sexta-feira, 7 de maio de 2021

Este mundo tenebroso - volume 01 - Capítulo 41


 Berenice saltou do seu lugar na escada da frente. Era Eldon Strachan com o próprio Norm Mattily, e Justin Parker, e aquele tinha de ser Al Lemley, e os três sujeitos trajando belos ternos tinham de ser do FBI! Oh, e lá vinha Harvey Cole com uma pilha de papéis debaixo do braço. Ela correu até eles, os olhos enegrecidos cheios de excitação.

— Olá! Vocês conseguiram!

Os olhos de Norm Mattily se arregalaram.

— O que aconteceu? Você está bem? Berenice pagara caro esses ferimentos; ia usá-los.

— Não, não, fui atacada! Por favor, corram lá dentro! Algo terrível está acontecendo!

Todos aqueles sujeitos importantes entraram correndo no prédio com sério propósito nos olhos e revólveres nas mãos.

Tal vira o suficiente. Gritando uma ordem a Guilo:

— Entre! — ele arremeteu para fora do prédio a fim de trazer reforços.

Fumaça e piche vermelho jorravam do lado de Rafar, mas sua fúria significava ruína certa para o rebelde Lucius. A luz de mil anjos brilhou através das janelas. Eles estariam na sala num instante, mas esse era todo o tempo de que Rafar precisava. Ele agitou a espada do tamanho de uma tábua em círculos furiosos acima da cabeça. Abaixou-a em golpe após golpe sobre Lucius enquanto a pequena espada do demônio desafiador aparava cada golpe com grande ala­rido e uma chuva de faíscas.

O estrondear das asas dos anjos no lado de fora tornou-se mais e mais alto. O chão e as paredes reverberavam com o barulho.

Rafar soltou um rugido e baixou a lâmina perpendicularmente. Lucius bloqueou o golpe, mas caiu debaixo da força dele. A lâmina cortou o ar num círculo plano e apanhou Lucius debaixo do braço. O braço saiu rodopiando pelo espaço, e Lucius gritou. A lâmina baixou de novo, passando em linha reta pela cabeça, ombros e torso de Lucius. O ar encheu-se de fervilhante fumaça vermelha.

Lucius desapareceu.

— Mate a menina! — gritou Rafar a Madeline.

Madeline tirou uma faca horrorosa, torta. Colocou-a com delica­deza na mão de Sandy.

— Essas correntes são as correntes da vida; são uma prisão de maldade, da mente mentirosa, da ilusão! Liberte seu verdadeiro eu! Junte-se a mim!

 Shawn estava com a faca pronta. Ele a colocou na mão da moça mergulhada no transe.

 Rafar, cambaleando, passou por uma parede no exato momento em que a luz de um milhão de sóis explodiu no aposento com o ensurdecedor trovão de asas e os gritos de guerra do Exército Celes­tial.

Muitos demônios tentaram fugir, mas foram desintegrados no mesmo instante pelo golpe cortante das espadas. O aposento todo era um borrão enorme, bombástico, brilhante. O rugir das asas en­cobria qualquer outro som exceto o dos gritos dos espíritos que caíam.

 Kaseph saltou da cadeira e caiu sobre a mesa. Os diretores e ad­vogados se encolheram e encostaram-se às paredes. Alguns rumaram à outra porta da sala.

Hank, Susan e Kevin observavam a uma distância segura. Sabiam o que estava acontecendo.

O rosto de Kaseph parecia insensibilizado pela morte e a boca abriu-se quando o mais horrendo berro saiu de dentro dele.

O Valente estava face a face com o General. Seus demônios haviam sumido, levados por avassaladora maré de anjos que ainda rugiam pela sala qual avalanche. A espada do General se movia mais de­pressa do que o pesado Valente podia mesmo antecipar. O Valente rebateu os golpes, berrando, retalhando, girando. O General sim­plesmente continuava a atacá-lo.

 Marshall estava no corredor, à escuta de qualquer perturbação. Achou ter ouvido um rebuliço adiante no corredor.

 Sandy ainda segurava a faca, mas agora Madeline hesitava e olhava frenética ao seu redor. As correntes ainda prendiam Sandy com força, um casulo de ferro.

Guilo viu as correntes muito apertadas em torno de Sandy, o hor­rível cativeiro demoníaco que eles haviam usado para escravizá-la.

— Basta! — gritou ele.

Erguendo a espada acima da cabeça, ele a baixou, deixando um rasto largo de luz brilhante. A ponta passou através das muitas voltas daquelas correntes como uma série de pequenas explosões. As cor­rentes se arrebentaram para fora e para longe, contorcendo-se como cobras cortadas ao meio.

O grande punho de Guilo fechou-se no pescoço medonho de Ma­deline. Ele a sacudiu para trás, girou-a e cortou-a em pedacinhos evanescentes.

Sandy sentiu-se rodopiando, depois impelida para cima como se fosse um foguete num elevador. Seus ouvidos começaram a registrar sons. Ela conseguia sentir novamente seu corpo físico. Luz registrou-se em sua retina. Ela abriu os olhos. Uma faca caiu-lhe das mãos.

Caos reinava na sala. Havia gente gritando, correndo de um lado para o outro, tentando acalmar os outros, brigando, discutindo, ten­tando escapar da sala; diversos homens estavam forçando Alf Brum­mel ao chão. Havia uma névoa de fumaça azulada e um cheiro forte como o de fogos de artifício.

A professora Langstrat estava deitada no chão e diversas pessoas se amontoavam em cima dela. Havia sangue!

Alguém a agarrou. Não de novo! Ela olhou e viu Shawn segurando-lhe o braço. Ele estava tentando confortá-la, tentando mantê-la na cadeira.

O monstro! O enganador! O mentiroso!

— Solte-me! — berrou ela, mas ele não soltou.

Ela socou-lhe o rosto, e em seguida escapou dele. Pondo-se de pé em um salto, ela correu rumo à porta, dando encontrões com diversas pessoas e pisando em outras. Ele a seguiu, chamando-lhe pelo nome.

Ela explodiu pela porta e tropeçou no corredor. De algum lugar lá adiante, ouviu uma voz conhecida gritando seu nome. Ela berrou e correu na direção da voz.

Shawn foi atrás de Sandy. Ele tinha de segurar aquela mulher antes que todo o controle fosse pelos ares.

O quê! Diante dele, enchendo todo o corredor com suas asas faiscantes estava o mais apavorante ser que ele jamais vira, apontando uma terrível espada chamejante ao seu coração. Shawn deteve-se bruscamente, os sapatos escorregando no chão.

Marshall Hogan apareceu subitamente, atravessando a correr aquele ser. Um enorme punho atingiu o queixo de Shawn, e a questão foi resolvida.

— Venha, Sandy — disse Marshall — desceremos pela escada!

 Rafar, em algum lugar dentro do prédio sitiado, vacilante, sabia que tinha de escapar. Tentou mover as asas. Elas apenas estreme­ceram. Precisava acumular forças. Não podia ser derrotado na pre­sença desses guerreiros insignificantes; não iria para o abismo!

Caindo sobre um dos joelhos, as mãos segurando o lado que se esvaía, ele deixou sua fúria crescer no íntimo. Tal! Era tudo culpa de Tal! Não, esperto capitão, não ganhará sua vitória desta forma!

Os olhos amarelos queimaram com novo fogo. Ele tentou nova­mente. Dessa vez, as asas se moveram e se agitaram num torvelinho indistinto. Rafar segurou com força a espada e voltou os olhos ao céu. As asas se enfunaram com poder e começaram a erguê-lo através do prédio, cada vez mais depressa, até ele ser arrojado pelo teto a céu aberto... e encontrar-se face a face com o mesmo capitão que tantas vezes havia insultado e desafiado.

Em volta a batalha ardia em fúria; demônios, e a grande vitória de Rafar, caiam como chuva fumacenta e ardente do céu. Mas por um momento breve de espanto e horror mútuo, Tal e Rafar permaneceram paralisados.

Haviam-se encontrado afinal! E nem um dos dois podia evitar o amortecimento trazido pelas lembranças que tinha do outro. Nenhum se lembrava de que o outro tinha aparência tão feroz.

E nenhum podia estar absolutamente certo de que venceria.

Rafar arremeteu de um lado, e Tal preparou-se para o golpe, mas... Rafar estava fugindo! Ele se lançou pelo céu como um pássaro san­grando, deixando um rasto de emanação e vapor.

Tal seguiu-o, as asas céleres, arrojando-se através de demônios caindo e anjos atacando, olhando bem adiante através da furiosa agitação da batalha cujo fragor e trovejar o cercava. Lá! Ele divisou o demônio comandante mergulhando na direção da cidade. Seria difícil encontrá-lo naquele labirinto de prédios, ruas e vielas. Tal aumentou a velocidade e diminuiu a distância. Rafar devia tê-lo visto surgindo por trás; o príncipe maligno arremeteu adiante com sur­preendente velocidade e depois deixou-se cair súbita e perpendi­cularmente na direção de um prédio de escritórios.

Tal viu-o desaparecer através do teto do prédio e mergulhou atrás dele. O negro teto coberto de piche veio em sua direção, crescendo num instante do tamanho de um selo a mais do que o olho podia ver. Tal se lançou através dele.

Teto, cômodo, piso, cômodo, então erguer-se, passar por um cor­redor, atravessar uma parede, subir novamente, voltar, seguir a fu­maça, atravessar um escritório, seguir parede acima, mergulhar por um piso, arrojar-se adiante, as paredes passando esbofeteando, esbofeteando, esbofeteando os olhos e ficando para trás como vagões disparados de um trem de carga.

Um fumacento míssil preto seguido por chamejante cometa ver­melho rugiram corredor abaixo, através de diversos andares, subiram novamente, passando através do escritório e por cima de todas as mesas, elevando-se através dos painéis do teto, através do teto e saindo a céu aberto de novo.

Rafar arremetia, arrojava-se, descrevia círculos, ziguezagueava através de demônios cadentes, voltando atrás, desviando-se por ruas secundárias, mas Tal o seguia de perto e acompanhava cada volta com perfeição.

Por quanto tempo mais poderia aquele demônio que sangrava man­ter essa corrida?

 A outra porta da sala de conferência abriu-se de chofre e o corpo de Alexander Kaseph rolou pelo chão do corredor. Estava nauseado e berrava.

 

O General brandia a espada contra o Valente vez após vez, enfraquecendo-o, cortando-o cada vez mais freqüentemente enquanto o Valente continuava a perder as forças.

— Não me derrotará! — ainda gabava-se ele, e o mesmo fazia Ka­seph, mas a gabolice era vazia e fútil. Do Valente jorravam vapor vermelho e piche como de uma peneira miserável e quebrada. Seus olhos estavam cheios de maldade e ódio e ele retalhava com a grande espada, mas as orações...! As orações estavam-se fazendo sentir por toda a parte, e o General não podia ser derrotado.

 Berenice reuniu seu grupo de vindicadores no saguão inferior, e tentava descobrir por onde começar a explicar tudo, quando Marshall e Sandy explodiram pela porta que saía das escadas.

— Subam depressa! — gritou Marshall, segurando a filha chorosa. — Alguém foi baleado!

Os agentes da polícia federal, com Lemley, entraram imediata­mente em ação.

— Chamem a polícia! Isolaremos o prédio! Berenice comentou:

— Estou vendo alguns tiras lá fora...

A polícia tinha vindo apenas em resposta a um chamado acerca dos fanáticos religiosos reunidos no campus. Estavam tentado de­bandar o pessoal quando Norm Mattily e um agente da polícia federal correram até eles, identificaram-se e ordenaram-lhes que isolassem o prédio.

Os homens de Brummel não eram tolos. Obedeceram.

 Rafar arremeteu e serpeou por todo o céu, ainda deixando um rasto de fumaça vermelha provindo do ferimento. Com esse indício re­velador era fácil segui-lo, e Tal mantinha implacável perseguição. Rafar voou rumo a um enorme depósito a diversos quarteirões de distância.

Ele se arrojou pela parede de fora mais ou menos na altura do terceiro andar, e Tal mergulhou no prédio atrás dele. Esse andar era aberto, sem lugar para esconder; Rafar mergulhou imediatamente a um andar inferior, e Tal seguiu o rasto de fumaça. Os pisos de con­creto cinzento subiam ao encontro deles.

Tal saiu no primeiro andar e pôde ver o rasto de fumaça desviando-se para um lado e retorcendo-se através de uma parede distante. Ele se arrojou atrás da fumaça. A parede bateu em torno dele quando a atravessou.

Cravado!

Um gume ardente cortou seu lado. Ele rodopiou e rodopiou com o impacto e a espada lhe voou da mão. O anjo caiu ao chão, dobrado de dor.

Lá estava Rafar, curvado e ferido, as costas contra a parede que Tal acabara de atravessar. Havia esperado de tocaia. A ponta de sua horrível espada ainda estava envolta em parte da túnica de Tal.

Não dava tempo de pensar! Não dava tempo de sentir dor! Tal mergulhou atrás da espada caída.

Craque! A espada de Rafar caiu com uma chuva de faíscas. Tal rolou e adejou, desviando-se. A grande espada vermelha cortou o ar novamente, e o gume afiado assobiou logo acima da cabeça de Tal. Tal bateu as asas e com um movimento brusco lateral desviou-se alguns metros.

Tchuiiiimm! A horrível espada retalhou o ar com brilhantes traços vermelhos. Os olhos de Rafar passaram de amarelos a vermelhos, sua boca borbulhava com espuma pútrida.

As enormes asas rugiram e Rafar atacou Tal com o bote de um gato. Seu poderoso braço ergueu a lâmina para golpear de novo.

Tal arremeteu para a frente e mergulhou abaixo do braço erguido de Rafar, metendo a cabeça no peito do adversário. O enxofre ex­plodiu dos enormes pulmões enquanto Tal rodopiava em torno do corpo de Rafar e além da ponta da lâmina vermelha enquanto ela retalhava o ar.

Era disso que Tal precisava: estava agora entre Rafar e sua espada caída. Ele mergulhou atrás dela, agarrou-a e voltou-se.

Clangor! A lâmina infernal desceu sobre a espada de Tal com um relâmpago chamejante. Eles se defrontaram, espadas erguidas em prontidão. Rafar sorria.

— Então, Capitão do Exército, estamos juntos, só os dois, e em pé de igualdade. Eu estou ferido, você está ferido. Trocaremos golpes por outros vinte e três dias? Terminaremos muito antes disso, hein?

Tal nada disse. Era assim que Rafar agia; palavras cortantes faziam parte de sua estratégia.

As espadas entrechocaram-se vez após vez. Uma coberta de es­curidão principiou a encher o aposento: o mal rastejante, crescente de Rafar.

— A luz está-se apagando? — zombou Rafar. — Talvez seja a sua força que vemos sumindo agora!

Santos de Deus, onde estão as suas orações?

Outro golpe! O ombro de Tal. Ele o devolveu com uma repassada que apanhou Rafar abaixo das costelas. O ar se estava enchendo de trevas, com vapor e fumaça vermelhos.

Diversos outros choques das lâminas chamejantes... abrindo pele, rasgando vestes, mais escuridão.

Santos! Orem! OREM!

 Quando os policiais chegaram ao terceiro andar, acharam primeiro que Kaseph era a vítima do tiro. Descobriram que estavam enganados quando esse animal selvagem atirou-os longe como se não pesassem nada.

— Não podem derrotar-me! — berrou.

 O General retalhou o Valente, e ele berrou novamente. As espadas se entrechocavam e soltavam labaredas.

— Não pode derrotar-me!

 A polícia apontou. O que ia esse maluco fazer a seguir?

Hank gritou:

— Não, cuidado! Não é ele!

Eles não entenderam patavina do que ele disse. Hank adiantou-se e tentou mais uma vez:

— Valente, sei que pode ouvir-me. Está derrotado, sim. O sangue derramado por Jesus o derrotou. Cale-se e saia dele e suma desta região!

Agora a polícia estava apontando as armas para Hank!

Mas o Valente já não agüentava as repreensões do homem de ora­ção. Ele murchou. Sua espada caiu. O General deu uma repassada com sua lâmina refulgente, e o Valente desapareceu.

 Kaseph caiu ao chão e ficou como morto. Os advogados e os di­retores gritaram da sala de conferência:

— Não atirem! — e saíram com as mãos ao alto quer tivessem recebido ordem para fazê-lo, quer não. A polícia ainda não sabia a quem prender.

— Aqui dentro! — gritou alguém da sala dos professores. A polícia correu lá e encontrou o deplorável desastre que Alf Brummel havia feito, e Juleen Langstrat morrendo.