quinta-feira, 6 de maio de 2021

Este mundo tenebroso - volume 01 - Capítulo 17

No vale longínquo e retirado, em pequeno conjunto de pré­dios não identificados escondidos por penhascos rochosos, uma transição apressada estava em plena movimentação.

No complexo de escritórios, sentados em escrivaninhas e mesas de trabalho, apressando-se para cima e para baixo nos corredores, correndo escada acima e escada abaixo, mais de duzentas pessoas de todas as idades, descrições e nacionalidades estavam datilogra­fando cartas, examinando arquivos, verificando registros, calculando o saldo de contas, papagueando no telefone em línguas diferentes. O pessoal da manutenção em macacões azuis trazia grandes pilhas de caixas e engradados em carrinhos de mão, e o pessoal dos escri­tórios começava a encher meticulosamente as caixas com os conteú­dos dos arquivos, com qualquer apetrecho de escritório não necessário no momento, com outros livros e registros.

No lado de fora, caminhões estavam sendo carregados com os engradados enquanto outros empregados da manutenção dirigindo pequenos tratores de transporte percorriam todo o complexo, fe­chando várias tomadas e saídas de energia, e pregando tábuas nas portas e janelas de qualquer prédio já desocupado.

Perto dali, na varanda de um casarão de pedra nos limites da propriedade, uma mulher, em pé, observava. Era alta e esguia, com longos cabelos cor-de-ébano; trajava roupas pretas, soltas, e agarrava a bolsa a tiracolo apertada contra o lado com mãos pálidas, trêmulas. Ela olhou de um lado e de outro, evidentemente tentando descon­trair-se. Inspirou profundamente algumas vezes. Enfiou a mão na bolsa e tirou um par de óculos escuros com os quais cobriu os olhos. A seguir, desceu da varanda e começou a cruzar a praça em direção ao prédio de escritórios.

Seus passos eram firmes e deliberados, os olhos fitos bem à frente. Algumas pessoas do escritório passaram e a saudaram, pressionando as palmas uma contra a outra na frente dos queixos e curvando-se levemente. Ela respondeu com um aceno de cabeça e continuou a andar.

A equipe do escritório a saudou da mesma maneira quando ela entrou e ela sorriu às pessoas, sem dizer palavra. Ao receber o sorriso dela, elas retornaram à sua febril atividade. A gerente do escritório, uma mulher bem vestida com o cabelo firmemente preso, fez uma pequena mesura e disse:

— Bom dia. O que a Serva requer? A Serva sorriu e disse:

— Gostaria de fazer algumas cópias.

— Posso fazê-las imediatamente.

— Obrigada. Gostaria de fazê-las eu mesma.

— Certamente. Aquecerei a máquina para a senhora.

A mulher apressou-se na direção de uma saleta lateral, e a Serva seguiu. Diversos contadores e arquivistas, alguns orientais, alguns indianos orientais, alguns europeus, curvaram-se quando ela passou e depois voltaram às consultas que trocavam.

A gerente do escritório aprontou a copiadora em menos de um minuto.

— Obrigada, pode ir agora — disse a Serva.

— Certamente — respondeu a mulher. — Estou à sua disposição se tiver algum problema ou pergunta.

— Obrigada.

A gerente saiu e a Serva fechou a porta atrás dela, isolando-se do resto do escritório e de qualquer intrusão. A seguir, enfiou a mão na bolsa e retirou um livrinho. Ela o folheou, passando os olhos pelas páginas escritas à mão até achar o que estava procurando. Então, colocando o livro aberto voltado para a copiadora, ela pôs-se a apertar os botões e copiar página após página.

Quarenta páginas mais tarde ela desligou a máquina, dobrou as cópias com capricho e as colocou num compartimento da bolsa, junto com o livrinho. Deixando o escritório diretamente, ela voltou ao casarão de pedra.

A casa era majestosa, tanto no tamanho quanto na decoração, com uma grande lareira e teto elevado cortado por vigas rústicas. A Serva subiu depressa a escada coberta de espesso carpete que levava ao seu quarto e fechou a porta atrás de si.

Colocando o livrinho na imponente penteadeira antiga, ela abriu uma gaveta e tirou papel de embrulho e barbante. O papel já trazia um nome escrito, do destinatário: Alexander M. Kaseph. O endereço do remetente incluía o nome J. Langstrat. Ela embrulhou depressa o livro outra vez, como se o pacote nunca tivesse sido aberto, e em seguida amarrou-o com barbante.

Em outra parte da casa, num escritório muito amplo, um homem de meia-idade, de porte arredondado, trajando calças soltas e túnica, sentava-se à moda indiana sobre uma grande almofada. Seus olhos achavam-se fechados, e ele respirava profundamente. O belo mobi­liário de pessoa de grande prestígio e poder o cercavam: lembranças do mundo todo, tais com espadas, clavas de guerra, artefatos afri­canos, relíquias religiosas, e diversos ídolos do Oriente, um tanto grotescos; uma belonave de escrivaninha com um consolo de com­putador embutido, telefone de muitas linhas, e um interfone; um longo sofá coberto de almofadas fundas, um conjunto de cadeiras e mesinha de centro de carvalho, torneadas à mão; troféus de caça de urso, alce, alce americano e leão. Sem ouvir ninguém bater, o homem falou suavemente:

— Entre, Susan.

A grande porta de carvalho abriu-se silenciosamente e a Serva entrou, carregando o pacote de papel pardo. Sem abrir os olhos, o homem disse:

— Ponha-o sobre a escrivaninha.

A Serva o fez, e o homem começou a se mexer, saindo de sua posição imóvel, abrindo os olhos e estirando os braços como se es­tivesse acordando de um sono.

— Então finalmente o encontrou — disse ele com um sorriso pro­vocante.

— Estava lá o tempo todo. Como todo o empacotamento e nova arrumação ele foi atirado num canto.

O homem levantou-se da almofada, esticando as pernas, e deu algumas voltas pelo escritório. — Realmente não sei o que é — disse, como que respondendo a uma pergunta.

— Eu não estava querendo saber... — disse a Serva. Ele sorriu condescendente e disse:

— Oh, talvez não, mas parecia que você estava. Às vezes, posso lê-la tão bem, e às vezes você se distancia. Tem-se sentido perturbada ultimamente. Por quê?

— Oh, toda essa mudança, acho, a desordem.

Ele lhe envolveu a cintura com os braços e a apertou contra si enquanto dizia:

— Não deixe que isso a perturbe. Estamos indo para um lugar muito melhor. Já escolhi a casa. Você vai adorá-la.

— Eu fui criada naquela cidade, sabe?

— Não. Não, na realidade, não. Não será a mesma cidade de forma alguma, não a cidade da qual se lembra. Será melhor. Mas você não acredita nisso, acredita?

— Como já disse, fui criada em Ashton —

— E tudo o que queria era sair de lá!

— Por isso, você compreende porque meus sentimentos estão con­fusos.

Ele a fez rodopiar e riu alegremente enquanto olhava nos olhos dela. — Sim, eu sei! Por um lado, você não tem o mínimo desejo de ver a cidade, e por outro lado, sai às escondidas para ir ao festival.

Ela corou um pouquinho e olhou para o chão. — Eu estava pro­curando algo do meu passado, algo de onde pudesse vislumbrar meu futuro.

Ele segurou-lhe a mão e disse:

— O passado não existe. Você devia ter ficado comigo. Eu tenho todas as respostas para você agora.

— Sim, posso ver isso. Antes, não podia.

Ele riu e postou-se atrás da escrivaninha. — Bem, ótimo, ótimo. Não precisamos fazer nenhuma outra reunião em esconderijos atrás de um barulhento parque de diversões. Você devia ter visto como nossos amigos ficaram envergonhados por ter de nos encontrar lá.

— Mas afinal por que você precisou ir atrás de mim? Por que teve de arrastá-los lá?

Ele sentou-se à escrivaninha e pôs-se a manipular uma faca ceri­monial de mau aspecto, com cabo dourado e lâmina afiadíssima.

Olhando por cima do gume da lâmina na direção da moça, ele lhe disse:

— Porque, cara Serva, não confio em você. Amo-a, estou unido a você em essência, mas... — Ele ergueu a faca ao nível dos olhos e espiou ao longo do gume da lâmina em sua direção, os olhos tão cortantes quanto a faca. — Não confio em você. É uma mulher dada a muitas paixões conflitantes.

— Não posso prejudicar o Plano. Sou apenas uma pessoa entre milhares.

Ele ergueu-se e deu a volta ao lado da escrivaninha onde outras facas estavam enfiadas na cabeça esculpida de algum ídolo pagão.

— Você, minha cara Susan, partilha a minha vida, os meus segre­dos, os meus propósitos. Tenho de proteger os meus interesses.

Com isso, ele deixou cair a faca, de ponta, e ela penetrou com um baque na cabeça do ídolo.

Ela sorriu em aquiescência e achegou-se a ele, dando-lhe um beijo sedutor. — Sou, e sempre serei, sua — disse ela.

Ele lhe deu um sorriso irônico e o olhar cortante nunca deixou seus olhos enquanto respondia:

— Sim. Claro que é.

 Muito acima do vale, entre as rochas e fendas dos picos das mon­tanhas, dois vultos se escondiam. Um, o homem de cabelos prateados que já havia estado lá, observava continuamente a atividade no vale.

Era imponente e forte, os olhos penetrantes cheios de sabedoria. O outro era Tal, o Capitão do Exército.

— É isso o que você procura — disse o homem de cabelos pratea­dos. — Rafar tratou de negócios aí há questão de dias.

Tal baixou o olhar e perscrutou o vale. Os enxames de demônios negros eram numerosos demais para se chegar a uma estimativa.

— O Homem Forte? — perguntou ele.

— Sem dúvida, com uma nuvem de guardas e guerreiros em toda a sua volta. Ainda não conseguimos penetrá-la.

— E a moça está bem no meio dela!

— O Espírito tem estado constantemente a abrir-lhe os olhos e a chamá-la. Ela está próxima ao Homem Forte — perigosamente pró­xima. As orações do Remanescente fizeram descer uma cegueira e um estupor sobre as hostes demoníacas ao redor dela. Por enquanto, essa cegueira ganhará tempo para você, mas pouco mais que isso.

Tal fez uma careta. — Meu general, precisaremos de mais que estupor para chegar até ela. Mal podemos defender a cidade de Ashton, quanto mais enfrentar o Homem Forte diretamente.

— E pode esperar que esse reforço somente piore. Seus números aumentam dez vezes a cada dia.

— Sim, eles estão se preparando, isso é certo.

— Mas, ao mesmo tempo, os conflitos da moça continuam a cres­cer. Breve ela não será capaz de esconder seus verdadeiros senti­mentos e intenções do seu senhor lá em baixo. Tal, ela ficou sabendo a respeito do suicídio.

Tal olhou diretamente para o general. — Pelo que me consta, ela e Patrícia eram muito chegadas.

O general assentiu com a cabeça. — Ela ficou chocada, o que a tornou mais receptiva. Mas seu tempo de segurança é limitado. Aqui está o nosso próximo passo. A Sociedade da Percepção Universal está oferecendo em Nova Iorque aos seus muitos capangas e membros das Nações Unidas um jantar com finalidade promocional e para angariar fundos. Kaseph não pode comparecer por causa de suas presentes atividades aqui. Entretanto, ele enviará Susan a fim de representá-lo. Ela estará bem guardada, mas será essa a única hora em que estará fora da cobertura demoníaca do Homem Forte. O Es­pírito sabe que ela planeja escapar e entrar em contato com um último amigo que tem no lado de fora, que pode, por sua vez, entrar em contato com o seu jornalista. Ela se arriscará, Tal. Você precisa fazer com que seja bem sucedida.

A primeira reação de Tal foi:

— Há cobertura de oração em Nova Iorque?

— Você a terá.

Tal olhou os enxames lá em baixo.—E eles não devem descobrir...

 — Não. Eles não devem suspeitar de que alguma coisa tenha acon­tecido até que você consiga tirar Susan de vez. Eles a destruiriam se soubessem.

— E quem é o amigo dela?

— Seu nome é Kevin Weed, um antigo colega e namorado.

— Ao trabalho, então. Tenho de arrebanhar mais algumas orações.

— Vá com Deus, caro capitão!

Tal subiu atrás de umas grandes pedras para manter-se fora de vista antes de abrir as asas. Depois, com o silêncio e a graça de uma nuvem levada pelo vento, ele flutuou acima da crista das montanhas.

Depois que ultrapassou os cumes e já não podia ser visto por nenhum dos enxames no vale, suas asas se engrenaram em marcha veloz e ele arremeteu para diante como uma bala, deixando atrás de si bri­lhante arco de luz pelo céu e acima do horizonte.

 Marshall e Berenice atravessavam os arvoredos da zona rural no carrão marrom, falando de si, seus passados, suas famílias, e qualquer outra coisa que lhes viesse à mente. Já estavam cansados de só falar de negócios de qualquer forma, e achando agradável aproveitar a companhia um do outro.

— Eu fui criado na igreja presbiteriana — disse Marshall. — Agora não sei o que sou.

— Meus pais eram episcopais—disse Berenice.—Acho que nunca fui nada. Eles me arrastavam à igreja todos os domingos, e eu mal podia esperar para sair dela.

— Eu não achava tão ruim assim. Tive uma boa professora de escola dominical.

— É, talvez seja nisso que eu tenha errado. Nunca fui à escola dominical.

— Ora, acho que a meninada precisa conhecer alguma coisa a respeito de Deus.

— E se Deus não existir?

— Viu o que estou dizendo? Você nunca foi à escola dominical! O carro chegou a uma encruzilhada, e um letreiro indicava que o

caminho de volta a Ashton era o da esquerda. Marshal virou à es­querda.

Berenice respondeu a uma das perguntas de Hogan. — Não, ne­nhum de meus pais ainda vive. Papai morreu em 76 e Mamãe morreu... deixe-me ver, há dois anos.

— Que pena.

— E depois perdi minha única irmã, Patrícia.

— Não diga! Puxa, sinto muito.

— Às vezes, o mundo aí fora é bem solitário...

— É acho que sim... e quem haveria para você ficar conhecendo em Ashton?

Ela apenas olhou-o e disse:

— Não estou caçando, Marshall.

A quase dois quilômetros à frente deles encontrava-se um alar­gamento da estrada que chamavam de Baker, um vilarejo indicado pelo menor ponto possível no mapa. Era um desses lugares típicos de beira de estrada onde camioneiros e caçadores em caminhonetes encontravam café preto e ovos frios. Uma piscadela e já passou.

Acima do carrão, movendo-se agilmente logo acima das copas das árvores, Natã e Armoth mantinham cuidadosa vigia sobre o veículo, as asas batendo em ritmo equilibrado e os corpos deixando atrás de si dois rastros luminosos pontilhados de diamantes.

— Então é aqui que tudo começa — disse Natã em tom jocoso.

— E você foi escolhido para dar o golpe — respondeu Armoth. Natã sorriu. — Brincadeira de criança.

Armoth provocou-o um tantinho. — Estou certo de que Tal poderia ter escolhido outra pessoa que desejasse a honra —

Natã desembainhou a espada, que rebrilhou como se fosse um relâmpago. — Oh, não, caro Armoth. Esperei muito tempo. Eu aceito.

Natã fez uma curva afastando-se de Armoth, baixou à estrada que serpeava entre altas árvores, e pôs-se a acompanhar a velocidade do carro, voando preguiçosamente uns dez metros acima dele. Ele mantinha-se de olho na cidadezinha de Baker que se aproximava, fez um cálculo rápido quanto à distância que o carro deslizaria sem o im­pulso do motor, e então, no momento exato, atirou a espada para baixo como uma lança chamejante. A arma percorreu trajetória per­feita e atravessou o capô do carro.

O motor morreu.

— Droga! — disse Marshall, engatando rapidamente o ponto morto.

— O que aconteceu? — perguntou Berenice.

— Alguma coisa quebrou.

Marshall tentou dar partida outra vez enquanto o carro continuava a deslizar. Nada.

— Provavelmente elétrico... — resmungou ele.

— É melhor encostar naquele posto.

— É, eu sei, eu sei.

O carrão foi rodando até o pequenino posto em Baker e parou bem à porta da frente. Marshall abriu o capô.

— Você vai me dar licença — disse Berenice.

— Vá por mim também — disse Marshal irritado, olhando aqui e ali à volta do compartimento do motor.

Berenice dirigiu-se à pequena construção que ficava ao lado, o Bar Sempre-Verde. O tempo e a acomodação o estavam carcomendo len­tamente de baixo para cima, e um lado estava bem afundado, a tinta da porta da frente estava descascando. O anúncio de cerveja em néon na janela ainda funcionava, e a máquina toca-discos lá dentro estava arranhando uma canção caipira popular.

Berenice empurrou a porta — a parte de baixo riscou um arco gasto sobre o linóleo — e entrou, torcendo o nariz um bocadinho ante a fumaça azulada de cigarros que havia substituído o ar. Apenas alguns homens estavam sentados no aposento, provavelmente a primeira das equipes de lenhadores a sair do trabalho. Falavam alto, trocando estórias, praguejando. Berenice olhou diretamente para o fundo da sala, tentando descobrir os cartazes que mostravam diminutos Ho­mens e Mulheres. Sim, havia Toaletes.

Um dos homens numa mesa próxima disse:

— Ei, boneca, como está?

Berenice nem ia olhar em sua direção, mas sem perceber encarou-o e deu-lhe um olhar apropriadamente feio. Um pouco exagerado o toque local nesse lugar, pensou ela.

Ela diminuiu os passos. Seus olhos prenderam-se a ele. Ele de­volveu o olhar com um sorriso alto, preguiçoso no rosto barbudo.

Outro homem disse:

— Parece que você conseguiu a atenção dela, companheiro. Berenice continuou fitando-o. Aproximou-se da mesa e deu uma olhada mais de perto. O cabelo estava comprido e embaraçado, preso num rabo-de-cavalo por uma argola de borracha. Os olhos estavam vidrados e agora espessamente sombreados. Mas ela conhecia aquele homem.

O amigo dele falou:

— Boa noite, senhora. Não lhe dê confiança, ele está apenas se divertindo, certo, Weed?

— Weed? — perguntou Berenice. — Kevin Weed?

Kevin Weed apenas fitou-a, gozando a vista e dizendo pouco. Por fim, ele disse:

— Posso lhe pagar uma cerveja?

Berenice aproximou-se mais dele, certificando-se de que ele pu­desse vê-la claramente. — Lembra-se de mim? Berenice Krueger? — Weed pareceu apenas confuso. — Lembra-se de Pat Krueger?

Uma luz começou a iluminar lentamente o rosto de Weed. — Pat Krueger... Quem é você?

— Sou Berenice, a irmã de Pat. Lembra-se de mim? Encontramo-nos umas duas vezes. Você e a companheira de quarto de Pat estavam namorando.

Weed animou-se e sorriu, então praguejou e pediu desculpas. — Berenice Krueger! A irmã de Pat! — Ele praguejou outra vez e pediu desculpas novamente. — O que está fazendo neste lugar?

— Só de passagem. E aceito uma Coca pequena, obrigada. Weed sorriu e fitou os amigos. Seus olhos e bocas estavam-se abrindo cada vez mais, e eles estavam começando a rir. Weed disse com malícia:

— Acho que está na hora de vocês acharem outra mesa...

Eles ajuntaram seus capacetes e lancheiras e riram. — É, é isso mesmo, Weed.

— Dan — berrou Weed — uma Coca pequena aqui para a moça. Dan precisou encarar por um instante a moça distinta que havia entrado num lugar como aquele. Ele apanhou a Coca e lha levou.

— E afinal o que tem feito? — perguntou-lhe Weed.

Berenice tirou a caneta e o bloco de anotações. Ela lhe contou alguma coisa a respeito do que estivera fazendo e o que estava fa­zendo agora. Depois falou:

— Desde antes da morte de Pat que não o vejo.

— Ei, sinto muito o que aconteceu com ela.

— Kevin, pode dizer-me alguma coisa a esse respeito? O que sabe?

— Quase nada... somente o que li nos jornais.

— E a companheira de quarto de Pat? Você tem tido notícias dela ultimamente? — Berenice notou que os olhos de Weed se abriram muito e sua boca se abriu no momento em que ela mencionou a moça.

— Caramba, este mundo está mesmo cada vez menor! — disse ele.

— Você a viu? — Berenice mal podia crer em sua boa sorte.

— Bem, sim, mais ou menos.

— Quando? — insistiu Berenice.

— Mas foi só um pouquinho.

— Onde? Quando? — Berenice estava achando muito difícil se conter.

— Eu a vi no festival.

— Em Ashton?

— É, sim, em Ashton. Foi um encontro inesperado. Ela chamou meu nome, me virei, e lá estava ela.

— O que ela disse? Falou onde está morando agora?

Weed remexeu-se um tantinho. — Caramba, não sei. Nem me im­porto. Ele me chutou, sabe, fugiu com aquele outro cacundeiro. Até estava com ele aquela noite.

— Como é mesmo c nome dela?

— Susan. Susan Jacobson. Uma verdadeira ladra de corações, isso é o que ela é.

— Você tem alguma idéia ... ela lhe deu alguma idéia de onde eu poderia encontrá-la? Tenho de conversar com ela acerca de Pat. Ela pode saber alguma coisa.

— Caramba, não sei. Ela não conversou comigo por muito tempo. Estava com pressa, tinha de encontrar o novo namorado ou algo assim. Queria o número do meu telefone, só isso.

Berenice não conseguia abandonar a esperança. Pelo menos por enquanto. — Tem certeza de que ela não lhe deu alguma idéia de onde está morando agora, ou qualquer forma de entrar em contato com ela? — Weed deu embriagadamente de ombros. — Kevin faz séculos que venho tentando encontrá-la! Tenho de falar com ela!

Weed estava amargurado. — Fale com o namorado dela, aquele velhote gorducho todo endinheirado!

Não, não, não era legítimo o palpite que percorreu a mente de Berenice. Ou era?

— Kevin — disse ela — como Susan estava vestida naquela noite?

Ele estava fitando o espaço, como um amante bêbado e rejeitado — Finória—disse ele. — Longo cabelos pretos, vestido preto, viseiras sensuais.

Berenice sentiu o estômago contrair-se em um nó ao dizer:

— E o namorado dela? Você o viu?

— Sim, mais tarde. Susan fez de conta que nem me conhecia quando ele apareceu em cena.

— Bem, que cara tinha ele?

— Cara de tonto da Cidade dos Gordos. Deve ter sido o dinheiro dele, foi por isso que Susan se agarrou com ele. Berenice apanhou a caneta com a mão trêmula:

— Qual é o número do seu telefone? Ele falou.

— Endereço?

Ele resmungou, dando-o também.

— Bem, você disse que ela pediu o número do seu telefone?

— E, não sei porquê. Talvez as coisas não estejam indo tão bem com o seu apaixonado.

— Você lho deu?

— Dei. Talvez seja um trouxa, mas dei, sim.

— Então, pode ser que ela lhe ligue. Ele deu de ombros.

— Kevin... — Berenice deu-lhe um dos seus cartões. — Escute-me cuidadosamente. Está escutando?

Ele a fitou e disse que sim.

— Se ela ligar, se tiver qualquer notícia dela, por menor que seja por favor dê-lhe o meu nome e número e diga-lhe que quero falar congela. Pegue o número dela para eu poder falar com ela. Você faz isso?

 Ele apanhou o cartão e acenou afirmativamente com a cabeça — Sim, claro.

Ela terminou a Coca e preparou-se para sair. Ele a fitou com os olhos baços, vidrados.

— Ei, que vai fazer hoje à noite?

— Se tiver notícias de Susan, ligue-me. Teremos muito sobre o que conversar nesse caso.

Ele olhou de novo para o cartão. — Sim, claro.

Alguns momentos depois Berenice estava de volta ao posto, bem a tempo de ver Marshall dar partida no carro. O velho e encurvado dono do posto estava olhando o motor e meneando a cabeça.

— Ei, deu certo! — gritou Marshall sentado atrás do volante.

— Ué, não fiz nada — disse o velho.

Bem alto, acima do posto, Natã elevou-se ao céu a fim de reunir-se a Armoth, a espada recuperada. — Feito — disse ele.

— E agora veremos como o capitão e Guilo se saíram em Nova Iorque.

O carrão pôs-se a caminho novamente, e Nata e Armoth o seguiram, atrás e acima dele como duas pipas a ele amarradas.