quinta-feira, 6 de maio de 2021

Este mundo tenebroso - volume 01 - Capítulo 22


 Em outro estado, numa área de baixa renda de outra cidade, um pequeno furgão serpeava por uma rua repleta de crian­ças através de um conjunto habitacional. As pequenas casas geminadas, exceto por diferentes esquemas de cores, eram feitas no mesmo padrão. Quando o veículo parou no fim de um beco de asfalto envelhecido, via-se 'Tinturaria Princesa" escrito na lateral.

A motorista, uma jovem de macacão azul, os cabelos cobertos por lenço vermelho, desceu. Abrindo a porta lateral, ela tirou uma grande pilha de roupas e alguns vestidos em cabides, cobertos com sacos plásticos. Conferindo novamente o endereço, ela se encaminhou a uma porta em particular e tocou a campainha.

Primeiro a cortina da janela da frente foi puxada para o lado, e depois ouviu-se o ruído de passos vindo na direção da entrada. A porta se abriu.

— Oi, tenho umas roupas para entregar — disse a jovem.

— Sim — disse o homem que atendeu. — Pode entrar.

Ele abriu um pouco mais a porta de modo que ela pudesse passar, enquanto três crianças, não obstante sua grande curiosidade, tenta­vam manter-se fora do caminho.

O homem chamou a esposa.

— Querida, a moça da tinturaria está aqui.

Ela veio da pequena cozinha, o aspecto tenso e nervoso.

— Crianças, vão brincar lá fora — ordenou.

Elas choramingaram um pouco, mas a mãe as fez sair, fechou a porta, e então fechou a única janela que ainda estava aberta.

— Onde conseguiu todas essas roupas? — perguntou o homem.

— Estavam no furgão. Não sei a quem pertencem.

O homem, um italiano entroncado de cabelos crespos e grisalhos, ofereceu a mão.

— Joe Carlucci.

A jovem colocou o pacote no chão e apertou a mão dele.

— Berenice Krueger do Clarim.

Ele lhe ofereceu uma cadeira e então disse:

— Disseram-me que jamais falasse com você ou com o Sr. Hogan...

— Por amor às crianças, disseram eles — acrescentou a Sra. Car­lucci.

— Esta é Angelina. Foi por causa dela, por causa das crianças que nós... nos mudamos, deixamos tudo, nada dissemos.

— Pode ajudar-nos? — perguntou Angelina. Berenice aprontou o bloco.

— Muito bem, não se apressem. Começaremos pelo começo.

 No que Al Lemley chamava de "metade do caminho" entre Ashton e Nova York, Marshall dirigiu o carro para o estacionamento de uma pequena seguradora em Taylor, uma cidadezinha na encruzilhada de duas grandes rodovias e sem outro motivo genuíno para estar ali. Ele entrou no pequeno escritório e foi imediatamente reconhecido pela senhora à escrivaninha.

— Sr. Hogan? — perguntou ela.

— Sim, bom dia.

— O Sr. Lemley já chegou. Está esperando pelo senhor.

Ela o levou através de outra porta que dava para um escritório dos fundos o qual ninguém estava usando no momento. — Temos café aqui no balcão, e o banheiro é logo depois daquela porta à direita.

Marshall fechou a porta, e somente então Al Lemley se levantou e apertou-lhe calorosamente a mão.

— Marshall — disse ele — como é bom ver você. Muito bom! Era um homem pequeno, calvo, com nariz adunco e olhos azuis penetrantes. Era enérgico e cheio de vida, e Marshall sempre o con­siderara um valiosíssimo colega, um amigo que se disporia a prestar quase qualquer favor.

Al sentou-se atrás da escrivaninha e Marshall puxou uma cadeira e sentou-se ao seu lado de forma que ambos pudessem examinar o material que Al havia trazido. Por alguns instantes falaram dos velhos tempos. Al estava preenchendo a vaga que Marshall deixara no Times, e estava começando a realmente apreciar a capacidade de Marshall em realizar o trabalho.

— Mas não acho que desejo trocar de lugar com você agora, com­panheiro! — disse ele. — Pensei que você se tivesse mudado para Ashton com o intuito de fugir do rebuliço da cidade grande!

— Acho que não consegui escapar — disse Marshall.

— Em algumas semanas Nova York pode ser muito mais segura.

— O que você conseguiu?

Al tirou uma foto 20 x 25 de uma pasta de arquivo e a deslizou pela mesa para debaixo do nariz de Hogan.

— É este o seu homem?

Marshall olhou a foto. Ele nunca tinha visto Alexander M. Kaseph, mas por todas as descrições ele sabia que tinha de ser ele.

— É ele, sim — disse Al. — É conhecido, mas também não é conhecido, se você entende o que quero dizer. O público em geral jamais ouviu falar desse cara, mas comece a perguntar aos investi­dores na Wall Street, ou ao pessoal do Governo, ou a diplomatas estrangeiros, ou a qualquer outro sujeito que esteja de alguma forma ligado a rolos e política internacional e obterá uma resposta. É o presidente da Omni S.A., sim; os dois estão definitivamente ligados.

— Surpresa, surpresa. E o que você sabe acerca da Omni?

Al empurrou uma pilha de material na direção de Marshall, uma pilha de diversos centímetros de altura.

— Graças a Deus por computadores. Tive de usar meios de inves­tigação um pouco fora do comum. Eles não têm sede, não têm en­dereço central; estão espalhados por escritórios locais em todo o mundo e se mantêm quase no anonimato. Pelo que pude perceber, Kaseph mantém sua equipe imediata ao seu lado e gosta de ser tão invisível quanto possível, dirigindo a operação ninguém sabe de onde. É estranhamente subterrâneo. Não constam da Bolsa de Va­lores, pelo menos não com esse nome. As ações estão todas diver­sificadas entre, oh, talvez uma centena de diferentes companhias que servem de fachadas. A Omni é a proprietária e controladora de ca­deias de lojas, bancos, hipotecárias, lanchonetes, engarrafadores de refrigerantes, o que quiser, eles têm.

Al continuou a falar enquanto folheava a pilha de material.

— Pus alguns da minha equipe a cavar este negócio. A Omni não sai às claras, nem publica nada acerca de si mesma. Primeiro, você tem de descobrir qual é a firma que serve de fachada, depois se insinuar mais ou menos às escondidas pela porta dos fundos e des­cobrir qual o interesse que a Grande Companhia Mãe tem nela. Veja esta aqui... — Al produziu o relatório anual dos acionistas de uma firma de mineração no estado de Idaho. — Não se sabe a respeito do que se está realmente lendo enquanto não chegar aqui no fim... está vendo? "Uma subsidiária de Omni Internacional."

— Internacional...

— Muito internacional. Você não acreditaria na grande influência que exercem no petróleo árabe, no Mercado Comum, no Banco Mun­dial, no terrorismo internacional...

— O quê?

— Não espere encontrar um relatório aos acionistas a respeito da explosão do último carro ou de assassínio em massa, mas para cada item legítimo documentado aqui existem centenas de rumores que ninguém consegue provar mas que todo o mundo conhece.

— É a vida.

— E assim é o seu homem Kaseph. Deixe-me dizer o seguinte, Marshall, ele sabe derramar sangue se precisar, e às vezes quando

não precisa. Eu diria que esse cara é um perfeito cruzamento entre um arrematado guru e Adolfo Hitler, e deixa Al Capone com cara de escoteiro. Dizem que até a Máfia tem medo dele!

 Angelina Carlucci tinha a tendência de falar levada mais pelas emoções do que por lembranças objetivas, o que fazia sua história dar voltas em círculos torturantes. Berenice precisava fazer perguntas contínuas a fim de esclarecer as coisas.

— Voltando ao seu filho Carl...

— Eles quebraram as mãos dele! — chorou ela.

— Quem quebrou as mãos dele? Joe interveio em ajuda à esposa.

— Foi depois de termos dito que não venderíamos a mercearia. Eles nos pediram... bem, pedir não pediram, disseram que faríamos bem em concordai... mas conversaram conosco a esse respeito al­gumas vezes, mas não queríamos vender...

— Foi então que começaram a ameaçá-los?

— Eles nunca ameaçam! — disse Angelina com raiva. — Eles di­zem que nunca nos ameaçaram!

Joe tentou explicar.

— Eles... eles ameaçam sem parecer que o estão fazendo. É difícil de explicar. Mas conversam com a gente sobre a transação, e deixam subentendido que se a pessoa fosse esperta concordaria com o que propuseram, e a gente sabe, simplesmente sabe que deve concordar com o negócio, se não quiser que alguma coisa ruim nos aconteça.

— Com quem foi que vocês falaram?

— Dois cavalheiros que eram... bem, eles disseram ser amigos daquele pessoal novo, dono da mercearia agora. No começo pensei que fossem apenas corretores imobiliários ou algo parecido. Não fazia idéia...

Berenice correu novamente os olhos pelas anotações.

— Muito bem, então foi depois que vocês recusaram a vender a mercearia pela terceira vez que as mãos de Carl foram quebradas?

— Sim, na escola.

— Bem, quem quebrou as mãos dele?

Angelina e Joe se entreolharam. Angelina respondeu:

— Ninguém viu. Foi durante o recreio, e ninguém viu!

— Carl deve ter visto.

Joe apenas sacudiu a cabeça e acenou com a mão a Berenice, interrompendo-a.

— Não pode interrogar Carl a esse respeito. Ele ainda está ator­mentado, tem pesadelos.

Angelina inclinou-se para a frente e murmurou:

— Espíritos malignos, Srta. Krueger! Carl acha que foram espíritos malignos!

Berenice ficou esperando que esses dois adultos responsáveis ex­plicassem a estranha percepção de seu filho. Ela teve dificuldade em formular uma pergunta:

— Bem, o que... por que... o que vocês... Bem, vocês devem saber o que aconteceu, ou pelo menos devem ter uma idéia —. Eles apenas se entreolharam sem saber o que dizer. — Não havia profes­sores presentes que o ajudaram depois que aconteceu?

Joe tentou explicar.

— Ele estava jogando beisebol com outros meninos. A bola rolou para dentro do bosque e ele foi buscá-la. Quando voltou, estava... estava louco, gritando, tinha-se molhado... suas mãos estavam que­bradas.

— E ele nunca disse quem fez isso?

Os olhos de Joe Carlucci estavam cheios de terror. Ele sussurrou:

— Grandes coisas pretas...

— Homens?

Coisas. Carl diz que eram espíritos, monstros.

Não critique, disse Berenice para si mesma. Estava claro que aquela pobre gente simplória realmente acreditava que algo dessa natureza os estava atacando. Eram católicos fervorosos, mas também muito supersticiosos. Talvez isso explicasse os muitos crucifixos em cada porta, as figuras de Jesus e as imagens da Virgem Maria por toda a parte, em cada mesa, na entrada de cada porta, em cada janela.

 Marshall havia examinado o material relacionado à Omni S.A.. Ele ainda não tinha lido acerca de uma coisa.

— Existe algum tipo de af iliação religiosa?

— Sim — disse Al, apanhando outra pasta. — Você tinha razão quanto a isso. A Omni é apenas uma das diversas patrocinadoras da Sociedade da Percepção Universal, e esse é um caso financeiro e político totalmente diferente, e talvez a principal motivação por trás da companhia, mais até que dinheiro. A Omni possui ou apóia, oh, céus, deve haver centenas delas, firmas cuja proprietária é a Socie­dade, indo desde empreendimentos a nível de chalés até bancos, lojas de atacado, escolas, faculdades...

— Faculdades?

— Sim, e firmas de advocacia também, segundo este recorte no­ticioso. Eles possuem um grande grupo de lobby em Washington, têm forçado com regularidade a passagem de legislação de interesse especial para eles... geralmente antijudaica e anticristã, se é que isso lhe interessa.

— Quanto a cidades? Essa Sociedade gosta de comprar cidades?

— Sei que Kaseph já fez isso, ou outras coisas parecidas. Ouça, entrei em contato com Chuck Anderson, um dos nossos correspond­entes estrangeiros, e ele ouviu falar todo o tipo de coisa interessante além de ter visto ele próprio muita coisa. Parece que essa gente da Percepção Universal forma um clube mundial. Localizamos grupos da Sociedade em noventa e três diferentes países. Eles parecem surgir por todos os lados, não importa a parte do mundo, e, sim, já adqui­riram completo controle de cidades, vilarejos, hospitais, alguns na­vios, algumas corporações. Às vezes eles entram comprando, às vezes entram votando, às vezes eles entram simplesmente tomando o lugar dos outros.

— Como uma invasão sem armas.

— Sim, geralmente muito legal, mas é bem provável que isso re­sulte de pura esperteza, não de integridade, e lembre-se de que você se está defrontando com muito poder e influência aqui. Você está bem no meio do caminho do próprio Chefão, e pelo que pude deduzir, ele não diminui a velocidade, não pára nem dá voltas.

— Bolas...

— Eu... bem, eu esfriaria a coisa, amigo. Chame a polícia federal, deixe que alguém maior que você assuma o negócio, se quiserem. Você ainda tem emprego no Times se algum dia o desejar. Pelo menos cubra a história de certa distância. Você é um repórter classe A, mas está perto demais, e tem muito a perder.

Tudo o que Marshall conseguia pensar era: Por que eu?

 Berenice havia ido longe demais numa situação delicada. Os Carluccis ficavam cada vez mais inquietos à medida que ela os inter­rogava.

— Talvez esta não tenha sido uma boa idéia — disse Joe finalmente.

— Se eles descobrirem que falamos com você...

Berenice pensava que se ouvisse aquela palavra mais uma vez ela gritaria.

— Joe, o que você quer dizer com "eles"? Você não pára de falar eles e deles, mas nunca diz quem são.

— Eu... eu não posso dizer — disse ele com grande dificuldade.

— Bem, pelo menos deixe-me esclarecer este tanto: São pessoas, quero dizer, pessoas de verdade?

Ele e Angelina pensaram por um momento, então ele respondeu:

— Sim, são pessoas de verdade.

— Então são pessoas reais, de carne e osso?

— E talvez espíritos também.

— Estou falando das pessoas de verdade agora — insistiu Berenice.

— Foi gente de verdade que fez a auditoria de seus impostos? Relutantes, eles assentiram com a cabeça.

— E foi um homem de verdade, de carne e osso, que colocou o aviso de leilão na sua porta?

— Não o vimos — disse Angelina.

— Mas era um pedaço de papel de verdade, certo?

— Mas ninguém nos disse que isso iria acontecer! — protestou Joe. — Nós sempre pagamos os impostos, eu tenho os cheques can­celados para provar isso! O pessoal da prefeitura não nos deu ou­vidos!

Agora Angelina estava com raiva.

— Não tínhamos o dinheiro para pagar os impostos que eles que­riam. Já os tínhamos pago, não podíamos pagar de novo.

— Eles disseram que tomariam a mercearia, todo o nosso estoque, e o negócio ia mal, muito mal. Metade dos nossos fregueses sumiram e não voltaram mais.

— E eu sei o que os manteve afastados! — disse Angelina em tom de desafio. — Todos nós podíamos senti-lo. Vou lhe contar, janelas não se quebram sozinhas, e a mercadoria não sai voando da prateleira sozinha. Era o próprio diabo que estava na nossa loja!

Berenice teve de assegurar-lhes:

— Muito bem, não duvido disso. Vocês viram o que viram, não duvido que vocês...

— Mas não percebe, Srta. Krueger? — perguntou Joe com lágrimas nos olhos. — Sabíamos que não podíamos ficar. O que fariam a seguir? Nosso negócio ia mal, não pudemos impedir que nosso lar fosse vendido, nossos filhos estavam sendo atormentados por espí­ritos, gente, seja lá o que fosse, malignos. Sabíamos que o melhor era não lutar. Era a vontade de Deus. Vendemos a loja. Eles nos pagaram um bom preço...

Berenice sabia que não era verdade.

— Você não pegou nem a metade do que a loja valia. Joe não se conteve e caiu no pranto.

— Mas estamos livres... Estamos livres! Berenice teve de questionar.

 Depois veio a arrancada maciça para conseguir informação acom­panhada por sentimentos mistos de determinação e mau agouro, por conflitos entre impulsos iniciais e considerações posteriores. Durante duas semanas, às terças e sextas, o Clarim de Ashton apareceu nas bancas e em todas as caixas dos assinantes, mas era difícil encontrar ou mesmo ver o seu Redator e seu principal repórter. As mensagens telefônicas de Marshall empilhavam-se sem respostas; Berenice sim­plesmente nunca estava em casa. Houve diversas noites em que Mars­hall não foi para casa, mas dormiu em vários lugares, de vez em quando no escritório, esperando chamadas especiais, dando telefonemas, trabalhando a fim de manter o jornal em circulação com uma mão e repassando listas de contatos, registros de impostos, relatórios de negócios, entrevistas e pistas com a outra.

As pessoas que haviam deixado seus cargos em Ashton e as aqueles que as substituíram definitivamente eram dois grupos distintos, de crenças muito diferentes. Após algum tempo Marshall e Berenice podiam praticamente prever quais seriam as respostas deles.

Berenice telefonou para Adam Jarred, o Diretor da faculdade cuja filha supostamente fora molestada por Ted Harmel.

— Não — disse Jarred — realmente não sei nada a respeito de nenhuma especial... como foi que disse?

— Uma sociedade. A Sociedade da Percepção Universal.

— Não, sinto muito.

Marshall falou com Eugene Baylor.

— Não — respondeu Baylor um tanto impaciente — jamais ouvi falar no nome de Kaseph, e realmente não percebo onde você quer chegar.

— Estou tentando averiguar algumas alegações de que a faculdade estaria vendendo a propriedade a Alexander Kaseph da Omni S.A..

Baylor riu-se e disse:

— Deve ser outra faculdade. Nada parecido está acontecendo aqui.

— E o que me diz da informação de que a faculdade está em grandes dificuldades financeiras?

Baylor não gostou nem um pouco da pergunta.

— Escute, o último Redator do Clarim também tentou essa, e foi a coisa mais boba que ele já fez. Por que não cuida apenas do seu jornal e deixa a administração da faculdade por nossa conta?

Os ex-diretores contavam uma história diferente. Morris James, agora consultor comercial em Chicago, nada tinha além de más recordações do último ano que trabalhou na faculdade.

— Eles realmente me ensinaram como um leproso deve se sentir — disse ele a Berenice. — Achei que podia ser uma boa voz no conselho, sabe, um fator de estabilidade, mas eles simplesmente não toleravam dissensão. Achei aquilo tudo muito antiprofissional.

Berenice perguntou:

— E o que me diz da forma de Eugene Baylor cuidar das finanças da faculdade?

— Bem, eu saí antes que qualquer problema realmente sério co­meçasse, essa encrenca que você me descreveu, mas podia prevê-la. Tentei bloquear algumas decisões do conselho com relação à con­cessão de poderes e privilégios especiais a Baylor. Achei que era dar controle demasiado a um único homem sem a supervisão dos outros diretores. Nem é preciso dizer que minha opinião não foi nada po­pular.

Berenice fez uma pergunta direta.

  Sr. James, o que finalmente precipitou o seu pedido de demissão do conselho e a sua saída de Ashton?

— Bem... essa é difícil de responder — começou ele relutante. A resposta que deu durou quinze minutos, mas em resumo foi: "Minha loja de atacado estava sendo tão importunada e tão sabotada por... bandidos invisíveis, acho que se poderia chamá-los... que eu me tornei um risco grande demais para a seguradora. Já não conseguia preencher os pedidos, a clientela foi desaparecendo, e eu simples­mente não consegui manter o pescoço fora da água. O negócio faliu, aceitei o aviso, caí fora. Tenho-me saído bem desde então. Não se pode destruir um homem bom, como você sabe."

Marshall conseguiu descobrir o paradeiro de Rita Jacobson, que agora estava morando em Nova Orleans. Ela não gostou de ser pro­curada por alguém de Ashton.

— Deixe o diabo ficar com essa cidade! — disse ela amargamente. Se ele a quer tanto, deixe-o ficar com ela.

Marshall perguntou-lhe sobre Juleen Langstrat.

— Ela é uma bruxa. Quero dizer uma bruxa de verdade. Ele perguntou acerca de Alexander Kaseph.

— Bruxo e bandido ao mesmo tempo. Fique longe do caminho dele. Ele o enterrará antes mesmo que você o perceba.

Ele tentou fazer-lhe outras perguntas, mas, finalmente, ela disse:

— Por favor, jamais disque este número novamente — e desligou.

Marshall localizou tantos dos antigos membros da câmara munici­pal quantos pôde por telefone e descobriu que um simplesmente se havia aposentado, e que os outros haviam saído devido a algum tipo de dificuldade: Alan Bates contraiu câncer, Shirley Davidson passou por um divórcio e fugiu com um amante, Carl Frohm foi "incrimi­nado", segundo ele, com uma falsa acusação de delinqüência no pagamento de impostos, uma quadrilha de bandidos, a quem Jules Bennington tinha juízo o bastante para não identificar, forçou o seu negócio a sair da cidade. Cruzando as informações, Marshall des­cobriu que em cada caso o vereador fora substituído por alguém novo ligado de alguma forma com a Sociedade de Percepção Universal ou com a Omni S.A. ou com as duas. Em todos os casos a pessoa deposta achava ser a única que estava saindo. Agora, por causa do medo, de interesse próprio, de típica relutância em se envolver, permaneciam distantes, fora de contato, fora do cenário, sem nada dizer. Algumas mostraram-se dispostas a responder às perguntas de Marshall, mas outras sentiram-se muito ameaçadas. No total, porém, Marshall con­seguiu o que procurava.

Quanto àqueles que tinham tido seus próprios negócios, agora dirigidos por essa misteriosa companhia incógnita, pouquíssimos

foram os que haviam planejado vender, mudar-se ou desistir das vidas tranqüilas que levavam em Ashton ou de seus bem-sucedidos empreendimentos. Mas os motivos para a mudança seguiam sempre as mesmas linhas: atrapalhadas nos impostos, hostilidades, boicotes, problemas pessoais, dissolução de casamento, talvez uma moléstia ou colapso nervoso, e uma macabra narrativa ocasional de ocorrên­cias estranhas, talvez até sobrenaturais.

A história do ex-juiz da comarca de Ashton Anthony C. Jefferson era sinistramente típica.

— Começaram a correr boatos pelo tribunal e entre os colegas de que eu estava sendo comprado, sendo subornado para acertar as sentenças e pôr as pessoas em liberdade. Algumas testemunhas falsas chegaram a me confrontar e a fazer acusações, mas isso jamais acon­teceu... juro por tudo o que sou.

— Então pode dizer-me o motivo de ter saído de Ashton? — per­guntou Marshall, quase sabendo que resposta esperar.

— Razões pessoais bem como profissionais. Algumas dessas razões estão comigo até agora e ainda são viáveis o suficiente para limitar o que lhe posso dizer. Posso dizer, contudo, que minha esposa e eu estávamos precisando de mudança. Estávamos ambos sentindo a pressão, ela mais do que eu. Eu estava tendo problemas de saúde. Afinal achamos que o melhor era deixarmos Ashton de vez.

— Posso perguntar, senhor, se houve alguma... influência externa desfavorável... que forçou a sua decisão de deixar a magistratura?

Ele pensou por um momento, e depois, com a voz um tanto amarga, disse:

— Não posso dizer-lhe quem foram, tenho os meus motivos, mas posso dizer que sim, houve influências altamente desfavoráveis.

A última pergunta de Marshall foi:

— E o senhor realmente não me pode dizer nada