sexta-feira, 7 de maio de 2021

Este mundo tenebroso - volume 01 - Capítulo 36

Susan virou o carro alugado e entrou no pequeno estacio­namento coberto de pedriscos atrás do Clarim de Ashton. Eram 5:00 horas da manhã, e o dia estava começando a clarear. De alguma forma, pelo que sabiam, não tinham sido vistos por nenhum policial. A cidade parecia quieta, e o dia prometia ser agradável e ensolarado. Berenice dirigiu-se a um esconderijo especial atrás de algumas latas de lixo amassadas e encontrou a porta da chave dos fundos.

Num instante rápido e silencioso, os três acharam-se no lado de dentro.

— Não acendam luz alguma, não façam barulho nem vão perto de uma janela — advertiu-os Berenice. — O quarto escuro é aqui. Entrem todos antes que eu acenda a luz.

Os três apertaram-se no quarto escuro. Berenice fechou a porta e a seguir encontrou o interruptor.

Ela preparou os produtos químicos, examinou mais uma vez o filme, e então preparou o tanque de revelação. Ela apagou a luz, e eles ficaram em absoluta escuridão.

— Esquisito — disse Kevin.

— Isto só demora alguns minutos. Nossa, não tenho a menor idéia do que está acontecendo com Marshall, mas não me atrevo a tentar descobrir.

— E a sua secretária eletrônica? Pode ser que haja algum recado nela.

— Boa idéia. Posso averiguar isso assim que terminar de carregar este filme. Estou quase terminando —. Depois Berenice pensou em outra coisa. — Não sei o que aconteceu com Sandy Hogan também. Ela jogou um abajur no pai e saiu correndo da casa.

— Sim, você estava me contando a esse respeito.

— Não sei aonde ela iria a menos que tenha resolvido fugir com aquele tipo Shawn.

— Com quem? — perguntou Susan abruptamente. — Quem foi que você disse?

— Um sujeito chamado Shawn.

— Shawn Ormsby? — perguntou Susan.

— Oh-oh, você parece conhecê-lo.

— Temo que Sandy Hogan esteja em grande apuro! Shawn Ormsby aparece um bom número de vezes no diário de sua irmã. Foi ele quem levou Pat a envolver-se naqueles experimentos psicológicos. Ele encorajou-a a continuar com eles, e no fim foi ele quem a apre­sentou a Thomas!

A luz do quarto escuro acendeu com um estalido. O tanque de revelação estava carregado e pronto, mas tudo o que Berenice, muito pálida, pôde fazer foi fitar Susan.

 Madeline não era um ser belo sobre-humano, de cabelos dourados, altamente evoluído, de uma dimensão superior. Madeline era um demônio, um monstro hediondo de couro ressecado com garras afia­das e natureza sutil, enganadora. Para Madeline, Sandy Hogan fora presa muito fácil e vulnerável. As profundas mágoas de Sandy em relação ao pai fizeram dela um objeto ideal para o amor ilusório com o qual Madeline a tentava, e a essa altura parecia que Sandy seguiria qualquer curso que Madeline dissesse ser o certo para a sua vida, acreditando em fosse lá o que fosse que Madeline dissesse. Madeline gostava muito de quando conseguia fazer as pessoas chegarem a esse ponto.

Patrícia Krueger, contudo, havia sido um desafio. Então, disfarçado no simpático e benevolente Thomas, o demônio tinha lutado muito a fim de conseguir que Patrícia acreditasse que ele realmente estava ali; tinha sido necessário lançar mão de umas alucinações bem cruéis e coincidências oportunas, sem mencionar os melhores de seus sinais e prodígios psíquicos. Não bastou dobrar chaves e garfos; teve de produzir umas materializações muito impressionantes também. Con­tudo finalmente havia conseguido, e cumprido as ordens de Baal Lucius. Pat se havia matado cerimonialmente, e jamais conheceria novamente o amor de Deus.

Mas, e Sandy Hogan? O que desejaria o novo Baal, Rafar, que fosse feito com ela? O demônio, chamando-se agora Madeline, aproximou-se do importante príncipe em sua grande árvore morta.

— Meu senhor — disse Madeline, curvando-se profundamente em sinal de respeito — é verdade que Marshall Hogan está derrotado e impotente?

— É — disse Rafar.

— E o que deseja que seja feito com Sandy Hogan, filha dele? Rafar estava prestes a responder, mas então hesitou, considerando um pouco mais a questão. Afinal, disse:

— Não a destrua, pelo menos por enquanto. Nosso inimigo é tão astuto quanto eu, e gostaria de ter mais uma garantia contra qualquer sucesso desse Marshall Hogan. O Valente vem hoje. Deixe-a como garantia até essa hora.

Rafar despachou um mensageiro juntamente com Madeline para visitar a professora Langstrat.

 Shawn foi despertado muito cedo por um telefonema da profes­sora.

— Shawn — disse Langstrat — recebi recado dos mestres. Eles querem umas garantias a mais de que Hogan não será um obstáculo na negociação de hoje. Sandy ainda está aí com você?

Do seu quarto, Shawn podia ver a sala de estar de seu pequeno apartamento. Sandy ainda estava no sofá, adormecida.

— Ainda está aqui.

— A reunião com os diretores terá lugar no Prédio da Adminis­tração, na sala de conferência do terceiro andar. Uma sala do outro lado do corredor, a 326, foi reservada para nós e para os outros médiuns. Traga Sandy com você. Os mestres a querem presente.

— Estaremos lá.

 Ao desligar o telefone, Langstrat podia ouvir Alf Brummel fazendo barulho na cozinha.

— Juleen — chamou ele — onde está o café?

— Não acha que já está nervoso demais? — perguntou ela, saindo do quarto e dirigindo-se à cozinha.

— Estou apenas tentando acordar — resmungou ele, tremendo ao colocar uma panela com água no fogão.

— Acordar! Você nem chegou a dormir, Alf!

— Você dormiu? — replicou ele.

— Muito bem — disse ela com brandura.

Langstrat, muito bem vestida, parecia pronta para dirigir-se à fa­culdade. Brummel estava um desastre, os olhos fundos, os cabelos desgrenhados, ainda de roupão.

Ele disse:

— Ficarei muito feliz quando este dia tiver passado e tudo se acalmar. Como delegado, acho que quebrei praticamente todas as leis que existem. Ela colocou-lhe a mão no ombro e tranqüilizou-o:

— Todo esse mundo novo que está crescendo à sua volta será seu amigo, Alf. Nós somos a lei agora. Você ajudou a estabelecer a Nova Ordem, uma ação que enfim é boa e que merece recompensa.

— Bem... é melhor garantirmos isso de forma absoluta, é tudo o que tenho a dizer.

— Você pode ajudar, Alf. Diversos dos líderes principais estarão se reunindo do outro lado do corredor na mesma hora da reunião de encerramento da negociação esta tarde. Combinando nossas ener­gias psíquicas, poderemos assegurar que nada venha a impedir o sucesso completo.

— Não sei se me atrevo a sair em público. Acho que as prisões de Busche e Hogan exasperaram uma porção de gente, gente da igreja, eu poderia acrescentar! Essa acusação de estupro não chegou nem perto de prejudicar Busche tanto quanto deveria. A maior parte do pessoal da igreja está vindo atrás de mim, querendo saber o que eu estou tentando fazer!

— Você estará lá — disse ela distintamente. — Oliver estará lá, bem como os outros. E Sandy Hogan estará lá.

Ele se voltou bruscamente e fitou-a com horror.

— O quê? Por que Sandy Hogan vai estar lá?

— Como seguro.

Os olhos de Brummel se arregalaram, e sua voz tremeu.

— Outra? Você vai matar outra? Os olhos dela se esfriaram bastante.

— Não mato a ninguém! Deixo apenas que os mestres decidam!

— E então, o que eles decidiram?

— Você fará com que Hogan saiba que a filha dele está em nossas mãos e que será muito sábio da parte dele não interferir com coisa alguma que aconteça de hoje em diante.

— Você quer que eu lhe diga?

— Sr. Brummel! — A voz dela era de provocar calafrio. Ela adian­tou-se sobre ele de maneira intimidadora, e ele deu alguns passos para trás. — Acontece que Marshall Hogan está na sua cadeia. Você é responsável por ele. Você lhe dirá.

Tendo dito isso, ela saiu pela porta da frente e dirigiu-se à facul­dade.

Brummel ficou parado por um momento, confuso, frustrado, re­ceoso. Seus pensamentos nadavam sem rumo, qual cardume de pei­xes assustados. Esqueceu-se mesmo do motivo pelo qual estava na cozinha.

Brummel, é o seu fim. O que o faz pensar que não é tão dispensável

quanto qualquer outro que a Sociedade considera uma conveniên­cia, uma ferramenta, um joguete? E, é melhor enfrentar os fatos, Brummel. Você é um joguete! Juleen o está usando para fazer o serviço sujo dela, e agora o está colocando na posição de nada menos que cúmplice de assassínio. Se eu fosse você, começaria a cuidar do Número Um. Esse plano todo será descoberto mais cedo ou mais tarde, e adivinhe quem será apanhado com a boca na botija?

Brummel continuou a pensar sobre o assunto, e seus pensamentos deixaram de nadar sem rumo. Começaram a correr todos na mesma direção. Isso tudo era loucura, pura loucura. Os mestres dizem isto e os mestres dizem aquilo, mas o que é isso para eles? Não têm pulsos que possam ser algemados, não têm empregos para perder, não têm cara que poderiam temer sair mostrando pela cidade algum dia.

Brummel, por que não detém JuJeen antes que ela arruíne total­mente a sua vida? Por que não põe um paradeiro em toda essa loucura e age como verdadeiro, genuíno agente da lei pelo menos uma vez na vida?

É, pensou Brummel. Por que não? Se eu não fizer isso, vamos todos afundar neste barco doido.

Lucius, o deposto Príncipe de Ashton, estava na cozinha com Alf Brummel, o delegado de polícia, tendo uma pequena discussão com ele. Esse Alf Brummel sempre foi um tanto instável; talvez Lucius pudesse aproveitar essa vantagem.

 Jimmy Dunlop chegou à delegacia às 7:00 horas da manhã de domingo, pronto para assumir o seu turno. Para surpresa sua, o es­tacionamento estava lotado de gente: casais jovens, casais velhos, senhoras idosas; parecia um piquenique de igreja no lugar errado. Quando ainda estava chegando, pôde ver todos os olhos focalizados no seu uniforme de policial. Oh, não! Agora estavam vindo na sua direção!

Mary Busche e Edith Duster reconheceram Jimmy imediatamente; fora ele o jovem e muito mal-educado policial que as havia impedido de visitar Hank na noite anterior. Agora elas estavam bem à frente dessa multidão, e embora ninguém ali tivesse a menor intenção de fazer qualquer coisa precipitada ou imprópria, não estavam a fim de ser espezinhados.

Jimmy tinha de sair do carro quer quisesse, quer não. Tinha de apresentar-se ao trabalho naquele dia.

— Agente Dunlop — disse Mary com muito atrevimento — creio que o senhor me disse ontem à noite que daria um jeito de eu visitar meu marido hoje.

— Se me dão licença — disse ele, tentando forçar a passagem.

— Agente — disse John Coleman respeitosamente — estamos aqui para pedir-lhe que acate o desejo dela de ver o marido.

Jimmy era um agente policial. Ele realmente representava a lei. Tinha bastante autoridade. O único problema era que não tinha um pingo de coragem.

— Ah... — disse. — Escutem, terão de desfazer esse ajuntamento ou enfrentar a possibilidade de prisão!

Abe Sterling adiantou-se. Era um advogado amigo de um amigo de um tio de Andy Forsythe e havia sido tirado da cama na noite anterior e convidado exatamente para essa ocasião.

— Este é um ajuntamento legal, pacífico — lembrou ele a Jimmy — segundo a definição do RCS 14.021.217 e a decisão conferida pelo Tribunal Superior do Município de Stratford no caso Ames contra o Município de Stratford.

— Sim — disseram diversas pessoas — é isso mesmo. Escute o que diz o homem.

Jimmy ficou atrapalhado. Ele olhou na direção da porta da frente do tribunal. Dois agentes da delegacia de Windsor montavam guarda ao forte. Jimmy encaminhou-se a eles, sem saber por que estavam permitindo que essa coisa continuasse.

— Ei — perguntou-lhes ele, reprimindo a voz — o que significa tudo isto? Por que não se livraram dessa gente?

— Olhe, Jimmy — disse um deles — esta é a sua cidade e o seu jogo. Achamos que você saberia o que fazer, por isso falamos que esperassem até você chegar.

Jimmy fitou os rostos que lhe devolviam o olhar. Não, ignorar o problema não o faria desaparecer. Ele perguntou ao agente:

— Quanto tempo faz que essa gente está aí?

— Desde as 6:00hs mais ou menos. Você devia ter visto a coisa. Estavam fazendo um perfeito culto.

— E podem fazer isso?

— Fale com o advogado deles. Eles têm o direito de fazer de­monstração pacífica contanto que não atrapalhem a conduta normal das atividades. Têm-se comportado.

— E o que faço agora?

Os dois agentes apenas se entreolharam um tanto vagos. Abe Sterling chegou logo atrás de Jimmy.

— Agente Dunlop, a lei lhe permite reter um suspeito por até setenta e duas horas sem incriminá-lo, mas visto que a esposa do suspeito tem o direito de entrar em contato com o marido, estamos dispostos a mover uma ação judicial junto ao Tribunal Superior do Município de Stratford requerendo que o senhor compareça e com­prove por que justa causa foi-lhe negado esse direito.

— Ouviu isso? — disse alguém.

— Eu... ah... terei de falar com o delegado... — Disfarçadamente, ele amaldiçoava Alf Brummel por tê-lo metido na encrenca.

— Por falar nisso, onde está Alf Brummel? E o pastor dele que ele jogou na cadeia — declarou Edith Duster.

— Eu... não sei nada a respeito disso. John Coleman disse:

— Então nós, como cidadãos, estamos pedindo que descubra. E gostaríamos de falar com o Delegado Brummel. Pode conseguir isso, por favor?

— Eu... verei o que posso fazer — disse Jimmy, voltando-se para a porta.

— Quero ver o meu marido! — disse Mary bem alto, adiantando-se com o queixo firmemente resoluto.

— Verei o que posso fazer — disse Jimmy novamente, e entrou depressa.

Edith Duster voltou-se para os outros e disse:

— Lembrem-se, irmãos e irmãs, de que a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças es­pirituais do mal, nas esferas celestes.

— Diversos "améns" se fizeram ouvir, e a seguir alguém pôs-se a entoar um hino de adoração. Imediatamente todo o Remanescente cantou alto, adorando a Deus e fazendo com que o seu louvor fosse ouvido naquele estacionamento.

 De onde estava na colina acima da cidade, Rafar ouviu o louvor, e olhou carrancudo para aqueles santos de Deus. Que choramingas­sem por causa do seu pastor caído. Seu cântico seria restringido logo mais quando o Valente e suas hordas chegassem.

Inúmeros espíritos estavam chegando à cidade de Ashton, mas não do tipo que Rafar desejava. Eles se apressavam a penetrar no chão, infiltravam-se encobertos por nuvens ocasionais, entravam furtiva­mente como caronas invisíveis em carros, caminhões, furgões, ôni­bus. Em esconderijos por toda a cidade um guerreiro se juntava a outro, a esses dois se reuniam outros dois, a esses quatro se juntavam mais quatro. Eles também ouviam o cântico. Sentiam o poder per­correr-lhes o corpo a cada nota. Suas espadas zumbiam com a res­sonância da adoração. Foram a adoração e as preces desses santos que os haviam chamado ali em primeiro lugar.

 O remoto vale era agora uma enorme cavidade de tinta preta fervente, rodopiante, acentuada por miríade de olhos brilhantes, ama­relos. A nuvem de demônios se havia multiplicado de tal forma que enchia o vale como um mar fervilhante.

Alexander Kaseph, possuído pelo Valente, saiu de seu casarão de pedra e entrou na limusine que o aguardava. Todos os papéis estavam prontos para serem assinados; seus advogados o encontrariam no Prédio da Administração no campus da Faculdade Whitmore. Esse era o dia pelo qual havia esperado e para o qual se havia preparado. À medida que a limusine que levava Kaseph, e o Valente, pros­seguia pela estrada sinuosa, o mar de demônios começou a despejar naquela direção, come a mudança da maré. O zumbido de incon­táveis bilhões de asas aumentou de tom e intensidade. Torrentes de demônios puseram-se a verter pelos lados da grande cavidade, jor­rando entre os picos das montanhas como piche quente e sulfuroso.

 No quarto escuro do Clarim de Ashton, Berenice e Susan, diante do ampliador, olhavam a imagem projetada dos negativos que Be­renice acabara de revelar.

— Sim! — disse Susan. — Esta é a primeira página dos registros do desfalque na faculdade. Verá que o nome da faculdade não aparece em parte alguma. Contudo, as quantias recebidas devem ser exata­mente iguais às quantias desembolsadas nos livros da faculdade.

— Sim, os números nós temos, ou o nosso contador tem.

— Está vendo aqui? Um fluxo de fundos bem constante. Eugene Baylor tem removido e canalizado os investimentos da faculdade um pouco de cada vez a várias outras contas, cada uma das quais é na realidade uma frente para a Omni e a Sociedade.

— Então os chamados investimentos têm todos ido parar no bolso de Kaseph!

— E tenho certeza de que constituirão parte substancial do di­nheiro que Kaseph usará para comprar a faculdade.

Berenice adiantou o filme. Diversos quadros de lançamentos fi­nanceiros passaram num borrão.

— Espere! — disse Susan. — Ali! Volte alguns quadros —. Berenice voltou o filme. — Sim! Ali! Tirei isso de algumas anotações pessoais de Kaseph. É difícil entender a letra, mas veja a lista de nomes.

Berenice realmente teve dificuldade em entender a letra, mas ela mesma havia escrito aqueles nomes um bom número de vezes.

— Harmel... Jefferson... — leu.

— Você ainda não viu estes — disse Susan, apontando o final de uma lista muito comprida.

Ali, com a letra do próprio Kaseph, estavam os nomes Hogan, Krueger e Strachan.

— Pelo que vejo, é uma espécie de lista de gente que deve ser eliminada? — perguntou Berenice.

— Exatamente. Contém centenas de nomes. Observe o X vermelho depois de diversos deles.

— Esses já foram removidos?

— Comprados, afugentados, talvez assassinados, talvez arruinados em reputação ou finanças ou ambos.

— E achei que a nossa lista era longa!

— Essa é a ponta do iceberg. Tenho outros documentos que pre­cisamos fotocopiar e guardar em algum lugar seguro. Poderia ser usado para se montar um caso muito forte não apenas contra Kaseph como também contra a Omni, provas que demonstrariam uma longa história de grampeamento, extorsão, chantagem, terrorismo, assassínio. A criatividade de Kaseph nessas áreas não conhece limites.

— O crime personificado.

— Com uma súcia internacional, não se esqueça, unidos de ma­neira antinatural pela dedicação comum à Sociedade da Percepção Universal.

Nesse momento, Kevin, que estivera tirando fotocópias dos do­cumentos que Susan roubara, sibilou para as moças:

— Ei, tem um tira lá fora! Susan e Berenice se enrijeceram.

— Onde? — perguntou Berenice. — O que ele está fazendo?

— Está do outro lado da rua. Aposto que está vigiando a vizi­nhança!

Susan e Berenice dirigiram-se cuidadosamente à frente a fim de olhar. Encontraram Kevin agachado no umbral da porta da sala de fotocópias. A essa hora já era dia claro, e a luz penetrava pelas janelas do escritório da frente.

Kevin apontou para um carro velho e simples estacionado do outro lado da rua, que mal podia ser visto através das janelas da frente. Um homem com roupas comuns estava sentado atrás do volante, sem fazer nada em particular.

— Kelsey — disse Kevin. — Já tive uns esbarrões com ele. Vestido de civil e dirigindo um velho Ford, mas eu reconheceria aquela cara a mais de um quilômetro de distância.

— Mais ordens de Brummel, sem dúvida — disse Berenice.

— E então, o que faremos agora? — perguntou Susan.

— Abaixem-se! — sibilou Kevin.

Elas se esconderam nos umbrais das portas no exato instante em que outro homem chegou à janela da frente e espiou para dentro.

— Michaelson — disse Kevin. — O companheiro de Kelsey. Michaelson tentou abrir a porta. Estava trancada. Ele espiou através da outra janela da frente, e depois se afastou.

— Hora de outro milagre, hein? — disse Berenice, um tanto sar­cástica.

 Hank acordou bem cedo naquele dia e teve a certeza de que alguma grandiosa intervenção milagrosa de Deus havia ocorrido, ou que ele estava prestes a subir ao céu, ou que anjos haviam vindo socorrê-lo, ou... ou... ou ele simplesmente não sabia o que acontecia. Mas enquanto permanecia deitado, meio adormecido, ainda naquele es­tado semiconsciente no qual não se tem muita certeza do que é real e do que não o é, ele ouviu cânticos de adoração e hinos flutuando em torno da sua cabeça. Achou até que podia ouvir a voz de Mary cantando entre todas as outras vozes. Por longo tempo permaneceu gozando aquilo, não querendo acordar com medo de que se desva­necesse. Mas Marshall exclamou:

— Que cargas d'água é isso?

Ele também ouvira? Hank acordou enfim. Ergueu-se do leito e dirigiu-se às grades. O som entrava pela janela no fim da fileira de celas. Marshall reuniu-se a ele e os dois ficaram juntos, escutando. Podiam ouvir o nome "Jesus" sendo cantado e louvado.

— Conseguimos, Hank — disse Marshall. — Estamos no céu! Hank estava chorando. Se aquela gente lá fora soubesse que bênção aquele cântico era! De repente ele soube que já não estava na prisão, não de verdade. O evangelho de Jesus Cristo não estava aprisionado, e ele e Marshall eram nesse momento dois dos homens mais livres do mundo.

Os dois escutaram por algum tempo, e depois, sobressaltando Marshall, Hank começou a cantar também. Era uma música que mos­trava Jesus Cristo como um guerreiro vitorioso e a igreja como seu exército. Hank conhecia a letra, naturalmente, e cantou a plenos pulmões.

Um tanto sem graça, Marshall olhou ao seu redor. Os dois ladrões de carro na cela contígua ainda estavam atônitos demais para recla­mar. O passador de cheques sem fundos meneou a cabeça e voltou a atenção ao seu romance barato. Um outro sujeito na última cela, ofensa desconhecida, praguejou, mas não muito alto.

— Vamos, Marshall — incitou Hank. — Cante, vamos! Quem sabe se cantando não conseguiremos sair deste lugar.

Marshall sorriu e meneou a cabeça.

Nesse momento exato, a grande porta no fim do corredor das celas abriu-se com força e lá veio Jimmy Dunlop, o rosto vermelho e as mãos tremendo.

— O que está acontecendo por aqui? — exigiu ele. — Sabe que está causando um tumulto?

— Oh, estamos apenas gozando a música — disse Hank, todo sor­ridente.

Jimmy sacudiu o dedo a Hank e disse:

— Bem, pare com esse negócio religioso agora mesmo! A cadeia

pública não é lugar disso. Se quiser cantar, faça-o na igreja ou em outro lugar, não aqui.

E, pensou Marshall, acho que já aprendi suficientemente a letra a esta altura. Pôs-se a cantar tão alto quanto conseguia, dirigindo o cântico ao Jimmy.

Isso trouxe uma reação muito satisfatória da parte de Jimmy. Ro­dando nos calcanhares, ele saiu dali, batendo a porta atrás de si.

Outro hino começou, e Marshall achou que talvez já tivesse ouvido esse antes em algum lugar, talvez na escola dominical. "Obrigado, Senhor, por ter salvo a minha alma." Ele cantou bem alto, em pé ao lado do jovem de Deus, ambos segurando nas grades das celas.

— Paulo e Silas! — exclamou Marshall subitamente. — Sim, agora me lembro!

Desse momento em diante, Marshall já não cantava por causa de Jimmy Dunlop.

 Tal podia ouvir a música do seu esconderijo. Seu rosto ainda estava um tanto sério, mas meneou a cabeça satisfeito. Chegou um mensageiro com as notícias.

— O Valente está a caminho. Outro mensageiro informou-o:

— Temos cobertura de oração agora em trinta e duas cidades. Ou­tras catorze estão sendo convocadas.

Tal desembainhou a espada. Podia sentir a lâmina ressoando com a adoração dos santos, e podia sentir o poder da presença de Deus. Sorriu um leve sorriso e embainhou novamente a espada.

— Reúnam as fontes: Lemley, Strachan, Mattily, Cole e Parker. Façam-no abruptamente. Será importante fazerem isso na hora certa.

Diversos guerreiros desapareceram a fim de cumprir suas missões.