No vale longínquo e retirado, em pequeno conjunto de prédios não
identificados escondidos por penhascos rochosos, uma transição apressada estava
em plena movimentação.
No complexo de escritórios, sentados em escrivaninhas e mesas de trabalho, apressando-se
para cima e para baixo nos corredores, correndo escada acima e escada abaixo,
mais de duzentas pessoas de todas as idades, descrições e nacionalidades
estavam datilografando cartas, examinando arquivos, verificando registros,
calculando o saldo de contas, papagueando no telefone em línguas diferentes. O
pessoal da manutenção em macacões azuis trazia grandes pilhas de caixas e
engradados em carrinhos de mão, e o pessoal dos escritórios começava a encher
meticulosamente as caixas com os conteúdos dos arquivos, com qualquer
apetrecho de escritório não necessário no momento, com outros livros e
registros.
No lado de fora, caminhões estavam sendo carregados com os engradados enquanto
outros empregados da manutenção dirigindo pequenos tratores de transporte
percorriam todo o complexo, fechando várias tomadas e saídas de energia, e
pregando tábuas nas portas e janelas de qualquer prédio já desocupado.
Perto dali, na varanda de um casarão de pedra nos limites da
propriedade, uma mulher, em pé, observava. Era alta e esguia, com longos
cabelos cor-de-ébano; trajava roupas pretas, soltas, e agarrava a bolsa a
tiracolo apertada contra o lado com mãos pálidas, trêmulas. Ela olhou de um
lado e de outro, evidentemente tentando descontrair-se. Inspirou profundamente
algumas vezes. Enfiou a mão na bolsa e tirou um par de óculos escuros com os
quais cobriu os olhos. A seguir, desceu da varanda e começou a cruzar a praça
em direção ao prédio de escritórios.
Seus passos eram firmes e deliberados, os olhos fitos bem
à frente.
Algumas pessoas do escritório passaram e a saudaram, pressionando as palmas uma
contra a outra na frente dos queixos e curvando-se levemente. Ela respondeu com um aceno de cabeça e continuou a andar.
A equipe do escritório a saudou da mesma maneira quando ela entrou e ela
sorriu às pessoas, sem dizer palavra. Ao receber o sorriso dela, elas
retornaram à sua febril atividade. A gerente do escritório, uma mulher bem
vestida com o cabelo firmemente preso, fez uma pequena mesura e disse:
—
Bom dia. O que a Serva requer? A Serva sorriu e disse:
—
Gostaria de fazer algumas cópias.
—
Posso fazê-las imediatamente.
—
Obrigada. Gostaria de fazê-las eu mesma.
—
Certamente. Aquecerei a máquina para a senhora.
A mulher apressou-se na direção de uma saleta lateral,
e a Serva seguiu. Diversos contadores e arquivistas, alguns orientais, alguns
indianos orientais, alguns europeus, curvaram-se quando ela passou e depois
voltaram às consultas que trocavam.
A gerente do escritório aprontou a copiadora em menos de um minuto.
—
Obrigada, pode ir agora — disse a Serva.
—
Certamente — respondeu a mulher. — Estou à sua disposição se tiver algum
problema ou pergunta.
—
Obrigada.
A gerente saiu e a Serva fechou a porta atrás dela, isolando-se do
resto do escritório e de qualquer intrusão. A seguir, enfiou a mão na bolsa e
retirou um livrinho. Ela o folheou, passando os olhos pelas páginas escritas à
mão até achar o que estava procurando. Então, colocando o livro aberto voltado
para a copiadora, ela pôs-se a apertar os botões e copiar página após página.
Quarenta páginas mais tarde ela desligou a máquina, dobrou as
cópias com capricho e as colocou num compartimento da bolsa, junto com o
livrinho. Deixando o escritório diretamente, ela voltou ao casarão de pedra.
A casa era majestosa, tanto no tamanho quanto na decoração, com uma grande lareira
e teto elevado cortado por vigas rústicas. A Serva subiu depressa a escada
coberta de espesso carpete que levava ao seu quarto e fechou a porta atrás de
si.
Colocando o livrinho na imponente penteadeira antiga,
ela abriu uma gaveta e tirou papel de embrulho e barbante. O papel já trazia um nome escrito,
do destinatário: Alexander M. Kaseph. O endereço do remetente incluía o nome J.
Langstrat. Ela embrulhou depressa o livro outra vez, como se o pacote nunca
tivesse sido aberto, e em seguida amarrou-o com barbante.
Em outra parte da casa, num escritório muito amplo, um homem de meia-idade, de porte arredondado, trajando calças soltas e túnica,
sentava-se à moda indiana sobre uma grande almofada. Seus olhos achavam-se
fechados, e ele respirava profundamente. O belo mobiliário de pessoa de grande
prestígio e poder o cercavam: lembranças do mundo todo, tais com espadas,
clavas de guerra, artefatos africanos, relíquias religiosas, e diversos ídolos
do Oriente, um tanto grotescos; uma belonave de escrivaninha com um consolo de
computador embutido, telefone de muitas linhas, e um interfone; um longo sofá
coberto de almofadas fundas, um conjunto de cadeiras e mesinha de centro de
carvalho, torneadas à mão; troféus de caça de urso, alce, alce americano e
leão. Sem ouvir ninguém bater, o homem falou suavemente:
—
Entre, Susan.
A grande porta de carvalho abriu-se silenciosamente e a
Serva entrou, carregando o pacote de papel pardo. Sem abrir os olhos, o homem
disse:
—
Ponha-o sobre a escrivaninha.
A Serva o fez, e o homem começou a se mexer, saindo de
sua posição imóvel, abrindo os olhos e estirando os braços como se estivesse
acordando de um sono.
—
Então finalmente o encontrou — disse ele com um sorriso provocante.
—
Estava lá o tempo todo. Como todo o empacotamento e nova arrumação ele foi
atirado num canto.
O homem levantou-se da almofada, esticando as pernas, e
deu algumas voltas pelo escritório. — Realmente não sei o que é — disse, como que respondendo
a uma pergunta.
—
Eu não estava querendo saber... — disse a Serva. Ele sorriu condescendente e
disse:
—
Oh, talvez não, mas parecia que você estava. Às vezes, posso lê-la tão bem, e
às vezes você se distancia. Tem-se sentido perturbada ultimamente. Por quê?
—
Oh, toda essa mudança, acho, a desordem.
Ele lhe envolveu a cintura com os braços e a apertou contra si
enquanto dizia:
—
Não deixe que isso a perturbe. Estamos indo para um lugar muito melhor. Já
escolhi a casa. Você vai adorá-la.
—
Eu fui criada naquela cidade, sabe?
—
Não. Não, na realidade, não. Não será a mesma cidade de forma alguma, não a
cidade da qual se lembra. Será melhor. Mas você não acredita nisso, acredita?
—
Como já disse, fui criada em Ashton —
—
E tudo o que queria era sair de lá!
—
Por isso, você compreende porque meus sentimentos estão confusos.
Ele a fez rodopiar e riu alegremente enquanto olhava
nos olhos dela. — Sim, eu sei! Por um lado, você não tem o mínimo desejo de ver a cidade,
e por outro lado, sai às escondidas para ir ao festival.
Ela corou um pouquinho e olhou para o chão. — Eu estava procurando
algo do meu passado, algo de onde pudesse vislumbrar meu futuro.
Ele segurou-lhe a mão e disse:
—
O passado não existe. Você devia ter ficado comigo. Eu tenho todas as respostas
para você agora.
—
Sim, posso ver isso. Antes, não podia.
Ele riu e postou-se atrás da escrivaninha. — Bem, ótimo, ótimo. Não precisamos
fazer nenhuma outra reunião em esconderijos atrás de um barulhento parque de
diversões. Você devia ter visto como nossos amigos ficaram envergonhados por
ter de nos encontrar lá.
—
Mas afinal por que você precisou ir atrás de mim? Por que teve de arrastá-los
lá?
Ele sentou-se à escrivaninha e pôs-se a manipular uma faca cerimonial
de mau aspecto, com cabo dourado e lâmina afiadíssima.
Olhando por cima do gume da lâmina na direção da moça,
ele lhe disse:
—
Porque, cara Serva, não confio em você. Amo-a, estou unido a você em essência,
mas... — Ele ergueu a faca ao nível dos olhos e espiou ao longo do gume da lâmina
em sua direção, os olhos tão cortantes quanto a faca. — Não confio em você. É
uma mulher dada a muitas paixões conflitantes.
—
Não posso prejudicar o Plano. Sou apenas uma pessoa entre milhares.
Ele ergueu-se e deu a volta ao lado da escrivaninha
onde outras facas estavam enfiadas na cabeça esculpida de algum ídolo pagão.
—
Você, minha cara Susan, partilha a minha vida, os meus segredos, os meus
propósitos. Tenho de proteger os meus interesses.
Com isso, ele deixou cair a faca, de ponta, e ela
penetrou com um baque na cabeça do ídolo.
Ela sorriu em aquiescência e achegou-se a ele, dando-lhe um beijo sedutor. —
Sou, e sempre serei, sua — disse ela.
Ele lhe deu um sorriso irônico e o olhar cortante nunca deixou seus olhos
enquanto respondia:
—
Sim. Claro que é.
Era imponente e forte, os olhos penetrantes cheios de
sabedoria. O outro era Tal, o Capitão do Exército.
—
É isso o que você procura — disse o homem de cabelos prateados. — Rafar tratou
de negócios aí há questão de dias.
Tal baixou o olhar e perscrutou o vale. Os enxames de
demônios negros
eram numerosos demais para se chegar a uma estimativa.
—
O Homem Forte? — perguntou ele.
—
Sem dúvida, com uma nuvem de guardas e guerreiros em toda a sua volta. Ainda
não conseguimos penetrá-la.
—
E a moça está bem no meio dela!
—
O Espírito tem estado constantemente a abrir-lhe os olhos e a chamá-la. Ela
está próxima ao Homem Forte — perigosamente próxima. As orações do
Remanescente fizeram descer uma cegueira e um estupor sobre as hostes
demoníacas ao redor dela. Por enquanto, essa cegueira ganhará tempo para você,
mas pouco mais que isso.
Tal fez uma careta. — Meu general, precisaremos de mais que estupor para
chegar até ela. Mal podemos defender a cidade de Ashton, quanto mais enfrentar
o Homem Forte diretamente.
—
E pode esperar que esse reforço somente piore. Seus números aumentam dez vezes
a cada dia.
—
Sim, eles estão se preparando, isso é certo.
—
Mas, ao mesmo tempo, os conflitos da moça continuam a crescer. Breve ela não
será capaz de esconder seus verdadeiros sentimentos e intenções do seu senhor
lá em baixo. Tal, ela ficou sabendo a respeito do suicídio.
Tal olhou diretamente para o general. — Pelo que me consta, ela e
Patrícia eram muito chegadas.
O general assentiu com a cabeça. — Ela ficou chocada, o
que a tornou mais receptiva. Mas seu tempo de segurança é limitado. Aqui está o
nosso próximo passo. A Sociedade da Percepção Universal está oferecendo em Nova
Iorque aos seus muitos capangas e membros das Nações Unidas um jantar com
finalidade promocional e para angariar fundos. Kaseph não pode comparecer por
causa de suas presentes atividades aqui. Entretanto, ele enviará Susan a fim de
representá-lo. Ela estará bem guardada, mas será essa a única hora em que
estará fora da cobertura demoníaca do Homem Forte. O Espírito sabe que ela
planeja escapar e entrar em contato com um último amigo que tem no lado de
fora, que pode, por sua vez, entrar em contato com o seu jornalista. Ela se
arriscará, Tal. Você precisa fazer com que seja bem sucedida.
A primeira reação de Tal foi:
—
Há cobertura de oração em Nova Iorque?
—
Você a terá.
Tal olhou os enxames lá em baixo.—E eles não devem descobrir...
—
E quem é o amigo dela?
—
Seu nome é Kevin Weed, um antigo colega e namorado.
—
Ao trabalho, então. Tenho de arrebanhar mais algumas orações.
—
Vá com Deus, caro capitão!
Tal subiu atrás de umas grandes pedras para manter-se fora de vista
antes de abrir as asas. Depois, com o silêncio e a graça de uma nuvem levada
pelo vento, ele flutuou acima da crista das montanhas.
Depois que ultrapassou os cumes e já não podia ser visto por
nenhum dos enxames no vale, suas asas se engrenaram em marcha
veloz e ele arremeteu para diante como uma bala, deixando atrás de si brilhante arco de
luz pelo céu e acima do horizonte.
—
Eu fui criado na igreja presbiteriana — disse Marshall. — Agora não sei o que
sou.
—
Meus pais eram episcopais—disse Berenice.—Acho que nunca fui nada. Eles me
arrastavam à igreja todos os domingos, e eu mal podia esperar para sair dela.
—
Eu não achava tão ruim assim. Tive uma boa professora de escola dominical.
—
É, talvez seja nisso que eu tenha errado. Nunca fui à escola dominical.
—
Ora, acho que a meninada precisa conhecer alguma coisa a respeito de Deus.
—
E se Deus não existir?
—
Viu o que estou dizendo? Você nunca foi à escola dominical! O carro chegou a
uma encruzilhada, e um letreiro indicava que o
caminho de volta a Ashton era o da esquerda. Marshal
virou à esquerda.
Berenice respondeu a uma das perguntas de Hogan. — Não, nenhum de meus pais
ainda vive. Papai morreu em 76 e Mamãe morreu... deixe-me ver, há dois anos.
—
Que pena.
—
E depois perdi minha única irmã, Patrícia.
—
Não diga! Puxa, sinto muito.
—
Às vezes, o mundo aí fora é bem solitário...
—
É acho que sim... e quem haveria para você ficar conhecendo em Ashton?
Ela apenas olhou-o e disse:
—
Não estou caçando, Marshall.
A quase dois quilômetros à frente deles encontrava-se um alargamento da
estrada que chamavam de Baker, um vilarejo indicado pelo menor ponto possível
no mapa. Era um desses lugares típicos de beira de estrada onde camioneiros e
caçadores em caminhonetes encontravam café preto e ovos frios. Uma piscadela e
já passou.
Acima do carrão, movendo-se agilmente logo acima das copas das
árvores, Natã e Armoth mantinham cuidadosa vigia sobre o veículo, as asas
batendo em ritmo equilibrado e os corpos deixando atrás de si dois rastros
luminosos pontilhados de diamantes.
—
Então é aqui que tudo começa — disse Natã em tom jocoso.
—
E você foi escolhido para dar o golpe — respondeu Armoth. Natã sorriu. —
Brincadeira de criança.
Armoth provocou-o um tantinho. — Estou certo de que Tal poderia
ter escolhido outra pessoa que desejasse a honra —
Natã desembainhou a espada, que rebrilhou como se fosse um
relâmpago. — Oh, não, caro Armoth. Esperei muito tempo. Eu aceito.
Natã fez uma curva afastando-se de Armoth, baixou à estrada que serpeava
entre altas árvores, e pôs-se a acompanhar a velocidade do carro, voando
preguiçosamente uns dez metros acima dele. Ele mantinha-se de olho na
cidadezinha de Baker que se aproximava, fez um cálculo rápido quanto à
distância que o carro deslizaria sem o impulso do motor, e então, no momento
exato, atirou a espada para baixo como uma lança chamejante. A arma percorreu
trajetória perfeita e atravessou o capô do carro.
O motor morreu.
—
Droga! — disse Marshall, engatando rapidamente o ponto morto.
— O
que aconteceu? — perguntou Berenice.
—
Alguma coisa quebrou.
Marshall tentou dar partida outra vez enquanto o carro
continuava a deslizar. Nada.
—
Provavelmente elétrico... — resmungou ele.
—
É melhor encostar naquele posto.
—
É, eu sei, eu sei.
O carrão foi rodando até o pequenino posto em Baker e parou bem à
porta da frente. Marshall abriu o capô.
—
Você vai me dar licença — disse Berenice.
—
Vá por mim também — disse Marshal irritado, olhando aqui e ali à volta do
compartimento do motor.
Berenice dirigiu-se à pequena construção que
ficava ao lado, o Bar Sempre-Verde. O tempo e a acomodação o estavam carcomendo
lentamente de baixo para cima, e um lado estava bem afundado, a tinta da porta
da frente estava descascando. O anúncio de cerveja em néon na janela ainda
funcionava, e a máquina toca-discos lá dentro estava arranhando uma canção
caipira popular.
Berenice empurrou a porta — a parte de baixo riscou
um arco gasto sobre o linóleo — e entrou, torcendo o nariz um bocadinho ante a
fumaça azulada de cigarros que havia substituído o ar. Apenas alguns homens
estavam sentados no aposento, provavelmente a primeira das equipes de
lenhadores a sair do trabalho. Falavam alto, trocando estórias, praguejando.
Berenice olhou diretamente para o fundo da sala, tentando descobrir os cartazes
que mostravam diminutos Homens e Mulheres. Sim, havia Toaletes.
Um dos homens numa mesa próxima disse:
—
Ei, boneca, como está?
Berenice nem ia olhar em sua direção, mas sem perceber
encarou-o e deu-lhe um olhar apropriadamente feio. Um pouco exagerado o toque
local nesse lugar, pensou ela.
Ela diminuiu os passos. Seus olhos prenderam-se a ele.
Ele devolveu o olhar com um sorriso alto, preguiçoso no rosto barbudo.
Outro homem disse:
—
Parece que você conseguiu a atenção dela, companheiro. Berenice continuou
fitando-o. Aproximou-se da mesa e deu uma olhada mais de perto. O
cabelo estava comprido e embaraçado, preso num rabo-de-cavalo por uma argola de borracha. Os
olhos estavam vidrados e agora espessamente sombreados. Mas ela conhecia aquele
homem.
O amigo dele falou:
—
Boa noite, senhora. Não lhe dê confiança, ele está apenas se divertindo, certo,
Weed?
—
Weed? — perguntou Berenice. — Kevin Weed?
Kevin Weed apenas fitou-a, gozando a vista e dizendo
pouco. Por fim, ele disse:
—
Posso lhe pagar uma cerveja?
Berenice aproximou-se mais dele, certificando-se de que
ele pudesse vê-la
claramente. — Lembra-se de mim? Berenice Krueger? — Weed pareceu apenas
confuso. — Lembra-se de Pat Krueger?
Uma luz começou a iluminar lentamente o rosto de Weed. — Pat
Krueger... Quem é você?
—
Sou Berenice, a irmã de Pat. Lembra-se de mim? Encontramo-nos umas duas vezes.
Você e a companheira de quarto de Pat estavam namorando.
Weed animou-se e sorriu, então praguejou e pediu
desculpas. — Berenice Krueger! A irmã de Pat! — Ele praguejou outra vez e pediu
desculpas novamente. — O que está fazendo neste lugar?
—
Só de passagem. E aceito uma Coca pequena, obrigada. Weed sorriu e fitou os
amigos. Seus olhos e bocas estavam-se abrindo cada vez mais, e
eles estavam começando a rir. Weed disse com malícia:
—
Acho que está na hora de vocês acharem outra mesa...
Eles ajuntaram seus capacetes e lancheiras e riram. — É, é isso mesmo, Weed.
—
Dan — berrou Weed — uma Coca pequena aqui para a moça. Dan precisou encarar por
um instante a moça distinta que havia entrado num lugar como
aquele. Ele apanhou a Coca e lha levou.
—
E afinal o que tem feito? — perguntou-lhe Weed.
Berenice tirou a caneta e o bloco de anotações. Ela lhe contou alguma
coisa a respeito do que estivera fazendo e o que estava fazendo agora. Depois
falou:
—
Desde antes da morte de Pat que não o vejo.
—
Ei, sinto muito o que aconteceu com ela.
—
Kevin, pode dizer-me alguma coisa a esse respeito? O que sabe?
—
Quase nada... somente o que li nos jornais.
—
E a companheira de quarto de Pat? Você tem tido notícias dela ultimamente? —
Berenice notou que os olhos de Weed se abriram muito e sua boca se abriu no
momento em que ela mencionou a moça.
—
Caramba, este mundo está mesmo cada vez menor! — disse ele.
—
Você a viu? — Berenice mal podia crer em sua boa sorte.
—
Bem, sim, mais ou menos.
—
Quando? — insistiu Berenice.
—
Mas foi só um pouquinho.
—
Onde? Quando? — Berenice estava achando muito difícil se conter.
—
Eu a vi no festival.
—
Em Ashton?
—
É, sim, em Ashton. Foi um encontro inesperado. Ela chamou meu nome, me virei, e
lá estava ela.
—
O que ela disse? Falou onde está morando agora?
Weed remexeu-se um tantinho. — Caramba, não sei. Nem me
importo. Ele me chutou, sabe, fugiu com aquele outro cacundeiro. Até estava
com ele aquela noite.
—
Como é mesmo c nome dela?
—
Susan. Susan Jacobson. Uma verdadeira ladra de corações, isso é o que ela é.
—
Você tem alguma idéia ... ela lhe deu alguma idéia de onde eu poderia
encontrá-la? Tenho de conversar com ela acerca de Pat. Ela pode saber alguma
coisa.
—
Caramba, não sei. Ela não conversou comigo por muito tempo. Estava com pressa,
tinha de encontrar o novo namorado ou algo assim. Queria o número do meu
telefone, só isso.
Berenice não conseguia abandonar a esperança. Pelo menos por
enquanto. — Tem certeza de que ela não lhe deu alguma idéia de onde está
morando agora, ou qualquer forma de entrar em contato com ela? — Weed deu
embriagadamente de ombros. — Kevin faz séculos que venho tentando encontrá-la! Tenho
de falar com ela!
Weed estava amargurado. — Fale com o namorado dela, aquele velhote gorducho
todo endinheirado!
Não, não, não era legítimo o palpite que percorreu a mente de
Berenice. Ou era?
—
Kevin — disse ela — como Susan estava vestida naquela noite?
Ele estava fitando o espaço, como um amante bêbado e rejeitado — Finória—disse
ele. — Longo cabelos pretos, vestido preto, viseiras sensuais.
Berenice sentiu o estômago contrair-se em um nó ao dizer:
—
E o namorado dela? Você o viu?
—
Sim, mais tarde. Susan fez de conta que nem me conhecia quando ele apareceu em
cena.
—
Bem, que cara tinha ele?
—
Cara de tonto da Cidade dos Gordos. Deve ter sido o dinheiro dele, foi por isso
que Susan se agarrou com ele. Berenice apanhou a caneta com a mão trêmula:
— Qual
é o número do seu telefone? Ele falou.
—
Endereço?
Ele resmungou, dando-o também.
—
Bem, você disse que ela pediu o número do seu telefone?
—
E, não sei porquê. Talvez as coisas não estejam indo tão bem com o seu
apaixonado.
—
Você lho deu?
—
Dei. Talvez seja um trouxa, mas dei, sim.
—
Então, pode ser que ela lhe ligue. Ele deu de ombros.
—
Kevin... — Berenice deu-lhe um dos seus cartões. — Escute-me cuidadosamente.
Está escutando?
Ele a fitou e disse que sim.
—
Se ela ligar, se tiver qualquer notícia dela, por menor que seja por favor
dê-lhe o meu nome e número e diga-lhe que quero falar congela. Pegue o número dela
para eu poder falar com ela. Você faz isso?
Ela terminou a Coca e preparou-se para sair. Ele a
fitou com os olhos baços, vidrados.
—
Ei, que vai fazer hoje à noite?
—
Se tiver notícias de Susan, ligue-me. Teremos muito sobre o que conversar nesse
caso.
Ele olhou de novo para o cartão. — Sim, claro.
Alguns momentos depois Berenice estava de volta ao
posto, bem a tempo de ver Marshall dar partida no carro. O velho e encurvado
dono do posto estava olhando o motor e meneando a cabeça.
—
Ei, deu certo! — gritou Marshall sentado atrás do volante.
—
Ué, não fiz nada — disse o velho.
Bem alto, acima do posto, Natã elevou-se ao céu a fim de
reunir-se a Armoth, a espada recuperada. — Feito — disse ele.
—
E agora veremos como o capitão e Guilo se saíram em Nova Iorque.
O carrão pôs-se a caminho novamente, e Nata e Armoth o seguiram, atrás e acima dele como duas pipas a ele amarradas.