Em primeiro lugar, esta manhã ele estaria ministrando a
uma congregação quase nova; pelo menos parecia assim. Muitos dos antigos
dissidentes haviam saído da igreja e levado consigo sua amargura, e a
disposição e estado de ânimo do lugar haviam subido diversos graus. Claro, Alf
Brummel, Gordon Mayer e Sam Turner permaneciam, um bando carrancudo que fazia
lembrar o esquadrão da morte, mas nenhum deles estava presente esta manhã.
Numerosos amigos e conhecidos, alguns casais, alguns solteiros, e alguns
estudantes tinham seguido o exemplo dos Forsythes. Vovó Duster estava presente,
forte e saudável como sempre e pronta para uma luta espiritual; John e Patty
Coleman estavam de volta, e John não podia deixar de dar largo sorriso de
alegria e entusiasmo.
Dos demais, Hank conhecia apenas uma pessoa. Ao lado de
Andy e June Forsythe, parecendo um tanto acanhado, estava Ron Forsythe, junto
da namorada, uma estudante de segundo ano da faculdade, baixinha e muito
pintada. Hank teve de sufocar uma emoção muito forte quando viu os
Forsythes entrarem acompanhados do filho: era um milagre, um autêntico ato de graça da
parte do Deus vivo. Ele teria gritado aleluia ali mesmo, mas não queria
afugentar o rapazinho; esse poderia ser um daqueles casos de luvas de pelica.
Após o primeiro hino, Hank achou melhor tratar da situação que
o defrontava.
—
Bem — disse ele informalmente — não sei se devo chamá-los de visitantes,
refugiados ou o quê.
Todos riram e trocaram olhares. Hank continuou:
—
Por que não tiramos alguns momentos para nos apresentar? Acho que vocês provavelmente
sabem quem sou; meu nome é Hank Busche, e sou o pastor, e aquela florzinha
sentada ao piano é Mary, a minha esposa. — Mary ergueu-se depressa, sorriu
humildemente, e sentou-se de novo. — Por que não vamos de um em um dizendo quem
somos...
E a primeira chamada do Remanescente ocorreu enquanto
os anjos e demônios
vigiavam: Krioni e Triskal em seus postos ao lado de Hank e Mary, enquanto
Signa e seu pelotão, agora com dez, mantinham um cerco em torno do prédio.
Novamente Lucius havia discutido amargamente com Signa,
tentando ser admitido. Mas ele sabia que era melhor não forçar muito a situação,
como se não bastasse Hank Busche, este tinha agora uma igreja cheia de santos
que oravam. Os guerreiros celestiais estavam gozando sua primeira vantagem real.
Por fim, Lucius ordenou aos seus demônios que permanecessem do lado de fora e
ouvissem o que pudessem.
Os únicos demônios que haviam conseguido entrar fizeram-no com
seus hospedeiros humanos, e agora, espalhados pela congregação, refletiam
carrancudos a respeito deste terrível acontecimento. Scion, perto da porta,
parecia uma galinha vigiando a ninhada, e Sete se mantinha ao lado dos
Forsythes e do grupo que estava com eles.
Havia poder no lugar hoje, e todos o sentiam crescer à medida que cada pessoa se
levantava e se apresentava. A Hank parecia como a reunião de um exército
especial.
—
Ralph Metzer, segundanista de Whitmore...
—
Judy Kemp, do segundo ano da faculdade...
—
Greg e Eva Smith, amigos dos Forsythes.
—
Bill e Betty Jones. Temos uma loja de miudezas na rua Oito...
—
Cal e Ginger Barton. Chegamos há pouco à cidade.
—
Cecil e Míriam Cooper, e realmente é um prazer ver todos aqui...
—
Ben Squires. Sou o sujeito que leva a sua correspondência se você mora na zona
oeste...
—
Tom Harris, e esta é a minha esposa Mabel. Sejam todos bem-vindos e louvado
seja o Senhor!
—
Clint Neal, trabalho no posto de gasolina.
—
Greg e Nancy Jenning. Sou professor e ela é escritora.
—
Andy Forsythe, e louvado seja o Senhor!
—
June Forsythe, e digo amém.
Ron pôs-se de pé, colocou as mãos nos bolsos, e olhou para o chão
enquanto dizia:
—
Sou... sou Ron Forsythe, e esta é Cynthia, e... fiquei conhecendo o pastor na
Caverna, e... — Sua voz falhou de emoção. — Apenas queria agradecer a todos
vocês o terem orado por mim e o se importarem comigo.
Ele permaneceu em pé por um momento, fitando o chão enquanto lágrimas lhe
assomavam aos olhos. June pôs-se em pé ao lado do filho e dirigiu-se ao grupo
por ele.
—
Ron deseja que saibam que ele e Cynthia entregaram o coração a Jesus ontem à
noite.
Todos sorriram encantados e murmuraram palavras de ânimo, e isso fez com que
Ron se sentisse à vontade o bastante para dizer:
—
É, e jogamos todas as drogas no vaso e demos descarga! Essa confissão cativou a
todos os presentes.
Com gozo e fervor cada vez mais intensos, a chamada
continuou. Do lado de fora, os demônios ouviam com grande alarme e sibilavam exclamações
de mau agouro.
—
Rafar precisa ficar sabendo! — disse um deles.
Lucius, as asas meio abertas apenas o bastante para
evitar que seus alvoroçados subalternos o amolassem, postava-se imóvel, remoendo
pensamentos desagradáveis.
Um demônio pequeno pairou acima de sua cabeça e bradou:
—
Que devemos fazer, Mestre Lucius? Devemos procurar Rafar?
—
Voltem ao que estavam fazendo! — sibilou ele em resposta. — Deixem que eu me
incumbo de informar a Baal Rafar!
Eles se reuniram em torno dele, querendo ouvir sua próxima ordem. Ultimamente
parecia que ele havia falado muito pouco.
—
O que estão olhando? — ganiu ele. — Vão embora, façam diabruras! Deixem que eu
me preocupo com esses santinhos insignificantes!
Eles adejaram em todas as direções, e Lucius permaneceu
em seu lugar do lado de fora da janela da igreja.
Contar a Rafar, deveras! Que Rafar se humilhasse o
suficiente para perguntar. Lucius não faria papel de lacaio.
Nesta parte da cidade de Nova York, era tudo feito sob
encomenda para a elite e fregueses exigentes: as lojas, butiques e restaurantes
eram do tipo exclusivo, os hotéis muito luxuosos. Árvores floridas cuidadosamente tratadas
cresciam em jardineiras redondas ao longo das calçadas, e o pessoal da limpeza
mantinha as ruas e calçadas impecáveis.
Entre a multidão de fregueses apressados e pessoas que estavam apenas
olhando as vitrinas encontravam-se dois homens muito grandes trajando túnicas
cáqui, passeando pela calçada e olhando ao redor.
"Hotel Gibson", leu Tal na fachada de antigo
e distinto prédio
de pedra, que se erguia trinta andares acima deles.
—
Não vejo movimento algum — disse Guilo.
—
Ainda é cedo. Eles chegarão. Desincumbamo-nos rapidamente de nossa tarefa.
Os dois entraram no saguão do hotel através das grandes portas da frente.
Pessoas passavam por eles, e às vezes através deles, mas isso, naturalmente,
não tinha importância. Dentro de momentos eles haviam examinado na recepção a
lista das reservas para o salão de banquetes e verificado que o Grande Salão de
Baile estava reservado para a Sociedade da Percepção Universal.
—
A informação do general era correta — comentou Tal com prazer.
Eles se apressaram por um longo corredor espessamente
acarpetado, passando por uma barbearia, um salão de beleza, uma engraxateria, uma loja de presentes,
chegando afinal a duas enormes portas de carvalho com maçanetas de latão
luxuosamente ornamentadas. Passando através delas, eles se encontraram no
Grande Salão de Baile, agora cheio de mesas de jantar adornadas de cristais e
toalhas de linho branco. Havia uma rosa solitária de cabo comprido num pequeno
vaso em cada mesa. O pessoal do bufê apressava-se com os preparativos finais,
colocando os guardanapos artisticamente dobrados e as taças de vinho. Tal
verificou os cartões com os nomes dos que se sentariam na mesa principal. Um,
perto da ponta, dizia "Kaseph, Omni S.A.".
Atravessaram a porta de uma saída próxima, e olharam à
direita e à esquerda. No fim do corredor, à esquerda e na direção dos fundos
ficava o toalete das senhoras. Entraram, passaram por algumas mulheres que se
enfeitavam diante dos espelhos e encontraram o que procuravam: o último
sanitário, para o uso de deficientes. Era construído contra a parede de trás
do hotel, logo abaixo de uma janela grande bastante para permitir que um ser
humano ágil se arrastasse por ela. Tal ergueu a mão, quebrou a tranca, e testou
a janela, assegurando-se de que se abriria e fecharia facilmente. Guilo
atravessou depressa a parede e na viela encontrou uma grande
lixeira e, com incrível facilidade, moveu-a alguns metros de forma que ela foi para baixo da
janela. A seguir, ele arranjou alguns engradados e latas de lixo de encontro à
lixeira, formando degraus.
Tal reuniu-se a ele e os dois seguiram pela viela até a rua. A um quarteirão de
distância havia uma cabina telefônica. Tal ergueu o receptor e assegurou-se de
que tudo estava funcionando.
—
Aí vêm eles! — avisou Guilo, e saltaram pela parede de uma loja de
departamentos e espiaram para fora da janela bem no momento em que uma longa
limusine preta e depois outra e depois outra deram início a lúgubre desfile
pela rua na direção do hotel. Dentro das limusines sentavam-se dignitários e
outras pessoas importantes de muitas nações e raças diferentes, e dentro e em
cima estavam demônios, grandes, negros, verrugosos e ferozes, os olhos amarelos
percorrendo rápida e cautelosamente todas as direções.
Tal e Guilo observaram fascinados. Acima, no céu, outros demônios
apareceram, dirigindo-se ao hotel qual bandos de andorinhas, suas negras
silhuetas aladas desenhadas contra o céu avermelhado.
—
Um significativo ajuntamento, Capitão — disse Guilo.
Tal assentiu com a cabeça e continuou a observar. Entre as limusines vieram
muitos táxis, também transportando vasto exemplar da humanidade em geral:
orientais, africanos, europeus, ocidentais, árabes; pessoas de grande poder,
honra e dignidade de todas as partes do mundo.
—
Como dizem as Escrituras, os reis da Terra — observou Tal — embriagando-se com
o vinho da imoralidade da grande meretriz.
—
A Grande Babilônia — disse Guilo. — A grande Meretriz erguendo-se por fim.
—
Sim, Percepção Universal. A religião do mundo, a doutrina dos demônios
espalhando-se entre todas as nações. A Babilônia ressuscitada logo antes do
final dos tempos.
—
Daí o retorno do Príncipe da Babilônia, Rafar.
—
Claro. E isso explica por que nós fomos chamados. Fomos os últimos a
enfrentá-lo.
Guilo, ao ouvir isso, fez uma careta.
—
Meu Capitão, nossa última batalha com Rafar não é uma lembrança agradável.
—
Nem uma expectativa agradável.
—
O senhor acha que ele vem aqui?
—
Não. Esta reunião é apenas uma festa antes da verdadeira batalha, e a
verdadeira batalha está marcada para a cidade de Ashton.
Tal e Guilo permaneceram onde estavam, observando a
reunião das
forças da humanidade e do mal satânico convergirem ao Hotel Gibson. Estavam à espera da pessoa chave: Susan Jacobson, a Serva de Alexander Kaseph.
Por fim viram-na dentro de um luxuosíssimo Lincoln Continental,
provavelmente o veículo particular de Kaseph, dirigido por motorista
contratado. Vinha escoltada por dois acompanhantes, sentados um de cada lado.
—
Ela será vigiada de perto — disse Tal. — Vamos, precisamos ver melhor.
Passaram depressa pela loja de departamentos, através de paredes, mostruários
e pessoas, em seguida afundaram-se na rua e foram sair dentro do restaurante
que ficava exatamente em frente à porta principal do hotel. Em toda a volta,
pessoas bem vestidas sentavam-se à mesas silenciosas, iluminadas por velas,
consumindo caros pratos da cozinha francesa. Apressando-se na direção de uma
janela da frente, ao lado de um casal idoso que saboreava frutos do mar e
vinho, observaram o carro que conduzia Susan encostar à frente do hotel.
A porta de Susan foi aberta por um porteiro de casaco
vermelho. Um dos acompanhantes saiu e estendeu a mão para ajudá-la a descer;
ela saltou e imediatamente o outro acompanhante estava ao seu lado. Os dois
acompanhantes, vestidos a rigor, eram muito atraentes mas ao mesmo tempo muito
intimidantes. Mantinham-se grudados a ela. Susan trajava um vestido de noite
solto que lhe cobria o corpo de forma estonteante, e cascateava até os pés.
Guilo teve de perguntar:
—
Os planos dela são os mesmos que os nossos? Tal respondeu com segurança:
—
O general ainda não errou.
Guilo apenas meneou a cabeça apreensivo.
—
Para a viela — disse Tal.
—
Há cerca de cem sentinelas — disse Tal.
—
Em melhores circunstâncias, um mero punhado — murmurou Guilo.
—
Preocupe-se somente com estas vinte.
Guilo tomou a espada na mão. Podia sentir as orações dos santos locais.
—
Será difícil — disse. — A cobertura de orações é limitada.
—
Não precisa derrotá-los — respondeu Tal. — Apenas faça com que o persigam. Precisamos da viela livre por apenas alguns momentos.
Aguardaram. O ar estava parado e úmido. Os demônios quase
não se mexiam, permaneciam nos postos, trocavam resmungos em línguas
diferentes, seu hálito sulfuroso formando uma fita estranha e sinuosa de vapor
amarelo que corria pela viela como um rio pútrido, flutuante. Tal e Guilo
podiam sentir sua crescente tensão, como molas cada vez mais apertadas, a cada
segundo que passava. O banquete devia estar em progresso a essa hora. A
qualquer momento, Susan poderia pedir licença e deixar a mesa.
Mais tempo se passou. De repente, tanto Tal quanto
Guilo sentiram a instigação do Espírito. Tal olhou para Guilo, que acenou com a
cabeça. Ela estava a caminho. Vigiaram a janela. A luz do toalete feminino
brilhava; eles mal podiam ouvir o som da porta que se abria e fechava à medida
que as senhoras entravam e saíam.
A porta abriu-se. Saltos altos ressoaram no piso de cerâmica, movendo-se na
direção da janela. Os demônios se remexeram um pouco, resmungando entre si. A
porta do último sanitário girou nas dobradiças. A mão de Guilo agarrou a
espada. Ele começou a respirar fundo, o grande torso a expandir-se e
encolher-se, o poder de Deus percorrendo-o. Os olhos dos dois estavam pregados
na janela. Os demônios se puseram mais alertas, os olhos amarelos muito abertos
correndo de um lado para outro. Falavam mais alto.
A sombra da cabeça de uma mulher apareceu na janela. Uma mão de mulher
procurou a trava.
Tal tocou o ombro de Guilo, e este se deixou cair
entrando pelo chão. Apenas uma fração de segundo se passou.
—
IAHAAAAA! — o súbito e ensurdecedor brado de guerra partiu dos poderosos
pulmões de Guilo, e a viela toda explodiu instantaneamente em ofuscante raio
de luz branca enquanto Guilo brotava com ímpeto do chão, a espada fulgurante e
tremeluzente traçando brilhantes arcos no ar. Os demônios saltaram, berrando e
guinchando aterrorizados, mas recobraram-se imediatamente e sacaram as espadas.
A viela ecoou com o retinir metálico, e o fulgor avermelhado de suas lâminas
dançava como cometas nas altas paredes de tijolos.
Guilo postou-se alto e forte, e bramiu uma gargalhada
que estremeceu o chão.
—
Agora, suas lagartixas negras, testarei seu brio!
Um grande espírito ganiu uma ordem, e os vinte demônios convergiram
sobre Guilo como predadores famintos, as espadas faiscando e as presas à
mostra. Guilo arremeteu para o alto, escapando deles qual sabonete
escorregadio, e acrescentou um ágil volteio ao prosseguir, espalhando luz por
todos os lados em espirais coloridas. Os demônios abriram as asas e lançaram-se
atrás dele. Diante dos olhos de Tal, Guilo foi
descrevendo arcos e rodopiando por todo o céu como um balão solto, rindo, atiçando e provocando,
mantendo-se um pouco além do alcance dos seus perseguidores. A essa altura, os
demônios estavam em fúria cega.
A viela estava vazia. A janela se abria. Num instante,
Tal estava debaixo da janela, apagado e escondido pela escuridão. Ele agarrou Susan assim
que a mão dela apontou na janela e puxou-a com tanta força que ela praticamente
saiu voando. A moça vestia uma blusa simples e calça de brim, e tinha nos pés
pequenas sapatilhas. Do pescoço para cima, ainda estava deslumbrante; do
pescoço para baixo, estava preparada para correr por vielas escuras.
Tal a ajudou a encontrar a maneira de descer da lixeira
e depois instigou-a a seguir pela viela e chegar à rua onde ela hesitou, olhou de um lado e de outro, e
então viu a cabina telefônica. Ela correu como o vento, numa pressa terrível e
desesperada. Tal a seguiu, tentando manter-se tão encoberto quanto possível.
Ele olhou para trás por sobre o ombro; o estratagema de Guilo funcionara. No momento,
Guilo era o maior problema para os demônios, e a atenção deles estava longe
daquela mulher a correr freneticamente.
Susan atirou-se para dentro da cabina e bateu a porta
atrás de si.
Ela tirou uma pilha de moedas do bolso da calça, chamou a telefonista e pediu
uma ligação interurbana.
—
Pronto, quem fala? — perguntou.
—
É Kevin? — veio uma voz desesperada do outro lado. Kevin prestou mais atenção.
Era voz de mulher.
—
Sim, sou eu. Quem fala?
Na cabina telefônica, Susan olhou de um lado a outro da rua medrosamente
ao dizer:
—
Kevin, é Susan. Susan Jacobson.
Kevin estava começando a perguntar-se o que era tudo aquilo.
—
Ei, o que você quer comigo afinal?
—
Preciso de ajuda, Kevin. Não tenho muito tempo. Não há muito tempo.
—
Tempo para quê? — perguntou ele obtusamente.
—
Por favor, escute. Anote se precisar.
—
Não tenho com que anotar.
—
Então escute apenas. Olhe, você já ouviu falar do Clarim de Ashton? O
jornal de Ashton?
—
Sim, sim, já ouvi falar.
—
Berenice Krueger trabalha lá. Ela é a irmã da minha antiga companheira de
quarto, Pat, aquela que se suicidou.
—
Caramba... o que está acontecendo?
—
Kevin, você me faz um favor? Entre em contato com Berenice Krueger no Clarim
e... Kevin?
—
Sim, estou ouvindo.
—
Kevin, estou em apuros. Preciso da sua ajuda.
—
E então, onde está o seu namorado?
—
É dele que estou com medo. Você sabe a respeito dele. Conte a Berenice Krueger
tudo acerca de Alexander Kaseph, tudo o que sabe.
Kevin estava perplexo.
—
Então que sei eu?
—
Diga-lhe o que aconteceu, sabe, entre nós, com Kaseph, diga-lhe tudo. Diga-lhe
o que Kaseph está planejando.
—
Não estou entendendo.
—
Não tenho tempo para explicar. Apenas diga a ela... diga que Kaseph está
tomando conta da cidade toda... e faça com que ela saiba que tenho informações
muito importantes a respeito de Pat, irmã dela. Tentarei entrar em contato com
ela, mas temo que o telefone do Clarim esteja grampeado. Kevin, preciso que
você esteja lá para atender ao telefone, para... — Susan estava frustrada,
cheia de emoção, incapaz de encontrar as palavras certas. Ela tinha coisas
demais para dizer, e muito pouco tempo.
—
Você não está fazendo muito sentido — murmurou Kevin. — Você tomou alguma
coisa?
—
Apenas faça o que pedi, Kevin, por favor! Ligarei de novo para você assim que
puder, ou escrevei, ou darei um jeito qualquer, mas por favor ligue para
Berenice Krueger e diga-lhe tudo o que sabe sobre Kaseph e sobre mim. Diga-lhe
que fui eu quem ela viu no festival.
—
E como é que vou me lembrar de tudo isso?
—
Por favor, dê um jeito. Diga-me que o fará!
—
Sim, está bem, farei.
—
Tenho de ir! Até logo!
Susan desligou o telefone e saiu correndo da cabina.
Tal a seguiu, desviando-se para dentro de prédios tanto quanto possível.
Ele chegou à viela alguns instantes antes dela a fim de verificar
o terreno. Encrenca! Outras quatro sentinelas haviam chegado para tomar o lugar
das vinte originais, e estavam totalmente alertas. Não havia como saber onde
Guilo e as vinte poderiam estar. Tal olhou atrás de si. Susan vinha em
disparada.
Tal mergulhou de cabeça pelo calçamento e penetrou fundo na cidade, ganhando
velocidade, estendendo a espada prateada. O poder de Deus estava aumentando
agora; os santos deviam estar orando em algum lugar. Ele podia
senti-lo. Tinha apenas segundos, e sabia disso. Ele verificou sua posição, descreveu um grande
arco subterrâneo distanciando-se do hotel, e então, a quase dois quilômetros
de distância, voltou, ganhando velocidade, ganhando velocidade, ganhando
velocidade, faiscando, armazenando poder, mais depressa, mais depressa, mais
depressa, a espada um ofuscante relâmpago, os olhos em fogo, a terra um borrão
ao seu redor, o rugir de cimento, vigas, canos e pedras que ficavam para trás
como o ruído de um trem de carga. Ele segurou a espada atravessada, a ponta
coruscante pronta para aquele momento infinitesimal.
Mais rápido que um pensamento, como a explosão de um foguete, um
fulgurante raio de luz jorrou do chão do outro lado da rua e pareceu cortar o
espaço em dois ao precipitar-se pela viela bem diante dos olhos dos quatro
demônios. Os demônios, estonteados e cegos, caíram ao chão, tropeçaram,
tentaram encontrar um ao outro. 0 raio de luz desvaneceu-se no chão tão
depressa quanto apareceu. Susan virou a esquina e entrou na viela, dirigindo-se
à janela. Tal dobrou as asas e parou. Tinha de voltar para ajudá-la a passar
pela janela antes que algum demônio se recuperasse e desse o alarme. Ele
engrenou as asas em violento ímpeto para a frente e fez uma volta apressada.
Susan escalou os engradados e latas e chegou à lixeira. Os demônios
começavam a recobrar a visão e esfregavam os olhos. Tal surgiu de trás da saída
de incêndio, tentando calcular o tempo que ainda lhe sobrava.
Ótimo!
Guilo estava de volta e caiu como um gavião, agarrando Susan e empurrando-a
através da janela num instante, segurando-a de maneira que ela não rolasse ao
chão do lado de dentro. O próprio Guilo fechou a janela. Tal voou ao encontro
de Guilo. — Mais uma vez — gritou ele.
Não precisava dizer mais nada. As quatro sentinelas se haviam
recuperado e se precipitavam sobre eles, e as outras vinte retornavam, furiosas
no encalço de Guilo. Tal e Guilo arremeteram para cima e se distanciaram como
um raio, perseguidos por um bando de demônios espumando de raiva. Os anjos
voaram seguindo um curso bem alto sobre a cidade e contiveram a velocidade
apenas o suficiente para encorajar os demônios. Rumando para o oeste, os dois
adentraram o céu escuro da noite, deixando um rasto de brilhantes listas
brancas atrás de si. Os demônios foram tenazes na perseguição durante centenas
de quilômetros, mas afinal Tal voltou-se e descobriu que haviam desistido de
segui-los e retornado à cidade. Tal e Guilo aumentaram a velocidade e rumaram
para Ashton.
No toalete feminino, Susan enrolou apressada as pernas
da calça de
brim, apanhou o vestido de gala do gancho e logo recobrou a aparência
apropriada ao banquete. Tirou as sapatilhas e as colocou na bolsa, calçou os
sapatos de salto, abriu a porta e saiu.
Uma voz masculina do lado de fora da porta do toalete
chamou:
—
Susan, estão à sua espera!
Ela verificou a aparência no espelho, penteou o cabelo, e tentou acalmar a
respiração.
—
Mas que pressa — disse ela, provocante.
Com dignidade refinada, ela surgiu no corredor e tomou o braço do acompanhante. Ele a conduziu de volta ao Grande Salão de Baile, agora cheio de gente, levando-a até o seu lugar na mesa principal, fazendo um aceno tranqüilizador ao outro acompanhante.