quinta-feira, 6 de maio de 2021

Este mundo tenebroso - volume 01 - Capítulo 21


 Berenice tinha pressa. Ela estava na sala dos fundos da Primeira Imobiliária da Cidade, repassando o arquivo de microfilmes. Carla, a garota da recepção, era nova no emprego e na cidade o bastante para cair na conversa fiada de Berenice a respeito de ser uma historiadora da faculdade procurando infor­mações a respeito da história de Ashton. Não demorou para Carla mostrar os arquivos a Berenice e dar-lhe um curso rápido em como operar o monitor. Quando Carla a deixou, Berenice foi direto ao arquivo cruzado. Aquele certamente era um maravilhoso golpe de sorte: as outras agências imobiliárias possuíam arquivos que diziam quem era o dono das propriedades se a pessoa soubesse onde a propriedade se localizava; as fichas cruzadas traziam o que as pessoas possuíam se se soubesse o nome delas.

Kaseph. Berenice rolou o porta-filmes até chegar aos ks. Colocando a celulóide no monitor, ela pôs-se a procurar para cima e para baixo, de lado a lado, em ziguezague, as miríades de letras e números mi­croscópicos passando num borrão pela tela enquanto ela buscava a coluna certa. Lá estava. Kw... Kh... Ke... Ka... atravessando para a próxima coluna. Depressa, Berenice!

Ela não encontrou nada registrado sob Kaseph.

— Como está indo? — perguntou Carla da recepção.

— Muito bem — respondeu Berenice. — Não estou encontrando muita coisa ainda, mas sei onde procurar.

Bem, ainda havia a mercearia do Joe. Ela voltou ao arquivo normal e retirou o microfilme da seção, cidade e divisão para aquele en­dereço. Lá foi a celulóide monitor adentro, e mais uma vez Berenice correu as miríades de listas para cima e para baixo, procurando o registro. Lá estava! A descrição legal do que antes era a mercearia do Joe, agora Mercantil de Ashton. Havia sido avaliada em 105.900 dólares para fins de imposto, e o proprietário era a Omni S.A. Era tudo o que dizia.

Berenice voltou às fichas cruzadas. Monitor adentro foi a celulóide Ok-Om. Para cima, para baixo, de lado. Olson... Omer... Omni. Omni. Omni. Omni. Omni. Omni. Os registros sob Omni Companhia Ltda. desceram, desceram, desceram pela coluna; poderia ter havido mais de cem. Berenice tirou a caneta e bloco de anotações e pôs-se a escrever furiosamente. Os muitos endereços e descrições legais pouco significavam para ela; muitos deles nem eram decifráveis, mas ela continuou rabiscando tão depressa quanto conseguia, na espe­rança de poder ler a própria letra mais tarde. Ela abreviou, enchendo página após página do bloco.

O telefone tocou, como vinha fazendo; mas desta vez a conversa de Carla não pareceu muito feliz. A voz da moça estava baixa e séria, e ela parecia estar-se desculpando bastante. A festa pode estar aca­bando, mocinha, trate de escrever!

Num instante Carla apareceu.

— Você é Berenice Krueger, do Clarim? — perguntou ela direta­mente.

— Quem quer saber? — disse Berenice. Era bobagem, mas ela não queria ter de dizer logo a verdade.

Carla pareceu muito perturbada.

— Escute, vai ter de ir embora imediatamente — disse ela.

— Foi o seu chefe quem telefonou, certo?

— Sim, e eu ficaria grata se você não dissesse que a deixei entrar. Não sei o que está acontecendo, e não sei por que mentiu para mim, mas poderia fazer o favor de sair? Ele está vindo para cá a fim de trancar o local, e eu disse que você não tinha aparecido...

— Você é um amor!

— Bem, menti por você, agora faça o favor de mentir por mim. Berenice apressou-se em reunir as suas anotações e colocar de volta as celulóides.

— Nunca estive aqui.

— Agradeço — disse Carla enquanto Berenice saía correndo. — Você quase me fez perder o emprego.

 O lar de Andy e June Forsythe era muito agradável, uma moderna casa de toras nas cercanias da cidade, não muito longe da Serraria Forsythe. Aquela noite, Hank e Mary tinham ido lá para um jantar de comunhão juntamente com muitos outros do Remanescente, en­quanto Krioni, Triskal, Sete, Chimon e Mota, sentados nos caibros, olhavam. Os anjos sentiam o crescente poder desse grupinho de pessoas de oração. Os Jones estavam presente, bem como os Cole-mans, os Coopers, os Harris, alguns alunos da faculdade; Ron Forsy­the também estava presente juntamente com a namorada Cynthia. Alguns outros cristãos recentemente convertidos estavam com ele, sendo apresentados agora ao restante do grupo. Outros retardatários vinham chegando aos poucos.

Após o jantar, o povo se reuniu e acomodou-se em torno da grande lareira de pedra na sala de estar, enquanto Hank tomou seu lugar à frente, com Mary ao lado. Cada pessoa principiou a falar sobre sua formação.

Bill e Betty Jones haviam freqüentado a igreja a vida toda, mas tinham assumido um compromisso sério com Jesus fazia apenas um ano. O Senhor lhes havia falado ao coração e eles o haviam buscado.

John e Patty Coleman haviam freqüentado outra igreja na cidade, mas nunca aprenderam muito acerca da Bíblia ou de Cristo até virem para aquela igreja.

Cecil e Míriam Cooper haviam sempre conhecido ao Senhor, e estavam felizes ao ver um novo rebanho reunindo-se para substituir o antigo.

— Parece bastante com trocar um pneu vazio — brincou Cecil. Enquanto os outros falavam, seus variados antecedentes foram ex-

postos; havia tradições diferentes e antecedentes doutrinários dife­rentes, mas nenhuma diferença era muito importante naquele momento. Todos tinham uma grande preocupação comum: a cidade de Ashton.

— Oh, é guerra, sem dúvida — disse Andy Forsythe. — Não se pode sair às ruas e não sentir isso. Às vezes tenho a sensação de estar correndo dentro de uma chuva de lanças, sabem?

Um novo casal, amigos dos Coopers, Dan e Jean Corsi, falaram. Jean disse:

— Acho que Satanás está realmente solto por aí, conforme diz a Bíblia, como um leão que ruge tentando devorar a todos.

Dan comentou:

— O problema é que nós apenas nos assentamos nas laterais e deixamos as coisas acontecerem. Está na hora de nos preocuparmos e ficarmos com medo e nos ajoelharmos a fim de ver se o Senhor toma alguma providência.

Jean acrescentou:

— Alguns de vocês sabem que nosso filho está passando por pro­blemas bem sérios no momento. Realmente gostaríamos que orassem por ele.

— Qual é o nome dele? — perguntou alguém.

— Bobby — respondeu Jean. Ela engoliu em seco e disse a seguir:

— Ele se matriculou na faculdade este ano e algo realmente lhe aconteceu... — Ela precisou parar, sufocada de emoção.

Dan continuou de onde ela havia parado, em tom amargo.

— Parece que algo acontece com qualquer garoto que vai para aquela faculdade. Eu não sabia o tipo de coisa esquisita que eles estavam realmente ensinando lá. O resto de vocês deveria descobrir o que está ocorrendo e não deixarem seus filhos se envolverem.

Ron Forsythe, quieto até aquele momento, disse:

— Sei do que está falando. Está acontecendo no ginásio também. A garotada está participando de negócios satânicos como você não acreditaria. Nós costumávamos tomar drogas; agora é demônios.

Jean aventurou-se, através das lágrimas:

— Sei que parece terrível, mas realmente me pergunto se Bobby não está possesso.

— Eu estava — disse Ron. — Sei que estava. Cara, eu ouvia vozes dizendo-me que conseguisse umas drogas, ou roubasse algo, todo o tipo de coisa terrível. Eu não dizia aos meus pais onde estava, não ia para casa, acabava dormindo nos lugares mais esquisitos... e com as pessoas mais esquisitas.

Dan murmurou:

— É, é assim que o Bobby está. Faz quase uma semana que não o vemos.

Jean quis saber:

— Mas como foi que você começou com essas coisas? Ron deu de ombros.

— Eu já estava andando pelo caminho errado. Não estou seguro de estar endireitado. Mas digo-lhes quando acho que me envolvi com o satanismo: foi quando alguém previu o meu futuro. Foi então que peguei a doença, disso estou certo.

Alguém perguntou se a cartomante era uma certa mulher.

— Não, era outra pessoa. Foi no festival, há três anos.

— Ah, eles estão por todos os cantos — gemeu outra pessoa.

— Bem, isso apenas vem mostrar como esta cidade está fora de base! — protestou Cecil Cooper. — Há mais feiticeiras e cartomantes do que professores de escola dominical!

— Bem, teremos de ver o que podemos fazer a esse respeito! — disse John Coleman.

Ron interveio novamente.

— É trabalho pesado. Isto é, vi umas coisas bem esquisitas: já vi coisas flutuarem sozinhas, já li as mentes das pessoas, cheguei até a sair do corpo certa vez e flutuar pela cidade. Vocês têm mais é que orar mesmo!

Jean Corsi pôs-se a chorar:

— Bobby está possesso... eu sei que está!

Hank percebeu que estava na hora de assumir o controle.

— Muito bem, minha gente, sinto uma responsabilidade muito grande de orar por esta cidade, e sei que vocês também sentem, por isso acho que é aqui que se encontra a nossa resposta. É a primeira coisa que precisamos fazer.

Todos estavam prontos. Muitos se sentiam sem graça ao orar em voz alta pela primeira vez; alguns sabiam orar alto e confiantemente; alguns oravam em frases que haviam aprendido em certas liturgias; todos eram sinceros em cada palavra que diziam, não importava como se expressassem. O fervor começou a crescer devagar; as ora­ções tornaram-se mais e mais fervorosas. Alguém começou a entoar uma canção simples de adoração e os que a conheciam, cantavam, enquanto os que não a conheciam, aprendiam.

Nas vigas os anjos cantavam, as vozes suaves fluindo como vio­loncelos e baixos numa sinfonia. Triskal olhou para Krioni, sorriu um largo sorriso, e flexionou os braços. Krioni sorriu e repetiu o gesto. Chimon tomou da espada e a fez dançar em torno do pulso, traçando fitas e cachos de luz trêmula no ar enquanto a lâmina can­tava com linda ressonância. Mota apenas fitou os céus, as asas sedosas abrindo-se, os braços erguidos, arrebatado no êxtase da música.

 Kate silenciosamente arrumou a mesa da cozinha, colocando um prato, uma xícara e um pires. Aquela noite ela comeu sozinha, mal conseguindo engolir alguma coisa por causa das emoções que lhe constringiam a garganta e lhe reviravam o estômago. Ora, de qualquer forma eram sobras, sobras daquelas muitas outras refeições para as quais Marshall não aparecera. Era o que estava acontecendo de novo. Talvez o lugar nada tivesse a ver com o quanto um jornalista se ocupasse. Talvez, embora Marshall se tivesse mudado para uma ci­dade pequena, supostamente pacata, ele ainda possuísse aquele mal­dito faro para novidades que o conduzia em buscas fantásticas a toda e qualquer hora da noite, arrumando uma história onde nenhuma existia. Talvez esse fosse, afinal de contas, o seu primeiro amor, mais do que a esposa, mais do que a filha.

Sandy. Onde estaria ela? Não haviam feito essa mudança por causa dela? Agora ela se encontrava mais distante deles do que nunca, embora ainda morasse na mesma casa. Shawn havia invadido a vida da mocinha como um câncer, não um amigo, e Kate e Marshall nunca chegaram a falar a respeito segundo ele prometera. Marshall havia estado completamente distraído. Estava casado com o jornal, talvez enamorado da jovem e atraente repórter.

Kate empurrou o prato e tentou não chorar. Ela não podia começar a criar confusão e a derramar lágrimas agora, não quando tinha de pensar claramente. Indubitavelmente haveria decisões a tomar, e ela teria de tomá-las sozinha.

 Nos arredores de Ashton, ao lado do pátio da estrada de ferro, Tal conferenciava com seus guerreiros dentro de uma velha e enorme caixa d'água abandonada.

Natã andava de um lado para outro, a voz ecoando nas paredes do enorme tanque.

— Eu pressenti o que ia acontecer, Capitão! O inimigo está atraindo Hogan para uma armadilha. A afeição que ele tem por Krueger tem sofrido uma perigosa mudança. Sua família está em grave perigo.

Tal assentiu com a cabeça e permaneceu mergulhado em pensa­mentos.

— Exatamente o que se poderia esperar. Rafar sabe que nenhum ataque frontal funcionará; está tentando um golpe maligno através da sutileza e do comprometimento moral.

— E está conseguindo, eu diria!

— Sim, concordo.

— Mas o que podemos fazer? Se Hogan perder a família, será des­truído!

— Não. Destruído, não. Derrubado, talvez. Dizimado, talvez. Mas tudo por causa da escória em sua própria alma, acerca da qual o Espírito de Deus ainda não o convenceu. Nada podemos fazer a não ser esperar e deixar que as coisas sigam o seu curso.

Natã podia apenas sacudir a cabeça em frustração. Guilo ponderava as palavras de Tal. É claro que o que Tal dizia era verdade. Os homens pecarão se quiserem.

— Capitão — perguntou Guilo — e se Hogan cair?

Tal recostou-se contra a úmida parede de metal e respondeu:

— Não podemos nos preocupar com a questão do "se". O problema que precisamos enfrentar é o "quando". Hogan e Busche estão no momento construindo o alicerce de que precisamos para esta batalha. Uma vez que ele esteja pronto, tanto Hogan quanto Busche precisam cair. Somente sua clara derrota forçará o Valente a sair do escon­derijo.

Guilo e Natã, consternados, fitaram Tal.

— O senhor... o senhor sacrificaria esses homens? — perguntou Natã.

— Apenas por algum tempo — respondeu Tal.

Marshall trouxe o grande pacote de lançamentos que Ernie Johnson pirateara do escritório de contabilidade da faculdade Whitmore e o passou por cima do balcão de recepção do Clarim a Harvey Cole. Cole era um contador a quem Marshall conhecia bem e em quem podia confiar.

— Não sei se você conseguirá entender tudo isso — disse Marshall — mas veja se encontra seja lá o que for que Johnson encontrou, e se parece trapaça.

— Puxa vida! — disse Harvey. — Isto vai lhe custar uma nota! -— Darei em troca propaganda de graça. Que tal?

Harvey sorriu.

— Boa idéia. Está bem, verei o que posso fazer e depois ligarei para você.

— O mais depressa que puder.

Harvey saiu porta afora e Marshall voltou ao escritório, reunindo-se a Berenice a fim de darem continuidade ao projeto noturno, de­pois do expediente.

Eles trabalhavam no meio de um amontoado de anotações, papéis, listas telefônicas e quaisquer documentos públicos nos quais tinham conseguido colocar as mãos. No meio daquilo tudo, uma lista com­binada de nomes, endereços, cargos e registros de impostos estava sendo formada peça por peça.

Marshall correu os olhos sobre suas anotações da entrevista com Harmel.

— Muito bem, e que me diz do juiz, como é mesmo o nome dele, Jefferson?

— Anthony C. — Berenice respondeu, folheando a lista telefônica do ano anterior. — Sim, Anthony C. Jefferson, Rua Alder, 221 —.

Imediatamente ela procurou nas notas que rabiscara na Primeira Imobiliária da Cidade. — Rua Alder, 221... — Seus olhos varreram uma página do caderno, depois outra, até que finalmente:

— Na mosca!

— Outro!

— Então, veja se estou certa: Jefferson foi chutado pela Rede e Omni apareceu e comprou-lhe a casa?

Marshall rabiscou num bloco de papel amarelo alguns lembretes.

— Gostaria de saber por que Jefferson se mudou e por quanto ele vendeu aquela casa. Também gostaria de saber quem está morando nela.

Berenice deu de ombros.

— Precisaremos somente correr a lista e verificar os endereços da gente da Rede. Aposto que é um deles.

— Que me diz de Baker, o juiz que substituiu Jefferson? Berenice examinou outra lista.

— Não, Baker ocupa a casa que foi do diretor do ginásio, ah, Waller, George Waller.

— Isso mesmo, foi ele que perdeu a casa na venda judicial.

— Oh, há uma porção delas, e aposto que encontraríamos outras se soubéssemos onde procurar.

— Teremos de espionar no Departamento Municipal de Finanças. Seja como for, de alguma maneira, o imposto predial dessa gente nunca foi parar onde deveria ter ido. Não consigo acreditar que tanta gente assim deixasse de pagar os impostos.

— Alguém desviou o dinheiro de forma que os impostos nunca chegaram a ser pagos. Isso é sujeira, Hogan, sujeira da grossa.

— Não foi Lew Gregory, o antigo tesoureiro. Veja isto. Ele teve de pedir demissão por causa de uma acusação de conflito de interesses. Agora Irving Pierce ocupa o lugar dele, e Irving está nas mãos da Omni, certo?

— É isso aí.

— E o que foi mesmo que você descobriu acerca do prefeito Steen? Berenice consultou suas anotações, mas sacudiu a cabeça.

— Ele comprou a casa recentemente; a transação parece em ordem exceto pelo fato de o dono anterior ter sido o antigo Delegado de polícia que deixou a cidade sem um motivo aparente. É o que acon­teceu a todas as outras pessoas que me faz indagar.

— É, e por que nenhuma delas jamais piou ou criou caso. Ei, eu não permitiria que o município simplesmente chegasse e leiloasse a minha casa bem debaixo do meu nariz sem fazer no mínimo algumas perguntas. Existe mais alguma coisa nisto tudo que não sabemos.

— Bem, pense nos Carluccis. Você sabia que a casa deles foi vendida para a Omni por 5.000 dólares. Isso é ridículo!

— E os Carluccis tomaram chá de sumiço! Desapareceram sem mais esta nem aquela.

— E quem está morando na casa deles agora?

— Talvez o novo diretor do ginásio, ou o novo chefe dos bombeiros, ou um novo vereador, ou um novo isto ou novo aquilo!

— Ou um dos novos diretores da faculdade. Marshall tateou à procura de outros papéis.

— Que bagunça! — Finalmente ele encontrou a lista que procurava. — Vamos repassar esses diretores e ver o que encontramos.

Berenice folheou algumas páginas do seu bloco.

— Sei com certeza que a casa de Pinckston é propriedade da Omni. Algum tipo de arranjo de guarda judiciária.

— E Eugene Baylor?

— Não está com você aí em algum lugar?

— Está com um de nós, mas agora não consigo me lembrar qual de nós.

Os dois remexeram suas anotações, papéis, listas. Por fim Marshall encontrou a informação entre as folhas espalhadas.

— Aqui está, Eugene Baylor, Rua 147 Sudoeste, 1024.

— Acho que já o vi aqui em alguma parte —. Berenice examinou suas anotações. — Sim, é propriedade da Omni também.

— Doar tudo à Omni S.A. deve ser um requisito para tornar-se membro.

— Bem, então Young e Brummel são membros fundadores. Mas isso faz sentido. Se todos desejam fundir em uma Mente Universal, têm de eliminar a individualidade, e isso significa não ter proprie­dade privada.

Um a um, Marshall leu os nomes dos membros do conselho diretor da faculdade, e Berenice pesquisou-lhes os endereços. Dos doze di­retores, oito moravam em casas da Omni S.A. Os outros alugavam apartamentos; um dos prédios de apartamentos era da Omni. Bere­nice não tinha informação referente aos outros prédios de aparta­mentos.

— Acho que eliminamos a possibilidade de coincidência — disse Marshall.

— E agora não posso esperar para ouvir o que o seu amigo Lemley tem a dizer.

— Claro, que Kaseph e a Omni estão ligados. Isso é óbvio —. Mars­hall tirou um momento para ponderar. — Mas sabe o que realmente me apavora? Até agora, tudo o que vimos aqui é legal. Estou certo de que trapacearam em algum lugar para chegarem onde estão, mas dá para ver que estão operando dentro do sistema, ou pelo menos se saindo muito bem ao fingir que estão.

— Ora, vamos, Marshall! Pela madrugada, ele está tomando a ci­dade toda!

E fazendo-o legalmente. Não se esqueça disso.

— Mas ele tem de deixar rasto em algum lugar. Conseguimos des­cobrir a trilha dele pelo menos até aqui.

Marshall inspirou profundamente e então soltou respiração com um suspiro.

— Bem, podemos tentar ir atrás de todas as pessoas que venderam as propriedades e deixaram a cidade, tentar descobrir por que o fizeram. Podemos averiguar os cargos que elas tinham antes de ir embora e quem está ocupando o cargo agora. Podemos perguntar a quem ocupe o cargo agora que ligação tem com a Omni ou com esse grupo de viagens mentais da Percepção Universal. Podemos pergun­tar a cada um deles o que talvez saibam acerca do esquivo Sr. Kaseph. Podemos pesquisar mais um pouco a própria Omni S.A., descobrir onde é sediada, em que negocia, e do que mais é dona. E depois acho que será hora de levarmos o que sabemos diretamente aos nossos amigos e ver a sua reação.

Berenice podia sentir algo palpável na maneira de Marshall.

— O que o está preocupando?

Marshall arremessou as notas sobre a mesa e reclinou-se na cadeira para ponderar.

— Bernie, seríamos bobos em pensar que estamos imunes a tudo isto.

Berenice assentiu com a cabeça, resignada.

— Sim, tenho pensado nisso, sobre o que eles podem tentar fazer.

— Acho que eles já têm a minha filha —. Uma declaração abrupta. O próprio Marshall ficou chocado ao ouvi-la.

— Você não sabe disso com certeza.

— Se não sei disso, não sei de nada.

— Mas que tipo de poder real eles poderiam exercer exceto eco­nômico e político? Eu não engulo essa história cósmica, espiritual; nada mais é do que uma viagem da mente.

— Isso é fácil para você dizer, você não é religiosa.

— Verá que é muito mais fácil assim.

— E se nós acabarmos como... como o Harmel, sem família, sim­plesmente se escondendo no mato e falando de... fantasmas?

— Eu não me importaria de acabar como o Strachan. Ele parece bastante cômodo ficando longe de toda essa coisa.

— Bem, Bernie, mesmo assim é melhor nos prepararmos antes que a coisa chegue —. Muito grave, ele agarrou a mão dela e disse:

— Espero que nós dois saibamos no que estamos nos metendo. Podemos já estar atolados demais. Poderíamos desistir, suponho...

— Você sabe que não podemos fazer isso.

— Sei que eu não posso. Não estou esperando nada de você. Pode sair agora, mudar-se, ir trabalhar para alguma revista feminina ou coisa parecida. Não me importarei.

Ela sorriu e apertou com força a mão dele.

— Morrendo todos, morrem felizes.

Marshall apenas meneou a cabeça e devolveu o sorriso.