucessão provinha de Utrecht.
A doutrina de Aquarius era tão complexa que seria necessário
um livro inteiro para abordá-la. Grande parte era semelhante aos ensinos da
O.T.O.; às crenças tântricas (sexo, normal e pervertido, como um ato de
adoração e de união com Deus); ao anglo-catolicismo, à Maçonaria e ao vodu.
Basta dizer que eu aprendi com ele muito mais sobre magia negra do que tudo o
que eu já tinha aprendido da maioria dos outros mestres da feitiçaria e do
ocultismo juntos.
Convidou-me a ir visitá-lo e passar o fim de semana em seu
apartamento, que tinha uma bela vista do lago Michigan. Aceitei. Sharon, porém,
não ficou muito satisfeita com isso! Mas, por fim, eu disse a ela:
— Para crescer no conhecimento da magia e do poder, eu
sempre quis fazer tudo o que fosse necessário.
Ela sabia disso; e era exatamente isso que não lhe agradava.
Viagem de Trem a o “Universo B"
Semanas depois, tomei um trem para Chicago, a fim de passar
o fim de semana com Aquarius. Sharon disse-me que iria rezar por mim e estaria
fazendo rituais de proteção a cada minuto, em todo o tempo da minha ausência.
Ela me amava e confiava em mim o suficiente para me deixar viajar, mas estava
bastante preocupada quanto ao perigo que aquele homem poderia representar.
Aquarius veio buscar-me na estação ferroviária, e tomamos um
ônibus para chegarmos até sua residência. Ele não tinha carro e recusava-se a
dirigir em Chicago, o que me fez pensar que era
bem mais inteligente do que eu havia suposto.
Seu apartamento era ímpar; ficava no trigésimo andar de um
prédio bem alto e moderno e era totalmente extravagante. Sua decoração era a
mistura de uma mansão de Playboy, H. P. Lovecraft, Igreja Ortodoxa Russa e
hinduísmo.
Dominando a sala de estar havia uma enorme mesa coberta com
um brocado de cetim. Explicou-me que ali era o altar de sua celebração da
Liturgia Divina, tendo ainda um pano de altar litúrgico grego, um brocado com
relíquias de um santo tecidas sobre ele. Debaixo achava-se o que me disse ser
uma “relíquia santa”
ainda mais importante, alguns metros de um tecido de algodão
que tinha sido da casa de Madame Blavatsky, a matriarca do movimento da Nova
Era, fundadora da Sociedade Teosófica.
As paredes estavam literalmente cheias de uma arte muito
estranha, como eu nunca tinha visto. Aquarius sorriu chamando-a de “pornografia
pré-cambriana”. Eu não tinha razão alguma para duvidar do que ele dizia. Era de
um aspecto rude, primitivo, como se fora uma pintura a dedo feita por um
predador sexual demente.
Havia ainda figuras mais convencionais, como de deuses,
demônios, extraterrestres e shaktis2 com quem ele trabalhava. Outras eram de
furiosos dervixes [religiosos muçulmanos] rodopiando com um ar totalmente
misterioso.
Aquarius me disse acreditar firmemente nos princípios da
engenharia mágica, ensinados pela Igreja Ortodoxa Russa. Eram como ícones,
explicou. Cada um representava um deus ou demônio ou poder e tudo o que se
tinha de fazer para invocar a força ou o demônio era meditar em frente à
pintura. Esclareceu que era como uma máquina de magia, como se fosse um
aparelho para poupar nosso esforço, e que, sendo ele do signo de Capricórnio,
adorava tudo o que lhe poupasse as energias.
A janela da sua enorme sala de estar estava cheia de
plantas, sendo que nenhuma delas parecia ser..., bem, nenhuma delas parecia
normal! Mais da metade das espécies eram-me totalmente desconhecidas, e algumas
delas estavam como que querendo saltar do vaso para atacar as pessoas! Outras
tinham uma aparência um tanto obscena, que não dá para escrever.
Aquarius preparou o jantar e então trouxe uma garrafa do
uísque Wild Turkey. Agradeci, mas disse-lhe que não bebia. Ele sorriu com um ar
de velhaco e me disse que, se eu quisesse chegar a ser um patriarca gnóstico e
arcebispo, teria que me acostumar com a bebida.
Eu não estava mentindo. Nunca bebi muito em minha vida.
Qualquer vinho ou licor tinha o mesmo sabor para mim:
horrível.
Sentia uma forte aversão sempre que tinha de tomar o vinho
da eucaristia durante a missa, mas, como cria que era o sangue de
Jesus, conseguia suportá-lo. No entanto, meu gentil
anfitrião insistiu em que eu colaborasse com ele para acabar totalmente com o
conteúdo de sua garrafa de Wild Turkey. Tinha gosto de fluido de isqueiro, e eu
quase vomitei. Resolvi, então, ir bebericando pequenos goles do uísque, aos
poucos, durante algumas horas, enquanto o ouvia com atenção falar de sua magia
bizarra e incomum.
Para Aquarius, a chave do poder de um cientista mágico
estava na compreensão de todos os ramos da ciência e da filosofia.
Sentia-se satisfeito com os cursos que eu fizera, mas
insistiu em que eu tinha de levar para casa comigo uma cópia da série
filosófica de Coppleton e dos Principia Matemática de Bertrand Russell.
Disse-me que eu teria de me submeter a um teste completo
sobre esse material antes da minha consagração como bispo.
Ele conseguiu acabar com dois terços do conteúdo da garrafa
de uísque, e mesmo assim permaneceu lúcido. Percebendo meu espanto, explicou
que o segredo era ter tantas entidades (espíritos do vodu) dentro da gente que,
ao beber, elas é que ficavam bêbadas, não nós. A maioria das entidades do vodu
— assegurou-me ele — adora a bebida alcoólica, principalmente uísque e rum.
Explicou-me ainda que era necessário aplacar a ira das entidades, de diversas
maneiras, se pretendesse ter acesso ao universo B. Eram as guardiãs da entrada
a esse universo.
De acordo com Aquarius, o universo B é um universo
alternativo em que se aplicam leis totalmente diferentes da física quântica e
da matemática. Seria um universo governado por magos mestres da Atlântida, que
haviam fugido da terra para escapar da destruição do “continente perdido”, há
milhares de anos.
A partir do universo B, o praticante da magia que saiba o
que está fazendo pode ter acesso a outros universos alternativos. E possível
ainda trazer energias e até mesmo criaturas do universo B para o nosso
universo, para que (espera-se) nos sirvam. No entanto, sabe-se que uma parte
dessas criaturas é muito perversa, e que somente fazem alguma coisa quando se
lhe dão copiosas doses de uísque ou rum, sexo e sangue. O objetivo final seria
descobrirmos nosso “próprio” universo, em alguma parte desse intercâmbio
cósmico, para nele reinar como se fôssemos um deus. Tais conceitos estavam
entre os elementos mais elevados do seu sistema de magia.
Então ele me perguntou quando eu estaria disposto a receber o
sacerdócio luciferiano. Eu quase vomitei o que estava bebendo... e pedi-lhe que
me desculpasse, pois não havia entendido.
Ele me explicou, então, que eu teria de me tornar sacerdote
de Lúcifer antes de poder tornar-me bispo católico. Referindo-se à estrutura,
normalmente aceita no ocultismo, que representa a cabalística árvore da vida,
Aquarius mostrou-me que o quinto grau de sacerdócio era consagrado ao Sol e ao
deus que havia sido morto e que ressuscitou, Osíris ou Jesus. Pertencia ao
mundo cabalístico, ou esfera, de Tiferet. Isso era uma cerimônia elementar de
magia com a qual eu estava bem familiarizado. Pedi-lhe que prosseguisse.
Explicou, então, que o grau sexto (Adeptus Major) pertencia
ao mundo de Geburah, governado por Marte. Seu sacerdócio era o sacerdócio de
Lúcifer, seu metal era o ferro, sua pedra preciosa o rubi.
Isto encaixava-se muito bem no que eu já sabia. Se Tiferet
pertencia ao sacerdócio católico, era uma combinação perfeita! O metal de
Tiferet era o ouro, e o seu perfume era o do incenso olíbano.
Tanto o ouro como o olíbano participam de modo predominante
na missa e no simbolismo cristão.
Quando eu recebesse o grau luciferiano, declarou Aquarius,
estaria em condições de ir para o sétimo. Este seria o grau Adeptus Exemptus,
ou seja, o episcopado, ou bispado católico romano! Essa esfera na Árvore da
Vida, Hesed, é governada por Júpiter, na Cabala. Sua ferramenta de magia é o
báculo (o bastão episcopal), e sua pedra, a ametista.
Eu sabia que, por séculos, a pedra do anel usado pelos
bispos de Roma sempre foi a ametista! Acho que essa tradição vem dos antigos
pontífices pagãos romanos, que usavam um anel de ametista na mão direita, como
talismã, para lhes dar juízo e sobriedade (evitando, assim, que se
embriagassem).
Sem poder esconder a excitação em que me encontrava,
perguntei-lhe o que implicaria tornar-me um sacerdote luciferiano.
Aquarius sorriu benignamente, com um ar presunçoso de quem
tudo sabe, e disse:
— Você precisa vir para a Luz!
De algum modo eu sabia que algo não estava certo naquela
afirmação.
— Como vou fazer isso? — perguntei, com a voz um tanto rouca
pelo efeito do uísque.
Ele exibiu um sedutor sorriso amarelo e tentou cativar-me,
explicando que eu teria de passar por um arcaico ritual dos Templários.4 Tive
que passar por esse ritual naquela mesma noite.
E melhor não descrever como foi; apenas vou dizer que está
relacionado com a cúpula clerical e envolvendo vampirismo sexual.
Concluídos, finalmente, os ritos e blasfêmias naquela noite,
houve, ao encerramento, um certo toque de ironia. Antes de Aquarius
recolher-se, pegou cópias do Santo Ofício do Breviário e me conduziu na
recitação da sua última parte, o Completório, dirigindo-se depois para o quarto
de rituais, que era ao mesmo tempo o seu dormitório.
Com um sorriso um tanto traiçoeiro, perguntou se eu não
gostaria de passar a noite no seu quarto, o qual me pareceu ser mais terrível
do que sua sala de estar. Eu já tinha chegado ao nível máximo de perversidade
para aquele fim de semana, de modo que polidamente declinei do convite.
No entanto, dormir em sua sala, no seu sofá de veludo, não me
traria descanso.
Passado o efeito confortador da recitação do Breviário, tive
uma das piores noites da minha vida no sofá de Aquarius. Eu me sentia grato por
estar ali, mas parecia que eu não estava só. Aquelas horrorosas pinturas
pareciam estar vivas. Os olhos delas brilhavam na escuridão com um fogo
impetuoso. Apeguei-me então ao meu escapulário franciscano, que eu sempre usava
preso a meu pescoço, e rezei tantos rosários que perdi a conta. Na verdade,
acabei dormindo numa casula católica (uma veste sacerdotal) acreditando que ela
me daria algum conforto (mas disso eu não tinha muita certeza). Afinal,
Aquarius era hierofante vodu, diácono da Igreja Episcopal e arcebispo da Igreja
Católica Gnóstica. Eu não estava convencido de que um pedaço de pano, como o
daquela sua vestimenta, iria amenizar a situação.
Muitas vezes, naquela noite, fui acordado por pesadelos,
calafrios e ensopado em suor, ao ouvir ruídos como que de ratos passando por
vidros quebrados. Ao abrir os olhos, achava que as pinturas tinham se movido na
parede!
Ao conseguir conciliar o sono, estranhos seres sexuais
vinham e deitavam-se sobre as minhas cobertas. Dava para sentir o seu peso e
sentir seu fétido hálito. Não sei se eu estava tendo terríveis pesadelos ou se
estava acordado. Tudo aquilo não fazia sentido. Ali estava eu, sumo sacerdote
bruxo e recém-ordenado sacerdote de Lúcifer, sendo amedrontado, a ponto de me
apavorar, por umas extravagantes e inocentes pinturas. Era como se o Anton
LaVey dormisse de luz acesa.
Foi como passar a noite na “Hospedaria Inferno”. Ainda bem
que ele tinha deixado comigo uma cópia do Breviário, porque acabei lendo os
Salmos que nele estão, valendo-me da luz da lua, procurando manter minha mente
afastada daquelas figuras arrepiantes e rastejantes, como também das plantas,
que pareciam sussurrar de um modo bastante estranho, na escuridão. As sombras
daquela vegetação não terrestre, projetadas pelo luar, moviam-se sobre as
páginas do meu Breviário de um modo lascivo que jamais seria efeito de uma
brisa, pois era inverno, e as janelas estavam completamente fechadas!
Nenhum alvorecer foi mais bem-vindo do que aquele. Aquarius
levantou-se cerca de uma hora após raiar o dia e parecia mais estranho ainda à
luz solar do que quando o vi à noite. Sua pele era pálida, como o ventre de um
peixe. Formava um total contraste com seu cabelo preto e sua barba grisalha.
Sorriu e me perguntou se eu tinha dormido bem.
— Muito bem! — respondi-lhe.
— Ótimo, isso é muito bom! Vou preparar para nós um café e
em seguida vamos cantar laudes [recitativos do Breviário], tomar uns coquetéis
e depois trabalhar no nosso vodu.
O “café da manhã”, para ele, era na verdade um mingau que
parecia ser feito de aveia, mas que tinha um gosto estranho, como se tivesse
pelo menos dois ou três vegetais entorpecentes. O restante do fim de semana
transcorreu daquele mesmo modo agitado e estranho. Aquarius transbordava de
gentileza e hospitalidade tipicamente europeias, para não falar de sua
religiosidade convencional. Tinha sempre consigo um rosário e insistia em
rezarmos todo o Ofício Divino; contudo, narrava-me histórias de magia e
perversão sexuais com divertido prazer.
Para Aquarius, o vodu não era um sincretismo religioso da
feitiçaria africana com o catolicismo, como a maioria das pessoas “pensa”, mas
sim, uma forma sofisticada de magia que fazia uso da Matemática e da Física e
que ele acreditava ter sua origem no continente perdido da Atlântida. Sugeriu
que eu entrasse no primeiro
nível de sua escola de vodu, chamada Culto à Serpente Negra.
Tudo o que eu teria que fazer para receber as lições era enviar-lhe preenchido
um formulário, juntamente com dez dólares por mês. Posteriormente, quando
recebi as lições, fiquei pasmado ao ver que continham assuntos como magia por
masturbação, comer carne de cadáveres e ter sexo com demônios!
Aquarius observou que eu teria um progresso bem mais rápido
se tivesse pós-graduação em Matemática. Disse que o propósito final da magia
era metamatemático. Requeria que o seu praticante viajasse através do tempo e
do espaço de modo a produzir e controlar universos inteiros.
Finalmente, marcamos o dia em que me tornaria bispo, e
peguei meu trem de volta para casa.
Quando cheguei, alegrei-me em me encontrar com Sharon, e
ela, em me ver. Contei-lhe tudo o que acontecera naquele fim de semana, e ela
me fez prometer que nunca mais voltaria lá sozinho.
Fui consagrado semanas depois, de acordo com o rito da
Pontificai Romana. Aquarius trajava uma veste ortodoxa russa que valia cerca de
800 dólares, e eu usava todos os paramentos de um prelado. Em vez de jurar
sujeição ao papa (pelo qual eu não alimentava grande entusiasmo), tive que
jurar obediência ao papa do vodu, Hector François Jean-Maine, do Haiti.
Foi necessário que eu fosse a Chicago mais algumas vezes.
Cada vez, era mais estranho que da vez anterior. Tinha que
levar um de meus amigos como segurança. A cada viagem, meu acompanhante era
alvo de vibrações tão estranhas que se recusava a ir na vez seguinte.
Certificado de Consagração como Bispo da Igreja Católica
(Ritos da Igreja Católica Romana Antiga). Também mostra William Schnoebelen
tornando-se Mestre do Templo. Naquele tempo, seu nome legal era Christopher P.
Syn. (Veja a segunda ilustração do Capítulo 4.
Por fim, meu relacionamento com Aquarius ficou um tanto
abalado, quando determinou que eu não deveria deixar Sharon tornar-se uma
discípula sua. Aquarius era bissexual, se não totalmente homossexual.
Envolvia-se mais com homens do que com mulheres, e parecia mostrar-se um tanto
preocupado quanto a Sharon, recusando-se a realizar qualquer cerimônia em que
ela estivesse presente.
Sharon vinha desenvolvendo seu próprio e complexo sistema de
arquitetura mágica, e evidentemente Aquarius havia ficado com inveja dela. Mas
o que o deixara furioso era não conseguir manipulá-la. Ele tentou, certa noite,
entrar no “universo” mágico dela. Sharon achou que ele estava ficando um tanto
pomposo, e precisava aprender uma lição quanto a ter respeito diante dos
segredos da Deusa.
Ela não se sentia ameaçada por ele, absolutamente, mas sabia
que as informações que possuía seriam desastrosas nas mãos dele. Entraram em
conflito quando ela defendeu o seu território da invasão dele. Sharon decidiu
ser misericordiosa e dar-lhe apenas uma advertência. Naquela mesma semana,
viemos a saber que ele tivera de se hospitalizar, naquela noite, por causa de
um ataque cardíaco.
Foi uma das poucas vezes em que Sharon, em toda a sua vida,
fez uso de seus poderes de magia.
Algumas semanas depois, quando eu estava cursando aulas de
Aquarius sobre Arqueometria Indutiva (uma forma mágica e maçônica da construção
universal), recebi uma carta dele informando-me que eu havia sido excomungado
do Mosteiro dos Sete Raios pela heresia de “Ginecolatria” (adoração de
mulheres?).
Sinceramente, senti-me feliz por ficar fora do seu alcance!
Toda vez que eu passava um fim de semana com ele, sentia-me como se tivesse
nadado num vaso sanitário.
As incongruências que havia em minha vida começavam a me
incomodar! Ali estava eu, celebrando a missa (agora como bispo) ao Deus cristão
e, ao mesmo tempo, adorando em altares pagãos porque, ao que se supunha, Jesus
também tinha adorado neles.
Havia me tornado sacerdote de Lúcifer numa cerimônia que
escarnecia do papado e da moral cristã; contudo quem me iniciara como sacerdote
luciferiano era um devoto arcebispo católico que diariamente rezava rosários em
seu gabinete e ia à missa todos os domingos numa catedral!
Mas seria a sua hipocrisia menor do que a do padre da
universidade onde eu havia estudado, que professava santidade mas buscava meios
de seduzir estudantes e distorcia os ensinos morais do cristianismo para
adequá-los às necessidades do momento? Aquarius era exatamente o oposto dele.
Embora secretamente piedoso, era publicamente um advogado de Lúcifer!
Para mim, Lúcifer era a chave para todo o problema. Cresci
acreditando que ele era mau, mas, praticamente, todo o sistema de crenças que
eu passei a conhecer desde meus tempos do ensino médio dizia que, de um modo ou
de outro, ele era tão importante, ou mais até, para a minha salvação, do que
Jesus!
Eu tinha que descobrir qual era a minha real posição com
respeito a Jesus e a Lúcifer. Havia em mim um senso bem forte de que eu queria
estar com Jesus. Será que Jesus aprovava Lúcifer, ou não? Será que Lúcifer era
seu pai, ou um irmão mais velho (como me ensinaram diversas vezes)? Ou será que
ele é seu eterno inimigo?
Se eu tivesse tido condições de acreditar na Bíblia, estaria
muito bem. Mas, àquela altura, eu achava que a Bíblia era menos confiável do
que O Livro da Lei, de Crowley!
Eu não sabia que o Senhor Deus tinha todo o poder do
universo, e que Satanás já tinha sido vencido. Eu não sabia que poderia ser
totalmente liberto pelo sangue de Cristo. Assim, tomei duas atitudes.
Em primeiro lugar, lancei-me totalmente no meu sacerdócio.
Isso me deu a ilusão de santidade. Comecei a celebrar a
missa
diariamente, sendo bastante zeloso com meu encargo divino.
Comecei a sentir-me melhor com toda essa “santidade”. Muita coisa começou a acontecer
em minha vida na Igreja Católica Antiga, o que me foi bastante positivo. Fui
designado chanceler da arquidiocese e consegui, também, uma capela num bairro
elegante de Milwaukee.
Era num convento de frades franciscanos, chamado Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro, dirigido pelo padre Daniel, O. F. M. (Daniel não é
o seu verdadeiro nome).1’ Ele tinha dois irmãos leigos e dirigia um lar para
homens retardados. Começamos a ter a missa dominical lá; às terças-feiras à
noite, tínhamos novena; e nas noites de sextasfeiras, a Bênção do Sagrado
Sacramento.
Tínhamos atraído um grupo relativamente grande de fiéis das
vizinhanças, chegando a 25 ou 30 pessoas, em sua maioria católicos confusos ou
desiludidos, que gostavam do estilo antigo (anterior ao Concilio Vaticano II).
Poder ministrar a tais pessoas era uma fonte de grande satisfação para mim. Eu
estava fazendo o que sempre tinha sonhado fazer desde minha infância!
Achando estar tendo grande desenvolvimento espiritual, levei
minhas preocupações a Deus, pedindo-lhe que me desse um sinal quanto ao modo
como deveria proceder com respeito a Jesus e a Lúcifer. Ainda mantínhamos
nossos “covens” de feiticeiros e dávamos aulas em nossos cursos de magia
thelêmica; mas eu realmente queria saber qual era a vontade do Senhor para mim.
Então me pus de joelhos e orei para receber a resposta certa.
Não sei o que eu esperava receber: se um raio de luz do céu,
ou se uma voz em meus ouvidos, ou a visita de um mensageiro angelical.
Nada disso aconteceu. O que de fato recebi foi pelo correio,
no dia seguinte. Meu nome estava em muitas listas de correspondência, por causa
da minha participação em numerosos grupos do ocultismo. Naquele dia, o carteiro
me trouxe uma revista num envelope
marrom. Esse envelope iria levar-me a direções ainda mais profundas das trevas.