—
Olá — disse ele, então acrescentou abruptamente: — Quem é você?
A pergunta a surpreendeu bastante, e ela respondeu com
timidez:
—
Bem, sou... sou Bárbara, a recepcionista.
—
A recepcionista? Que fim levou Sara?
Ela estava intimidada e um pouco indignada.
—
Eu... não sei de nenhuma Sara, mas há alguma coisa em que eu possa ajudá-lo?
—
Onde está Alf Brummel?
—
É o Sr. Hogan?
—
Isso mesmo.
—
O delegado Brummel está à sua espera na sala de reuniões, no fim do corredor.
Ela nem tinha terminado a sentença e Marshall já estava a
caminho. Se a tranca da porta tivesse oferecido a menor resistência, não teria
sobrevivido à entrada de Marshall. Ele se precipitou porta adentro, pronto para
torcer o primeiro pescoço em que pudesse botar as mãos.
Havia muitos pescoços à escolha. A sala estava cheia de gente que
Marshall não esperava, mas enquanto corria os olhos em redor, examinando o
rosto dos presentes, não teve dificuldade em adivinhar a pauta da reunião.
Brummel tinha os amigos ao seu lado. Figurões. Mentirosos. Maquinadores.
Alf Brummel estava sentado à mesa, cercado por seus
muitos comparsas e sorrindo aquele sorriso dentuço.
—
Olá, Marshall. Por favor, feche a porta.
Marshall, sem tirar os olhos de toda aquela gente agora
reunida, sem dúvida
para pôr as coisas em pratos limpos com ele, fechou a porta com um pontapé. Ali
estava Oliver Young, bem como o Juiz Baker, o tesoureiro municipal Irving
Pierce, o chefe dos bombeiros Frank Brady, o detetive Spence Nelson de Windsor,
alguns outros homens a quem Marshall não reconheceu, e finalmente o prefeito de
Ashton, David Steen.
—
Bem, olá, prefeito Steen — disse Marshall com frieza. — Que interessante
encontrá-lo aqui.
O prefeito apenas sorriu cordial e silenciosamente,
como o fantoche mudo que Marshall sempre achara que era.
—
Sente-se — disse Brummel, acenando com a mão na direção de uma cadeira vazia.
Marshall não se moveu.
—
Alf, é esta a reunião que eu e você íamos ter?
—
Esta é a reunião — disse Brummel. — Acho que não conhece todos os presentes...
— Com gentileza forçada, Brummel apresentou as novas ou possivelmente novas
caras. — Quero apresentar-lhe Tony Sulski, um advogado local, e creio que você
já tratou com Ned Wesley, presidente do Banco Independente. Pelo que sabemos,
já pelo menos conversou com Eugene Baylor, membro do conselho administrativo
da faculdade. E você naturalmente se lembra de Jimmy Clairborne, da Impressora
Comercial —. Brummel mostrou os dentes de modo largo, irritante. — Marshall,
por favor, sente-se.
Palavrões cruzavam a mente de Marshall, quando ele disse a Brummel:
—
Não enquanto eu for a minoria. Oliver Young piou uma resposta:
—
Marshall, asseguro-lhe que será uma reunião cortês e cordial.
—
E então, qual de vocês espancou a minha repórter até quase matá-la? — Marshall
sentia-se muito pouco cortês.
Brummel respondeu:
—
Marshall, esse tipo de coisas acontece a pessoas que não têm cuidado.
Marshall cobriu Brummel com algumas descrições como confeitos tirados
de uma caixa de esgoto e então lhe disse, fervendo de raiva:
—
Brummel, isso não aconteceu simplesmente. Foi planejado. Ela foi atacada e
ferida e os seu tiras não fizeram coisa alguma e todos nós sabemos por quê! —
Ele os olhou ferozmente. — Vocês estão todos juntos neste negócio, e seus
truques saem baratos. Vandalizam casas, fazem ameaças, expulsam as pessoas,
agem como um tipo de clube do bolinha de mafiosos! — Ele apontou um dedo
acusador na direção de Brummel. — E você, amigão, é uma vergonha para a sua
profissão. Você usou os poderes que lhe foram confiados a fim de silenciar e
intimidar, e a fim de cobrir a própria sujeira. Young tentou interferir.
—
Marshall...
—
E você se diz um homem de Deus, um pastor, um exemplo piedoso do que um bom
cristão deve ser. Mentiu para mim o tempo todo, Young, escondendo-se atrás da
desculpa do que chama de ética profissional, bebendo a baboseira mística da
bruxa Langstrat e depois agindo como se nada soubesse a respeito. A quantas
pessoas que confiaram em você, você vendeu uma mentira?
Os homens na sala permaneceram assentados em silêncio. Marshall continuou
a se desabafar.
—
Se vocês são servidores públicos, Hitler foi um grande filantropo! Vocês
tramaram planos, manipularam as pessoas e abriram caminho nesta cidade como
bandidos, e silenciaram a todos os que ergueram a voz ou se opuseram a vocês.
Lerão acerca disso no jornal, cavalheiros! Se quiserem fazer algum comentário
ou negar alguma coisa, terei muito prazer em ouvi-los, e até de publicar o que
disserem, mas chegou a hora de todos vocês enfrentarem a imprensa, quer gostem
quer não!
Young ergueu as mãos tentando conseguir tempo para falar.
—
Marshall, tudo o que posso dizer é que você tenha certeza dos fatos.
—
Não se preocupe. As minhas informações são corretas. Sei de gente inocente como
os Carluccis, os Wrights, os Andersons, os Dombrowskis, mais de cem pessoas,
que foram forçadas a deixar suas casas e negócios por causa de intimidação e
por causa de atraso forjado no pagamento de impostos.
Young piou.
— Intimidação?
Marshall, não está em nosso poder evitar medo, superstições tolas, quebra
de famílias. Exatamente o que vai publicar? Que os Carluccis, por exemplo, se
convenceram de que a mercearia estava assombrada e que espíritos malignos
quebraram as mãos do filho deles? Ora, vamos, Marshall.
Marshall apontou para Young.
—
Ei, Young, essa é a sua especialidade. Publicarei que você e o seu bando
atiçaram os temores e orquestraram as superstições dessa gente, e contarei tudo
a respeito das práticas e filosofias absurdas que usaram a fim de conseguir
fazer isso. Sei tudo acerca de Langstrat e da embromação mental que ela usa
para deixar todo mundo dopado, e sei que cada um de vocês está embrulhado na
coisa.
—
Publicarei que vocês incriminam as pessoas com acusações falsas a fim de fazer com que sejam tiradas dos cargos e posições a para que sua própria
gente possa ocupar esses lugares: incriminaram Lew Gregory, o antigo
tesoureiro, com uma acusação falsa de conflito de interesses; promoveram e
forçaram aquela grande rotatividade no Conselho Diretor da Faculdade Whitmore
depois que o Deão Strachan pegou Eugene Baylor — Marshall fitou Baylor
diretamente ao dizer — mexendo nos livros! Vocês expulsaram Ted Harmel da cidade
sem nada sob a acusação falsa de molestar uma menina, e acho muito interessante
o fato de a coitadinha da vítima da filha de Adam Jarred ter agora um fundo
especial em seu nome que lhe garante o curso universitário. Se eu procurar mais
um pouco, é provável que descubra que o dinheiro saiu do bolso de vocês!
—
Publicarei que minha repórter foi vítima de falsa prisão por parte dos capangas
de Brummel pelo fato de ter tirado uma foto que não devia, uma foto de Brummel,
Young e Langstrat com nada mais nada menos que o próprio Alexander M. Kaseph, o
Figurão que está por trás da conspiração para tomar a cidade, ajudado e
protegido por vocês todos, um bando de neofascistas pseudo-espiritualizados, sedentos
de poder!
Young sorriu calmamente.
—
O que significa que você planeja escrever acerca da Omni S.A. Marshall não
podia crer que realmente estava ouvindo isso da boca de Young.
—
Então esta é a hora de dizer a verdade? Young continuou, descontraído e
confiante.
—
Bem, você tem pesquisado tudo o que a Omni comprou e tem, não é verdade?
—
Isso mesmo.
Young sorriu ao perguntar.
—
E quantas casas você diria que foram entregues à Omni por causa de atraso no
pagamento dos impostos?
Marshall recusou-se a fazer o jogo dele.
—
Diga-o você.
Young simplesmente voltou-se para Irving Pierce, o
tesoureiro. Pierce folheou uns papéis.
—
Sr. Hogan, creio que seus registros mostram que cento e vinte e três casas
foram leiloadas e compradas pela Omni por falta de pagamento dos impostos...
Ele sabia. Ora, e daí?
—
Foi o que descobri.
—
O senhor se enganou. Ouçamos a mentira, Pierce.
—
O número correto é cento e sessenta e três. Todas adquiridas legalmente,
legitimamente, nos últimos cinco anos.
Marshall não conseguiu pensar numa resposta. Young continuou.
—
Você está certo quanto à Omni ser a proprietária de todos esses imóveis,
além de muitos outros empreendimentos comerciais. Mas também deve notar quanto
essas propriedades foram substancialmente melhoradas sob o novo proprietário.
Eu diria que Ashton é com certeza uma cidade melhor por causa disso.
Marshall podia sentir o vapor subindo-lhe à cabeça.
—
Essa gente pagou os impostos! Conversei com mais de cem pessoas!
Pierce permaneceu calmo.
—
Temos prova substancial de que não pagaram.
—
Têm coisa nenhuma!
—
E com relação à faculdade... — Young fitou Eugene Baylor, indicando ser sua vez.
Baylor ergueu-se a fim de falar.
—
Não agüento mais ouvir essa calúnia e falatório a respeito de a faculdade estar
mergulhada em dívidas. A faculdade está muito bem, obrigado e essa... essa
campanha de difamação a que Eldon Strachan deu início precisa cessar ou o
processaremos! O Sr. Sulski foi contratado exatamente para essa eventualidade.
—
Tenho lançamentos, tenho prova, Baylor, de que você deu um desfalque de milhões
de dólares na faculdade.
Young interveio:
—
Você não tem prova alguma, Marshall. Não tem lançamento algum.
Marshall teve de sorrir.
—
Oh, você devia ver o que tenho. Young disse simplesmente:
—
Já vimos. Tudo.
Marshall teve a sensação de ter despencado de um penhasco. Young continuou,
em tom cada vez mais frio.
—
Acompanhamos as suas fúteis tentativas desde o começo. Sabemos que falou com
Ted Harmel, sabemos que esteve entrevistando Eldon Strachan, Joe Carlucci, Lew
Gregory e centenas de outros impostores, descontentes e profetas de mau agouro.
Sabemos que tem perturbado nossa gente e nossos negócios. Sabemos que tem espionado
todos os nossos documentos pessoais.
Young fez uma pausa para efeito, e então disse:
—
Tudo isso vai cessar agora, Marshall.
—
Daí o motivo desta reunião! — disse Marshall, sarcástico. — O que me aguarda,
Young? Que diz, Brummel? Tem uma boa acusação de torpeza moral para usar contra
mim? Vai mandar alguém destruir minha casa também?
Young levantou-se, pedindo com a mão uma oportunidade de
falar.
—
Marshall, pode ser que nunca venha a compreender nossos verdadeiros motivos,
mas pelo menos dê-me a oportunidade de tentar esclarecer a questão. Não existe
nada de sede predatória de poder entre nós, como você provavelmente pensa. Não
procuramos poder como um fim.
—
Não, obtiveram-no puramente por acidente — disse Marshall, mordaz.
—
O poder para nós, Marshall, só é necessário como um meio para obtermos o nosso
verdadeiro objetivo com relação à humanidade, que nada mais é do que paz e
prosperidade universal.
—
Quem é "nós"?
—
Oh, você já sabe disso também, bem demais. A Sociedade, Marshall, a Sociedade
a que você tem farejado todo esse tempo como se estivesse perseguindo algum
misterioso ladrão. A Sociedade da Percepção Universal. E temos nossa própria
pequena filial aqui em Ashton, nossa própria pequena participação no Clube
Para a Conquista do Mundo!
Young sorriu com muita tolerância.
—
É mais do que um clube, Marshall. Na realidade, é uma força há muito esperada
que se levanta em prol da mudança global, uma voz mundial que finalmente unirá
a humanidade.
—
Ah, sim, um movimento tão maravilhoso, tão filantrópico que vocês têm de
introduzi-lo às escondidas, têm de ocultá-lo...
—
Somente das idéias antigas, Marshall, dos velhos obstáculos do fanatismo e da
intolerância religiosa. Vivemos num mundo que está crescendo e mudando, e a
humanidade ainda está-se evoluindo, amadurecendo. O processo de amadurecimento
de muitos ainda está atrasado e não podem tolerar aquilo que será melhor para
eles. Marshall, muitos de nós simplesmente não sabemos o que é melhor. Algum
dia, e esperamos que seja breve, todos compreenderão, não haverá mais religião,
e então não haverá mais segredos.
—
Enquanto isso, vocês fazem o que podem para assustar as pessoas e afugentá-las
de suas casas e negócios...
—
Somente, somente se forem limitadas em sua perspectiva e se resistirem à
verdade; apenas se colocarem no caminho daquilo que é verdadeiramente certo e
bom.
Marshall estava ficando tão enjoado quanto estava zangado.
—
Verdadeiramente certo e bom? O quê? De repente vocês são a nova autoridade
acerca do que é certo e bom? Vamos, Young, onde está a sua teologia? Onde Deus
se encaixa em tudo isso?
Young deu de ombros com resignação e disse:
— Nós
somos Deus.
Finalmente Marshall afundou-se numa cadeira.
—
Ou vocês estão loucos, ou sou eu que estou.
—
Sei que vai muito além de qualquer coisa que você já considerou antes. Concordo em que nossos ideais são muito altos e sublimes, mas o que viemos executar é
inevitável a todos os homens. Nada mais é do que o destino final da evolução
humana: iluminação, autorealização. Algum dia todos os homens, inclusive você,
devem realizar seu próprio potencial infinito, sua própria divindade, e devem-se
unir em uma só mente universal, uma percepção universal. A alternativa é
perecer.
Marshall tinha ouvido o suficiente.
—
Young, isso não passa de excremento de cavalo e você está doido varrido!
Young fitou os outros e pareceu quase triste.
—
Todo o mundo tinha a esperança de que você compreendesse, mas, para dizer a
verdade, já esperávamos que se sentisse dessa maneira. Você tem tanto que
caminhar, Marshall, tanto...
Marshall olhou-os a todos por um bom tempo.
—
Vocês planejam tomar a cidade, não é? Comprar a faculdade? Fazer dela algum
tipo de colméia para a sua Sociedade cósmica, alucinatória?
Young fitou-o com o rosto muito sério e disse:
—
É para o que há de melhor, Marshall. Tem de ser assim. Marshall ergueu-se e se
dirigiu à porta.
—
Verei vocês no jornal.
—
Você não tem jornal algum, Marshall — disse Young abruptamente.
Marshall apenas voltou-se e meneou a cabeça.
—
Caia morto.
Ned Wesley, presidente do Banco Independente, ao
receber o sinal de Young, disse.
—
Marshall, temos de executar a sua hipoteca. Marshall não acreditava no que
estava ouvindo.
Wesley abriu seu arquivo na ficha de empréstimos comerciais que
Marshall fizera para o Clarim.
—
Você não tem pago as prestações há oito meses, e não obtivemos resposta às
muitas indagações que fizemos. Não temos escolha a não ser executar.
Marshall estava completamente preparado para fazer Wesley
engolir seus lançamentos falsificados, mas não teve tempo, pois Irving Pierce, o
tesoureiro municipal, tomou a palavra.
—
Quanto aos seus impostos, Marshall, temo que também estejam muito atrasados.
Não sei como você achou que podia continuar morando naquela casa sem cumprir
com as suas obrigações.
Foi nesse exato momento que Marshall descobriu que
podia virar assassino. Seria a coisa mais fácil do mundo, exceto por haver dois tiras na sala que
adorariam pregar-lhe essa acusação, e um juiz que adoraria jogá-lo atrás das
grades para o resto da vida.
—
Vocês estão todos doidos — disse ele lentamente. — Não conseguirão safar-se
dessa.
Foi então que Jimmy Clayborne, da Impressora Comercial, deu a sua
contribuição.
—
Marshall, temo que nós também estejamos tendo problemas com você. Meus
lançamentos mostram que não recebemos nada pelas últimas seis impressões do Clarim.
Não há como possamos continuar a imprimir o jornal a menos que você pague
as contas.
O detetive Nelson acrescentou:
—
São problemas muito sérios, Marshall, e em vista da nossa investigação no caso
da morte de Ted Harmel, nada disso melhora a sua situação.
—
E quanto à lei — disse o juiz Baker — quaisquer decisões que acabemos tomando
dependerá, naturalmente, de como você se comportar daqui por diante.
—
Especialmente tendo em vista a queixa de abusos sexuais que acabamos de receber
— acrescentou Brummel. — Sua filha deve ser uma moça muito apavorada para ter
mantido silêncio durante tanto tempo.
Ele se sentiu como se balas estivessem rasgando-lhe a
carne. Podia sentir estar morrendo, estava certo disso.
—
Sim — observou Ron — ele está muito mal. Ei, Bobby, lembra-se de mim, Ron
Forsythe?
Bobby olhou para Ron com olhos vidrados.
—
Sim, lembro-me de você...
Mas os demônios também se lembravam de Ron Forsythe e do domínio
que seus camaradas já haviam exercido sobre a sua vida.
—
Traidor! Traidor!
Bobby começou a gritar com Ron:
—
Traidor! Traidor! — enquanto lutava por livrar-se de Hank e
Andy. John aproximou-se para ajudar a segurar Bobby.
Hank ordenou aos demônios:
—
Parem com isso! Parem com isso agora mesmo!
Os demônios falaram através de Bobby enquanto este se voltou e
praguejou contra Hank.
—
Não precisamos escutá-lo, homem de oração! Jamais nos derrotará! Morrerá antes
de nos derrotar! — Bobby fitou os olhos nos quatro homens e gritou:
—
Vocês todos morrerão!
Hank orou em voz alta de maneira que todos, inclusive
Bobby, pudessem ouvir.
—
Senhor Deus, enfrentamos agora estes espíritos em nome de Jesus, e os atamos!
Os cinco espíritos esconderam a cabeça debaixo das asas como se sob
pedradas, chorando e choramingando.
—
Não... não... — disse Bobby. Hank continuou:
—
E peço agora que o Senhor mande os seus anjos para nos ajudar. ..
Os dez guerreiros estavam prontos e esperando. Hank
dirigiu-se aos espíritos.
—
Quero saber quantos são. Falem!
Um demônio, menor que os outros, entrou pelas costas de Bobby e
ganiu:
—
Nããão!
O berro foi expelido com um arroto da garganta de
Bobby.
—
Quem é você? — perguntou Hank.
—
Não direi! Não pode me obrigar!
—
No nome de Jesus...
O demônio respondeu imediatamente:
—
Adivinhação! Hank perguntou:
—
Adivinhação, quantos estão aí dentro?
—
Milhões! — Triskal cutucou Adivinhação de leve no flanco. — Ai-ai! Dez! Dez! —
Outro cutucão. — Ai-ai! Não, somos cinco, apenas cinco!
Bobby começou a contorcer-se e a tremer enquanto os demônios
passaram a brigar. Adivinhação viu-se alvo de duras bofetadas.
—
Não! Não! — berrou Bobby pelo demônio. — Agora vejam o que me obrigaram a
fazer! Os outros estão me batendo!
—
Em nome de Jesus, saia — disse Hank.
Adivinhação soltou Bobby e flutuou para cima por sobre o grupo.
Krioni agarrou-o.
—
Saia desta região! — ordenou.
Adivinhação obedeceu imediatamente e saiu voando da igreja, sem olhar
para atrás.
Um demônio grande e peludo gritou após o espírito que partira, e
Bobby olhou para o teto, gritando:
—
Traidor! Traidor! Ainda pagará pelo que fez!
—
E quem é você? — perguntou Hank.
O demônio fechou a boca, e Bobby fez o mesmo, fitando os homens
com olhos cheios de fogo e ódio.
—
Espírito, quem é você? — exigiu Andy.
Bobby permaneceu em silêncio, o corpo todo tenso, os lábios apertados, os
olhos esbugalhados. Sua respiração era curta e frenética. Seu rosto estava
rubro.
—
Espírito — disse Andy — ordeno-lhe que nos diga quem é, em nome de Jesus!
—
Não mencione esse nome! — o espírito sibilou e então praguejou.
—
Mencionarei esse nome vez após vez — disse Hank. — Você sabe que esse nome o
derrotou.
—
Não... Não!
—
Quem é você?
—
Confusão, Loucura, Ódio... Faço tudo isso!
—
Em nome de Jesus, eu o ato e ordeno-lhe que saia!
Todos os demônios fizeram um súbito movimento das asas em conjunto,
puxando, dilacerando Bobby, tentando escapar.
Bobby lutou para livrar-se dos homens que o seguravam,
e eles tiveram de usar toda a sua força a fim de mantê-lo no chão. O peso deles era pelo
menos quatro vezes maior do que o do rapaz, e contudo ele quase escapou.
—
Saiam! — ordenaram os quatro.
O segundo espírito não conseguiu mais manter-se agarrado a Bobby e
subiu com um solavanco enquanto o rapaz se descontraía subitamente. O espírito
encontrou-se de imediato nas mãos de dois guerreiros que o aguardavam.
—
Saia desta região! — ordenaram-lhe.
Ele baixou um olhar furioso a Bobby e a seus três comparsas restantes,
depois arremeteu-se para fora da igreja e sumiu na distância. O terceiro
demônio falou logo a seguir, usando a voz de Bobby:
—
Você jamais me expulsará! Passei aqui a maior parte da vida dele!
—
Quem é você?
—
Bruxaria! Muita bruxaria!
—
Está na hora de sair — disse Hank.
—
Nunca! Não estamos sozinhos, sabia? Somos muitos!
—
Somente três, pelas minhas contas.
—
Sim, nele, sim. Mas você jamais conseguirá nos apanhar a todos.
Vá em frente e nos expulse deste aqui; ainda existem milhões
na cidade. Milhões! — O demônio soltou uma gargalhada.
Andy arriscou uma pergunta.
—
E o que é que vocês estão fazendo aqui?
—
Esta cidade é nossa! Somos os donos! Ficaremos aqui para sempre!
—
Vamos expulsá-los! — disse Hank. Bruxaria apenas riu-se e disse:
—
Vamos, tente!
—
Saia, em nome de Jesus!
O demônio agarrou-se a Bobby fortemente, desesperadamente. O corpo
do rapaz retesou-se de novo. Hank ordenou novamente.
—
Bruxaria, em nome de Jesus, saia!
O demônio falou através de Bobby enquanto os olhos do rapaz,
selvagens e esbugalhados, fixavam-se em Hank e Andy, e cada tendão de seu
pescoço esticava-se como uma corda de piano.
—
Não saio! Não saio! Ele é meu!
Hank, Andy, John e Ron começaram a orar ao mesmo
tempo, golpeando Bruxaria com suas orações. O demônio entrou para dentro de
Bobby e tentou esconder a cabeça debaixo das asas; ele babava de dor e agonia,
e fazia careta a cada menção do nome de Jesus. As orações continuaram. Bruxaria
começou a respirar com dificuldade. Gritou.
—
Rafar — gritou Bobby. — Baal Rafar!
—
O que foi que você disse?
O demônio continuou a gritar através de Bobby:
—
Rafar... Rafar...
—
Quem é Rafar? — perguntou Hank.
— Rafar...
é Rafar... é Rafar... é Rafar... — O corpo de Bobby se contorceu, e ele repetia
como um repugnante disco quebrado.
—
E quem é Rafar? — perguntou Andy.
—
Rafar reina. Ele reina. Rafar é Rafar. Rafar é senhor.
—
Jesus é Senhor — lembrou John ao demônio.
—
Satanás é senhor! — rebateu o demônio.
—
Você disse que Rafar era senhor — disse Hank.
—
Satanás é senhor de Rafar.
—
E de quem Rafar é senhor?
—
Rafar é senhor de Ashton. Ele reina sobre Ashton. Andy teve uma inspiração.
—
Ele é o príncipe de Ashton?
—
Rafar é príncipe. Príncipe de Ashton.
—
Bem, repreendemos Rafar também! — disse Ron.
—
Somos muitos, muitos, muitos! — jactou-se o demônio.
—
E a cidade de Ashton é sua? — perguntou Hank.
—
Com exceção de você, homem de oração!
—
Então está na hora de começar a orar — disse Andy, e foi o que todos fizeram.
O demônio fez uma careta de dor terrível, escondendo com desespero
a cabeça debaixo das asas e agarrando-se a Bobby com toda a força que
desaparecia rapidamente.
—
Não... não... não! — choramingou.
—
Solte-o, Bruxaria — disse Hank — e saia dele.
—
Por favor, deixe-me ficar. Prometo que não o ferirei!
Um sinal seguro. Hank e Andy se entreolharam. A coisa
estava prestes a sair. Hank olhou diretamente nos olhos de Bobby e ordenou:
—
Espírito, saia, em nome de Jesus! Agora!
O demônio guinchou enquanto suas garras começaram a escorregar,
soltando Bobby. Lentamente, centímetro a centímetro, apesar dos esforços
frenéticos do demônio em mantê-las enterradas, elas começaram a retrair-se. Ele
berrava e praguejava, e os sons saíam da garganta de Bobby enquanto a última
garra se soltou e o demônio adejou para o alto. Os anjos estavam prestes a
ordenar-lhe que deixasse a região, mas ele já estava a caminho.
—
Vou indo, vou indo! — sibilou, sumindo de vista.
Bobby descontraiu-se, e o mesmo fizeram os quatro
homens que lhe ministravam.
—
Tudo bem, Bobby? — perguntou Andy. Bobby, o Bobby verdadeiro, respondeu:
—
Sim... ainda sobraram alguns, posso senti-los.
—
Descansaremos um minuto e depois expulsaremos a todos — disse Hank.
—
Sim — disse Bobby. — Façamos isso. Ron deu uns tapinhas no joelho do rapaz.
—
Você está indo muito bem!
Nesse momento Mary entrou no templo para ver se podia
ajudar de alguma maneira. Tinha ouvido dizer que estavam ministrando a alguém e não se sentia bem
ficando em casa.
Mas então ela viu Bobby. O homem! O homem de roupas de couro! Ela
ficou paralisada no lugar em que estava.
Bobby ergueu os olhos e a viu.
Também a viu um demônio dentro dele. Subitamente Bobby se
transformou, seu rosto de rapaz exausto e temeroso passou ao de um espírito
malicioso, lascivo, estuprador.
—
Olá — disse o espírito através de Bobby, e a seguir referiu-se a ela em termos
lascivos, obscenos.
Hank e os outros ficaram chocados, mas sabiam quem
estava falando. Hank olhou na direção de Mary, e viu que ela se afastava, aterrorizada.
—
Ele... foi ele quem me ameaçou no estacionamento! — gritou ela.
Os demônios jorraram mais obscenidades. Hank interveio imediatamente.
—
Espírito, fique quieto! O espírito o amaldiçoou.
—
É a sua esposa, não é?
—
Eu o ato no nome de Jesus.
Bobby retorceu-se e contorceu-se como que vitimado por
dor terrível;
o demônio estava sentindo a picada das orações.
—
Deixe-me em paz! — berrou. — Quero... quero...— Prosseguindo, ele descreveu um
estupro com hediondos detalhes.
Mary recuou, mas então se recompôs e respondeu:
—
Como se atreve! Sou filha de Deus, e não tenho de agüentar esse tipo de
conversa. Fique quieto e saia dele!
Bobby contorceu-se como um verme espetado e teve ânsia de vômito.
—
Deixe-o, Estupro! — ordenou Andy.
—
Solte-o! — disse Hank.
Mary chegou mais perto e disse com firmeza.
—
Eu o repreendo, demônio! Em nome de Jesus, repreendo-o!
O demônio desgrudou-se de Bobby como se acertado por uma bola de
demolição e ficou batendo as asas pelo chão. Krioni o agarrou e atirou-o para
fora da igreja.
O último espírito estava bem intimidado mas de qualquer forma,
muito antipático.
—
Eu surrei uma mulher hoje!
—
Não queremos ouvir naHa a esse respeito — disse John. — Apenas saia!
—
Eu bati nela e a chutei e a surrei...
—
Fique quieto e saia! — ordenou Hank.
O demônio praguejou alto e saiu, Krioni ajudou-o a sumir.
Bobby deixou-se cair no chão exausto, mas um sorriso
suave estampou-se-lhe no rosto e ele começou a rir alegremente.
—
Eles se foram! Graças a Deus, eles se foram!
Hank, Andy, John e Ron chegaram-se a ele a fim de
confortá-lo.
Mary manteve-se afastada, ainda insegura quanto a esse desgrenhado. Andy foi
claro e direto.
—
Bobby, você precisa do Espírito Santo em sua vida. Se quiser ficar livre
daquelas coisas, você precisa de Jesus.
—
Estou pronto, estou pronto! — disse Bobby.
Ali mesmo, naquele instante, Bobby Corsi tornou-se uma
nova criatura. E suas primeiras palavras como cristão foram:
—
Gente, esta cidade está mal! Esperem só até ficarem sabendo do que andei
fazendo e para quem estive trabalhando!