quinta-feira, 6 de maio de 2021

Este mundo tenebroso - volume 01 - Capítulo 26


 Marshall estava com tanta raiva que estacionou mal, to­mando dois lugares no estacionamento da Praça do Tri­bunal. Achou que se atravessasse depressa o estacionamento até a porta do departamento de polícia, poderia se esfriar um pouco, mas a estratégia não deu certo. Ele abriu a porta com um safanão e entrou na recepção. Sara não estava à sua mesa. Brummel não estava no escritório. Marshall olhou para o relógio. Três horas em ponto. Uma mulher apareceu num canto. Ele ainda não a tinha visto antes.

— Olá — disse ele, então acrescentou abruptamente: — Quem é você?

A pergunta a surpreendeu bastante, e ela respondeu com timidez:

— Bem, sou... sou Bárbara, a recepcionista.

— A recepcionista? Que fim levou Sara?

Ela estava intimidada e um pouco indignada.

— Eu... não sei de nenhuma Sara, mas há alguma coisa em que eu possa ajudá-lo?

— Onde está Alf Brummel?

— É o Sr. Hogan?

— Isso mesmo.

— O delegado Brummel está à sua espera na sala de reuniões, no fim do corredor.

Ela nem tinha terminado a sentença e Marshall já estava a caminho. Se a tranca da porta tivesse oferecido a menor resistência, não teria sobrevivido à entrada de Marshall. Ele se precipitou porta adentro, pronto para torcer o primeiro pescoço em que pudesse botar as mãos.

Havia muitos pescoços à escolha. A sala estava cheia de gente que Marshall não esperava, mas enquanto corria os olhos em redor, exa­minando o rosto dos presentes, não teve dificuldade em adivinhar a pauta da reunião. Brummel tinha os amigos ao seu lado. Figurões. Mentirosos. Maquinadores.

Alf Brummel estava sentado à mesa, cercado por seus muitos com­parsas e sorrindo aquele sorriso dentuço.

— Olá, Marshall. Por favor, feche a porta.

Marshall, sem tirar os olhos de toda aquela gente agora reunida, sem dúvida para pôr as coisas em pratos limpos com ele, fechou a porta com um pontapé. Ali estava Oliver Young, bem como o Juiz Baker, o tesoureiro municipal Irving Pierce, o chefe dos bombeiros Frank Brady, o detetive Spence Nelson de Windsor, alguns outros homens a quem Marshall não reconheceu, e finalmente o prefeito de Ashton, David Steen.

— Bem, olá, prefeito Steen — disse Marshall com frieza. — Que interessante encontrá-lo aqui.

O prefeito apenas sorriu cordial e silenciosamente, como o fan­toche mudo que Marshall sempre achara que era.

— Sente-se — disse Brummel, acenando com a mão na direção de uma cadeira vazia.

Marshall não se moveu.

— Alf, é esta a reunião que eu e você íamos ter?

— Esta é a reunião — disse Brummel. — Acho que não conhece todos os presentes... — Com gentileza forçada, Brummel apresentou as novas ou possivelmente novas caras. — Quero apresentar-lhe Tony Sulski, um advogado local, e creio que você já tratou com Ned Wes­ley, presidente do Banco Independente. Pelo que sabemos, já pelo menos conversou com Eugene Baylor, membro do conselho admi­nistrativo da faculdade. E você naturalmente se lembra de Jimmy Clairborne, da Impressora Comercial —. Brummel mostrou os dentes de modo largo, irritante. — Marshall, por favor, sente-se.

Palavrões cruzavam a mente de Marshall, quando ele disse a Brum­mel:

— Não enquanto eu for a minoria. Oliver Young piou uma resposta:

— Marshall, asseguro-lhe que será uma reunião cortês e cordial.

— E então, qual de vocês espancou a minha repórter até quase matá-la? — Marshall sentia-se muito pouco cortês.

Brummel respondeu:

— Marshall, esse tipo de coisas acontece a pessoas que não têm cuidado.

Marshall cobriu Brummel com algumas descrições como confeitos tirados de uma caixa de esgoto e então lhe disse, fervendo de raiva:

— Brummel, isso não aconteceu simplesmente. Foi planejado. Ela foi atacada e ferida e os seu tiras não fizeram coisa alguma e todos nós sabemos por quê! — Ele os olhou ferozmente. — Vocês estão todos juntos neste negócio, e seus truques saem baratos. Vandalizam casas, fazem ameaças, expulsam as pessoas, agem como um tipo de clube do bolinha de mafiosos! — Ele apontou um dedo acusador na direção de Brummel. — E você, amigão, é uma vergonha para a sua profissão. Você usou os poderes que lhe foram confiados a fim de silenciar e intimidar, e a fim de cobrir a própria sujeira. Young tentou interferir.

— Marshall...

— E você se diz um homem de Deus, um pastor, um exemplo piedoso do que um bom cristão deve ser. Mentiu para mim o tempo todo, Young, escondendo-se atrás da desculpa do que chama de ética profissional, bebendo a baboseira mística da bruxa Langstrat e depois agindo como se nada soubesse a respeito. A quantas pessoas que confiaram em você, você vendeu uma mentira?

Os homens na sala permaneceram assentados em silêncio. Mars­hall continuou a se desabafar.

— Se vocês são servidores públicos, Hitler foi um grande filantropo! Vocês tramaram planos, manipularam as pessoas e abriram caminho nesta cidade como bandidos, e silenciaram a todos os que ergueram a voz ou se opuseram a vocês. Lerão acerca disso no jornal, cavalheiros! Se quiserem fazer algum comentário ou negar alguma coisa, terei muito prazer em ouvi-los, e até de publicar o que dis­serem, mas chegou a hora de todos vocês enfrentarem a imprensa, quer gostem quer não!

Young ergueu as mãos tentando conseguir tempo para falar.

— Marshall, tudo o que posso dizer é que você tenha certeza dos fatos.

— Não se preocupe. As minhas informações são corretas. Sei de gente inocente como os Carluccis, os Wrights, os Andersons, os Dombrowskis, mais de cem pessoas, que foram forçadas a deixar suas casas e negócios por causa de intimidação e por causa de atraso forjado no pagamento de impostos.

Young piou.

Intimidação? Marshall, não está em nosso poder evitar medo, superstições tolas, quebra de famílias. Exatamente o que vai publicar? Que os Carluccis, por exemplo, se convenceram de que a mercearia estava assombrada e que espíritos malignos quebraram as mãos do filho deles? Ora, vamos, Marshall.

Marshall apontou para Young.

— Ei, Young, essa é a sua especialidade. Publicarei que você e o seu bando atiçaram os temores e orquestraram as superstições dessa gente, e contarei tudo a respeito das práticas e filosofias absurdas que usaram a fim de conseguir fazer isso. Sei tudo acerca de Langstrat e da embromação mental que ela usa para deixar todo mundo dopado, e sei que cada um de vocês está embrulhado na coisa.

— Publicarei que vocês incriminam as pessoas com acusações falsas a fim de fazer com que sejam tiradas dos cargos e posições a para que sua própria gente possa ocupar esses lugares: incriminaram Lew Gregory, o antigo tesoureiro, com uma acusação falsa de conflito de interesses; promoveram e forçaram aquela grande rotatividade no Conselho Diretor da Faculdade Whitmore depois que o Deão Strachan pegou Eugene Baylor — Marshall fitou Baylor diretamente ao dizer — mexendo nos livros! Vocês expulsaram Ted Harmel da ci­dade sem nada sob a acusação falsa de molestar uma menina, e acho muito interessante o fato de a coitadinha da vítima da filha de Adam Jarred ter agora um fundo especial em seu nome que lhe garante o curso universitário. Se eu procurar mais um pouco, é provável que descubra que o dinheiro saiu do bolso de vocês!

— Publicarei que minha repórter foi vítima de falsa prisão por parte dos capangas de Brummel pelo fato de ter tirado uma foto que não devia, uma foto de Brummel, Young e Langstrat com nada mais nada menos que o próprio Alexander M. Kaseph, o Figurão que está por trás da conspiração para tomar a cidade, ajudado e protegido por vocês todos, um bando de neofascistas pseudo-espiritualizados, se­dentos de poder!

Young sorriu calmamente.

— O que significa que você planeja escrever acerca da Omni S.A. Marshall não podia crer que realmente estava ouvindo isso da boca de Young.

— Então esta é a hora de dizer a verdade? Young continuou, descontraído e confiante.

— Bem, você tem pesquisado tudo o que a Omni comprou e tem, não é verdade?

— Isso mesmo.

Young sorriu ao perguntar.

— E quantas casas você diria que foram entregues à Omni por causa de atraso no pagamento dos impostos?

Marshall recusou-se a fazer o jogo dele.

— Diga-o você.

Young simplesmente voltou-se para Irving Pierce, o tesoureiro. Pierce folheou uns papéis.

— Sr. Hogan, creio que seus registros mostram que cento e vinte e três casas foram leiloadas e compradas pela Omni por falta de pagamento dos impostos...

Ele sabia. Ora, e daí?

— Foi o que descobri.

— O senhor se enganou. Ouçamos a mentira, Pierce.

— O número correto é cento e sessenta e três. Todas adquiridas legalmente, legitimamente, nos últimos cinco anos.

Marshall não conseguiu pensar numa resposta. Young continuou.

— Você está certo quanto à Omni ser a proprietária de todos esses imóveis, além de muitos outros empreendimentos comerciais. Mas também deve notar quanto essas propriedades foram substancial­mente melhoradas sob o novo proprietário. Eu diria que Ashton é com certeza uma cidade melhor por causa disso.

Marshall podia sentir o vapor subindo-lhe à cabeça.

— Essa gente pagou os impostos! Conversei com mais de cem pes­soas!

Pierce permaneceu calmo.

— Temos prova substancial de que não pagaram.

— Têm coisa nenhuma!

— E com relação à faculdade... — Young fitou Eugene Baylor, indicando ser sua vez.

Baylor ergueu-se a fim de falar.

— Não agüento mais ouvir essa calúnia e falatório a respeito de a faculdade estar mergulhada em dívidas. A faculdade está muito bem, obrigado e essa... essa campanha de difamação a que Eldon Strachan deu início precisa cessar ou o processaremos! O Sr. Sulski foi con­tratado exatamente para essa eventualidade.

— Tenho lançamentos, tenho prova, Baylor, de que você deu um desfalque de milhões de dólares na faculdade.

Young interveio:

— Você não tem prova alguma, Marshall. Não tem lançamento algum.

Marshall teve de sorrir.

— Oh, você devia ver o que tenho. Young disse simplesmente:

— Já vimos. Tudo.

Marshall teve a sensação de ter despencado de um penhasco. Young continuou, em tom cada vez mais frio.

— Acompanhamos as suas fúteis tentativas desde o começo. Sa­bemos que falou com Ted Harmel, sabemos que esteve entrevistando Eldon Strachan, Joe Carlucci, Lew Gregory e centenas de outros impostores, descontentes e profetas de mau agouro. Sabemos que tem perturbado nossa gente e nossos negócios. Sabemos que tem espio­nado todos os nossos documentos pessoais.

Young fez uma pausa para efeito, e então disse:

— Tudo isso vai cessar agora, Marshall.

— Daí o motivo desta reunião! — disse Marshall, sarcástico. — O que me aguarda, Young? Que diz, Brummel? Tem uma boa acusação de torpeza moral para usar contra mim? Vai mandar alguém destruir minha casa também?

Young levantou-se, pedindo com a mão uma oportunidade de falar.

— Marshall, pode ser que nunca venha a compreender nossos ver­dadeiros motivos, mas pelo menos dê-me a oportunidade de tentar esclarecer a questão. Não existe nada de sede predatória de poder entre nós, como você provavelmente pensa. Não procuramos poder como um fim.

— Não, obtiveram-no puramente por acidente — disse Marshall, mordaz.

— O poder para nós, Marshall, só é necessário como um meio para obtermos o nosso verdadeiro objetivo com relação à humanidade, que nada mais é do que paz e prosperidade universal.

— Quem é "nós"?

— Oh, você já sabe disso também, bem demais. A Sociedade, Mars­hall, a Sociedade a que você tem farejado todo esse tempo como se estivesse perseguindo algum misterioso ladrão. A Sociedade da Per­cepção Universal. E temos nossa própria pequena filial aqui em Ash­ton, nossa própria pequena participação no Clube Para a Conquista do Mundo!

Young sorriu com muita tolerância.

— É mais do que um clube, Marshall. Na realidade, é uma força há muito esperada que se levanta em prol da mudança global, uma voz mundial que finalmente unirá a humanidade.

— Ah, sim, um movimento tão maravilhoso, tão filantrópico que vocês têm de introduzi-lo às escondidas, têm de ocultá-lo...

— Somente das idéias antigas, Marshall, dos velhos obstáculos do fanatismo e da intolerância religiosa. Vivemos num mundo que está crescendo e mudando, e a humanidade ainda está-se evoluindo, ama­durecendo. O processo de amadurecimento de muitos ainda está atrasado e não podem tolerar aquilo que será melhor para eles. Mars­hall, muitos de nós simplesmente não sabemos o que é melhor. Al­gum dia, e esperamos que seja breve, todos compreenderão, não haverá mais religião, e então não haverá mais segredos.

— Enquanto isso, vocês fazem o que podem para assustar as pes­soas e afugentá-las de suas casas e negócios...

— Somente, somente se forem limitadas em sua perspectiva e se resistirem à verdade; apenas se colocarem no caminho daquilo que é verdadeiramente certo e bom.

Marshall estava ficando tão enjoado quanto estava zangado.

— Verdadeiramente certo e bom? O quê? De repente vocês são a nova autoridade acerca do que é certo e bom? Vamos, Young, onde está a sua teologia? Onde Deus se encaixa em tudo isso?

Young deu de ombros com resignação e disse:

Nós somos Deus.

Finalmente Marshall afundou-se numa cadeira.

— Ou vocês estão loucos, ou sou eu que estou.

— Sei que vai muito além de qualquer coisa que você já considerou antes. Concordo em que nossos ideais são muito altos e sublimes, mas o que viemos executar é inevitável a todos os homens. Nada mais é do que o destino final da evolução humana: iluminação, autorealização. Algum dia todos os homens, inclusive você, devem realizar seu próprio potencial infinito, sua própria divindade, e de­vem-se unir em uma só mente universal, uma percepção universal. A alternativa é perecer.

Marshall tinha ouvido o suficiente.

— Young, isso não passa de excremento de cavalo e você está doido varrido!

Young fitou os outros e pareceu quase triste.

— Todo o mundo tinha a esperança de que você compreendesse, mas, para dizer a verdade, já esperávamos que se sentisse dessa maneira. Você tem tanto que caminhar, Marshall, tanto...

Marshall olhou-os a todos por um bom tempo.

— Vocês planejam tomar a cidade, não é? Comprar a faculdade? Fazer dela algum tipo de colméia para a sua Sociedade cósmica, alucinatória?

Young fitou-o com o rosto muito sério e disse:

— É para o que há de melhor, Marshall. Tem de ser assim. Marshall ergueu-se e se dirigiu à porta.

— Verei vocês no jornal.

— Você não tem jornal algum, Marshall — disse Young abrupta­mente.

Marshall apenas voltou-se e meneou a cabeça.

— Caia morto.

Ned Wesley, presidente do Banco Independente, ao receber o sinal de Young, disse.

— Marshall, temos de executar a sua hipoteca. Marshall não acreditava no que estava ouvindo.

Wesley abriu seu arquivo na ficha de empréstimos comerciais que Marshall fizera para o Clarim.

— Você não tem pago as prestações há oito meses, e não obtivemos resposta às muitas indagações que fizemos. Não temos escolha a não ser executar.

Marshall estava completamente preparado para fazer Wesley en­golir seus lançamentos falsificados, mas não teve tempo, pois Irving Pierce, o tesoureiro municipal, tomou a palavra.

— Quanto aos seus impostos, Marshall, temo que também estejam muito atrasados. Não sei como você achou que podia continuar mo­rando naquela casa sem cumprir com as suas obrigações.

Foi nesse exato momento que Marshall descobriu que podia virar assassino. Seria a coisa mais fácil do mundo, exceto por haver dois tiras na sala que adorariam pregar-lhe essa acusação, e um juiz que adoraria jogá-lo atrás das grades para o resto da vida.

— Vocês estão todos doidos — disse ele lentamente. — Não con­seguirão safar-se dessa.

Foi então que Jimmy Clayborne, da Impressora Comercial, deu a sua contribuição.

— Marshall, temo que nós também estejamos tendo problemas com você. Meus lançamentos mostram que não recebemos nada pelas últimas seis impressões do Clarim. Não há como possamos continuar a imprimir o jornal a menos que você pague as contas.

O detetive Nelson acrescentou:

— São problemas muito sérios, Marshall, e em vista da nossa in­vestigação no caso da morte de Ted Harmel, nada disso melhora a sua situação.

— E quanto à lei — disse o juiz Baker — quaisquer decisões que acabemos tomando dependerá, naturalmente, de como você se com­portar daqui por diante.

— Especialmente tendo em vista a queixa de abusos sexuais que acabamos de receber — acrescentou Brummel. — Sua filha deve ser uma moça muito apavorada para ter mantido silêncio durante tanto tempo.

Ele se sentiu como se balas estivessem rasgando-lhe a carne. Podia sentir estar morrendo, estava certo disso.

 Apesar de se encolherem à frente do pequeno templo da Igreja da Comunidade de Ashton, e chiarem maldições e imprecações sulfurosas, os cinco demônios mantinham-se tenazmente agarrados a Bobby Corsi. Triskal, Krioni, Sete e Scion estavam lá, juntamente com seis outros guerreiros, as espadas desembainhadas, circundando o pequeno grupo de oração. Hank estava com a Bíblia na mão e já havia repassado algumas referências dos Evangelhos para ter idéia de como proceder. Ele e Andy seguravam Bobby, firme mas deli­cadamente, que estava sentado no chão à frente do púlpito. John Coleman tinha vindo prontamente a fim de ajudar, e Ron Forsythe não teria perdido a reunião.

— Sim — observou Ron — ele está muito mal. Ei, Bobby, lembra-se de mim, Ron Forsythe?

Bobby olhou para Ron com olhos vidrados.

— Sim, lembro-me de você...

Mas os demônios também se lembravam de Ron Forsythe e do domínio que seus camaradas já haviam exercido sobre a sua vida.

— Traidor! Traidor!

Bobby começou a gritar com Ron:

— Traidor! Traidor! — enquanto lutava por livrar-se de Hank e

Andy. John aproximou-se para ajudar a segurar Bobby.

Hank ordenou aos demônios:

— Parem com isso! Parem com isso agora mesmo!

Os demônios falaram através de Bobby enquanto este se voltou e praguejou contra Hank.

— Não precisamos escutá-lo, homem de oração! Jamais nos der­rotará! Morrerá antes de nos derrotar! — Bobby fitou os olhos nos quatro homens e gritou:

— Vocês todos morrerão!

Hank orou em voz alta de maneira que todos, inclusive Bobby, pudessem ouvir.

— Senhor Deus, enfrentamos agora estes espíritos em nome de Jesus, e os atamos!

Os cinco espíritos esconderam a cabeça debaixo das asas como se sob pedradas, chorando e choramingando.

— Não... não... — disse Bobby. Hank continuou:

— E peço agora que o Senhor mande os seus anjos para nos aju­dar. ..

Os dez guerreiros estavam prontos e esperando. Hank dirigiu-se aos espíritos.

— Quero saber quantos são. Falem!

Um demônio, menor que os outros, entrou pelas costas de Bobby e ganiu:

— Nããão!

O berro foi expelido com um arroto da garganta de Bobby.

— Quem é você? — perguntou Hank.

— Não direi! Não pode me obrigar!

— No nome de Jesus...

O demônio respondeu imediatamente:

— Adivinhação! Hank perguntou:

— Adivinhação, quantos estão aí dentro?

— Milhões! — Triskal cutucou Adivinhação de leve no flanco. — Ai-ai! Dez! Dez! — Outro cutucão. — Ai-ai! Não, somos cinco, apenas cinco!

Bobby começou a contorcer-se e a tremer enquanto os demônios passaram a brigar. Adivinhação viu-se alvo de duras bofetadas.

— Não! Não! — berrou Bobby pelo demônio. — Agora vejam o que me obrigaram a fazer! Os outros estão me batendo!

— Em nome de Jesus, saia — disse Hank.

Adivinhação soltou Bobby e flutuou para cima por sobre o grupo. Krioni agarrou-o.

— Saia desta região! — ordenou.

Adivinhação obedeceu imediatamente e saiu voando da igreja, sem olhar para atrás.

Um demônio grande e peludo gritou após o espírito que partira, e Bobby olhou para o teto, gritando:

— Traidor! Traidor! Ainda pagará pelo que fez!

— E quem é você? — perguntou Hank.

O demônio fechou a boca, e Bobby fez o mesmo, fitando os homens com olhos cheios de fogo e ódio.

— Espírito, quem é você? — exigiu Andy.

Bobby permaneceu em silêncio, o corpo todo tenso, os lábios aper­tados, os olhos esbugalhados. Sua respiração era curta e frenética. Seu rosto estava rubro.

— Espírito — disse Andy — ordeno-lhe que nos diga quem é, em nome de Jesus!

— Não mencione esse nome! — o espírito sibilou e então prague­jou.

— Mencionarei esse nome vez após vez — disse Hank. — Você sabe que esse nome o derrotou.

— Não... Não!

— Quem é você?

— Confusão, Loucura, Ódio... Faço tudo isso!

— Em nome de Jesus, eu o ato e ordeno-lhe que saia!

Todos os demônios fizeram um súbito movimento das asas em conjunto, puxando, dilacerando Bobby, tentando escapar.

Bobby lutou para livrar-se dos homens que o seguravam, e eles tiveram de usar toda a sua força a fim de mantê-lo no chão. O peso deles era pelo menos quatro vezes maior do que o do rapaz, e contudo ele quase escapou.

— Saiam! — ordenaram os quatro.

O segundo espírito não conseguiu mais manter-se agarrado a Bobby e subiu com um solavanco enquanto o rapaz se descontraía subita­mente. O espírito encontrou-se de imediato nas mãos de dois guer­reiros que o aguardavam.

— Saia desta região! — ordenaram-lhe.

Ele baixou um olhar furioso a Bobby e a seus três comparsas res­tantes, depois arremeteu-se para fora da igreja e sumiu na distância. O terceiro demônio falou logo a seguir, usando a voz de Bobby:

— Você jamais me expulsará! Passei aqui a maior parte da vida dele!

— Quem é você?

— Bruxaria! Muita bruxaria!

— Está na hora de sair — disse Hank.

— Nunca! Não estamos sozinhos, sabia? Somos muitos!

— Somente três, pelas minhas contas.

— Sim, nele, sim. Mas você jamais conseguirá nos apanhar a todos.

Vá em frente e nos expulse deste aqui; ainda existem milhões na cidade. Milhões! — O demônio soltou uma gargalhada.

Andy arriscou uma pergunta.

— E o que é que vocês estão fazendo aqui?

— Esta cidade é nossa! Somos os donos! Ficaremos aqui para sem­pre!

— Vamos expulsá-los! — disse Hank. Bruxaria apenas riu-se e disse:

— Vamos, tente!

— Saia, em nome de Jesus!

O demônio agarrou-se a Bobby fortemente, desesperadamente. O corpo do rapaz retesou-se de novo. Hank ordenou novamente.

— Bruxaria, em nome de Jesus, saia!

O demônio falou através de Bobby enquanto os olhos do rapaz, selvagens e esbugalhados, fixavam-se em Hank e Andy, e cada tendão de seu pescoço esticava-se como uma corda de piano.

— Não saio! Não saio! Ele é meu!

Hank, Andy, John e Ron começaram a orar ao mesmo tempo, gol­peando Bruxaria com suas orações. O demônio entrou para dentro de Bobby e tentou esconder a cabeça debaixo das asas; ele babava de dor e agonia, e fazia careta a cada menção do nome de Jesus. As orações continuaram. Bruxaria começou a respirar com dificuldade. Gritou.

— Rafar — gritou Bobby. — Baal Rafar!

— O que foi que você disse?

O demônio continuou a gritar através de Bobby:

— Rafar... Rafar...

— Quem é Rafar? — perguntou Hank.

— Rafar... é Rafar... é Rafar... é Rafar... — O corpo de Bobby se contorceu, e ele repetia como um repugnante disco quebrado.

— E quem é Rafar? — perguntou Andy.

— Rafar reina. Ele reina. Rafar é Rafar. Rafar é senhor.

— Jesus é Senhor — lembrou John ao demônio.

— Satanás é senhor! — rebateu o demônio.

— Você disse que Rafar era senhor — disse Hank.

— Satanás é senhor de Rafar.

— E de quem Rafar é senhor?

— Rafar é senhor de Ashton. Ele reina sobre Ashton. Andy teve uma inspiração.

— Ele é o príncipe de Ashton?

— Rafar é príncipe. Príncipe de Ashton.

— Bem, repreendemos Rafar também! — disse Ron.

 Perto da grande árvore morta, Rafar voltou-se rapidamente como se alguém o tivesse espetado, e correu os olhos desconfiados por diversos de seus demônios.

 O demônio continuou a soltar bazófias, falando através de Bobby, cuja face se contorcia em imagem quase perfeita das expressões do demônio.

— Somos muitos, muitos, muitos! — jactou-se o demônio.

— E a cidade de Ashton é sua? — perguntou Hank.

— Com exceção de você, homem de oração!

— Então está na hora de começar a orar — disse Andy, e foi o que todos fizeram.

O demônio fez uma careta de dor terrível, escondendo com de­sespero a cabeça debaixo das asas e agarrando-se a Bobby com toda a força que desaparecia rapidamente.

— Não... não... não! — choramingou.

— Solte-o, Bruxaria — disse Hank — e saia dele.

— Por favor, deixe-me ficar. Prometo que não o ferirei!

Um sinal seguro. Hank e Andy se entreolharam. A coisa estava prestes a sair. Hank olhou diretamente nos olhos de Bobby e ordenou:

— Espírito, saia, em nome de Jesus! Agora!

O demônio guinchou enquanto suas garras começaram a escorre­gar, soltando Bobby. Lentamente, centímetro a centímetro, apesar dos esforços frenéticos do demônio em mantê-las enterradas, elas começaram a retrair-se. Ele berrava e praguejava, e os sons saíam da garganta de Bobby enquanto a última garra se soltou e o demônio adejou para o alto. Os anjos estavam prestes a ordenar-lhe que dei­xasse a região, mas ele já estava a caminho.

— Vou indo, vou indo! — sibilou, sumindo de vista.

Bobby descontraiu-se, e o mesmo fizeram os quatro homens que lhe ministravam.

— Tudo bem, Bobby? — perguntou Andy. Bobby, o Bobby verdadeiro, respondeu:

— Sim... ainda sobraram alguns, posso senti-los.

— Descansaremos um minuto e depois expulsaremos a todos — disse Hank.

— Sim — disse Bobby. — Façamos isso. Ron deu uns tapinhas no joelho do rapaz.

— Você está indo muito bem!

Nesse momento Mary entrou no templo para ver se podia ajudar de alguma maneira. Tinha ouvido dizer que estavam ministrando a alguém e não se sentia bem ficando em casa.

Mas então ela viu Bobby. O homem! O homem de roupas de couro! Ela ficou paralisada no lugar em que estava.

Bobby ergueu os olhos e a viu.

Também a viu um demônio dentro dele. Subitamente Bobby se transformou, seu rosto de rapaz exausto e temeroso passou ao de um espírito malicioso, lascivo, estuprador.

— Olá — disse o espírito através de Bobby, e a seguir referiu-se a ela em termos lascivos, obscenos.

Hank e os outros ficaram chocados, mas sabiam quem estava fa­lando. Hank olhou na direção de Mary, e viu que ela se afastava, aterrorizada.

— Ele... foi ele quem me ameaçou no estacionamento! — gritou ela.

Os demônios jorraram mais obscenidades. Hank interveio imediatamente.

— Espírito, fique quieto! O espírito o amaldiçoou.

— É a sua esposa, não é?

— Eu o ato no nome de Jesus.

Bobby retorceu-se e contorceu-se como que vitimado por dor ter­rível; o demônio estava sentindo a picada das orações.

— Deixe-me em paz! — berrou. — Quero... quero...— Prosseguindo, ele descreveu um estupro com hediondos detalhes.

Mary recuou, mas então se recompôs e respondeu:

— Como se atreve! Sou filha de Deus, e não tenho de agüentar esse tipo de conversa. Fique quieto e saia dele!

Bobby contorceu-se como um verme espetado e teve ânsia de vô­mito.

— Deixe-o, Estupro! — ordenou Andy.

— Solte-o! — disse Hank.

Mary chegou mais perto e disse com firmeza.

— Eu o repreendo, demônio! Em nome de Jesus, repreendo-o!

O demônio desgrudou-se de Bobby como se acertado por uma bola de demolição e ficou batendo as asas pelo chão. Krioni o agarrou e atirou-o para fora da igreja.

O último espírito estava bem intimidado mas de qualquer forma, muito antipático.

— Eu surrei uma mulher hoje!

— Não queremos ouvir naHa a esse respeito — disse John. — Ape­nas saia!

— Eu bati nela e a chutei e a surrei...

— Fique quieto e saia! — ordenou Hank.

O demônio praguejou alto e saiu, Krioni ajudou-o a sumir.

Bobby deixou-se cair no chão exausto, mas um sorriso suave estampou-se-lhe no rosto e ele começou a rir alegremente.

— Eles se foram! Graças a Deus, eles se foram!

Hank, Andy, John e Ron chegaram-se a ele a fim de confortá-lo. Mary manteve-se afastada, ainda insegura quanto a esse desgrenhado. Andy foi claro e direto.

— Bobby, você precisa do Espírito Santo em sua vida. Se quiser ficar livre daquelas coisas, você precisa de Jesus.

— Estou pronto, estou pronto! — disse Bobby.

Ali mesmo, naquele instante, Bobby Corsi tornou-se uma nova criatura. E suas primeiras palavras como cristão foram:

— Gente, esta cidade está mal! Esperem só até ficarem sabendo do que andei fazendo e para quem estive trabalhando!