No estranho aposento escuro embaixo da casa, Alexander
M. Kaseph e seu pequeno séquito permaneciam imobilizados, em profunda meditação.
Diante deles, logo atrás do tosco banco, postava-se o Valente, ladeado por seus
guardas e auxiliares íntimos. Sua cara frouxa estava estirada agora num riso hediondo,
e ele babava com as presas à mostra, exibindo demoníaco deleite.
—
Um a um, os obstáculos estão caindo — disse. — Sim, sim, sua oferenda lhe trará
boa sorte, e me agradará —. Os grandes olhos amarelos se estreitaram com a
ordem:
—
Tragam-na!
No andar de cima, sentada indefesa entre os dois
guardas, os pés
e as mãos presos com algemas, Susan Jacobson esperava e orava. Com tudo o que
havia dentro de si, ela clamou ao Deus verdadeiro, o Deus a quem não conhecia
mas que tinha de existir, tinha de ouvi-la, e era o único que a podia ajudar
naquela hora.
Guilo estivera alerta, esperando o capitão, e seus penetrantes
olhos viram Tal descendo como águia silenciosa em sua direção.
—
Apronte-se — disse Guilo ao guerreiro ao seu lado.
O guerreiro estava pronto, os olhos na janela do andar
de cima. Tal desceu tão baixo que estava quase deslizando pelo chão. Finalmente se deteve ao
lado de Guilo.
—
Temos a cobertura — disse Tal.
—
Vá! — ordenou Guilo ao guerreiro, que saiu meio voando, meio correndo na
direção da casa de pedra.
Kaseph e seu pessoal esperavam em baixo, em pesado silêncio, Kaseph em pé ao lado
das facas.
Susan Jacobson tentou afrouxar as algemas, mas elas
estavam tão
apertadas que lhe cortavam a carne mesmo que ela não se esforçasse para
soltá-las. Os guardas apenas riram-se dela.
—
Querido Deus — orou ela — se o senhor é verdadeiramente Senhor deste Universo, por favor tenha misericórdia daquela que ousou
colocar-se do seu lado contra este terrível mal...
Naquele instante, como se já não estivesse no quarto,
como se acordasse lentamente de um pesadelo, o medo torturante que lhe retorcia
o coração começou a desvanecer-lhe da mente como um pensamento que passa, como
o acalmar lento e contínuo de uma tempestade. Seu coração estava em paz. O
aposento parecia estranhamente quieto. Tudo o que ela pôde fazer foi olhar
curiosa ao seu redor. O que havia acontecido? Será que ela já havia morrido?
Estava dormindo, ou sonhando?
Mas já havia-se sentido assim uma vez. A lembrança daquela noite
em Nova York voltou; ela pensou na estranha e alentadora sensação que havia
tido mesmo enquanto passava desesperada através da janela. Havia alguém no
quarto. Ela sentia isso.
—
Você está aqui a fim de me ajudar? — perguntou ela em seu coração, e fagulha
mínima de esperança voltou novamente à vida em algum lugar muito profundo em
seu íntimo.
De súbito seus pés estavam livres. Os grilhões estavam abertos,
no chão. Ela sentiu algo soltar-se em torno dos pulsos e puxou os braços,
livres. As algemas tilintaram no chão, da mesma forma que os grilhões que lhe
haviam prendido os pés.
Ela olhou para os dois guardas, mas eles estavam apenas
parados, fitando-a, ainda sorrindo zombeteiros, depois olhando para outro lado
como se nada houvesse acontecido.
Nesse instante ela ouviu um ruído, e olhou a tempo de ver
o trinco da janela soltar-se e a grande janela do quarto abrir-se sozinha. O ar
fresco da noite começou a soprar pelo quarto.
Quer fosse ilusão, quer realidade, ela aceitou o acontecido. Pulou da
cadeira. Os guardas não reagiram. Correu na direção da janela aberta. Então se
lembrou.
Mantendo um olhar cauteloso e descrente nos guardas,
ela correu à
cama, puxou a mala que Kaseph e sua gente não haviam encontrado, mesmo
escondida num lugar tão óbvio! Apesar de toda a papelada ela parecia
estranhamente leve, mas nada naquele momento fazia muito sentido de qualquer
forma, por isso ela simplesmente aceitou o fato de ser fácil carregar a mala
até a janela e colocá-la no teto do lado de fora. Ela olhou atrás de si. Os
guardas estavam sorrindo confiantes a uma cadeira vazia!
Sentindo-se como se alguém a estivesse levantando, Susan passou pela janela ao
teto. Uma grossa trepadeira subia pelo lado da casa. Seria um escada perfeita
para a fuga.
Lá fora, no prédio da administração, um grupo de guardas de segurança
conversava baixinho acerca da queda da Serva e do seu destino iminente quando de repente ouviu o ruído de passos no
estacionamento.
—
Ei, olhe lá! — gritou alguém.
O pessoal da segurança olhou a tempo de ver uma mulher vestida de preto
correndo na direção de um dos veículos.
—
Ei, o que está fazendo?
—
É a Serva!
Eles correram atrás dela, mas ela já havia entrado num grande furgão de
mudanças. A partida rosnou, o motor funcionou, e com uma sacudidela e um gemido
o veículo começou a rodar.
Guilo saltou do seu esconderijo e berrou:
—
Iá-há! — enquanto sua pequena tropa de vinte e três estourava pelo ar como
fogos de artifício seguindo o furgão. — Cubram-se, guerreiros!
—
Estamos prontos — declarou, e subitamente percebeu que estava falando com um par
de guardas muito dedicados que tudo estavam fazendo para garantir que uma
cadeira vazia não escapasse.
O pequeno pagão teve um acesso de primeira; os guardas não tinham
explicação.
Do alto, Guilo observava a nuvem. Ela permanecia onde
estava, cobrindo o Valente. Apenas um pequeno contingente de guerreiros demoníacos havia sido enviado atrás
do furgão.
Rugindo montanha acima atrás do veículo, quatro dos
guardas de segurança de Kaseph, armados, perseguiam-no em um jipe de alta
potência. Mesmo assim, tinham surpreendente dificuldade em alcançá-lo.
—
Pensei que aquela coisa estava totalmente carregada! — disse um deles.
—
E está — disse o outro. — Eu mesmo a carreguei.
—
E quantos cavalos aquela coisa tem?
A essa altura Kaseph já tinha recebido a notícia
da fuga de Susan. Ele ordenou que mais oito homens armados em dois outros
veículos se juntassem à perseguição. Eles saltaram em outro jipe e um carro esporte de motor V-8 e saíram do estacionamento cantando pneu.
Demônios e anjos convergiram sobre o furgão, que ainda subia a
mais de noventa quilômetros por hora, o escapamento emitindo pequenos
estouros, os pneus chiando e muitas vezes derrapando na serpeante, rodopiante
estrada de pedregulhos. Os quatro anjos continuavam a empurrar enquanto os
outros vinte faziam o melhor que podiam para cercar o veículo e deter o ataque
demoníaco. Os demônios mergulhavam de cima, as espadas vermelhas brilhando, e
engajavam os guerreiros celestiais em ferozes refregas, as lâminas cantando,
zumbindo, e chocando-se com fragor metálico e jorros de fagulhas.
O furgão chegou ao topo e começou a ganhar velocidade. Os veículos
que o perseguiam alcançaram o topo apenas segundos depois. Enquanto o furgão
acelerava cada vez mais, os buracos e as curvas da estrada faziam o veículo
dançar em duas ou três rodas enquanto se disparava ladeira abaixo. A estrada
endireitou-se, depois fez uma curva abrupta, depois contorceu-se na direção
oposta, depois afundou numa lombada. O furgão lutava para manter-se na estrada
enquanto rochas e gradis passavam como um borrão. A cada curva fechada ele
gemia e inclinava-se com todo o peso para fora da estrada, o grande chassi
afundava sobre as molas, e os pneus guinchavam em protesto.
Uma curva muito fechada à esquerda! O pesado traseiro do furgão rabeou de
encontro ao gradil com barulhento raspão e um chuveiro de fagulhas. Estrada
abaixo, outra lombada, afundando as molas, o chassi triturando os
amortecedores, gemendo e estalando.
Os jipes e o carro esporte vinham atrás, saindo-se muito melhor
nas curvas traiçoeiras mas fazendo a pior corrida da sua vida. Dois homens no
jipe da frente tinham rifles de longo alcance prontos, mas era impossível
acertar algum tiro. Apesar disso, deram uns tiros, ainda que somente para
assustar a Serva.
O furgão dirigia-se a uma curva fechada, a sinalização amarela por
toda a parte gritando que diminuísse a velocidade e procedesse com cautela. Os
quatro anjos que vinham atrás do veículo, empurrando, agora imprensavam-se
contra os lados, tentando mantê-lo na estrada. O próprio Guilo veio voando, a
espada a rebrilhar, abrindo a golpes da lâmina uma trilha no meio dos
interceptores demoníacos até chegar ao furgão. O carro estava a apenas uma
fração de segundo do gradil e da queda a prumo além quando Guilo jogou-se com
força contra o lado do veículo, a sacudidela forçando as rodas dianteiras para
a esquerda. O furgão fez a curva e continuou. Os perseguidores nos outros
veículos precisaram diminuir a velocidade, do contrário atravessariam
diretamente o gradil.
Mas os guerreiros celestiais que tentavam circundar o
veículo eram perseverantemente removidos. Guilo olhou em tempo de ver um espírito enorme saltar com
garras à mostra em cima de um guerreiro, qual águia sobre uma andorinha,
fazendo com que o anjo perdesse os sentidos, e mandando-o para dentro do
profundo desfiladeiro. Outra refrega ao alto e à esquerda terminou num grito de
dor de outro guerreiro que entrou num rodopio maluco, uma asa dilacerada, e
desapareceu dentro da montanha. Os encontros das lâminas ecoavam por todos os
lados. Lá foi um demônio, sumindo num rasto de fumaça vermelha. Outro anjo caiu
na direção do desfiladeiro, ainda segurando a espada mas letárgico e
estonteado, o demônio que o perseguia logo atrás dele.
Os hediondos guerreiros do inferno finalmente começaram a atravessar as
fileiras e atingir o furgão. Um deles alcançou o guerreiro que estava logo
atrás de Guilo e o derrubou. Guilo não teve tempo de pensar noutra coisa antes
que sua própria espada se erguesse para aparar o golpe incrivelmente poderoso
de um espírito pelo menos tão forte quanto ele. Guilo devolveu o golpe, suas
espadas se engancharam por um instante, braço contra braço, e então Guilo usou
habilmente o pé para afundar a cara do demônio e mandá-lo rodopiando ao
desfiladeiro.
O furgão começou a dar desenfreadas guinadas, os pneus resvalando
na beira do abismo. Guilo empurrou-o com toda a força para fazê-lo voltar ao
rumo. O furgão deu outra guinada e o anjo percebeu que devia haver um bando de
demônios empurrando do outro lado. Olhando ao redor à procura de ajuda, viu
mais garras e olhos amarelos do que amigos. Enorme lâmina foi brandida na
direção do seu ombro e ele aparou o golpe. Outra veio na direção do seu tronco
e ele bloqueou o golpe. O furgão volteou rumo ao penhasco. Ele tentou
empurrá-lo, aparar um golpe, correr os olhos à procura de quem o ajudasse,
acertar outro demônio, chutar uma cara, empurrar o veículo, cortar um flanco,
aparar um golpe, guiar o furgão...
Um golpe! Ele não o viu chegando e não tinha idéia de onde partira,
mas ficou estonteado. Largou o furgão, viu o fundo do abismo rodopiando muito
abaixo, viu a terra, o céu, a terra, o céu. Estava caindo. Abrindo as asas,
flutuou para baixo como uma folha rasgada e caída. Ouviu, vindo de cima, um
uivo de enregelar o sangue. Ergueu os olhos. Aquele devia ser o demônio que o
atacara, um pesadelo enorme de olhos protuberantes com couro de réptil e asas
denteadas.
—
Venha, venha — murmurou Guilo, esperando que a coisa caísse sobre ele.
A criatura mergulhou a pique, a mandíbula aberta, as presas
rebrilhando, uma lâmina chata, larga, de gume afiado, coruscando. Guilo
esperou. A coisa ergueu bem alto a espada e a abaixou com um golpe feroz. Guilo
estava subitamente a um metro do lugar onde havia estado, e a lâmina continuou seu caminho
sem que eles se tivessem encontrado, o demônio virando doidas cambalhotas atrás
dela. Guilo, com um rodopiar da própria espada num arco ofuscante, cortou as
asas do demônio, depois o liquidou.
O rasto fervente de fumaça vermelha clareou à frente dos olhos de Guilo a tempo
de ele ver o furgão arrebentar o gradil e voar sobre o abismo. A queda foi tão
longa e extensa, que o veículo pareceu flutuar por uma eternidade antes de
dobrar-se e se arrebentar nas pedras embaixo, torcendo, voltando-se, pulando
como uma lata de refrigerante, enquanto cadeiras, mesas e armários saiam pelo
fundo e papéis e mais papéis adejavam pelo ar como flocos de neve. Cerca de
trinta demônios pairavam acima da cena ou se empoleiravam no que sobrara do
gradil para ver seu trabalho chegar ao fim. Após voltear e rolar vez após vez,
o furgão, já não reconhecível como coisa alguma, finalmente descansou num
amontoado de lata e vidro ao lado da montanha. Os três veículos que o
perseguiam pararam, encostaram, e os doze homens da segurança saíram para dar
uma olhada.
Guilo descansou num penhasco rochoso, baixando a espada
e olhando para o céu. Bem no alto ele conseguia divisar diminutas riscas de luz dirigindo-se
em diversos rumos, cada qual acompanhada de duas ou três riscas pretas
destacadas a vermelho. Seus guerreiros — o que havia sobrado deles — estavam-se
espalhando em todas as direções. Guilo achou melhor continuar onde estava até
que os limpassem. Ele, Tal, e seus guerreiros em breve se reagrupariam em
Ashton.
Quando um demônio mensageiro trouxe a boa notícia do covil Valente
de que a Serva, aquela traidora, havia tido um miserável fim e que o exército
celestial havia sido posto em retirada, Rafar riu-se. Ele havia tomado a rainha
do seu adversário!
—
E assim acontecerá com o restante — disse Rafar com diabólico prazer. — O
Valente confiou-me a preparação da cidade. Quando chegar, ele a encontrará
desocupada, varrida, em ordem!
Ele chamou alguns de seus guerreiros e disse:
—
Está na hora de limpar a casa. Enquanto os guerreiros celestiais estão fracos e
não podem enfrentar-nos, cuidaremos dos obstáculos finais. Gostaria de ver
Hogan e Busche eliminados, como reis vencidos! Usem a mulher Carmem, e
certifiquem-se de que os dois sejam atados e se tornem indefesos, sejam objeto
de ridículo e escárnio. Quanto a Kevin Weed... — Os olhos do demônio guerreiro
estreitaram-se de desdém. — Jamais poderia ser prêmio digno de alguém como
eu. Dêem um fim nele, da forma que quiserem; então venham-me avisar.
Os demônios partiram a fim de executar as ordens.
Rafar deu um suspiro fundo, meio zombeteiro.
—
Ah, caro Capitão do Exército, talvez eu vença a batalha só com o erguer de um
dedo, com uma ordem casual, com o veneno da minha sutileza; o toque de sua
trombeta, que fende os céus, será substituído por um gemido desprezível, e
conquistarei a minha vitória sem ter de ver o seu rosto, ou a sua espada.
Ele baixou o olhar sobre a cidade e abriu-se naquele
seu sorriso odioso, batendo a garra do polegar de encontro às outras quatro.
—
Mas esteja certo de que nos encontraremos, Tal! Não pense que pode se esconder
atrás de seus santos em oração, porque nós dois podemos ver que eles falharam.
Você e eu nos encontraremos!
Kevin Weed, sentado numa cadeira no bar do
Sempre-Verde, as mãos segurando uma cerveja e os olhos pregados no grande relógio que
anunciava uma marca de cerveja, também pensava na ponte. De certo modo aqui ele
se sentia mais como um salvo do que sozinho em casa. Havia alguns companheiros
por perto, bastante barulho, o jogo na televisão, a partida de mareia atrás
dele. Contudo suas mãos ainda tremiam toda vez que largava a caneca de cerveja;
assim, a maior parte do tempo ele, segurando a caneca, tentava agir com
naturalidade. A porta da frente arranhava o linóleo à medida que as pessoas
entravam.
O lugar estava esquentando, o que ele achava ótimo. Quanto mais gente,
melhor. Diversos lenhadores vinham comprar cerveja e contar histórias.
Acertavam-se apostas em volta do jogo de mareia — nessa noite uma rivalidade
antiga seria resolvida de uma vez por todas. Kevin tirou tempo para sorrir e
cumprimentar seus amigos e bater um papo com eles. Isso o ajudou a
descontrair-se.
Dois lenhadores entraram. Eram novos, calculou ele;
nunca os vira antes. Mas se encaixaram bem no resto do grupo e não demoraram a pôr todo o
mundo a par de onde estavam trabalhando e por quanto tempo e se o tempo tinha
sido bom, mau ou indiferente.
Chegaram até a sentar-se com Kevin.
—
Ei — disse um deles, estendendo a mão — sou Mark Hansen.
—
Kevin Weed — disse ele, apertando a mão de Mark.
Mark apresentou Kevin ao outro sujeito, Steve Drake.
Eles se deram bem, conversando sobre derrubada de madeira, beisebol, caçada de veados, bebidas, e
as mãos de Kevin pararam de tremer. Ele até terminou sua cerveja.
—
Quer outra? — perguntou Mark.
—
Sim, claro, obrigado.
Dan trouxe as cervejas, e a conversa continuou animada.
O pessoal do campeonato decisivo de mareia deu um
estrondoso viva e os três voltaram-se para ver o ganhador apertando a mão do
perdedor.
Mark foi rápido. Quando ninguém estava olhando, ele esvaziou um
pequeno frasco na cerveja de Kevin.
A turma do jogo de mareia começou a reunir-se no balcão.
Kevin olhou para o relógio. Já estava mesmo na hora de sair. Apesar de todo o
tumulto e conversa ele conseguiu despedir-se de seus dois novos conhecidos,
tomar o resto da cerveja e dirigir-se à porta. Mark e Steve acenaram-lhe
amistosamente em despedida.
Kevin subiu na velha caminhonete e se foi. Calculou que
até chegaria
adiantado à ponte. O só pensar nisso o fez começar a tremer de novo.
Mark e Steve não perderam tempo. Mal Kevin havia entrado na rodovia eles
estavam na sua própria caminhonete, seguindo a pouca distância. Steve consultou
o relógio.
—
Não vai demorar muito — disse.
—
E então, onde o jogaremos? — perguntou Mark.
—
Que tal o rio? Ele já está mesmo indo nessa direção.
Deve ter sido a última cerveja, pensava Kevin. Devo tê-la bebido
depressa demais ou algo parecido. Agora seu estômago reclamava. Além disso,
precisava ir ao banheiro. Além disso, estava ficando com muito sono. Dirigiu
alguns quilômetros debatendo o que fazer, e finalmente achou que era melhor
encostar antes que simplesmente tombasse.
Uma lanchonete pintada de cores vivas apareceu logo à frente. Ele deixou a
estrada e conseguiu parar o veículo a uma distância segura do prédio.
Ele não percebeu a caminhonete que deixou a estrada e ficou esperando
a uns cem metros atrás dele.
—
Ótimo! — disse Mark irritado. — Então o que é que ele vai fazer, tombar logo em
frente àquela lanchonete? Pensei que aquela coisa tinha efeito rápido e seguro!
Steve apenas sacudiu a cabeça.
—
Talvez ele precise ir ao banheiro. Teremos de esperar para ver.
Parecia que Steve tinha razão. Tropeçando e
cambaleando, Kevin dirigiu-se ao banheiro masculino atrás do prédio. Durante um
minuto ou mais eles ficaram olhando para a porta do banheiro. Steve consultou o
relógio novamente. O tempo estava encurtando.
—
Se ele sair e voltar à estrada, a coisa deve fazer efeito antes de ele chegar à
ponte.
—
Se ele conseguir sair! — murmurou Mark. — E se tivermos de arrastá-lo lá de
dentro?
Não. Aí vinha ele, pela porta do banheiro, com a aparência um
pouco melhor. Enquanto os dois homens observavam, Kevin subiu novamente na
caminhonete e voltou à estrada. Eles o seguiram, esperando que algo
acontecesse.
E aconteceu. O veículo começou a dar guinadas, primeiro à esquerda, então
à direita.
—
Lá vai ele! — disse Steve.
Logo adiante estava a ponte do rio Judd, uma armação de aço sobre um abismo
muito profundo cavado pelo próprio rio. A pequena caminhonete continuou a sua
louca corrida, guinando a torto e a direito, depois voltando para a faixa da
direita, então indo para o acostamento.
—
Ele está lutando contra a droga, tentando permanecer acordado — observou Steve.
—
Pode ter sido diluída pela cerveja.
A caminhonete foi para o acostamento, e os pneus começaram a bambolear e a
enterrar-se na camada mole de pedrisco. As rodas traseiras rodopiavam e
atiravam pedras, e o veículo rabeou durante diversos metros, dirigindo-se à
ponte, mas a essa altura o motorista já não o controlava e parecia ter caído no
sono com o pé no acelerador. A caminhonete rugiu e acelerou, em seguida cruzou
a estrada, passou rugindo a saída logo antes da ponte, saltou sobre um capão de
amieiros novos, deixando por fim o precipício rochoso e caindo no desfiladeiro
lá embaixo.
Mark e Steve pararam a tempo de olhar pelo lado e ver o
veículo
afundando no rio com as rodas para cima.
—
Mais um ponto para Kaseph — disse Steve.
Outro motorista num carro que vinha da outra direção brecou com força e
saltou do automóvel. Logo outro veículo parou. A ponte começava a encher-se de
gente excitada. Mark e Steve deixaram a ponte de mansinho.
—
Chamaremos o corpo de bombeiros! — gritou Mark para fora da janela.
E lá se foram eles, e jamais alguém os viu ou ouviu falar neles novamente.