Susan virou o carro alugado e
entrou no pequeno estacionamento coberto de pedriscos atrás do Clarim de Ashton.
Eram 5:00 horas da manhã, e o dia estava começando a clarear. De alguma
forma, pelo que sabiam, não tinham sido vistos por nenhum policial. A cidade
parecia quieta, e o dia prometia ser agradável e ensolarado. Berenice
dirigiu-se a um esconderijo especial atrás de algumas latas de lixo amassadas e
encontrou a porta da chave dos fundos.
Num instante rápido e
silencioso, os três acharam-se no lado de dentro.
— Não acendam luz alguma, não
façam barulho nem vão perto de uma janela — advertiu-os Berenice. — O quarto
escuro é aqui. Entrem todos antes que eu acenda a luz.
Os três apertaram-se no
quarto escuro. Berenice fechou a porta e a seguir encontrou o interruptor.
Ela preparou os produtos
químicos, examinou mais uma vez o filme, e então preparou o tanque de
revelação. Ela apagou a luz, e eles ficaram em absoluta escuridão.
— Esquisito — disse Kevin.
— Isto só demora alguns
minutos. Nossa, não tenho a menor idéia do que está acontecendo com Marshall,
mas não me atrevo a tentar descobrir.
— E a sua secretária
eletrônica? Pode ser que haja algum recado nela.
— Boa idéia. Posso averiguar
isso assim que terminar de carregar este filme. Estou quase terminando —.
Depois Berenice pensou em outra coisa. — Não sei o que aconteceu com Sandy
Hogan também. Ela jogou um abajur no pai e saiu correndo da casa.
— Sim, você estava me
contando a esse respeito.
— Não sei aonde ela iria a
menos que tenha resolvido fugir com aquele tipo Shawn.
— Com quem? — perguntou Susan
abruptamente. — Quem foi que você disse?
— Um sujeito chamado Shawn.
— Shawn Ormsby? — perguntou
Susan.
— Oh-oh, você parece
conhecê-lo.
— Temo que Sandy Hogan esteja
em grande apuro! Shawn Ormsby aparece um bom número de vezes no diário de sua
irmã. Foi ele quem levou Pat a envolver-se naqueles experimentos psicológicos.
Ele encorajou-a a continuar com eles, e no fim foi ele quem a apresentou a
Thomas!
A luz do quarto escuro
acendeu com um estalido. O tanque de revelação estava carregado e pronto, mas
tudo o que Berenice, muito pálida, pôde fazer foi fitar Susan.
Patrícia Krueger, contudo,
havia sido um desafio. Então, disfarçado no simpático e benevolente Thomas, o
demônio tinha lutado muito a fim de conseguir que Patrícia acreditasse que ele
realmente estava ali; tinha sido necessário lançar mão de umas alucinações bem
cruéis e coincidências oportunas, sem mencionar os melhores de seus sinais e
prodígios psíquicos. Não bastou dobrar chaves e garfos; teve de produzir umas
materializações muito impressionantes também. Contudo finalmente havia
conseguido, e cumprido as ordens de Baal Lucius. Pat se havia matado
cerimonialmente, e jamais conheceria novamente o amor de Deus.
Mas, e Sandy Hogan? O que
desejaria o novo Baal, Rafar, que fosse feito com ela? O demônio, chamando-se
agora Madeline, aproximou-se do importante príncipe em sua grande árvore morta.
— Meu senhor — disse
Madeline, curvando-se profundamente em sinal de respeito — é verdade que
Marshall Hogan está derrotado e impotente?
— É — disse Rafar.
— E o que deseja que seja
feito com Sandy Hogan, filha dele? Rafar estava prestes a responder, mas então
hesitou, considerando um pouco mais a questão. Afinal, disse:
— Não a destrua, pelo menos
por enquanto. Nosso inimigo é tão astuto quanto eu, e gostaria de ter mais uma
garantia contra qualquer sucesso desse Marshall Hogan. O Valente vem hoje.
Deixe-a como garantia até essa hora.
Rafar despachou um mensageiro
juntamente com Madeline para visitar a professora Langstrat.
— Shawn — disse Langstrat —
recebi recado dos mestres. Eles querem umas garantias a mais de que Hogan não
será um obstáculo na negociação de hoje. Sandy ainda está aí com você?
Do seu quarto, Shawn podia
ver a sala de estar de seu pequeno apartamento. Sandy ainda estava no sofá,
adormecida.
— Ainda está aqui.
— A reunião com os diretores
terá lugar no Prédio da Administração, na sala de conferência do terceiro
andar. Uma sala do outro lado do corredor, a 326, foi reservada para nós e para
os outros médiuns. Traga Sandy com você. Os mestres a querem presente.
— Estaremos lá.
— Juleen — chamou ele — onde
está o café?
— Não acha que já está
nervoso demais? — perguntou ela, saindo do quarto e dirigindo-se à cozinha.
— Estou apenas tentando
acordar — resmungou ele, tremendo ao colocar uma panela com água no fogão.
— Acordar! Você nem chegou a
dormir, Alf!
— Você dormiu? — replicou
ele.
— Muito bem — disse ela com
brandura.
Langstrat, muito bem vestida,
parecia pronta para dirigir-se à faculdade. Brummel estava um desastre, os
olhos fundos, os cabelos desgrenhados, ainda de roupão.
Ele disse:
— Ficarei muito feliz quando
este dia tiver passado e tudo se acalmar. Como delegado, acho que quebrei
praticamente todas as leis que existem. Ela colocou-lhe a mão no ombro e
tranqüilizou-o:
— Todo esse mundo novo que
está crescendo à sua volta será seu amigo, Alf. Nós somos a lei agora. Você
ajudou a estabelecer a Nova Ordem, uma ação que enfim é boa e que merece
recompensa.
— Bem... é melhor garantirmos
isso de forma absoluta, é tudo o que tenho a dizer.
— Você pode ajudar, Alf.
Diversos dos líderes principais estarão se reunindo do outro lado do corredor
na mesma hora da reunião de encerramento da negociação esta tarde. Combinando
nossas energias psíquicas, poderemos assegurar que nada venha a impedir o
sucesso completo.
— Não sei se me atrevo a sair
em público. Acho que as prisões de Busche e Hogan exasperaram uma porção de
gente, gente da igreja, eu poderia acrescentar! Essa acusação de estupro não
chegou nem perto de prejudicar Busche tanto quanto deveria. A maior parte do
pessoal da igreja está vindo atrás de mim, querendo saber o que eu estou
tentando fazer!
— Você estará lá — disse ela
distintamente. — Oliver estará lá, bem como os outros. E Sandy Hogan estará lá.
Ele se voltou bruscamente e
fitou-a com horror.
— O quê? Por que Sandy Hogan
vai estar lá?
— Como seguro.
Os olhos de Brummel se
arregalaram, e sua voz tremeu.
— Outra? Você vai matar
outra? Os olhos dela se esfriaram bastante.
— Não mato a ninguém! Deixo
apenas que os mestres decidam!
— E então, o que eles
decidiram?
— Você fará com que Hogan
saiba que a filha dele está em nossas mãos e que será muito sábio da parte dele
não interferir com coisa alguma que aconteça de hoje em diante.
— Você quer que eu lhe diga?
— Sr. Brummel! — A voz dela
era de provocar calafrio. Ela adiantou-se sobre ele de maneira intimidadora, e
ele deu alguns passos para trás. — Acontece que Marshall Hogan está na sua
cadeia. Você é responsável por ele. Você lhe dirá.
Tendo dito isso, ela saiu
pela porta da frente e dirigiu-se à faculdade.
Brummel ficou parado por um
momento, confuso, frustrado, receoso. Seus pensamentos nadavam sem rumo, qual
cardume de peixes assustados. Esqueceu-se mesmo do motivo pelo qual estava na
cozinha.
Brummel, é o seu fim. O que
o faz pensar que não é tão dispensável
quanto qualquer outro que a
Sociedade considera uma conveniência, uma ferramenta, um joguete? E, é melhor
enfrentar os fatos, Brummel. Você é um joguete! Juleen o está usando
para fazer o serviço sujo dela, e agora o está colocando na posição de
nada menos que cúmplice de assassínio. Se eu fosse você, começaria a cuidar
do Número Um. Esse plano todo será descoberto mais cedo ou mais tarde, e
adivinhe quem será apanhado com a boca na botija?
Brummel continuou a pensar
sobre o assunto, e seus pensamentos deixaram de nadar sem rumo. Começaram a
correr todos na mesma direção. Isso tudo era loucura, pura loucura. Os mestres
dizem isto e os mestres dizem aquilo, mas o que é isso para eles? Não têm
pulsos que possam ser algemados, não têm empregos para perder, não têm cara que
poderiam temer sair mostrando pela cidade algum dia.
Brummel, por que não detém
JuJeen antes que ela arruíne totalmente a sua vida? Por que não põe
um paradeiro em toda essa loucura e age como verdadeiro, genuíno
agente da lei pelo menos uma vez na vida?
É, pensou Brummel. Por que
não? Se eu não fizer isso, vamos todos afundar neste barco doido.
Lucius, o deposto Príncipe de
Ashton, estava na cozinha com Alf Brummel, o delegado de polícia, tendo uma
pequena discussão com ele. Esse Alf Brummel sempre foi um tanto instável;
talvez Lucius pudesse aproveitar essa vantagem.
Mary Busche e Edith Duster
reconheceram Jimmy imediatamente; fora ele o jovem e muito mal-educado policial
que as havia impedido de visitar Hank na noite anterior. Agora elas estavam bem
à frente dessa multidão, e embora ninguém ali tivesse a menor intenção de fazer
qualquer coisa precipitada ou imprópria, não estavam a fim de ser espezinhados.
Jimmy tinha de sair do carro
quer quisesse, quer não. Tinha de apresentar-se ao trabalho naquele dia.
— Agente Dunlop — disse Mary
com muito atrevimento — creio que o senhor me disse ontem à noite que daria um
jeito de eu visitar meu marido hoje.
— Se me dão licença — disse
ele, tentando forçar a passagem.
— Agente — disse John Coleman
respeitosamente — estamos aqui para pedir-lhe que acate o desejo dela de ver o
marido.
Jimmy era um agente policial.
Ele realmente representava a lei. Tinha bastante autoridade. O único problema
era que não tinha um pingo de coragem.
— Ah... — disse. — Escutem,
terão de desfazer esse ajuntamento ou enfrentar a possibilidade de prisão!
Abe Sterling adiantou-se. Era
um advogado amigo de um amigo de um tio de Andy Forsythe e havia sido tirado da
cama na noite anterior e convidado exatamente para essa ocasião.
— Este é um ajuntamento
legal, pacífico — lembrou ele a Jimmy — segundo a definição do RCS 14.021.217 e
a decisão conferida pelo Tribunal Superior do Município de Stratford no caso
Ames contra o Município de Stratford.
— Sim — disseram diversas
pessoas — é isso mesmo. Escute o que diz o homem.
Jimmy ficou atrapalhado. Ele
olhou na direção da porta da frente do tribunal. Dois agentes da delegacia de
Windsor montavam guarda ao forte. Jimmy encaminhou-se a eles, sem saber por que
estavam permitindo que essa coisa continuasse.
— Ei — perguntou-lhes ele,
reprimindo a voz — o que significa tudo isto? Por que não se livraram dessa
gente?
— Olhe, Jimmy — disse um
deles — esta é a sua cidade e o seu jogo. Achamos que você saberia o que fazer,
por isso falamos que esperassem até você chegar.
Jimmy fitou os rostos que lhe
devolviam o olhar. Não, ignorar o problema não o faria desaparecer. Ele
perguntou ao agente:
— Quanto tempo faz que essa
gente está aí?
— Desde as 6:00hs mais ou
menos. Você devia ter visto a coisa. Estavam fazendo um perfeito culto.
— E podem fazer isso?
— Fale com o advogado deles.
Eles têm o direito de fazer demonstração pacífica contanto que não atrapalhem
a conduta normal das atividades. Têm-se comportado.
— E o que faço agora?
Os dois agentes apenas se
entreolharam um tanto vagos. Abe Sterling chegou logo atrás de Jimmy.
— Agente Dunlop, a lei lhe
permite reter um suspeito por até setenta e duas horas sem incriminá-lo, mas
visto que a esposa do suspeito tem o direito de entrar em contato com o marido,
estamos dispostos a mover uma ação judicial junto ao Tribunal Superior do
Município de Stratford requerendo que o senhor compareça e comprove por que
justa causa foi-lhe negado esse direito.
— Ouviu isso? — disse alguém.
— Eu... ah... terei de falar
com o delegado... — Disfarçadamente, ele amaldiçoava Alf Brummel por tê-lo
metido na encrenca.
— Por falar nisso, onde está
Alf Brummel? E o pastor dele que ele jogou na cadeia — declarou Edith Duster.
— Eu... não sei nada a
respeito disso. John Coleman disse:
— Então nós, como cidadãos,
estamos pedindo que descubra. E gostaríamos de falar com o Delegado Brummel.
Pode conseguir isso, por favor?
— Eu... verei o que posso
fazer — disse Jimmy, voltando-se para a porta.
— Quero ver o meu marido! —
disse Mary bem alto, adiantando-se com o queixo firmemente resoluto.
— Verei o que posso fazer —
disse Jimmy novamente, e entrou depressa.
Edith Duster voltou-se para
os outros e disse:
— Lembrem-se, irmãos e irmãs,
de que a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e, sim, contra os
principados, contra as potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso,
contra as forças espirituais do mal, nas esferas celestes.
— Diversos "améns"
se fizeram ouvir, e a seguir alguém pôs-se a entoar um hino de adoração.
Imediatamente todo o Remanescente cantou alto, adorando a Deus e fazendo com
que o seu louvor fosse ouvido naquele estacionamento.
Inúmeros espíritos estavam
chegando à cidade de Ashton, mas não do tipo que Rafar desejava. Eles se
apressavam a penetrar no chão, infiltravam-se encobertos por nuvens ocasionais,
entravam furtivamente como caronas invisíveis em carros, caminhões, furgões,
ônibus. Em esconderijos por toda a cidade um guerreiro se juntava a outro, a esses
dois se reuniam outros dois, a esses quatro se juntavam mais quatro. Eles
também ouviam o cântico. Sentiam o poder percorrer-lhes o corpo a cada nota.
Suas espadas zumbiam com a ressonância da adoração. Foram a adoração e as
preces desses santos que os haviam chamado ali em primeiro lugar.
Alexander Kaseph, possuído
pelo Valente, saiu de seu casarão de pedra e entrou na limusine que o
aguardava. Todos os papéis estavam prontos para serem assinados; seus advogados
o encontrariam no Prédio da Administração no campus da Faculdade Whitmore. Esse
era o dia pelo qual havia esperado e para o qual se havia preparado. À medida
que a limusine que levava Kaseph, e o Valente, prosseguia pela estrada
sinuosa, o mar de demônios começou a despejar naquela direção, come a mudança
da maré. O zumbido de incontáveis bilhões de asas aumentou de tom e
intensidade. Torrentes de demônios puseram-se a verter pelos lados da grande
cavidade, jorrando entre os picos das montanhas como piche quente e sulfuroso.
— Sim! — disse Susan. — Esta
é a primeira página dos registros do desfalque na faculdade. Verá que o nome da
faculdade não aparece em parte alguma. Contudo, as quantias recebidas devem ser
exatamente iguais às quantias desembolsadas nos livros da faculdade.
— Sim, os números nós temos,
ou o nosso contador tem.
— Está vendo aqui? Um fluxo
de fundos bem constante. Eugene Baylor tem removido e canalizado os
investimentos da faculdade um pouco de cada vez a várias outras contas, cada
uma das quais é na realidade uma frente para a Omni e a Sociedade.
— Então os chamados
investimentos têm todos ido parar no bolso de Kaseph!
— E tenho certeza de que constituirão
parte substancial do dinheiro que Kaseph usará para comprar a faculdade.
Berenice adiantou o filme.
Diversos quadros de lançamentos financeiros passaram num borrão.
— Espere! — disse Susan. —
Ali! Volte alguns quadros —. Berenice voltou o filme. — Sim! Ali! Tirei isso de
algumas anotações pessoais de Kaseph. É difícil entender a letra, mas veja a
lista de nomes.
Berenice realmente teve
dificuldade em entender a letra, mas ela mesma havia escrito aqueles nomes um
bom número de vezes.
— Harmel... Jefferson... —
leu.
— Você ainda não viu estes —
disse Susan, apontando o final de uma lista muito comprida.
Ali, com a letra do próprio
Kaseph, estavam os nomes Hogan, Krueger e Strachan.
— Pelo que vejo, é uma
espécie de lista de gente que deve ser eliminada? — perguntou Berenice.
— Exatamente. Contém centenas
de nomes. Observe o X vermelho depois de diversos deles.
— Esses já foram removidos?
— Comprados, afugentados,
talvez assassinados, talvez arruinados em reputação ou finanças ou ambos.
— E achei que a nossa lista
era longa!
— Essa é a ponta do iceberg.
Tenho outros documentos que precisamos fotocopiar e guardar em algum lugar
seguro. Poderia ser usado para se montar um caso muito forte não apenas contra
Kaseph como também contra a Omni, provas que demonstrariam uma longa história
de grampeamento, extorsão, chantagem, terrorismo, assassínio. A criatividade de
Kaseph nessas áreas não conhece limites.
— O crime personificado.
— Com uma súcia
internacional, não se esqueça, unidos de maneira antinatural pela dedicação
comum à Sociedade da Percepção Universal.
Nesse momento, Kevin, que
estivera tirando fotocópias dos documentos que Susan roubara, sibilou para as
moças:
— Ei, tem um tira lá fora!
Susan e Berenice se enrijeceram.
— Onde? — perguntou Berenice.
— O que ele está fazendo?
— Está do outro lado da rua.
Aposto que está vigiando a vizinhança!
Susan e Berenice dirigiram-se
cuidadosamente à frente a fim de olhar. Encontraram Kevin agachado no umbral da
porta da sala de fotocópias. A essa hora já era dia claro, e a luz penetrava
pelas janelas do escritório da frente.
Kevin apontou para um carro
velho e simples estacionado do outro lado da rua, que mal podia ser visto
através das janelas da frente. Um homem com roupas comuns estava sentado atrás
do volante, sem fazer nada em particular.
— Kelsey — disse Kevin. — Já
tive uns esbarrões com ele. Vestido de civil e dirigindo um velho Ford, mas eu
reconheceria aquela cara a mais de um quilômetro de distância.
— Mais ordens de Brummel, sem
dúvida — disse Berenice.
— E então, o que faremos
agora? — perguntou Susan.
— Abaixem-se! — sibilou
Kevin.
Elas se esconderam nos
umbrais das portas no exato instante em que outro homem chegou à janela da
frente e espiou para dentro.
— Michaelson — disse Kevin. —
O companheiro de Kelsey. Michaelson tentou abrir a porta. Estava trancada. Ele
espiou através da outra janela da frente, e depois se afastou.
— Hora de outro milagre,
hein? — disse Berenice, um tanto sarcástica.
— Que cargas d'água é isso?
Ele também ouvira? Hank
acordou enfim. Ergueu-se do leito e dirigiu-se às grades. O som entrava pela
janela no fim da fileira de celas. Marshall reuniu-se a ele e os dois ficaram
juntos, escutando. Podiam ouvir o nome "Jesus" sendo cantado e
louvado.
— Conseguimos, Hank — disse
Marshall. — Estamos no céu! Hank estava chorando. Se aquela gente lá fora
soubesse que bênção aquele cântico era! De repente ele soube que já não estava
na prisão, não de verdade. O evangelho de Jesus Cristo não estava aprisionado,
e ele e Marshall eram nesse momento dois dos homens mais livres do mundo.
Os dois escutaram por algum
tempo, e depois, sobressaltando Marshall, Hank começou a cantar também. Era uma
música que mostrava Jesus Cristo como um guerreiro vitorioso e a igreja como
seu exército. Hank conhecia a letra, naturalmente, e cantou a plenos pulmões.
Um tanto sem graça, Marshall
olhou ao seu redor. Os dois ladrões de carro na cela contígua ainda estavam
atônitos demais para reclamar. O passador de cheques sem fundos meneou a
cabeça e voltou a atenção ao seu romance barato. Um outro sujeito na última
cela, ofensa desconhecida, praguejou, mas não muito alto.
— Vamos, Marshall — incitou
Hank. — Cante, vamos! Quem sabe se cantando não conseguiremos sair deste lugar.
Marshall sorriu e meneou a
cabeça.
Nesse momento exato, a grande
porta no fim do corredor das celas abriu-se com força e lá veio Jimmy Dunlop, o
rosto vermelho e as mãos tremendo.
— O que está acontecendo por
aqui? — exigiu ele. — Sabe que está causando um tumulto?
— Oh, estamos apenas gozando
a música — disse Hank, todo sorridente.
Jimmy sacudiu o dedo a Hank e
disse:
— Bem, pare com esse negócio
religioso agora mesmo! A cadeia
pública não é lugar disso. Se
quiser cantar, faça-o na igreja ou em outro lugar, não aqui.
E, pensou Marshall, acho que
já aprendi suficientemente a letra a esta altura. Pôs-se a cantar tão alto
quanto conseguia, dirigindo o cântico ao Jimmy.
Isso trouxe uma reação muito
satisfatória da parte de Jimmy. Rodando nos calcanhares, ele saiu dali,
batendo a porta atrás de si.
Outro hino começou, e
Marshall achou que talvez já tivesse ouvido esse antes em algum lugar, talvez
na escola dominical. "Obrigado, Senhor, por ter salvo a minha alma."
Ele cantou bem alto, em pé ao lado do jovem de Deus, ambos segurando nas grades
das celas.
— Paulo e Silas! — exclamou
Marshall subitamente. — Sim, agora me lembro!
Desse momento em diante,
Marshall já não cantava por causa de Jimmy Dunlop.
— O Valente está a caminho.
Outro mensageiro informou-o:
— Temos cobertura de oração
agora em trinta e duas cidades. Outras catorze estão sendo convocadas.
Tal desembainhou a espada.
Podia sentir a lâmina ressoando com a adoração dos santos, e podia sentir o
poder da presença de Deus. Sorriu um leve sorriso e embainhou novamente a
espada.
— Reúnam as fontes: Lemley,
Strachan, Mattily, Cole e Parker. Façam-no abruptamente. Será importante
fazerem isso na hora certa.
Diversos guerreiros desapareceram a fim de cumprir suas missões.