sexta-feira, 7 de maio de 2021

Este mundo tenebroso - volume 01 - Capítulo 29

No estranho aposento escuro embaixo da casa, Alexander M. Kaseph e seu pequeno séquito permaneciam imobili­zados, em profunda meditação. Diante deles, logo atrás do tosco banco, postava-se o Valente, ladeado por seus guardas e auxiliares íntimos. Sua cara frouxa estava estirada agora num riso he­diondo, e ele babava com as presas à mostra, exibindo demoníaco deleite.

— Um a um, os obstáculos estão caindo — disse. — Sim, sim, sua oferenda lhe trará boa sorte, e me agradará —. Os grandes olhos amarelos se estreitaram com a ordem:

— Tragam-na!

No andar de cima, sentada indefesa entre os dois guardas, os pés e as mãos presos com algemas, Susan Jacobson esperava e orava. Com tudo o que havia dentro de si, ela clamou ao Deus verdadeiro, o Deus a quem não conhecia mas que tinha de existir, tinha de ouvi-la, e era o único que a podia ajudar naquela hora.

 Tal alcançou as montanhas e arremeteu encosta acima, subindo, subindo, diminuindo a velocidade. Ele continuou mais devagar ao aproximar-se do topo, e então, assim que passou a crista, cessou todo movimento e todo som, deixando-se planar encosta abaixo do outro lado, silenciosamente, invisivelmente. Percebeu que a nuvem havia aumentado desde que ele partira dali. Sua única esperança era a de que a cobertura de oração fosse suficiente pelo menos para cegar essas fétidas criaturas.

Guilo estivera alerta, esperando o capitão, e seus penetrantes olhos viram Tal descendo como águia silenciosa em sua direção.

— Apronte-se — disse Guilo ao guerreiro ao seu lado.

O guerreiro estava pronto, os olhos na janela do andar de cima. Tal desceu tão baixo que estava quase deslizando pelo chão. Fi­nalmente se deteve ao lado de Guilo.

— Temos a cobertura — disse Tal.

— Vá! — ordenou Guilo ao guerreiro, que saiu meio voando, meio correndo na direção da casa de pedra.

 O pequeno sacerdote, os olhos inquietos de antecipação, subiu a grande escadaria, murmurando e resmungando uma mantra para si mesmo.

Kaseph e seu pessoal esperavam em baixo, em pesado silêncio, Kaseph em pé ao lado das facas.

Susan Jacobson tentou afrouxar as algemas, mas elas estavam tão apertadas que lhe cortavam a carne mesmo que ela não se esforçasse para soltá-las. Os guardas apenas riram-se dela.

— Querido Deus — orou ela — se o senhor é verdadeiramente Senhor deste Universo, por favor tenha misericórdia daquela que ousou colocar-se do seu lado contra este terrível mal...

Naquele instante, como se já não estivesse no quarto, como se acordasse lentamente de um pesadelo, o medo torturante que lhe retorcia o coração começou a desvanecer-lhe da mente como um pensamento que passa, como o acalmar lento e contínuo de uma tempestade. Seu coração estava em paz. O aposento parecia estra­nhamente quieto. Tudo o que ela pôde fazer foi olhar curiosa ao seu redor. O que havia acontecido? Será que ela já havia morrido? Estava dormindo, ou sonhando?

Mas já havia-se sentido assim uma vez. A lembrança daquela noite em Nova York voltou; ela pensou na estranha e alentadora sensação que havia tido mesmo enquanto passava desesperada através da ja­nela. Havia alguém no quarto. Ela sentia isso.

— Você está aqui a fim de me ajudar? — perguntou ela em seu coração, e fagulha mínima de esperança voltou novamente à vida em algum lugar muito profundo em seu íntimo.

De súbito seus pés estavam livres. Os grilhões estavam abertos, no chão. Ela sentiu algo soltar-se em torno dos pulsos e puxou os braços, livres. As algemas tilintaram no chão, da mesma forma que os gri­lhões que lhe haviam prendido os pés.

Ela olhou para os dois guardas, mas eles estavam apenas parados, fitando-a, ainda sorrindo zombeteiros, depois olhando para outro lado como se nada houvesse acontecido.

Nesse instante ela ouviu um ruído, e olhou a tempo de ver o trinco da janela soltar-se e a grande janela do quarto abrir-se sozinha. O ar fresco da noite começou a soprar pelo quarto.

Quer fosse ilusão, quer realidade, ela aceitou o acontecido. Pulou da cadeira. Os guardas não reagiram. Correu na direção da janela aberta. Então se lembrou.

Mantendo um olhar cauteloso e descrente nos guardas, ela correu à cama, puxou a mala que Kaseph e sua gente não haviam encontrado, mesmo escondida num lugar tão óbvio! Apesar de toda a papelada ela parecia estranhamente leve, mas nada naquele momento fazia muito sentido de qualquer forma, por isso ela simplesmente aceitou o fato de ser fácil carregar a mala até a janela e colocá-la no teto do lado de fora. Ela olhou atrás de si. Os guardas estavam sorrindo confiantes a uma cadeira vazia!

Sentindo-se como se alguém a estivesse levantando, Susan passou pela janela ao teto. Uma grossa trepadeira subia pelo lado da casa. Seria um escada perfeita para a fuga.

Lá fora, no prédio da administração, um grupo de guardas de se­gurança conversava baixinho acerca da queda da Serva e do seu destino iminente quando de repente ouviu o ruído de passos no estacionamento.

— Ei, olhe lá! — gritou alguém.

O pessoal da segurança olhou a tempo de ver uma mulher vestida de preto correndo na direção de um dos veículos.

— Ei, o que está fazendo?

— É a Serva!

Eles correram atrás dela, mas ela já havia entrado num grande furgão de mudanças. A partida rosnou, o motor funcionou, e com uma sacudidela e um gemido o veículo começou a rodar.

Guilo saltou do seu esconderijo e berrou:

— Iá-há! — enquanto sua pequena tropa de vinte e três estourava pelo ar como fogos de artifício seguindo o furgão. — Cubram-se, guerreiros!

 O sacerdote chegou ao quarto de Susan e, com a mão ossuda, abriu a porta.

— Estamos prontos — declarou, e subitamente percebeu que estava falando com um par de guardas muito dedicados que tudo estavam fazendo para garantir que uma cadeira vazia não escapasse.

O pequeno pagão teve um acesso de primeira; os guardas não tinham explicação.

 O furgão subia lentamente a estrada sinuosa e precária que saía do vale, passando pelas montanhas. Quatro anjos arremeteram atrás dele e puseram-se a empurrá-lo subida acima, ajudando-o a passar de noventa. Estavam mantendo boa velocidade, mas olhando para trás podiam ver uma legião de demônios que se aproximava em encarniçada perseguição, o reluzir de suas presas e o coruscar rubro de suas lâminas enchiam o céu noturno.

Do alto, Guilo observava a nuvem. Ela permanecia onde estava, cobrindo o Valente. Apenas um pequeno contingente de guerreiros demoníacos havia sido enviado atrás do furgão.

Rugindo montanha acima atrás do veículo, quatro dos guardas de segurança de Kaseph, armados, perseguiam-no em um jipe de alta potência. Mesmo assim, tinham surpreendente dificuldade em al­cançá-lo.

— Pensei que aquela coisa estava totalmente carregada! — disse um deles.

— E está — disse o outro. — Eu mesmo a carreguei.

— E quantos cavalos aquela coisa tem?

A essa altura Kaseph já tinha recebido a notícia da fuga de Susan. Ele ordenou que mais oito homens armados em dois outros veículos se juntassem à perseguição. Eles saltaram em outro jipe e um carro esporte de motor V-8 e saíram do estacionamento cantando pneu.

Demônios e anjos convergiram sobre o furgão, que ainda subia a mais de noventa quilômetros por hora, o escapamento emitindo pe­quenos estouros, os pneus chiando e muitas vezes derrapando na serpeante, rodopiante estrada de pedregulhos. Os quatro anjos con­tinuavam a empurrar enquanto os outros vinte faziam o melhor que podiam para cercar o veículo e deter o ataque demoníaco. Os de­mônios mergulhavam de cima, as espadas vermelhas brilhando, e engajavam os guerreiros celestiais em ferozes refregas, as lâminas cantando, zumbindo, e chocando-se com fragor metálico e jorros de fagulhas.

O furgão chegou ao topo e começou a ganhar velocidade. Os veí­culos que o perseguiam alcançaram o topo apenas segundos depois. Enquanto o furgão acelerava cada vez mais, os buracos e as curvas da estrada faziam o veículo dançar em duas ou três rodas enquanto se disparava ladeira abaixo. A estrada endireitou-se, depois fez uma curva abrupta, depois contorceu-se na direção oposta, depois afun­dou numa lombada. O furgão lutava para manter-se na estrada en­quanto rochas e gradis passavam como um borrão. A cada curva fechada ele gemia e inclinava-se com todo o peso para fora da estrada, o grande chassi afundava sobre as molas, e os pneus guinchavam em protesto.

Uma curva muito fechada à esquerda! O pesado traseiro do furgão rabeou de encontro ao gradil com barulhento raspão e um chuveiro de fagulhas. Estrada abaixo, outra lombada, afundando as molas, o chassi triturando os amortecedores, gemendo e estalando.

Os jipes e o carro esporte vinham atrás, saindo-se muito melhor nas curvas traiçoeiras mas fazendo a pior corrida da sua vida. Dois homens no jipe da frente tinham rifles de longo alcance prontos, mas era impossível acertar algum tiro. Apesar disso, deram uns tiros, ainda que somente para assustar a Serva.

O furgão dirigia-se a uma curva fechada, a sinalização amarela por toda a parte gritando que diminuísse a velocidade e procedesse com cautela. Os quatro anjos que vinham atrás do veículo, empurrando, agora imprensavam-se contra os lados, tentando mantê-lo na estrada. O próprio Guilo veio voando, a espada a rebrilhar, abrindo a golpes da lâmina uma trilha no meio dos interceptores demoníacos até che­gar ao furgão. O carro estava a apenas uma fração de segundo do gradil e da queda a prumo além quando Guilo jogou-se com força contra o lado do veículo, a sacudidela forçando as rodas dianteiras para a esquerda. O furgão fez a curva e continuou. Os perseguidores nos outros veículos precisaram diminuir a velocidade, do contrário atravessariam diretamente o gradil.

Mas os guerreiros celestiais que tentavam circundar o veículo eram perseverantemente removidos. Guilo olhou em tempo de ver um espírito enorme saltar com garras à mostra em cima de um guerreiro, qual águia sobre uma andorinha, fazendo com que o anjo perdesse os sentidos, e mandando-o para dentro do profundo desfiladeiro. Outra refrega ao alto e à esquerda terminou num grito de dor de outro guerreiro que entrou num rodopio maluco, uma asa dilacerada, e desapareceu dentro da montanha. Os encontros das lâminas ecoavam por todos os lados. Lá foi um demônio, sumindo num rasto de fumaça vermelha. Outro anjo caiu na direção do desfiladeiro, ainda segu­rando a espada mas letárgico e estonteado, o demônio que o perseguia logo atrás dele.

Os hediondos guerreiros do inferno finalmente começaram a atra­vessar as fileiras e atingir o furgão. Um deles alcançou o guerreiro que estava logo atrás de Guilo e o derrubou. Guilo não teve tempo de pensar noutra coisa antes que sua própria espada se erguesse para aparar o golpe incrivelmente poderoso de um espírito pelo menos tão forte quanto ele. Guilo devolveu o golpe, suas espadas se engan­charam por um instante, braço contra braço, e então Guilo usou habilmente o pé para afundar a cara do demônio e mandá-lo rodo­piando ao desfiladeiro.

O furgão começou a dar desenfreadas guinadas, os pneus resva­lando na beira do abismo. Guilo empurrou-o com toda a força para fazê-lo voltar ao rumo. O furgão deu outra guinada e o anjo percebeu que devia haver um bando de demônios empurrando do outro lado. Olhando ao redor à procura de ajuda, viu mais garras e olhos amarelos do que amigos. Enorme lâmina foi brandida na direção do seu ombro e ele aparou o golpe. Outra veio na direção do seu tronco e ele bloqueou o golpe. O furgão volteou rumo ao penhasco. Ele tentou empurrá-lo, aparar um golpe, correr os olhos à procura de quem o ajudasse, acertar outro demônio, chutar uma cara, empurrar o veí­culo, cortar um flanco, aparar um golpe, guiar o furgão...

Um golpe! Ele não o viu chegando e não tinha idéia de onde partira, mas ficou estonteado. Largou o furgão, viu o fundo do abismo ro­dopiando muito abaixo, viu a terra, o céu, a terra, o céu. Estava caindo. Abrindo as asas, flutuou para baixo como uma folha rasgada e caída. Ouviu, vindo de cima, um uivo de enregelar o sangue. Ergueu os olhos. Aquele devia ser o demônio que o atacara, um pesadelo enorme de olhos protuberantes com couro de réptil e asas denteadas.

— Venha, venha — murmurou Guilo, esperando que a coisa caísse sobre ele.

A criatura mergulhou a pique, a mandíbula aberta, as presas rebrilhando, uma lâmina chata, larga, de gume afiado, coruscando. Guilo esperou. A coisa ergueu bem alto a espada e a abaixou com um golpe feroz. Guilo estava subitamente a um metro do lugar onde havia estado, e a lâmina continuou seu caminho sem que eles se tivessem encontrado, o demônio virando doidas cambalhotas atrás dela. Guilo, com um rodopiar da própria espada num arco ofuscante, cortou as asas do demônio, depois o liquidou.

O rasto fervente de fumaça vermelha clareou à frente dos olhos de Guilo a tempo de ele ver o furgão arrebentar o gradil e voar sobre o abismo. A queda foi tão longa e extensa, que o veículo pareceu flutuar por uma eternidade antes de dobrar-se e se arrebentar nas pedras embaixo, torcendo, voltando-se, pulando como uma lata de refrige­rante, enquanto cadeiras, mesas e armários saiam pelo fundo e papéis e mais papéis adejavam pelo ar como flocos de neve. Cerca de trinta demônios pairavam acima da cena ou se empoleiravam no que so­brara do gradil para ver seu trabalho chegar ao fim. Após voltear e rolar vez após vez, o furgão, já não reconhecível como coisa alguma, finalmente descansou num amontoado de lata e vidro ao lado da montanha. Os três veículos que o perseguiam pararam, encostaram, e os doze homens da segurança saíram para dar uma olhada.

Guilo descansou num penhasco rochoso, baixando a espada e olhando para o céu. Bem no alto ele conseguia divisar diminutas riscas de luz dirigindo-se em diversos rumos, cada qual acompa­nhada de duas ou três riscas pretas destacadas a vermelho. Seus guerreiros — o que havia sobrado deles — estavam-se espalhando em todas as direções. Guilo achou melhor continuar onde estava até que os limpassem. Ele, Tal, e seus guerreiros em breve se reagru­pariam em Ashton.

 Rafar ainda se encontrava sentado na grande árvore morta, obser­vando a cidade de Ashton como um mestre enxadrista examinaria o tabuleiro. Tinha prazer em ver as muitas peças jogando-se umas contra as outras.

Quando um demônio mensageiro trouxe a boa notícia do covil Valente de que a Serva, aquela traidora, havia tido um miserável fim e que o exército celestial havia sido posto em retirada, Rafar riu-se. Ele havia tomado a rainha do seu adversário!

— E assim acontecerá com o restante — disse Rafar com diabólico prazer. — O Valente confiou-me a preparação da cidade. Quando chegar, ele a encontrará desocupada, varrida, em ordem!

Ele chamou alguns de seus guerreiros e disse:

— Está na hora de limpar a casa. Enquanto os guerreiros celestiais estão fracos e não podem enfrentar-nos, cuidaremos dos obstáculos finais. Gostaria de ver Hogan e Busche eliminados, como reis ven­cidos! Usem a mulher Carmem, e certifiquem-se de que os dois sejam atados e se tornem indefesos, sejam objeto de ridículo e escárnio. Quanto a Kevin Weed... — Os olhos do demônio guerreiro estreitaram-se de desdém. — Jamais poderia ser prêmio digno de alguém como eu. Dêem um fim nele, da forma que quiserem; então venham-me avisar.

Os demônios partiram a fim de executar as ordens.

Rafar deu um suspiro fundo, meio zombeteiro.

— Ah, caro Capitão do Exército, talvez eu vença a batalha só com o erguer de um dedo, com uma ordem casual, com o veneno da minha sutileza; o toque de sua trombeta, que fende os céus, será substituído por um gemido desprezível, e conquistarei a minha vi­tória sem ter de ver o seu rosto, ou a sua espada.

Ele baixou o olhar sobre a cidade e abriu-se naquele seu sorriso odioso, batendo a garra do polegar de encontro às outras quatro.

— Mas esteja certo de que nos encontraremos, Tal! Não pense que pode se esconder atrás de seus santos em oração, porque nós dois podemos ver que eles falharam. Você e eu nos encontraremos!

 Berenice sabia que seria difícil, até mesmo perigoso, dirigir sem os óculos, mas Marshall não atendera ao telefone, de modo que o encontro com Kevin Weed estava inteiramente por sua conta, e com certeza valia o risco. Até então, enquanto dirigia pela Rodovia 27, a luz do dia lhe permitia enxergar o risco no meio da estrada e os vultos que vinham em sua direção, de modo que ela continuou rumo à grande ponte verde ao norte de Baker.

Kevin Weed, sentado numa cadeira no bar do Sempre-Verde, as mãos segurando uma cerveja e os olhos pregados no grande relógio que anunciava uma marca de cerveja, também pensava na ponte. De certo modo aqui ele se sentia mais como um salvo do que sozinho em casa. Havia alguns companheiros por perto, bastante barulho, o jogo na televisão, a partida de mareia atrás dele. Contudo suas mãos ainda tremiam toda vez que largava a caneca de cerveja; assim, a maior parte do tempo ele, segurando a caneca, tentava agir com naturalidade. A porta da frente arranhava o linóleo à medida que as pessoas entravam.

O lugar estava esquentando, o que ele achava ótimo. Quanto mais gente, melhor. Diversos lenhadores vinham comprar cerveja e contar histórias. Acertavam-se apostas em volta do jogo de mareia — nessa noite uma rivalidade antiga seria resolvida de uma vez por todas. Kevin tirou tempo para sorrir e cumprimentar seus amigos e bater um papo com eles. Isso o ajudou a descontrair-se.

Dois lenhadores entraram. Eram novos, calculou ele; nunca os vira antes. Mas se encaixaram bem no resto do grupo e não demoraram a pôr todo o mundo a par de onde estavam trabalhando e por quanto tempo e se o tempo tinha sido bom, mau ou indiferente.

Chegaram até a sentar-se com Kevin.

— Ei — disse um deles, estendendo a mão — sou Mark Hansen.

— Kevin Weed — disse ele, apertando a mão de Mark.

Mark apresentou Kevin ao outro sujeito, Steve Drake. Eles se deram bem, conversando sobre derrubada de madeira, beisebol, caçada de veados, bebidas, e as mãos de Kevin pararam de tremer. Ele até terminou sua cerveja.

— Quer outra? — perguntou Mark.

— Sim, claro, obrigado.

Dan trouxe as cervejas, e a conversa continuou animada.

O pessoal do campeonato decisivo de mareia deu um estrondoso viva e os três voltaram-se para ver o ganhador apertando a mão do perdedor.

Mark foi rápido. Quando ninguém estava olhando, ele esvaziou um pequeno frasco na cerveja de Kevin.

A turma do jogo de mareia começou a reunir-se no balcão. Kevin olhou para o relógio. Já estava mesmo na hora de sair. Apesar de todo o tumulto e conversa ele conseguiu despedir-se de seus dois novos conhecidos, tomar o resto da cerveja e dirigir-se à porta. Mark e Steve acenaram-lhe amistosamente em despedida.

Kevin subiu na velha caminhonete e se foi. Calculou que até che­garia adiantado à ponte. O só pensar nisso o fez começar a tremer de novo.

Mark e Steve não perderam tempo. Mal Kevin havia entrado na rodovia eles estavam na sua própria caminhonete, seguindo a pouca distância. Steve consultou o relógio.

— Não vai demorar muito — disse.

— E então, onde o jogaremos? — perguntou Mark.

— Que tal o rio? Ele já está mesmo indo nessa direção.

Deve ter sido a última cerveja, pensava Kevin. Devo tê-la bebido depressa demais ou algo parecido. Agora seu estômago reclamava. Além disso, precisava ir ao banheiro. Além disso, estava ficando com muito sono. Dirigiu alguns quilômetros debatendo o que fazer, e finalmente achou que era melhor encostar antes que simplesmente tombasse.

Uma lanchonete pintada de cores vivas apareceu logo à frente. Ele deixou a estrada e conseguiu parar o veículo a uma distância segura do prédio.

Ele não percebeu a caminhonete que deixou a estrada e ficou es­perando a uns cem metros atrás dele.

— Ótimo! — disse Mark irritado. — Então o que é que ele vai fazer, tombar logo em frente àquela lanchonete? Pensei que aquela coisa tinha efeito rápido e seguro!

Steve apenas sacudiu a cabeça.

— Talvez ele precise ir ao banheiro. Teremos de esperar para ver.

Parecia que Steve tinha razão. Tropeçando e cambaleando, Kevin dirigiu-se ao banheiro masculino atrás do prédio. Durante um minuto ou mais eles ficaram olhando para a porta do banheiro. Steve con­sultou o relógio novamente. O tempo estava encurtando.

— Se ele sair e voltar à estrada, a coisa deve fazer efeito antes de ele chegar à ponte.

— Se ele conseguir sair! — murmurou Mark. — E se tivermos de arrastá-lo lá de dentro?

Não. Aí vinha ele, pela porta do banheiro, com a aparência um pouco melhor. Enquanto os dois homens observavam, Kevin subiu novamente na caminhonete e voltou à estrada. Eles o seguiram, es­perando que algo acontecesse.

E aconteceu. O veículo começou a dar guinadas, primeiro à es­querda, então à direita.

— Lá vai ele! — disse Steve.

Logo adiante estava a ponte do rio Judd, uma armação de aço sobre um abismo muito profundo cavado pelo próprio rio. A pequena ca­minhonete continuou a sua louca corrida, guinando a torto e a direito, depois voltando para a faixa da direita, então indo para o acosta­mento.

— Ele está lutando contra a droga, tentando permanecer acordado — observou Steve.

— Pode ter sido diluída pela cerveja.

A caminhonete foi para o acostamento, e os pneus começaram a bambolear e a enterrar-se na camada mole de pedrisco. As rodas traseiras rodopiavam e atiravam pedras, e o veículo rabeou durante diversos metros, dirigindo-se à ponte, mas a essa altura o motorista já não o controlava e parecia ter caído no sono com o pé no acelerador. A caminhonete rugiu e acelerou, em seguida cruzou a estrada, passou rugindo a saída logo antes da ponte, saltou sobre um capão de amieiros novos, deixando por fim o precipício rochoso e caindo no desfiladeiro lá embaixo.

Mark e Steve pararam a tempo de olhar pelo lado e ver o veículo afundando no rio com as rodas para cima.

— Mais um ponto para Kaseph — disse Steve.

Outro motorista num carro que vinha da outra direção brecou com força e saltou do automóvel. Logo outro veículo parou. A ponte começava a encher-se de gente excitada. Mark e Steve deixaram a ponte de mansinho.

— Chamaremos o corpo de bombeiros! — gritou Mark para fora da janela.

E lá se foram eles, e jamais alguém os viu ou ouviu falar neles novamente.