—
Ela rachou o batente. Olhe só! O encosto afastou-se mais de dois centímetros.
—
Bem, que tal trocar de camisa? — perguntou Mary, e Hank lembrou-se de que
metade de sua camisa se fora.
—
Aqui está outra para a pilha de trapos — disse, tirando-a. Então ele fez uma
careta.
—
Uuii!
—
O que há?
Depois de tirar a camisa, Hank ergueu o braço a fim de dar uma olhada,
e Mary prendeu a respiração. Os dentes de Carmem haviam deixado vergões. Em
alguns lugares a pele estava cortada.
—
É melhor colocarmos água oxigenada nesses cortes — disse Mary, dirigindo-se às
pressas ao banheiro. — Venha aqui!
Hank foi ao banheiro, ainda carregando a camisa
rasgada. Ele colocou o braço sobre a pia, e Mary começou a limpar o ferimento. Ela
estava espantada.
—
Nossa! Hank, ela o mordeu em quatro lugares. Olhe só!
—
Céus, espero que ela esteja vacinada.
—
Eu sabia que aquela mulher tinha más intenções desde a primeira vez em que a
vi.
A campainha tocou. Hank e Mary entreolharam-se. O que
podia ser agora?
—
É melhor atender — disse Hank.
Ela se dirigiu à sala de estar enquanto Hank acabava a limpeza do
braço.
—
Hank! — chamou Mary. — Acho melhor você vir aqui! Hank dirigiu-se à sala, ainda
carregando a camisa rasgada na mão, e as marcas de dentes à mostra.
Dois policiais estavam à porta, um idoso, alto, e um jovem, tipo calouro de
polícia. É, os vizinhos devem ter pensado que algo terrível estava acontecendo
aqui. E, pensando bem, eles estavam certos.
—
Olá — disse Hank.
—
Hank Busche? — perguntou o mais velho.
—
Sim. Esta é Mary, minha esposa. Vocês devem ter recebido um telefonema dos
vizinhos, certo?
O policial grande olhava o braço de Hank.
—
O que aconteceu ao seu braço?
—
Bem... — Hank não sabia ao certo como responder. A verdade pareceria uma grande
mentira.
Não importava. Ele não teve tempo. O policial mais jovem
agarrou a camisa de Hank, tirando-a da mão dele, desdobrou-a, erguendo-a com as
duas mãos. O mais velho estava com o restante da camisa de Hank escondido
discretamente atrás das costas. Nesse momento, ele apresentou o pedaço rasgado
e fez uma comparação rápida do tecido.
O mais velho acenou com a cabeça ao mais jovem, e este
tirou um par de algemas e forçou Hank a voltar-se. O queixo de Mary caiu e ela
guinchou:
—
Que doidice é essa que estão fazendo?
O mais velho principiou a recitar a liturgia do
prisioneiro.
—
Sr. Busche, está sendo preso. É meu dever informá-lo a respeito dos seus
direitos. Tem o direito de permanecer calado, qualquer coisa que diga pode e
será usada contra você...
Hank tinha uma idéia, mas perguntou mesmo assim:
—
Ah... importa-se de dizer de que sou acusado?
—
Deveria saber — disse bruscamente o mais velho.
—
Suspeita de estupro — disse o mais jovem.
—
O quê? — exclamou Mary.
O mais jovem ergueu a mão em advertência.
—
Não se meta nisto, senhora.
—
Está cometendo um engano! — suplicou ela.
Os policiais conduziram Hank pela calçada da entrada. Tudo aconteceu
tão depressa que Mary não sabia o que fazer. Correu atrás deles, implorando,
tentado arrazoar com eles.
—
Isso é uma loucura! Não posso acreditar! — disse ela. O mais jovem disse-lhe
simplesmente:
—
Terá de afastar-se ou enfrentará acusação de obstruir a justiça.
—
Justiça! — bradou ela. — Vocês chamam isto de justiça? Hank, que devo fazer?
—
Dê uns telefonemas — respondeu Hank.
—
Vou com você!
—
Não podemos permitir que entre na viatura, senhora — disse o mais velho.
—
Mary, dê uns telefonemas — repetiu Hank.
Eles o forçaram a entrar no carro e fecharam a porta. Os
policiais entraram e se foram, rua abaixo, viraram a esquina e sumiram de
vista. Mary permaneceu parada na calçada sozinha, sem o marido.
Tal e seus guerreiros e mensageiros sabiam onde procurar
e sabiam o que deviam ouvir; assim foi que escutaram os telefones tocando por
toda a cidade, viram as muitas pessoas arrancadas do televisor ou do sono. Todo
o Remanescente estava alvoroçado com a notícia da prisão de Hank. As orações começaram.
—
Busche caiu — disse Tal. — Somente Hogan sobrou —. Ele se voltou para Chimon e
Mota. — Sara está com as chaves?
Chimon respondeu:
—
Ela fez cópia de diversas chaves antes de deixar o emprego na delegacia.
Mota dirigiu o olhar para o outro lado da cidade, ao dizer:
—
Devem estar-se encontrando com ela neste exato momento.
—
Levarei o que conseguir enfiar no carro, mas não fico por aqui além de amanhã,
especialmente depois desta noite — disse ela, praticamente num murmúrio.
—
Como está de dinheiro? — perguntou Marshall.
—
Tenho dinheiro para gasolina suficiente para me fazer sair do estado. Depois
disso não sei. Brummel não me pagou o último salário.
—
Apenas a chutou fora?
—
Ele não disse nada, mas não tenho dúvida de que ouviu a conversa que tive com
você. Não fiquei muito tempo depois daquilo.
Marshall estendeu-lhe cem dólares.
—
Eu lhe daria mais se tivesse.
—
Tudo bem. Eu diria que estamos de acordo —. Sara passou-lhe um molho de chaves.
— Agora escute com cuidado. Esta aqui é a da porta da frente, mas primeiro você
precisa desativar o alarme contra ladrão. Para isso você usa esta chave aqui. A
caixa do alarme fica nos fundos, logo acima das latas de lixo. Tudo o que tem
de fazer é abrir a tampa e desligar a chave. Esta aqui, com a cabeça redonda, é
a do gabinete de Brummel. Não sei se o equipamento está ou não trancado, mas
não tenho chave para ele. Terá de correr o risco. O operador noturno ainda está
na estação de bombeiros, por isso não deve haver ninguém mais por lá.
—
O que você acha da nossa teoria? — perguntou Berenice.
—
Sei que Brummel toma muito cuidado com o novo equipamento. Desde que o mandou
instalar, não me permitiu que entrasse no gabinete e mantém a porta fechada. É
o primeiro lugar onde eu procuraria.
—
É melhor nos irmos — disse Marshall a Berenice.
Berenice abraçou Sara.
—
Boa sorte.
—
Boa sorte a vocês — replicou Sara. — Saiam em silêncio. Eles se esgueiraram
furtivamente na escuridão.
Marshall encontrou um bom local para esconder o carro a
apenas alguns quarteirões da Praça do Tribunal, um excelente terreno baldio cheio
de exuberantes arbustos e árvores. Ele deslizou o carro matagal adentro e
desligou o motor. Por um momento, ele e Berenice simplesmente permaneceram
sentados, sem saber o que fazer. Achavam estar prontos. Haviam trocado de
roupas, vestido peças escuras, e haviam trazido lanternas e luvas de borracha.
—
Minha nossa! — disse Marshall. — A última vez que fiz algo parecido foi num
grupo de meninos; roubamos milho do vizinho.
—
E como se saíram?
—
Fomos pegos, e, céus, como pagamos!
—
Que horas são?
Marshall iluminou o relógio de pulso com a lanterna.
—
1:25.
Berenice estava visivelmente nervosa.
—
Gostaria de saber se ladrões de verdade trabalham desta forma. Sinto-me como se
estivesse fazendo um filme.
—
Que tal botar um pouco de carvão no rosto?
—
Já está negro o suficiente, obrigada.
Permaneceram sentados por mais alguns minutos, tentando
conseguir coragem para prosseguir. Finalmente, Berenice disse:
—
Bem, vamos ou não vamos?
—
Morrendo todos, morrem felizes — replicou Marshall, abrindo a porta.
Pé ante pé, subiram por uma viela e atravessaram alguns metros
até chegarem aos fundos do tribunal/delegacia de polícia. Felizmente, a cidade
ainda não tinha conseguido recursos para iluminar o estacionamento, e assim a
escuridão reinante os escondia bem.
Berenice não podia deixar de sentir-se petrificada; pura determinação
a fez seguir em frente. Marshall estava nervoso, mas por algum motivo, sentia
estranha exultação em fazer algo tão furtivo e sujo contra aqueles inimigos.
Assim que atravessaram o estacionamento, esconderam-se numa sombra próxima e
mantiveram-se colados à parede. Estava tão bom e escuro ali que Berenice não
queria sair.
A mais ou menos uns sete metros adiante na parede
estavam as latas de lixo, e acima delas um pequeno painel cinza. Marshall
chegou lá
rapidamente, encontrou a chave certa, abriu a porta, e achou o interruptor. Fez
um sinal a Berenice, e ela o seguiu. Apressados, deram volta à frente do
prédio, e agora estavam no aberto, defrontando-se com a vasta área do
estacionamento entre a delegacia e a prefeitura. Marshall tinha a chave pronta,
e conseguiram entrar no prédio. Marshall fechou rapidamente a porta atrás
deles.
Descansaram apenas um momento e puseram-se à escuta. O lugar estava
deserto e o silêncio era mortal. Não ouviram nenhuma sirene ou alarme. Marshall
achou a próxima chave e se dirigiram à porta do gabinete de Brummel. Até aí,
tudo o que Sara tinha predito havia dado certo. A porta de Brummel também
abriu. Os dois mergulharam porta adentro.
Lá estava o armário que abrigava o misterioso equipamento — se
é que realmente estava ali. Marshall ligou a lanterna e manteve o brilho
controlado debaixo da mão a fim de não refletir nas paredes ou brilhar para
fora da janela. A seguir, ele abriu a porta da parte inferior esquerda do
armário. Dentro encontrou algumas estantes sobre trilhos rolantes. Ele puxou a
de cima...
Lá estava um gravador e um bom suprimento de fitas.
—
Eureca! — sussurrou Berenice.
—
Deve ser ativada por sinal... liga automaticamente quando recebe uma carga
elétrica.
Berenice acendeu a sua lanterna e examinou outra
gaveta, na parte inferior direita. Ali encontrou alguns arquivos e pastas.
—
Parece um catálogo! — disse. — Olhe... nomes, datas, conversas, e em que fita
estão.
—
A letra parece familiar.
Ambos ficaram atônitos ante o número de nomes que constavam da lista,
quantas pessoas estavam sendo vigiadas.
—
Até o pessoal da Rede — observou Marshall. Então apontou para o fim da página.
— Aí estamos nós.
Ele tinha razão. O telefone do Clarim estava incluído, a
conversa anotada como tendo-se dado entre Marshall e Ted Harmel, gravada na
fita 5-A.
—
Quem será que tem tempo para catalogar toda essa coisa? — quis saber Berenice.
Marshall apenas meneou a cabeça. A seguir, perguntou:
—
Quando se deu a conversa entre Susan e Weed? Berenice pensou por um momento.
—
Teremos de examinar todas as conversas de hoje, ontem... quem sabe? Weed não
disse exatamente quando.
—
Talvez o telefonema tenha sido feito hoje. Não está anotado aqui.
—
Deve estar na fita que ainda se encontra na máquina. Essas chamadas ainda não
foram catalogadas.
Marshall voltou a fita, ligou a máquina, empurrou o botão do
alto-falante, e abaixou o volume.
Conversas começaram a se desenrolar na gravação, uma porção de coisas
corriqueiras, inócuas. A voz de Brummel constava de uma porção delas, falando
de negócios. Marshall passou a fita depressa para a frente, pulando diversas
conversas. Subitamente, ele reconheceu uma voz. A sua.
—
Você já fugiu uma vez, lembra-se? — veio sua voz. — Enquanto estiver vivo,
Eldon, estará vivendo com isto e eles saberão...
—
Eldon Strachan e eu — disse ele a Berenice.
Era apavorante ouvir suas próprias palavras saindo da
máquina, palavras que podiam dizer qualquer coisa à Rede. Marshall adiantou a
fita.
—
Cara, tudo isto é uma loucura — disse uma voz. Berenice animou-se.
—
É ele! É Weed!
Marshall voltou a fita de volta e tocou-a novamente.
Houve um intervalo e então o abrupto início de uma conversa.
—
Pronto, alô? — disse Weed.
—
Kevin, aqui é Susan.
Berenice e Marshall escutavam atentamente. Weed
replicou:
—
Fale, estou ouvindo, cara. Que posso fazer?
A voz de Susan estava tensa e as palavras se
atropelavam.
—
Kevin, vou embora, de uma forma ou de outra, e vai ser esta noite. Pode
encontrar-me no Sempre-Verde amanhã à noite?
—
Sim... sim.
—
Veja se consegue levar Berenice Krueger junto. Tenho material para mostrar a ela,
tudo o de que ela precisa saber.
—
Cara, tudo isto é uma loucura. Você devia ver a minha casa. Alguém entrou aqui
e destruiu tudo. Tome cuidado!
— Todos
nós estamos em grave perigo, Kevin. Kaseph está de mudança para Ashton a
fim de assumir o controle de tudo. Mas não posso falar agora. Encontre-me no
Sempre-Verde às 8. Tentarei chegar lá de algum modo. Se não, ligarei para
você.
—
Está bem, está bem.
—
Tenho de desligar. Adeus e obrigada. Clique. A conversa terminou.
—
É — disse Berenice — ele me ligou para falar sobre isso.
—
Não foi muito — disse Marshall — mas foi o bastante. Agora a pergunta é, será
que ela conseguiu escapar?
Uma chave tilintou na porta da frente. Berenice e
Marshall nunca se moveram tão depressa. Ela guardou os arquivos, e Marshall empurrou a
máquina de volta para dentro do armário. Fecharam as portas do armário.
A porta da frente abriu-se. As luzes do saguão se acenderam.
Eles mergulharam atrás da grande escrivaninha de Brummel. Os olhos de
Berenice estavam cheios de uma única pergunta: O que fazemos agora? Marshall
gesticulou-lhe que ficasse fria, depois fechou os punhos, indicando-lhe que
talvez tivessem de lutar para sair dali.
Outra chave girou na porta do gabinete de Brummel, e a
seguir ela se abriu. O aposento foi subitamente inundado de luz. Ouviram alguém ir ao armário, abrir as
portas, puxar a máquina para fora. Marshall calculou que a pessoa tinha de
estar de costas para ele. Ergueu a cabeça para dar uma espiadinha rápida.
Era Carmem. Ela estava voltando a fita ao começo e preparando-se para
lançar outras entradas no registro.
Berenice também deu uma espiada, e os dois sentiram a mesma fúria e
indignação.
—
Você nunca dorme? — perguntou Marshall a Carmem em voz bem alta. Aquilo
sobressaltou Berenice que deu um pulo. Sobressaltou Carmem, que também pulou,
derrubou os papéis, e deu um gritinho. Ela se voltou de chofre.
—
O quê! — disse, sufocada. — O que está fazendo aqui? Marshall e Berenice
ergueram-se. Por sua aparência contundida e
pelas roupas escuras, dava para ver que essa era tudo,
menos uma visita cordial, despreocupada.
—
Eu lhe perguntaria a mesma coisa — disse Marshall. — Você tem idéia de que
horas são?
Carmem correu os olhos pelos dois, e ficou muda.
Marshall podia certamente pensar em algumas coisas que
dizer:
—
Você é espiã, não é? Foi espiã no nosso escritório, grampeou os nossos
telefones, e agora fugiu com todo o material da nossa investigação.
—
Não sei...
—
... do que estou falando. Certo! Assim, suponho que faz isto todas as noites
também, repassa as conversas gravadas e as cataloga, vendo se escuta alguma
coisa que os chefões possam querer saber.
—
Eu não estava...
—
E o que diz dos registros comerciais do Clarim? Vamos resolver isso primeiro.
De repente, ela caiu no choro, dizendo:
—
Oh... você não compreende... — Ela saiu para a área da recepção.
Marshall seguiu-a logo atrás, sem nenhuma disposição
de perdê-la de vista. Ele tomou o braço dela e fê-la rodopiar.
—
Calma, mocinha! Temos uns negócios sérios a liquidar aqui.
—
Oh! — lamuriou-se Carmem, e então atirou os braços em torno de Marshall como se
fosse uma criança atemorizada e soluçou de encontro ao seu peito. — Pensei que
você fosse um ladrão... Estou contente por ser você. Preciso de ajuda,
Marshall!
—
E nós queremos respostas — respondeu bruscamente Marshall, sem deixar-se
influenciar pelas lágrimas. Ele se sentou na cadeira de Sara. — Sente-se e
guarde as lágrimas para uma novela.
Ela ergueu os olhos para os dois, a pintura dos olhos
escorrendo-lhe pelas faces.
—
Vocês não compreendem? Não têm coração? Vim aqui para pedir ajuda! Acabei de
passar por terrível experiência! — Ela acumulou as forças para dizer, e então
explodiu em acesso de lágrimas:
—
Fui estuprada!
Caindo ao chão, ela soluçava incontrolavelmente.
—
É — disse Marshall, insensível — parece estar ocorrendo muito disso por aí
ultimamente, especialmente entre as pessoas que os seus chefes querem afastar
do caminho. E quem foi desta vez?
Tudo o que ela fez foi ficar deitada no chão e chorar. Berenice tinha
algo fervendo dentro de si.
—
Gostou da minha cara hoje, Carmem? Acho interessante o fato de você ser a única
a saber que eu ia sair para visitar Kevin Weed. Foi você que avisou o bandido
que me espancou?
Ela ainda estava chorando no chão, sem dizer nada.
Marshall foi ao escritório de Brummel e voltou com alguns arquivos,
inclusive as anotações que Carmem havia escrito naquela mesma noite.
—
Tudo com a sua letra, Carmem, minha cara. Você nada mais foi do que uma espiã
desde o começo. Estou errado ou estou certo?
Ela continuava chorando. Marshall segurou-a, erguendo-a
do chão.
—
Vamos, levante-se!
Foi no exato momento em que ele viu a mão dela soltar o botão de
alarme silencioso no chão que a porta da frente se abriu de chofre e ele ouviu
uma voz gritando:
—
Não se mexa! Polícia!
Carmem já não chorava. De fato, sorria maliciosamente. Marshall
ergueu as mãos e Berenice fez o mesmo. Carmem correu e colocou-se atrás dos
dois policiais que haviam acabado de entrar. As armas estavam apontadas
diretamente para os dois larápios.
—
Amigos seus? — perguntou Marshall a Carmem. Ela apenas deu um sorriso maldoso.
Nesse exato momento Alf Brummel em pessoa entrou no prédio, tendo acabado de sair
da cama e ainda de roupão de banho.
—
O que está acontecendo por aqui? — perguntou, e então viu
Marshall. — O que...? Ora, ora, quem temos aqui? — A seguir, ele
deu uma risadinha. Dirigiu-se a Marshall, meneando a cabeça e mostrando os
dentes grandes. — Não acredito! Simplesmente não acredito! — Ele olhou para
Berenice. — Berenice Krueger! É você?
Berenice não tinha nada a dizer, e Brummel estava longe demais
para ela poder cuspir no rosto dele.
Oh, não. Agora a lotação estava completa. Juleen Langstrat, também
de roupão de banho, entrou pela porta! Ela se deslocou para o lado de Brummel e
ambos postaram-se ali, olhando com orgulho para Marshall e Berenice, como se
fossem troféus.
—
Desculpem o tê-los perturbado desta forma — disse Marshall. Langstrat sorriu
com prazer e disse:
—
Eu não teria perdido isto por nada do mundo.
Brummel continuava a sorrir mostrando os dentes grandes
e disse aos policiais.
—
Recitem-lhes os direitos e prendam-nos.
A oportunidade era boa demais para deixar passar. Lá estavam os dois policiais
tentando fazer o seu trabalho, e lá estavam Brummel e Langstrat, parados apenas
um pouco à frente de Marshall. A situação era perfeita, e havia-se estado a
acumular dentro de Marshall por um bom tempo. Instantaneamente, com todo o seu
peso, ele mergulhou na direção da barriga de Brummel e arrojou Brummel e Langstrat
para trás sobre os dois policiais.
—
Corra, Bernie, corra! — gritou ele.
Ela correu. Não parou para pensar se teria a coragem ou a vontade ou
mesmo a velocidade, simplesmente deu tudo o que tinha pelo longo corredor,
passando pelas portas dos gabinetes, direto à saída. A porta abria-se por meio
de uma barra antichoque. Berenice chocou-se contra ela, a porta abriu-se, e
ela, com um tropeção, saiu para o fresco ar noturno.
Marshall encontrava-se no meio de um emaranhado de braços, mãos, corpos e gritos,
agarrando-se a tantos deles quantos conseguia. Estava quase se divertindo, e
não fez tanta força assim para escapar. Queria manter a todos eles ocupados.
Um tira recuperou-se e saiu correndo atrás de Berenice, explodindo
pela porta dos fundos. Ele estava suficientemente perto no rasto da moça para
ouvir o som de passos dirigindo-se à viela de trás, e seguiu-a em encarniçada
perseguição.
Aí estava a chance de Berenice descobrir em que tipo de
condição física se encontrava, costela quebrada e tudo. A respiração explodindo,
ela dava longas passadas, seguindo pela escuridão; sonhava com os óculos, ou
pelo menos com um pouco mais de luz. Ouviu o tira gritando-lhe que parasse. A
qualquer momento ele daria um tiro de advertência. Ela fez uma curva fechada
à esquerda atravessando um quintal, e um cachorro pôs-se a latir. Havia um
espaço de luz entre duas árvores frutíferas cujos galhos chegavam perto do
chão. Ela se dirigiu para lá e encontrou uma cerca. Duas latas de lixo
ajudaram-na a transpô-la com um fragor que revelou ao tira onde ela estava.
Berenice esmagou com os pés uma horta lavrada havia pouco tempo, achatando sem
ver diversos suportes de feijoeiros. Ela chegou a um gramado, voltou na direção
da viela, revirou mais algumas latas, transpôs uma cerca, e continuou a correr.
O tira parecia estar-se distanciando.
Ela estava ficando desesperadamente cansada e sua única esperança era de que
ele também estivesse. Não agüentaria correr assim por muito mais tempo. Cada
fôlego produzia uma pontada aguda na costela quebrada. Já não estava
conseguindo respirar.
Ela dobrou a toda o canto de uma casa e voltou a passar
por outros quintais, suscitando um tumulto de latidos de cães. A seguir atravessou
uma rua e mergulhou num bosque. Os galhos atacavam-na e a agarravam, mas ela
investiu contra eles até chegar a outra cerca que rodeava um posto de gasolina.
Ela correu ao longo da cerca, encontrou um velho depósito de lixo logo do outro
lado, foi um pouco adiante, e então seus olhos foram atraídos por um fragmento
de luz de um poste filtrando-se através de folhas e iluminando uma pilha de
detritos que algum porcalhão havia jogado ali. Ela agarrou a primeira coisa que
sua mão encontrou, uma garrafa velha, caindo em seguida ao chão, tentando não
respirar alto, tentando não gritar de dor.
O tira ia devagar pelo bosque, tateando a fim de
conseguir caminhar no escuro, estalando galhinhos sob os pés, arfando e bufando. Ela
ficou em silêncio, esperando que ele se detivesse e escutasse. Finalmente ele
parou e ficou quieto. Estava à escuta. Ela arremessou a garrafa por cima da
cerca. Ela bateu em cima do depósito de lixo e pulou, espatifando-se na calçada
atrás do posto. O tira arrojou-se pelo mato até a cerca. Ele a transpôs e
quedou-se imóvel atrás do posto.
De onde estava, Berenice não conseguia vê-lo, mas
escutava, muito atenta. Ele também. Então, ela o ouviu andar lentamente pelos
fundos do posto e parar. Passou-se um momento, e então ele começou a caminhar
em ritmo normal. Havia perdido a moça.
Berenice permaneceu onde estava, tentando acalmar as
violentas batidas do coração e o sangue nos ouvidos, tentando acalmar os nervos e o pânico, e desejando que a dor desaparecesse. Tudo o que desejava era tomar grandes fôlegos; não parecia conseguir satisfazer-se.
Oh, Marshall, Marshall, o que estão fazendo com você?