quinta-feira, 6 de maio de 2021

Este mundo tenebroso - volume 01 - Capítulo 27


 Sempre acontecia no apartamento da professora Juleen Langstrat, na sala de estar escurecida, iluminada por uma única vela na mesinha de centro, sentada no macio e con­fortável sofá. Langstrat era sempre a mestra e guia, instruindo em voz calma e clara. Shawn estava sempre presente para dar apoio moral e também participar. Sandy nunca estava sozinha.

Eles se tinham encontrado dessa maneira regularmente, e cada vez era uma aventura totalmente nova. As excursões calmas, repousantes a outros níveis do consciente eram como o abrir de uma porta to­talmente nova a uma realidade superior, ao mundo de experiências e poderes psíquicos. Sandy estava completamente fascinada.

O metrônomo sobre a mesinha batia, em ritmo lento, repousante, constante, inspire, expire, relaxe, relaxe, relaxe.

Sandy estava ficando perita na arte de mergulhar abaixo dos níveis superiores do consciente, níveis esses nos quais todos os seres hu­manos normalmente operam, mas que são os mais perturbados e atravancados por estímulos externos. Em algum lugar abaixo deles encontravam-se os níveis mais profundos, onde se podiam encontrar verdadeiras capacidades e experiências psíquicas. A fim de atingir esses níveis era preciso descontração, meditação e concentração cui­dadosas e metódicas. Langstrat havia-lhe ensinado todos os passos.

Enquanto Sandy permanecia assentada imóvel no sofá e Shawn observava atentamente, Langstrat fazia uma lenta e contínua conta­gem regressiva, na cadência do metrônomo.

— Vinte e cinco, vinte e quatro, vinte e três...

Em pensamento, Sandy se encontrava num elevador, descendo aos níveis mais profundos do seu ser, descontraindo-se, desligando os níveis superiores de atividade cerebral, movendo-se através dos pla­nos inferiores.

— Três, dois, um, nível Alfa — disse Langstrat. — Agora, abra a porta.

Sandy visualizou-se abrindo a porta do elevador e entrando numa linda campina verde cercada de árvores recobertas de flores brancas e rosadas. O ar era cálido e soprava uma leve brisa, como uma de­licada carícia. Sandy olhou em redor.

— Você a vê? — perguntou Langstrat suavemente.

— Ainda estou procurando — respondeu Sandy. Então seu rosto se iluminou. Aí vem ela! Como é linda!

Sandy podia vê-la caminhando em sua direção, um linda jovem de loiros cabelos cascateantes, toda vestida de tremeluzente linho branco. Seu rosto resplandecia de felicidade. Vinha de mãos esten­didas em saudação.

— Olá! — chamou Sandy feliz.

— Olá! — respondeu a moça na voz mais linda e melodiosa que Sandy jamais ouvira.

— Você veio para me guiar?

A moça loira tomou nas suas as mãos de Sandy e olhou em seus olhos com tremenda bondade e compaixão.

— Sim. Meu nome é Madeline. Eu a ensinarei. Espantada, Sandy olhou para Madeline.

— Você parece tão jovem! Já viveu antes?

— Sim. Centenas de vezes. Mas cada vida foi simplesmente um passo para cima. Eu lhe mostrarei o caminho.

Sandy estava extasiada.

— Quero aprender. Quero ir com você.

Madeline tomou a mão de Sandy e começou a conduzi-la através da campina verdejante na direção de uma imaculada calçada dou­rada.

Enquanto Sandy permanecia sentada no sofá do apartamento de Langstrat, o rosto cheio de gozo e arrebatamento, garras brilhantes penetravam-lhe o crânio à medida que as mãos retorcidas e negras de um hediondo demônio prensavam-lhe a cabeça. O espírito, in­clinado sobre ela, sussurrava palavras à sua mente:

— Então venha. Venha comigo. Eu a apresentarei a outros que se elevaram antes mesmo de mim.

— Eu adoraria! — respondeu Sandy. Langstrat e Shawn sorriram um para o outro.

 Tom McBride, o colador, ouviu a campainha da porta da entrada e só conseguiu gemer. O dia havia sido um dos mais traumáticos pelos quais já passara. Dirigiu-se apressado à frente a tempo de ver

Marshall entrar e ir diretamente para o escritório. Tom estava confuso e cheio de perguntas.

— Marshall, onde esteve e onde está Berenice? Os jornais não chegaram da impressora! O telefone não parou de tocar o dia todo. Finalmente tive de ligar a secretária eletrônica, e muita gente já veio indagar o que aconteceu com o jornal de hoje.

— Onde está Carmem? — perguntou Marshall, e Tom notou que Marshall tinha uma aparência muito, muito doente.

— Marshall — perguntou ele, preocupado — o que... o que está errado? O que está acontecendo por aqui?

Marshall rosnou, quase gritando:

— Onde está Carmem?

— Não está aqui. Esteve aqui, mas então Berenice se mandou, e depois ela se mandou. Fiquei sozinho o dia todo!

Marshall abriu com fúria a porta do escritório e entrou. Foi direto a uma gaveta do arquivo e puxou-a com força. Vazia. Tom, a distância segura, observava. Marshall enfiou a mão em baixo da mesa e puxou uma caixa de papelão. A caixa saiu fácil e leve. Ele viu que também ela estava vazia e a jogou ao chão soltando uma praga em voz alta.

— Alguma coisa... há algo que eu possa fazer? — perguntou Tom. Marshall deixou-se cair na cadeira, o rosto pálido, o cabelo desgrenhado. Por alguns instantes, ele apenas se deixou ficar sentado, a cabeça apoiada na mão, respirando fundo, tentando pensar, ten­tando se acalmar.

— Ligue para o hospital — disse afinal com voz muito fraca que de jeito nenhum parecia a de Marshall Hogan.

— O... o hospital? — Tom não gostava nada daquilo.

— Pergunte como Berenice está passando. O queixo de Tom caiu.

— Berenice! Ela está no hospital? O que aconteceu? Marshall explodiu:

— Apenas faça o que mandei, Tom!

Tom correu ao telefone. Marshall ergueu-se e foi à porta.

— Tom...

Tom levantou os olhos, mas continuou a discar o número. Marshall recostou-se contra a porta. Sentia-se tão fraco, tão im­potente.

— Tom, sinto muito. Realmente sinto muito. Obrigado por fazer a chamada. Informe-me do que eles disserem.

Com isso Marshall voltou-se e entrou de novo no escritório, dei­xando-se cair na cadeira e permanecendo sentado, imóvel.

Tom veio com o relatório.

— Ah... Berenice teve apenas uma costela quebrada e eles a enfaixaram... mas nenhum outro ferimento sério. Alguém trouxe o carro dela de Baker, e ela já teve alta e foi para casa. É lá que ela está no momento.

— Sim... eu tenho de ir para casa...

— O que aconteceu com ela?

— Ela foi espancada. Alguém a atacou, surrou.

— Marshall... — Tom estava tão horrorizado que quase ficou sem fala. — É... bem... que coisa terrível!

Marshall levantou-se com dificuldade da cadeira e se recostou contra a escrivaninha. Tom ainda estava preocupado.

— Marshall, a edição de sexta-feira vai sair? Mandamos as colagens à impressora... não compreendo.

— Não imprimiram — respondeu Marshall com suavidade.

— O quê? Por que não?

Marshall deixou a cabeça pender para a frente, e sacudiu-a. Soltou um suspiro, então olhou de novo para Tom.

— Tom, olhe, tire o resto do dia de folga, o que sobra do dia. Deixe-me ajeitar as coisas por aqui e então ligarei para você, está bem?

— Está bem.

Tom foi à salinha dos fundos apanhar a lancheira e o paletó. O telefone tocou, uma linha diferente, um número que Marshall reservava para chamados especiais. Marshall atendeu.

— Clarim — disse.

— Marshall?

— Sim...

— Marshall, aqui é Eldon Strachan.

Oh, graças a Deus, ele está vivo! Marshall sentia a garganta a se apertar. Achou que ia chorar.

— Eldon, você está bem?

— Não muito. Acabamos de chegar de viagem. Marshall, alguém destruiu a minha casa. Está uma bagunça.

— Doris está bem?

— Ela está perturbada. Eu estou chateado.

— Todos nós fomos atingidos, Eldon. Eles nos descobriram.

— O que aconteceu?

Marshall contou-lhe tudo. A parte mais difícil de todas foi dizer a Eldon Strachan que seu amigo e companheiro de exílio, Ted Har­mel, estava morto.

Durante longo tempo, Strachan teve dificuldade em falar. Passa­ram-se diversos minutos em constrangedor e doloroso silêncio, in­terrompido apenas quando um dos dois perguntava se o outro ainda estava no telefone.

— Marshall — disse Strachan afinal — é melhor corrermos. É me­lhor nos mandarmos daqui a toda e nunca mais voltarmos.

— Correr para onde? — perguntou Marshall. — Você já correu uma vez, lembra-se? Enquanto estiver vivo, Eldon, estará vivendo com esta coisa e eles saberão.

— Mas o que podemos fazer afinal?

— Temos amigos, pela madrugada! E o promotor geral do estado?

— Já lhe disse, não posso procurar Norm Mattily sem nada além da minha palavra. Preciso de algo mais que nossa amizade. Preciso de prova, algum tipo de documentação.

Marshall baixou os olhos à caixa de papelão vazia.

— Conseguirei algo para você, Eldon. De um jeito ou de outro, conseguirei algo para mostrar a quem se dispuser a ouvir.

Eldon suspirou.

— Apenas não sei por quanto tempo ainda isto vai continuar...

— Por tanto tempo quanto permitirmos, Eldon. Ele pensou por um instante, então disse:

— É, você tem razão. Consiga-me algo sólido, e verei o que posso fazer.

— Não temos escolha. No momento estamos com a corda em torno do pescoço; temos de nos salvar!

— Bem, eu certamente pretendo fazer isso. Doris e eu vamos de­saparecer, e 'depressa, e o aconselharia a fazer o mesmo. O que não podemos fazer é ficar por aqui.

— Onde poderei encontrá-lo?

— Não vou dizer-lhe pelo telefone. O gabinete de Norm Mattily entrará em contato com você. Será sinal de que consegui chegar a ele, e, de qualquer forma, essa é a única forma de eu lhe ser útil.

— Se eu não estiver aqui, se tiver dado o fora da cidade, ou aparecer morto, diga ao seu amigo que entre em contato com Al Lemley no Times de Nova York. Tentarei deixar recado com ele.

— Verei você um dia destes.

— Vamos orar para que sim.

— Tenho orado bastante nos últimos dias.

Marshall desligou, trancou todas as portas, e dirigiu-se a casa.

 Berenice encontrava-se deitada no sofá com uma bolsa de gelo no rosto e uma faixa desconfortável em torno das costelas, e com muita vontade de receber um telefonema. Já havia vomitado uma vez, a cabeça latejava e ela se sentia péssima, mas queria receber um te­lefonema. O que estava acontecendo lá fora? Tentou chamar o Clarim, mas ninguém respondeu. Ligou para a casa de Marshall mas lá tam­bém ninguém atendeu.

Ora, quem diria! O telefone tocou. Ela o arrebatou como uma coruja agarrando um ratinho.

— Alô?

— Berenice Krueger?

— Kevin?

— Sim... — Ele parecia nervoso e agitado. — Ei, estou morrendo, quero dizer, estou realmente apavorado!

— Onde você está, Kevin?

— Em casa. Ei, alguém entrou aqui e bagunçou o lugar!

— A porta está fechada?

— Está.

— Então por que não a tranca?

— Sim, já tranquei. Estou com medo. Eles devem ter mandado alguém atrás de mim.

— Muito cuidado com o que disser, Kevin. O que ouvimos dizer acerca dos nossos telefones estarem grampeados é provavelmente certo. Podem ter grampeado o seu telefone.

Weed não disse nada por um momento; então praguejou de puro pavor.

— Acabei de receber um telefonema de você sabe quem! Acha que eles ouviram a nossa conversa?

— Não sei. Precisamos ter cuidado.

— E o que vou fazer? Está tudo vindo abaixo. Susan diz que tem a mercadoria, e está tudo vindo abaixo! Ela vai dar o fora...

Berenice interrompeu-o.

— Kevin, não diga mais nenhuma palavra. E melhor você me dizer pessoalmente. Vamos nos encontrar em algum lugar.

— Mas eles não ficarão sabendo onde nos encontraremos?

— Se souberem, saberão, mas pelo menos teremos algum controle sobre o que ouvirão.

— Bem, então vamos depressa, e estou dizendo depressa!

— Que tal a ponte ao norte de Baker, a do rio Judd?

— A verde grandona?

— Ela mesmo. Há uma saída bem ao norte dela. Posso estar lá em torno... — Berenice olhou para o relógio de parede —... digamos das 7:00.

— Estarei lá.

  Certo. Até logo.

Berenice ligou imediatamente para o Clarim. Nada. Ligou para a casa de Marshall.

 O telefone na cozinha dos Hogans tocou e tocou, mas Marshall e Kate permaneceram quietos à mesa, deixando que tocasse até parar.

Kate, as mãos um tanto trêmulas, a respiração conscientemente controlada, os olhos marejados de lágrimas, olhava para o marido.

— O telefone sempre traz más notícias — gracejou ela, baixando os olhos por um instante.

No momento Marshall tinha tanta força íntima quanto um saco de lixo vazio e, coisa rara em sua vida, não sabia o que dizer.

— Quando foi que recebeu o chamado? — perguntou ele afinal.

— Hoje de manhã.

— Mas não sabe quem era?

Kate respirou fundo, tentando manter-se acima das emoções.

— Fosse quem fosse, sabia praticamente tudo sobre mim, sobre você, e até sobre Sandy; não era apenas um engraçadinho. As. credenciais dele eram impressionantes.

— Mas ele estava mentindo! — disse Marshall furioso.

— Eu sei — respondeu Kate com firmeza.

— Não passa de mais uma tática para sujar meu nome, Kate. Estão tentando tomar o meu jornal, estão tentando tomar a minha casa, e agora estão tentando destruir o meu casamento. Não existe, nem jamais existiu nada entre mim e Berenice. Pela madrugada, tenho idade para ser pai dela!

— Eu sei — respondeu Kate, e fez uma pausa, tentando conseguir forças para continuar. — Marshall, você é o meu marido, e se algum dia eu o perdesse sei que jamais encontraria outro melhor. Também sei que você não é de jogar suas paixões por aí. Tirei a sorte grande com você e jamais me esqueci disso.

Ele tomou a mão dela.

— E você é toda a mulher que eu jamais poderia desejar. Ela apertou a mão dele, dizendo:

— Tenho confiança em que essas coisas jamais mudarão. Suponho que é esse tipo de confiança que me tem feito continuar, esperando...

 Sua voz sumiu, e houve um momento de silêncio. Kate teve de abafar as emoções e Marshall não conseguia pensar em nada para dizer.

— Marshall — disse ela afinal — há algumas outras coisas que também não mudaram, mas essas deviam ter mudado; fizemos um acordo, você e eu, de que mudariam. Concordamos em que as coisas seriam diferentes depois que nos mudássemos de Nova York, que você não se mataria mais no trabalho, que teria mais tempo para a família, que talvez conseguíssemos nos conhecer novamente e con­sertar as coisas —. As lágrimas começaram a cair e lhe era difícil falar, mas estava decidida, e continuou. — Não sei o que é, se o maior furo jornalístico simplesmente o segue não importa aonde vá ou se é você mesmo quem o inventa, vez após vez. Mas se algum dia eu tivesse ciúme e suspeitasse de uma amante, a amante seria o seu trabalho. Você realmente tem outro amor, Marshall, e não sei se posso competir com ele.

Marshall sabia que jamais conseguiria explicar tudo.

— Kate, você não imagina o tamanho da coisa toda. Ela meneou a cabeça. Não queria ouvir.

— Não é esse o problema. Para dizer a verdade, tenho certeza de que é grande, que é extremamente importante, provavelmente jus­tifica a quantidade de tempo e energia que você lhe tem dedicado. Mas o que tenho de tratar agora é o prejuízo que essa coisa toda tem-me causado, e a Sandy, e a esta família. Marshall, não sou dada a

fazer comparações; não importa onde Sandy e eu tenhamos sido colocadas em sua lista de prioridades, ainda estamos sofrendo, e esse é o problema que tenho de enfrentar. Não me importo com nada mais.

— Kate... é isso o que eles querem!

— Estão conseguindo — respondeu ela abruptamente. — Mas não se atreva a jogar a culpa sobre ninguém mais pelo seu fracasso em cumprir o que prometeu, Marshall, e estou exigindo o cumprimento das promessas que fez à sua família.

— Kate, não pedi que isto surgisse, não pedi que acontecesse. Quando tudo terminar...

— Já terminou! E não é realmente uma questão de escolha para mim. Tenho minhas limitações, Marshall. Sei quanto consigo agüen­tar. Tenho de ir embora.

Marshall estava fraco demais para dizer alguma coisa. Não con­seguia pensar em algo que dizer. Tudo o que podia fazer era olhá-la nos olhos e deixá-la falar, deixá-la fazer o que quer que fosse que tivesse de fazer.

Kate continuou. Ela tinha de pôr tudo para fora antes que não conseguisse fazê-lo.

— Conversei com minha mãe hoje cedo. Ela ficou firme ao lado de nós dois, e não está tomando partido de maneira alguma. De fato, e pode ser que você ache isto interessante, ela tem orado por nós, por você em particular. Ela disse que até sonhou com você outra noite; sonhou que você estava em apuros e que Deus enviaria seus anjos a fim de ajudá-lo, se ela orasse. Ela levou a coisa toda muito a sério e tem orado desde então.

Marshall sorriu fracamente. Apreciava aquilo, mas que bem estava fazendo? Kate chegou ao que realmente importava.

— Vou ficar com ela uns dias. Preciso de tempo para pensar. E você precisa de tempo para pensar. Nós dois precisamos saber ao certo quais das suas promessas você está realmente disposto a cum­prir. Precisamos resolver isso de uma vez por todas, Marshall, antes de darmos mais um passo que seja. Quanto a Sandy, neste exato momento não sei onde ela se encontra. Se eu pudesse encontrá-la pediria que viesse comigo, embora duvide que ela quisesse deixar

Shawn e tudo em que estão envolvidos —. Ela inspirou fundo en­quanto essa nova dor tomava conta de seu ser. — Tudo o que posso dizer é que você já não a conhece, Marshall. Eu não a conheço. Ela foi-se afastando de mansinho, de mansinho... e você nunca estava por perto —. Ela não pôde continuar. Enterrou o rosto nas mãos e chorou.

Marshall perguntou-se se deveria aproximar-se dela, abraçá-la. Será que ela aceitaria seu abraço? Poderia acreditar que ele a amava?

A verdade era que seu próprio coração estava-se partindo. Foi até ela e colocou com suavidade a mão em seu ombro.

— Não lhe darei nenhuma resposta feita — disse ele baixinho. — Você tem razão. Tudo o que disse está certo. E não me atrevo a fazer no momento nenhuma outra promessa que talvez não possa cumprir —. As palavras machucavam mesmo enquanto ele se forçava a dizê-las. — Realmente preciso pensar a respeito. Preciso fazer uma ver­dadeira limpeza. Por que não faz o que disse? Vá passar uns tempos com sua mãe, deixe toda esta confusão. Eu... eu a avisarei quando tudo terminar, quando tiver resolvido o que é importante. Nem mesmo pedirei que volte até então.

— Eu o amo, Marshall — disse ela chorando.

— Também a amo, Kate.

Ela se ergueu subitamente e abraçou-o, dando-lhe um beijo de que ele se lembraria por muito tempo, um beijo quando se agarrava desesperadamente a ele, quando o rosto estava molhado de lágrimas, quando o pranto lhe sacudia o corpo. Ele a segurou com seus fortes braços como se estivesse agarrando-se à própria vida, a um tesouro precioso que poderia jamais voltar a ter.

Então ela disse:

— É melhor eu ir — e lhe deu um abraço final.

Ele a segurou por um último instante e depois disse tão confortadoramente quanto pôde:

— Vai dar tudo certo. Adeus.

As malas delas já estavam feitas. Ela não levou muita coisa. Depois que a porta se fechou silenciosamente e o carro saiu, Marshall per­maneceu sentado sozinho à mesa da cozinha por longo tempo. En­torpecido, ele permaneceu com os olhos fixos nos veios da madeira da mesa, mil lembranças inundando-lhe a mente. Minuto após mi­nuto se passaram sem que ele o percebesse; o mundo continuava sem ele.

Afinal à medida que todos os seus pensamentos e sentimentos vie­ram repousar sobre o nome dela, seu estupor desmoronou:

— Kate... — e ele chorou e chorou.