—
Glória a Deus! — exclamou, os olhos muito abertos, a face embevecida.
Os dois homens altos tinham rosto bondoso e compassivo,
mas sua expressão era séria. Um era alto e loiro; o outro, jovem e de cabelos escuros.
Ambos chegavam à altura do teto, e o fulgor de suas túnicas brancas enchia o
quarto. Cada um deles trazia bainha e cinto resplendentes, e o cabo das suas
espadas eram do mais puro ouro, cravejados de jóias cintilantes.
—
Edith Duster — disse o loiro alto, com voz profunda e ressonante — vamos entrar
em batalha pela cidade de Ashton. A vitória repousa nas orações dos santos de
Deus. Pelo temor que tem ao Senhor, ore, e convoque os outros à oração. Ore
pedindo que o inimigo seja vencido e os justos libertados.
Então disse o de cabelos escuros.
—
O seu pastor, Hank Busche, foi preso. Ele será libertado mediante suas
orações. Chame Mary, a esposa dele. Sirva-lhe de conforto.
De súbito, eles já não estavam ali, e o quarto ficou escuro novamente.
De alguma forma, Edith sabia que já os tinha visto antes, talvez em sonhos,
talvez como pessoas comuns, normais, em diferentes lugares. E ela sabia da
importância do pedido que fizeram.
Erguendo-se, ela agarrou o travesseiro e colocou-o no
chão,
ajoelhando-se a seguir sobre ele, ao lado da cama. Ela queria rir, queria
chorar, queria cantar; sentia de repente uma responsabilidade e um poder nas
profundezas do seu ser, e entrelaçando as mãos trêmulas sobre a cama, ela
curvou a cabeça e começou a orar. As palavras fluíam do mais profundo de sua
alma, clamando em favor do povo
de Deus e da justiça de Deus, uma súplica por poder e vitória em nome de
Jesus, pela repressão das forças do mal que tentavam tomar a própria vida, o
próprio coração daquela comunidade. Nomes e rostos cascatearam diante dos olhos
da sua mente e ela intercedeu por todos, suplicando diante do trono de Deus a
sua segurança e salvação. Ela orou. Orou. E orou.
Do alto, a cidade de Ashton estava espalhada como um
inocente vilarejo de brinquedo numa colcha de retalhos, uma comunidade
pequenina e despretensiosa ainda adormecida, mas banhada agora pelo crescente
transbordar de rosa e cinza que precedia a aurora, vindo das montanhas do
leste. Até
então nada se movia na cidade. Nenhuma luz estava sendo acesa; o caminhão de
leite ainda estava estacionado.
De algum lugar no céu, além das nuvens orladas de cor-de-rosa, principiou
um som solitário, impetuoso. Um guerreiro angélico, pairando no ar como uma
gaivota, descreveu rápida e furtiva espiral para baixo, até que sua forma se
perdeu em meio aos desenhos das ruas e prédios embaixo. Depois outro apareceu e
também deixou-se cair silenciosamente na cidade, desaparecendo em algum lugar
dentro dela.
E Edith Duster continuou a orar.
Dois apareceram, as asas majestosamente estendidas para
trás, as
cabeças apontando diretamente para baixo, mergulhando como falcões cidade
adentro. A seguir veio outro, planando em trajetória mais rasa, que o levaria
ao outro lado da cidade. Depois quatro, deixando-se cair em direções
diferentes. Depois outros dois, a seguir sete...
—
Alô? — Seus olhos brilharam imediatamente. — Oh, Edith, estou tão contente por
ter chamado! Estive tentando telefonar-lhe. Nem fui para a cama, devo ter
anotado errado o seu número, ou os telefones não estão funcionando... — Então
ela começou a chorar, e contou a Edith tudo acerca dos acontecimentos da noite
anterior.
—
Olhe, descanse e fique tranqüila até eu chegar aí — disse Edith. — Estive de
joelhos a noite toda e Deus está-se movendo, e como está! Tiraremos Hank da
cadeia e muito mais do que isso!
Edith agarrou a malha e os tênis e dirigiu-se à casa de
Mary. Jamais se sentira tão jovem.
John Coleman acordou cedo aquele dia, tão perturbado por um sonho
que não conseguiu pegar outra vez no sono. Patrícia sabia como ele se sentia: a
mesma coisa lhe acontecera.
—
Vi anjos! — disse John.
—
Eu também — disse Patrícia.
—
E... e vi demônios. Monstros, Patty! Coisas horrorosas! Os anjos e os demônios
estavam lutando. Era...
—
Terrível.
—
Apavorante. Realmente apavorante.
Eles ligaram para Hank. Mary atendeu. Ficaram sabendo o
que acontecera na noite anterior, e dirigiram-se prontamente para lá.
Andy e June Forsythe não puderam dormir a noite toda. Aquela manhã Andy
estava zangado e June simplesmente tentou manter-se afastada dele. Por fim,
enquanto Andy tentava comer alguma coisa no desjejum, conseguiu falar sobre o
que o perturbava.
—
Deve ser o Senhor. Não sei o que mais poderia ser.
—
Mas por que você está tão perturbado? — perguntou June tão ternamente quanto
possível.
—
Porque nunca me senti assim antes — disse Andy, e então sua voz começou a
tremer. — Eu... eu apenas sinto que preciso orar, como... como se algo tivesse
de ser resolvido e não posso descansar enquanto isso não acontecer.
—
Sabe — disse June — sei como você se sente. Não sei se consigo explicar, mas
sinto que não estive a sós a noite toda. Alguém esteve aqui conosco,
enchendo-nos dessas sensações.
Os olhos de Andy se arregalaram.
—
Sim! É isso mesmo! É essa a sensação! — Ele agarrou a mão dela com muita
alegria e alívio. — June, querida, pensei que estava ficando doido!
Nesse exato momento o telefone tocou. Era Cecil Cooper.
Tinha tido um sonho muito inquietante, da mesma forma que diversas outras
pessoas. Algo estava para acontecer. Eles não esperaram reunir-se para orar. Puseram-se a orar
naquele momento onde estavam.
Do norte, do sul, do leste e do oeste, de todas as direções, e em silêncio,
guerreiros celestiais continuaram a cair na cidade qual flocos de neve,
começaram a andar na cidade como gente, esgueirar-se pela cidade como
guerrilheiros, deslizar através de campos e pomares cidade adentro como peritos
pilotos da selva. Depois se esconderam e esperaram.
—
Bom dia — disse Hank.
—
Bom dia — replicou o grandalhão com escasso entusiasmo.
—
Meu nome é Hank Busche.
O homenzarrão passou o prato por baixo da porta para o guarda. Não
havia tocado na comida. Ficou ali, olhando através das grades como um animal
enjaulado. Não respondeu à apresentação de Hank, nem lhe disse seu nome. Estava
obviamente sofrendo; seus olhos pareciam tão anelantes e tão vazios.
Tudo o que Hank podia fazer era orar por ele.
Ela estava começando a tropeçar nos próprios pés, os pensamentos
tornando-se apáticos. Fileira após fileira de pés de milho passavam marchando
por ela, as grandes folhas verdes roçando contra ela em ritmo constante, quase
irritante. A terra lavrada era macia e poeirenta debaixo de seus pés. Entrava
nos seus sapatos. Minava a energia de suas passadas.
Após cruzar o mar de milho, ela chegou a um arvoredo comprido e
estreito, um quebra-vento plantado entre os campos. Ela entrou no bosque e logo
encontrou um pedaço de chão macio, coberto de grama. Verificou a hora: 8:25 da
manhã. Precisava descansar. De alguma forma chegaria a Baker... era a única
esperança... esperava que Marshall estivesse bem... esperava não morrer...
estava adormecida.
Antes que o guarda se fosse, Hank pediu:
—
Escute, tem certeza de que não poderia me arrumar uma Bíblia?
—
Já lhe disse — respondeu o guarda rudemente — estou esperando autorização, e
enquanto não a receber, nada feito.
De súbito, o grande e calado companheiro de cela explodiu:
—
Jimmy, você tem uma pilha de Bíblias dos Gideões na gaveta da sua mesa e sabe
disso! Vamos, dê uma Bíblia ao homem.
O guarda apenas zombou dele.
—
Ei, você está do outro lado das grades agora, Hogan. Eu darei as ordens por aqui!
O guarda saiu, e o homenzarrão tentou transferir sua
atenção ao almoço. Não obstante, ergueu os olhos para Hank, e brincou:
—
Jimmy Dunlop. Acha que é um homem de verdade.
—
Bem, de qualquer forma, obrigado por tentar.
O grandalhão puxou um suspiro profundo e disse a seguir:
—
Desculpe ter sido mal-educado a manhã toda. Precisava de tempo para
recuperar-me de ontem, e precisava de tempo para averiguar quem você era, e
acho que precisava de tempo para me acostumar à idéia de estar na cadeia.
—
Posso realmente me identificar com isso. Nunca estive na cadeia antes — tentou
Hank outra vez. Estendeu a mão e disse:
—
Hank Busche.
Dessa vez o homem a tomou e apertou-a com firmeza.
—
Marshall Hogan.
Foi então que ambos tiveram um estalo. Antes mesmo que tivessem
soltado as mãos, entreolharam-se, apontaram um ao outro e ambos começaram a
perguntar:
—
Escute, você não é... ?
Em seguida, fitaram-se por um momento e não disseram nada. Os anjos
vigiavam, naturalmente, e avisaram Tal.
—
Bom, bom — disse Tal. — Agora deixaremos os dois conversarem.
—
E você é o redator do jornal, o Clarim — exclamou Hank.
—
E então, que cargas d'água está fazendo aqui?
—
Não sei se você conseguiria acreditar.
— Rapaz,
você ficaria pasmado, eu estou pasmado, com o que eu conseguiria acreditar! —
Marshall abaixou a voz e inclinou-se bem perto ao dizer:
—
Disseram-me que você estava aqui por estupro.
—
Isso mesmo.
—
Isso é o tipo de coisa que faria, não?
Hank não sabia muito bem o que depreender daquela declaração.
—
Bem, não fiz nada disso, entende?
—
Alf Brummel não freqüenta a sua igreja?
—
Sim.
—
Já se opôs a ele?
—
Ah... bem, sim.
—
Eu também. E é por isso que estou aqui, e é por isso que você está aqui!
Conte-me o que aconteceu.
—
Quando?
—
Quero dizer, o que realmente aconteceu? Você chegou a conhecer essa moça que
dizem ter estuprado?
—
Bem...
—
Onde conseguiu essas marcas de mordidas no braço? Hank estava ficando em
dúvida.
—
Escute, é melhor eu não dizer nada.
—
O nome dela era Carmem?
O rosto de Hank disse um sim que foi quase audível.
—
Apenas um palpite. Ela é realmente uma garota traiçoeira. Trabalhava para mim
e ontem à noite ela me disse que tinha sido estuprada e eu percebi na hora que
era mentira.
Hank estava completamente estupefato.
—
Isto é demais! Como é que você sabe de tudo isso? Marshall correu os olhos pela
cela e deu de ombros. — Ora, o que mais temos para fazer?
Hank, nem imagina a história que tenho para lhe contar! Vai demorar alguns horas.
Está disposto?
—
Se estiver disposto a ouvir a minha, estou disposto a ouvir a sua.
Berenice despertou de chofre. Alguém se inclinava sobre ela.
Era uma mocinha aproximadamente de idade colegial, talvez mais velha, com
grandes olhos castanhos e cabelos negros e encaracolados, vestindo macacão de
peitilho, uma perfeita filha de fazendeiro.
—
Oh! Ah... oi. — Foi tudo o que Berenice conseguiu pensar em dizer.
—
A senhora está bem? — perguntou a mocinha com sotaque descansado e suave.
—
Ah, sim. Estava apenas dormindo. Espero que não haja problema. Saí para dar
uma volta, sabe, e... — Ela se lembrou do rosto machucado. Ora, ótimo! Agora
essa garota vai pensar que fui assaltada ou coisa parecida.
—
Está procurando seus óculos escuros? — perguntou a mocinha, abaixando-se e
apanhando-os. Ela os entregou a Berenice.
—
Eu.. . ah... acho que está pensando no que aconteceu ao meu rosto.
A mocinha apenas sorriu um sorriso afável e disse:
—
Ora, você devia ver o meu rosto quando acordo de manhã.
—
Pelo que vejo, esta é sua propriedade? Não tive a intenção de...
—
Não, estou apenas de passagem, como você. Vi-a deitada aqui e achei melhor dar
uma espiada. Posso dar-lhe uma carona a algum lugar?
Berenice estava prestes a dizer um não automático, mas então
olhou o relógio. Oh, não! Quase 4:00hs da tarde.
—
Bem, você por acaso não estaria indo rumo ao norte, estaria?
—
Estou indo na direção de Baker.
—
Oh, perfeito! Poderia pegar uma carona com você?
—
Logo depois do almoço.
—
O quê?
A mocinha saiu do arvoredo rumo à próxima lavoura de milho,
e foi então que Berenice notou uma brilhante motocicleta azul, estacionada
ao sol. A moça enfiou a mão numa bolsa lateral e tirou um saquinho de papel
pardo. Voltando, ela colocou o saquinho à frente de Berenice, juntamente com
uma caixinha de leite frio.
—
Você almoça às 4:00 da tarde? — perguntou Berenice com uma risadinha mais à
vontade.
—
Não — respondeu a jovem com outra risadinha — mas você vem de longe, e tem uma
boa distância pela frente, e precisa comer alguma coisa.
Berenice olhou dentro daqueles olhos castanhos,
transparentes e risonhos, e depois ao saquinho de lanche à sua frente, e pôde sentir
o rosto avermelhando e os olhos enchendo-se de lágrimas.
—
Vamos, coma — disse a jovem.
Berenice abriu o saquinho de papel e encontrou um sanduíche de rosbife que era
verdadeiramente uma obra de arte. A carne ainda estava quente, a alface tenra e
verde. Debaixo dele estava uma caixinha de iogurte de amoras, seu sabor
favorito, ainda frio ao toque.
Ela tentou controlar as emoções, mas começou a ser
sacudida pelo choro, e as lágrimas escorreram-lhe pelas faces. Oh, estou
fazendo papel de boba, pensou. Mas tudo isso era tão diferente!
—
Desculpe — disse ela. — É... é só que estou tão comovida com a sua bondade.
A mocinha tocou-lhe a mão.
—
Bem, alegro-me por ter podido estar aqui.
—
Qual é o seu nome?
—
Pode chamar-me Betsy.
—
Sou... bem, pode chamar-me Marie.
—
Era o segundo nome de Berenice.
—
É o que farei. Escute, tenho um pouco de água fria também, se quiser.
Lá veio outra onda de emoção.
—
Você é uma pessoa maravilhosa. O que está fazendo neste planeta?
—
Ajudando você — respondeu Betsy, correndo à motocicleta a fim de apanhar a
água.
—
Você fala sério? — reagiu ele subitamente. — Alf Brummel está envolvido com
bruxaria? Um membro do conselho da minha igreja?
—
Olhe, dê o nome que quiser, mas estou-lhe dizendo, é espacial! Não sei há
quanto tempo ele e Langstrat são amigos do peito, mas o suficiente para que a
nojenta percepção cósmica dela tenha passado para ele a ponto de torná-lo perigoso, e não pense
que estou brincando!
—
E então, quem pertence a esse grupo?
—
Quem não pertence? Oliver Young, o juiz Baker, a maioria dos tiras da polícia
local...— Marshall prosseguiu, dando a Hank apenas um pequeno segmento da
lista.
Hank estava abismado. Isso tinha de vir do Senhor.
Tantas perguntas que ele tivera por longo tempo estavam finalmente sendo respondidas.
Marshall continuou a falar por cerca de meia hora mais,
e então
começou a perder o embalo. Chegou à parte a respeito de Kate e Sandy.
—
É essa a parte que mais dói — disse ele, e então passou a olhar através das
grades em vez de nos olhos de Hank. — É outra história em si, e você não
precisa ouvi-la. Mas bem que a repassei vez após vez hoje de manhã. É culpa
minha, Hank. Eu permiti que acontecesse.
Ele puxou um fôlego lá do fundo e enxugou a umidade dos olhos.
—
Eu podia ter perdido tudo: o jornal, a casa, a... a batalha. Podia ter aceito
isso se apenas elas estivessem comigo. Mas perdi-as também. .. E foi assim que
vim parar aqui — e parou. Abruptamente.
Hank estava chorando. Estava chorando e sorrindo, e
elevando as mãos
a Deus, meneando a cabeça em assombro. A Marshall parecia que ele estava tendo
algum tipo de experiência religiosa.
—
Marshall — disse Hank excitado, incapaz de ficar sentado quieto. — Isso vem de
Deus! O fato de estarmos aqui não é acidental. Nossos inimigos o fizeram por
mal, mas Deus o designou para o bem. Ele nos reuniu apenas com o propósito de
nos conhecermos, apenas a fim de juntarmos a coisa toda. Você ainda não ouviu a
minha história, mas adivinhe só! É a mesma! Nós dois temos defrontado com o
mesmíssimo problema por dois lados diferentes.
—
Conte, conte, também quero chorar!
Então Hank começou a narrar como subitamente se achara pastor de
uma igreja que não parecia querê-lo.
Mas Baker se aproximava rapidamente, e com ela os
riscos e perigos e a importantíssima questão sobre a possibilidade de Susan Jacobson
aparecer ou não. Parte de Berenice queria permanecer na motocicleta com aquela
garota doce e amável e simplesmente prosseguir a... onde quer que
fosse. Qualquer vida tinha de ser melhor do que essa.
Os pontos de referência tornaram-se familiares: o anúncio de Coca-Cola, e
o grande lote de lenha à venda. Estavam chegando a Baker. Betsy tirou o pé do
acelerador e ouviu-se o queixume da mudança para marcha mais lenta. Afinal, ela
saiu no acostamento e seguiu aos solavancos até parar em um estacionamento
forrado de pedriscos à frente do velho Hotel Pôr-do-Sol.
—
Aqui está bom para você? — gritou Betsy através do protetor de rosto.
Berenice conseguiu vislumbrar o Sempre-Verde logo
adiante na estrada.
—
Oh, sim, aqui está ótimo.
Ela desceu da moto e fez força para remover a correia
do capacete.
—
Deixe-o mais um pouco — disse Betsy.
—
Para quê?
Os olhos de Betsy lhe deram um bom motivo que ela devia
reconhecer: uma radiopatrulha da delegacia de Ashton passava casualmente,
diminuindo a marcha ao entrar em Baker. Berenice observou o veículo dar seta à esquerda e
entrar no estacionamento da frente do Bar Sempre-Verde. Dois policiais saíram
do carro e entraram no bar. Ela fitou Betsy. A mocinha sabia?
Não dava essa impressão. Ela apontou um pequeno restaurante ao
lado do hotel.
—
Aquela é a pequena lanchonete de Rose Allen. Parece um lugar horrível, mas ela
faz a melhor sopa caseira do mundo e vende barato. Seria um bom lugar para
matar o tempo.
Berenice removeu o capacete e colocou-o sobre a moto.
—
Betsy — disse ela — tenho uma grande dívida para com você. Muito, muito
obrigada.
—
De nada —. Mesmo através do protetor de rosto o sorriso dela brilhava
alegremente.
Berenice olhou na direção do pequeno refeitório. Não, não tinha mesmo cara
muito boa.
—
A melhor sopa caseira do mundo, é?
Ela se voltou na direção de Betsy e ficou rígida. Por um momento, sentiu que
cambalearia para diante como se uma parede à sua frente tivesse subitamente
desaparecido.
Betsy se fora. A motocicleta se fora.
Era como despertar de um sonho e precisar de tempo para
ajustar a mente ao que era real e ao que não era. Mas Berenice sabia que não fora um sonho. O
rasto da motocicleta ainda estava perfeitamente visível nos pedriscos, vindo do
ponto onde havia saído da estrada até o lugar diretamente à frente de Berenice.
Ali terminava.
Berenice afastou-se, atordoada e confusa. Ela olhou os
dois lados da estrada, mas mesmo enquanto o fazia sabia que não veria a mocinha de
motocicleta. De fato, quando mais alguns segundos se passaram, Berenice
percebeu que teria ficado desapontada se a tivesse enxergado. Teria sido o fim
de algo muito belo, algo que jamais havia sentido.
Mas precisava sair da estrada, ficou a dizer-se. Sua
presença ali
chamava muito a atenção. Ela se forçou a deixar o local e se dirigiu às pressas
à pequena lanchonete de Rose Allen.
—
Agora que estou chegando à parte interessante! — protestou Hank, e então
perguntou:
—
Você está conseguindo acompanhar tudo isto?
—
Muita coisa é novidade para mim — admitiu Marshall.
—
O que foi mesmo que disse que era? Presbiteriano?
—
Ei, não culpe os presbiterianos. O problema é comigo, só isso, e sempre pensei
que fantasmas saíam apenas no Dia das Bruxas.
—
Bem, você sempre quis uma explicação da estranha força de Langstrat, e de como
a Rede podia ter essa grande influência sobre as pessoas, e o que pode ter
realmente estado a atormentar Ted Harmel, e especialmente quem esses guias
espirituais poderiam ser.
—
Você... está-me pedindo que acredite em espíritos maus.
—
Você acredita em Deus?
—
Sim, acredito que existe um Deus.
—
Você acredita num diabo?
Marshall teve de pensar um instante. Percebeu que havia
passado por uma mudança de opinião ao longo do caminho.
—
Eu... bem, sim, acho que acredito.
—
Acreditar em anjos e demônios é simplesmente o passo seguinte. É apenas lógico.
Marshall deu de ombros e apanhou uma coxa do frango.
— Continue. Quero ouvir a história toda.