Os pensamentos de Marshall giravam enquanto, de pé à porta de vidro de correr da cozinha, ele observava a luz do dia lentamente
desvanecer-se no quintal, passando do alaranjado delicado do pôr-do-sol ao triste e cada
vez mais profundo cinza do anoitecer.
Talvez fosse o período mais longo que houvesse passado no mesmo lugar em
toda a sua vida, mas talvez o presente momento fosse o fim da vida que ele
sempre conhecera. Claro, já havia passado por diversas pequenas tentativas de
negar tudo, procurando provar a si mesmo que esses personagens cósmicos, esses
conspiradores tão fora do comum, nada mais eram que vento, mas acabava voltando
aos fatos frios e implacáveis. Harmel tinha razão. Marshall estava agora sem
nada, como todos os outros. Acredite, Hogan. Acredite ou não, foi isso o que
aconteceu!
Ele estava fora, exatamente como Harmel, exatamente
como Strachan, exatamente como Edie, exatamente como Jefferson, Gregory, os
Carluccis, Waller, James, Jacobson...
Marshall passou a mão pela cabeça e deteve a sucessão de nomes e fatos que
lhe percorriam o cérebro. Esses pensamentos começavam a machucar; cada um
deles, ao passar-lhe pelo cérebro, parecia dar-lhe um soco no estômago.
Como é que eles haviam conseguido? Como podiam ser tão poderosos
que na realidade destruíam vidas a nível pessoal? Seria apenas coincidência?
Marshall não conseguia resolver essa questão. Tendo perdido a própria família
por culpa da Rede, ele estava muito próximo dela, mas também um pouco da culpa
era dele. Seria fácil culpar a conspiração por intrometer-se na sua família e
voltar a esposa e a filha contra ele, e indubitavelmente haviam tentado fazer
isso. Mas onde estabelecer a linha que separava a responsabilidade que cabia
aos outros da que era sua?
Tudo o que sabia era que sua família estava desfeita e
agora ele estava fora, como todos os outros.
Espere! Um barulho na porta da frente. Seria Kate?
Marshall foi à
porta da cozinha e olhou na direção da sala da frente.
Quem quer que fosse mergulhou depressa num canto quando
ele mostrou o rosto.
—
Sandy?
Por uns instantes não veio resposta, mas depois ele ouviu Sandy responder
com uma voz muito estranha e fria.
—
Sim, Papai, sou eu.
Ele quase saiu correndo, mas forçou-se a se acalmar e se
dirigiu ao quarto dela. Ele olhou para dentro do quarto e viu que ela estava
repassando o guarda-roupa, movendo-se um tanto apressada e nervosa, e
mostrando-se definitivamente incomodada com a sua presença.
—
Onde está a Mamãe? — perguntou ela.
—
Bem... — disse ele, tentando encontrar uma resposta. — Ela foi passar uns
tempos com a mãe dela.
—
Ela o deixou, em outras palavras — replicou ela muito diretamente.
Marshall também foi direto.
—
É, sim, é isso mesmo —. Ele a observou por algum tempo; ela estava agarrando
roupas e pertences e atirando tudo numa mala e algumas sacolas. — Parece que
você também vai embora.
—
Isso mesmo — disse ela, sem diminuir o ritmo ou mesmo erguer os olhos. — Vi que
era isso o que ia acontecer. Sabia o que Mamãe estava pensando, e sabia que ela
tinha razão. Você se dá tão bem sozinho que o melhor é deixarmos que viva assim
para sempre.
—
Para onde você vai?
Sandy olhou-o pela primeira vez, e seu olhar
congelou-o, dando-lhe uma sensação de náusea. Os olhos dela tinham uma expressão estranha,
vidrada, maníaca, que ele jamais vira antes.
—
Nunca lhe direi! — disse ela, e Marshall não podia crer no seu tom de voz. Não
era Sandy, de jeito nenhum.
—
Sandy — disse ele suavemente, súplice — não podemos conversar? Não farei
pressão alguma e não pedirei nada de você. Não poderíamos apenas conversar?
Os olhos estranhos fitaram-no enraivecidos de novo e a
pessoa que costumava ser sua amorosa filha respondeu:
—
Verei você no inferno!
Marshall imediatamente sentiu as sensações por demais familiares
de receio e ruína. Alguma coisa havia entrado na sua casa.
—
Ora, olá — disse ele.
Ela sorriu conciliatoriamente e disse:
—
Olá, pastor Busche.
Ele se afastou para o lado e acenou-lhe que entrasse.
Ela pôs os pés
dentro da casa a tempo de ver Mary saindo da cozinha.
—
Olá, Mary — disse.
—
Olá — respondeu Mary. Dando mais um passo, Mary abraçou Carmem carinhosamente. — Você está bem?
—
Bem melhor, obrigada —. Ela olhou para Hank e seus olhos estavam cheios de
arrependimento. — Pastor, realmente devo-lhe desculpas pela maneira como me
comportei antes. Deve ter sido muito alarmante para vocês dois.
Hank hesitou um pouco e por fim disse:
—
Bem, certamente estávamos preocupados com o seu bem-estar. Mary dirigiu-se à
sala de estar e disse:
—
Não quer sentar-se? Posso trazer-lhe alguma coisa?
—
Não, obrigada — respondeu Carmem, sentando-se no sofá. — Não vou-me demorar.
Hank sentou-se numa cadeira em frente ao sofá e olhou para Carmem,
orando sem cessar. Sim, ela parecia diferente, como se tivesse reunido uma
porção de fios soltos da sua vida, e contudo... Hank tinha visto muita coisa
nesses últimos dias, e tinha a distinta impressão de que naquele exato momento
estava vendo mais da mesma coisa. Havia algo nos olhos dela...
—
Saia da minha frente!
Marshall permaneceu na porta do quarto, bloqueando-a
com o corpo.
—
Não quero brigar, Sandy. Não vou permanecer à sua frente para sempre. Apenas
quero que pense por um momento, está bem? Não dá para você se acalmar e
ouvir-me apenas uma última vez?
Ela permaneceu parada, rígida, respirando forte, os lábios muito apertados, o
corpo meio encolhido. Simplesmente era irreal!
Marshall tentou acalmá-la com a voz, como se aproximasse de um cavalo
selvagem.
—
Deixarei que vá para onde quiser. A vida é sua. Mas não ousamos nos separar sem
dizer o que precisa ser dito. Eu a amo, sabe? — Ela não reagiu. — Eu realmente
a amo. Você... você acredita no que estou dizendo?
—
Você... você não sabe o que significa essa palavra.
—
Sim... sim, compreendo o que você quer dizer. Não me saí muito bem nestes
últimos anos. Mas, ouça, podemos consertar tudo. Por que deixar esta coisa
continuar como está indo se podemos consertá-la?
Ela o observou novamente, viu que ele ainda estava de pé na porta, e disse:
—
Papai, tudo o que quero no momento é dar o fora daqui.
—
Num minuto, num minuto —. Marshall tentou falar devagar, com cuidado, com
brandura. — Sandy... não sei se conseguirei explicar-lhe claramente,
mas lembra-se do que você mesma disse acerca da cidade naquele sábado, como você
achava... o que foi mesmo? Alienígenas estavam tomando a cidade? Lembra-se? Ela
não respondeu mas parecia estar ouvindo.
—
Você não sabe como estava certa, como a sua teoria era verdadeira. Há pessoas,
Sandy, neste exato momento, que desejam tomar conta de toda a cidade, e estão
dispostos a destruir qualquer um que se opuser a eles. Sandy, eu sou um dos que
tentaram impedi-los.
Sandy começou a sacudir a cabeça com incredulidade. Ela não
estava acreditando na história.
—
Escute, Sandy, apenas escute! Ora... eu sou o dono do jornal, veja, e sei o que
eles estão aprontando, e eles sabem que sei, por isso estão fazendo o que podem
para me destruir, tomar a minha casa, o jornal, destruir a minha família! — Ele
a fitou intensamente, mas não tinha a menor idéia se ela estava entendendo
alguma coisa do que lhe dizia. — Tudo o que nos está acontecendo... é o que eles
querem! Eles querem que esta família se desfaça!
—
Você está louco! — disse ela afinal. — É um maníaco! Saia da minha frente!
—
Sandy, escute. Eles têm jogado você contra mim. Você sabia que os tiras estão
tentando encontrar alguma coisa para me prenderem? Estão tentando acusar-me de
assassínio, e parece até que me estão acusando de violentá-la! Para você ver
quanto essa coisa é terrível. Você tem de entender...
—
Mas você o fez! — gritou Sandy. — Você sabe que fez. Marshall estava atordoado.
Tudo o que podia fazer era fitá-la. Ela tinha de estar louca.
—
Fiz o que, Sandy?
Ela perdeu o controle e lágrimas vieram-lhe aos olhos ao dizer:
—
Você me estuprou. Você me estuprou!
—
Eu... não sei como começar... é tão difícil. Hank tranqüilizou-a:
—
Ora, você está entre amigos.
Carmem olhou para Mary sentada na outra ponta do sofá, e depois para Hank,
ainda sentado à sua frente.
—
Hank, não agüento mais viver com isso. Hank disse:
—
Então por que não entrega tudo a Jesus? Ele é o que cura, você sabe. Ele pode
tirar seus remorsos e suas tristezas, acredite-me.
Ela olhou para ele e apenas sacudiu a cabeça com incredulidade.
— Hank, não estou aqui para brincadeiras. Está na hora
de dizer mos a verdade e colocarmos tudo em pratos limpos. Não estamos sendo justos
para com Mary.
Hank não sabia do que ela estava falando, por isso simplesmente
inclinou-se para a frente e assentiu com a cabeça, sua maneira de dizer-lhe que
estava ouvindo.
Ela continuou:
—
Bem, acho que terei de botar tudo para fora. Sinto muito, Hank —. Ela se voltou
para Mary, os olhos cheios de lágrimas, e disse:
—
Mary, nos últimos meses... desde o nosso primeiro encontro de aconselhamento...
Hank e eu temos nos encontrado com regularidade.
Mary perguntou:
—
O que quer dizer com isso? Carmem voltou-se para Hank e implorou:
—
Hank, você não acha que devia ser você quem lhe contasse?
—
Contasse o quê? — perguntou Hank.
Carmem olhou para Mary, tomou-lhe a mão, e disse:
—
Mary, Hank e eu estamos tendo um caso.
Mary pareceu admirada, mas não muito chocada. Ela
retirou a mão da de Carmem. Então olhou para Hank e perguntou:
—
O que você acha?
Hank examinou Carmem cuidadosamente de novo e acenou
que sim para Mary. Mary virou-se na direção de Carmem, e Hank ergueu-se da cadeira. Os dois a
fitaram atentamente, mas ela desviou o olhar.
—
É verdade! — insistiu ela. — Diga-lhe, Hank. Por favor, diga-lhe.
—
Espírito — disse Hank com firmeza — eu lhe ordeno em nome de Jesus que se cale
e saia dela!
Havia quinze demônios, amontoados no corpo de Carmem sobrepostos como
vermes, rastejando, fervilhando, retorcendo-se, uma massa de braços, pernas,
garras e cabeças hediondos. Eles começaram a contorcer-se. Carmem começou a
contorcer-se. Eles gemeram e gritaram, e Carmem fez o mesmo, os olhos
tornando-se vidrados e o olhar vazio.
Do lado de fora da sala, a certa distância, Krioni e Triskal
vigiavam.
Triskal estava furioso:
—
Ordens, ordens, ordens! Krioni lembrou-lhe:
—
Tal sabe o que está fazendo.
Triskal apontou para a sala de estar e bradou:
—
Hank está brincando com uma bomba lá dentro. Está vendo aqueles demônios? Vão
fazê-lo em pedacinhos!
—
Temos de ficar de longe — disse Krioni. — Podemos proteger a vida de Hank e de Mary, mas não podemos impedir que os demônios façam o que
fizerem... — Krioni também achava difícil aceitar a situação.
—
Deixe-me... deixe-me sair daqui ou vai se meter em sérios apuros! — disse ela,
quase gritando.
Marshall podia apenas permanecer em pé em total consternação e
horror.
—
Sandy, sou eu, Marshall Hogan, seu pai. Pense, Sandy! Você sabe que eu nunca
toquei em você, que jamais a violentei. Eu apenas amei e cuidei de você. Você é
a minha filha, minha única filha.
—
Você fez isso comigo! — gritou ela histericamente.
—
Quando, Sandy? — exigiu ele. — Quando foi que toquei em você de maneira errada?
—
É algo que minha mente bloqueou durante anos, mas a professora Langstrat me
ajudou a lembrar!
—
Langstrat!
—
Ela me hipnotizou, e eu vi tudo como se fosse ontem. Você fez isso, e eu o
odeio!
—
Você não se lembrava porque nunca aconteceu. Pense, Sandy!
—
Eu odeio você! Você fez isso comigo!
Natã e Armote, do lado de fora da casa, podiam ver o hediondo
espírito de engano agarrado às costas de Sandy, as garras cravadas na cabeça
dela.
Ao lado deles encontrava-se Tal. Acabara de dar-lhes
ordens especiais.
—
Capitão — disse Armote — não sabemos o que aquela coisa pode fazer.
—
Preservem-lhes a vida — disse Tal — mas Hogan deve cair. Quanto a Sandy, façam
com que um pequeno pelotão a siga à distância. Eles poderão mover-se quando
chegar a hora.
Nesse exato momento, em trajetória muito rasa, furtiva,
Signa veio flutuando até aterrissar.
—
Capitão — relatou — Kevin Weed está morto. Funcionou. Tal deu-lhe um olhar e um
sorriso estranhos, deliberados.
—
Excelente — disse.
—
Solte-nos, homem de oração! — advertiu a voz de Carmem, e o odor sulfuroso que
saiu de dentro dela era forte e repugnante.
—
Carmem, você quer se libertar? — perguntou Hank.
—
Ela não pode ouvi-lo — disseram os espíritos. — Deixe-nos em paz! Ela nos
pertence!
—
Calem-se e saiam dela!
—
Não! — berrou Carmem, e Mary estava quase certa de ter visto um tufo de vapor
amarelo saindo da garganta de Carmem.
—
Saiam, em nome de Jesus! — ordenou Hank.
A bomba explodiu. Hank foi atirado para trás. Mary saltou de lado.
Carmem estava em cima de Hank, arranhando, mordendo, ferindo. Seus dentes se
fecharam em torno do braço direito dele. Ele empurrava e socava com o
esquerdo.
—
Demônio, solte! — ordenou ele.
Os dentes se soltaram. Hank empurrou com toda a força e o corpo de Carmem
cambaleou para trás, contorcendo-se e guinchando. Suas mãos encontraram uma
cadeira. No mesmo instante a cadeira subiu e desceu com um baque, mas Hank se
desviou. Ele pulou em cima de Carmem enquanto ela agarrava outra cadeira. A
perna da moça subiu como uma catapulta e o atirou do outro lado da sala, de encontro
à parede. O punho dela o seguiu de perto. Ele se desviou. O punho fez um rombo
na parede. Ele estava olhando nos olhos de uma fera; sentia o hálito sulfuroso
sibilando através dos dentes à mostra. Com um movimento brusco, ele escapuliu.
Unhas afiadas rasgaram e retalharam sua camisa. Algumas cravaram-se na sua
carne. Ele ouvia Mary gritando:
—
Pare com isso, espírito! Em nome de Jesus, pare com isso! Carmem dobrou-se ao
meio e tapou os ouvidos com as mãos. Ela cambaleou e berrou.
—
Cale-se, demônio, e saia dela! — ordenou Hank, tentando manter-se à distância.
—
Não saio! Não saio! — berrou Carmem, e seu corpo adernou na direção da porta da
frente e chocou-se contra ela com toda a força. O centro da porta afundou com
um estalo. Hank correu à porta e abriu-a, e Carmem voou por ela rua abaixo.
Enquanto a observavam ir, tudo o que podiam esperar era que os vizinhos não a vissem.
—
Está bem, está bem! — disse ele, afastando-se. — Pode ir. Somente lembre-se de
que a amo.
Ela agarrou a mala e uma sacola e saiu a toda na direção da porta da frente. Ele
a seguiu pelo corredor rumo à sala de estar. Dobrou o canto. Olhou para vê-la,
mas tudo o que viu foi o abajur que o atingiu em cheio na cabeça. Ele ouviu e
sentiu a pancada em cada parte do corpo. O abajur caiu ao chão. Agora ele jazia
de joelhos, contra o sofá. A mão foi à cabeça. Ele ergueu os olhos e viu que a
porta da frente ainda estava aberta. Ele sangrava.
A cabeça estava tão leve que ele tinha medo de se levantar. De
qualquer forma, sua força se fora. Droga, agora havia sangue no tapete. O que
dirá Kate?
—
Marshall! — veio uma voz acima dele. Uma mão descansou sobre o seu ombro. Era
uma mulher. Kate? Sandy? Não, Berenice, espiando-o através de olhos
enegrecidos.
—
Marshall, o que aconteceu? Você... você ainda está aí?
—
Ajude-me a limpar esta bagunça — foi tudo o que ele conseguiu dizer.
Ela correu à cozinha à procura de toalhas de papel. Trazendo-as à
sala, ela as comprimiu contra a cabeça dele. Ele se encolheu de dor.
Ela perguntou:
—
Consegue levantar-se?
—
Não quero me levantar! — respondeu ele contrariado.
—
Está bem, está bem. Acabei de ver Sandy sair. Foi ela quem fez isso?
—
É, ela jogou esse abajur em mim...
—
Deve ter sido alguma coisa que você disse. Aí, fique quieto.
—
Ela não é a mesma de modo nenhum, está louca.
—
Onde está Kate?
—
Ela me deixou.
Berenice acomodou-se no chão, seu rosto ferido uma
imagem viva de choque, desalento e exaustão. Nenhum dos dois disse coisa alguma
por alguns momentos. Apenas se entreolharam como dois soldados feridos, numa
trincheira.
—
Puxa, você está um desastre! — observou Marshall afinal.
—
Pelo menos o inchaço diminuiu. Não estou com cara de raposa?
—
Mais guaxinim que raposa. Pensei que você devia estar descansando na sua casa.
O que está fazendo aqui?
—
Acabei de voltar de Baker. E só tenho más notícias de lá também. Ele se
antecipou.
—
Weed?
—
Está morto. A caminhonete que dirigia caiu da ponte do rio Judd e foi parar naquele
grande desfiladeiro. Deveríamos ter-nos encontrado. Ele havia acabado
de receber um telefonema de Susan Jacobson, algo muito importante. A cabeça de Marshall caiu contra
o sofá, e ele fechou os olhos:
—
Que ótimo... ótimo mesmo! — Ele queria morrer.
—
Ele me ligou hoje à tarde, e marcamos um encontro. Imagino que meu telefone
esteja grampeado, ou o dele. O acidente foi planejado, disso estou certa. Saí
de lá depressa!
Marshall tirou as toalhas da cabeça e examinou o sangue que
havia nelas. Colocou-as de novo sobre o corte.
—
Estamos afundando, Bernie — disse ele, e começou a contar-lhe os eventos da
tarde, sua reunião com Brummel e seus companheiros, a perda da casa, a perda
do jornal, a perda de Kate, de Sandy, de tudo. — E você sabia que costumo violentar
a minha filha além de estar tendo um caso com a minha repórter?
—
Eles estão fazendo picadinho de você, não estão? — disse ela baixinho, a
garganta apertada de medo. — O que podemos fazer?
—
Podemos dar o fora daqui, isso é o que podemos fazer!
—
Vai desistir?
Marshall apenas deixou que a cabeça afundasse. Estava
cansado.
—
Que outra pessoa faça esta guerra. Fomos avisados, Bernie, e não demos ouvidos.
Eles me pegaram. Pegaram todos os nossos papéis, qualquer prova que possamos
ter tido. Harmel estourou os miolos. Strachan está indo para tão longe quanto
conseguir. Eles removeram Weed. No momento acho que mal estou vivo e isso é
tudo o que me restou.
—
E que diz de Susan Jacobson?
Foi preciso um esforço e força de vontade incomuns para fazê-lo pensar.
—
Nem sei se ela existe, e, se existir, não sei se está viva.
—
Kevin disse que ela tinha a mercadoria e que estava prestes a sair de onde quer
que estivesse. Isso me soa como deserção, e se ela tiver as provas de que
precisamos para arrematar a coisa...
—
Eles deram um jeito nisso, Bernie. Está lembrada? Weed era o nosso único
contato com ela.
—
Quer uma teoria?
—
Não.
—
Se o telefone de Kevin estava grampeado, eles sabem do que Susan e Weed
falaram. Ouviram tudo.
—
Naturalmente, e Susan está praticamente morta também.
—
Não sabemos disso. Talvez ela tenha conseguido escapar. Talvez ela fosse
encontrar-se com Kevin em algum lugar.
Marshall ouvia passivamente.
—
Minha teoria é que em algum lugar deve haver um registro daquele telefonema nas
mãos de alguém.
—
É, suponho que sim —. Marshall sentia-se meio morto, mas a metade que ainda
vivia estava pensando. — Mas onde estaria? Este país é grande, Bernie.
—
Bem... como eu disse, é uma teoria. Na verdade, é tudo o que nos resta.
—
E que certamente não é muita coisa.
—
Estou morrendo de vontade de saber o que Susan tinha a dizer. ..
—
Por favor, não use a palavra "morrer".
—
Bem, pense por um minuto, Marshall. Pense em todo o pessoal que parece ter
reagido ao suposto grampeamento. Os policiais de Windsor sabiam poder
encontrá-lo na casa de Strachan depois que você me disse que ia para lá...
—
Não é provável que sejam eles que tenham o equipamento de gravação. Estão longe
demais.
—
Então alguém que tinha o equipamento deve tê-los avisado. Marshall teve uma idéia,
e um pouco de cor voltou-lhe ao rosto.
—
Desconfio de Brummel.
Os olhos de Berenice brilharam.
—
Claro! Como eu disse, ele e os tiras de Windsor estão de conluio o tempo todo.
—
Ele despediu Sara, sabe? Ela não estava lá hoje. Foi substituída —. Novas
idéias começaram a formar-se na cabeça de Marshall. — Sim... ela falou comigo
no telefone e deu com a língua nos dentes sobre Brummel. Disse que me ajudaria
se eu pudesse ajudá-la... combinamos negociar... e Brummel despediu-a! Ele deve
ter ouvido essa conversa também —. Foi então que ele percebeu. — Sim! Sara! Os
arquivos! Os arquivos de Brummel!
—
Sim, você está na pista certa, Marshall, vá firme em frente!
—
Ele mandou tirar os arquivos e colocá-los na área da recepção a fim de arranjar
espaço para novo equipamento de escritório. Eu o vi, instalado no gabinete
dele, e um fio saía da parede... ele disse que era para a cafeteira elétrica.
Mas não vi cafeteira alguma!
—
Acho que você descobriu algo!
—
Era um fio telefônico, não fio de aparelho elétrico —. A excitação fez sua
cabeça doer, mas ele disse mesmo assim:
—
Berenice, era um fio telefônico.
—
Se pudéssemos descobrir com certeza que o equipamento de gravar está no
gabinete dele... se pudéssemos encontrar algumas fitas das conversas
telefônicas... bem, poderia bastar para algum tipo de acusação pelo menos:
grampeamento ilegal...
—
Assassínio.
Era uma idéia enregelante.
—
Precisamos de Sara — acrescentou Marshall. — Se ela estiver do nosso lado, agora é a hora de prová-lo.
—
Só que você não deve ligar para ela. Sei onde ela mora.
—
Ajude-me a levantar.
— É você que tem de me ajudar a levantar!