Shawn gostava de observar os pardais piando e correndo
atrás de cada
migalha de pão que ele jogava sobre os tijolos.
—
Adoro o modo pelo qual o Universo todo se encaixa — disse ele. — A árvore
cresceu aqui a fim de nos dar sombra, sentamo-nos aqui e comemos e damos comida
para os pássaros que vivem na árvore. Tudo se encaixa.
O conceito fascinou Sandy. Na superfície parecia tão simples,
quase um conto de fadas, mas parte dela estava muito sedenta por esse tipo de
paz.
—
O que acontece quando o Universo não se ajusta? — perguntou. Shawn sorriu.
—
O Universo sempre se encaixa. O problema só surge quando as pessoas não
percebem essa harmonia.
—
Então como você explica os problemas que estou tendo com meus pais?
—
Nenhuma das suas mentes está sintonizada corretamente. É como uma estação de FM no rádio. Se o sinal está fraco e as vozes chiam e soam
intermitentes, não culpe a transmissora, acerte o rádio. Sandy, o Universo é
perfeito. É unificado, harmonioso. A paz, a unidade, a inteireza realmente
existem, e todos nós fazemos parte do Universo; somos feitos da mesma matéria,
por isso não há motivo para não nos ajustarmos com precisão no esquema total
das coisas. Se não nos ajustamos, é porque tomamos a estrada errada em algum
lugar. Estamos fora de contato com a verdadeira realidade.
—
Puxa, acho que sim — murmurou Sandy. — Mas é isso que eu não entendo! Meus pais
e eu supostamente somos cristãos e nos amamos e estamos perto de Deus e tudo o
mais, mas nada fazemos além de discutir sobre quem está certo e quem está
errado.
Shawn riu e assentiu com a cabeça.
—
Sim, sei como são essas coisas. Também já passei por isso.
—
Muito bem, como foi que você resolveu o problema?
—
Consegui resolver só a minha parte do problema. Não posso fazer outras pessoas
mudarem de idéia, apenas eu mesmo. É um pouco difícil de explicar, mas se você
estiver em sintonia com o Universo, umas pequenas peculiaridades que não
estejam em sintonia não a incomodarão tanto. Essas coisas não passam de ilusão
mental, afinal de contas. Assim que você deixar de dar ouvidos às mentiras que
sua mente lhe tem pregado, verá claramente que Deus é grande bastante para
todos e em todos. Ninguém pode colocá-lo dentro de um vidro e guardá-lo só para
si, segundo seus próprios caprichos e idéias.
—
Eu gostaria de encontrá-lo, de verdade. Shawn olhou-a, confortando-a, e
tocou-lhe a mão.
—
Ei, ele não é difícil de encontrar. Somos todos parte dele.
—
O que quer dizer?
—
Bem, é como eu disse, tudo no Universo todo se encaixa; é feito da mesma
essência, do mesmo espírito, da mesma... energia. Certo? — Sandy deu de ombros
e assentiu. — Bem, seja lá qual for o conceito que você tem de Deus, todos nós
sabemos que existe algo: uma força, um princípio, uma energia, que mantém tudo
junto. Se essa força é parte do Universo, então deve ser parte de nós.
Sandy não estava conseguindo entender.
—
Tudo isso é bastante estranho para mim. Pertenço à antiga escola de pensamento
judaico-cristã, como sabe.
—
Então tudo o que já aprendeu é religião, certo? Ela pensou por um momento,
então concordou.
—
Certo.
—
Bem, você entende, o problema com a religião, qualquer religião, é o de ser uma
perspectiva basicamente limitada, apenas uma visão parcial da verdade total.
—
Agora você está parecendo a Langstrat.
—
Oh, acho que ela está certa. Quando se pensa no assunto por tempo suficiente,
faz muito sentido. É como aquela história antiga a respeito dos cegos que
encontraram o elefante.
—
Sim, sim, já a ouvi contar essa história também.
—
Bem, você está vendo? A perspectiva que cada homem tinha do elefante se
limitava à parte que tocava, e como todos tocaram partes diferentes, não
conseguiram chegar a um acordo sobre a verdadeira aparência do elefante.
Brigaram por causa disso, da mesma forma que os religiosos de todos os tempos
têm feito, e tudo o que precisavam perceber era que o elefante era um único
elefante. Não foi culpa do elefante eles não conseguirem chegar a um acordo.
Eles não estavam em sintonia uns com os outros e com o elefante todo.
—
Então, somos todos como aqueles cegos... Shawn assentiu firmemente com a cabeça.
—
Somos como um bando de insetos rastejando pelo chão, sem jamais olhar para
cima. Se a formiga falasse, você poderia perguntar-lhe se ela sabia o que é uma
árvore, e se ela jamais tivesse saído da grama e na realidade chegado a subir
numa árvore, provavelmente argumentaria com você que árvore não existe. Mas
quem está errada? Quem realmente está cega? É assim que somos. Permitimos que
nossa percepção limitada nos engane. Você gosta de Platão?
Sandy riu um pouco e sacudiu a cabeça.
—
Estudei no trimestre passado, e acho que também não entendi nada.
—
Pois olhe, ele teve a mesma iluminação. Calculou que devia existir uma
realidade mais elevada, uma existência ideal, perfeita, da qual tudo o que
vemos é cópia. É mais ou menos como se o que vemos com nossos sentidos
limitados fosse tão limitado, tão imperfeito, tão fragmentado que não
percebemos o Universo da forma como realmente é, todo perfeito, funcionando
suavemente, tudo se ajustando, tudo da mesma essência. Pode-se dizer que a
realidade, como a conhecemos, é apenas uma ilusão, um truque do nosso ego, da
nossa mente, dos nossos desejos egoístas.
—
Tudo isso parece muito distante da realidade.
—
Mas é maravilhoso quando a pessoa consegue entrar nessa. Responde a uma porção
de perguntas e soluciona uma porção de problemas.
—
Se a pessoa conseguir entrar. Shawn inclinou-se para a frente.
—
A pessoa não entra nela, Sandy. Ela já está dentro da pessoa. Pense
nisso por um momento.
—
Não sinto nada dentro de mim...
—
E por que não? Adivinhe!
Ela girou um invisível botão de rádio com os dedos.
—
Não estou sintonizada? Shawn riu com gosto.
—
Certo! Certo! Ouça. O Universo não muda, mas nós podemos mudar; se não estamos
ajustados com ele, se não estamos sintonizados, somos nós que estamos cegos,
que estamos vivendo uma ilusão. Veja, se sua vida está bagunçada, é realmente
uma questão de como você vê as coisas.
Sandy caçoou.
—
Ora, vamos! Não me venha dizer que tudo isso só existe na minha cabeça!
Shawn ergueu a mão em advertência.
—
Ei, não caçoe até ter experimentado —. Olhou novamente para a luz do sol, as
árvores verdes, os pássaros ocupados. — Escute só por um momento.
—
Escutar o quê?
—
A brisa. Os pássaros. Veja aquelas folhas verdes balançando ao vento lá em
cima.
Por um instante, ficaram em silêncio. Shawn falou
mansinho, quase num sussurro:
—
Vamos, admita. Você ainda não sentiu uma espécie de... afinidade com as
árvores, com os pássaros, com quase tudo? Você não acharia falta deles se não
existissem? Você já falou com as plantas?
Sandy assentiu com a cabeça. Shawn estava certo nesse ponto.
—
Ora, não resista porque o que está sentindo é um vislumbre do verdadeiro
Universo, está-se sentindo unida a tudo. Tudo está ajustado, entrelaçado,
entrosado. Ora, já sentiu isso antes, não sentiu?
Ela acenou que sim com a cabeça.
—
Então, é isso que estou tentando mostrar-lhe; a verdade já está dentro de você.
Você é parte dela. Você é parte de Deus. Apenas nunca soube disso. Você não se permitia
saber.
Sandy ouvia os pássaros claramente agora, e o vento parecia quase
melodioso mudando de tom e intensidade nos galhos das árvores. O sol era
cálido, benevolente. De repente ela teve uma sensação muito forte de já haver
estado naquele lugar antes, de ter conhecido essas árvores e esses pássaros.
Eles estavam tentando entrar em contato com ela, conversar com ela.
Então percebeu que pela primeira vez em muitos meses sentia paz
interior. Seu coração descansava. Não era uma paz completa, e ela não sabia se
duraria, mas podia senti-la e sabia que desejava mais.
—
Acho que estou sintonizando um pouquinho — disse. Shawn sorriu e apertou-lhe a
mão encorajadoramente. Entrementes, em pé atrás de Sandy, como que a penteá-la
com movimentos muito suaves, muito sutis de suas garras,
Engano lhe alisava a cabeleira cor de fogo e lhe falava doces palavras de
conforto à
mente.
—
O Remanescente! — disse Tal com uma nota de antecipação, correndo os olhos por
uma lista preliminar que lhe foi apresentada.
Scion, um lutador raivo e sardento das Ilhas Britânicas, explicou o
progresso da busca.
—
Eles estão lã, Capitão, e em número mais do que suficiente, mas são estes os
que com certeza estamos trazendo para participar.
Tal leu os nomes.
—
John e Patrícia Coleman... Scion explicou:
—
Eles estiveram aqui ontem à noite e falaram a favor do pregador. Agora estão
mais a favor dele ainda e caem de joelhos com a maior facilidade. Eles estão
trabalhando.
—
Andy e June Forsythe.
—
Ovelhas perdidas, pode-se dizer. Deixaram a Cristã Unida de Ashton por causa de
pura fome. Vamos trazê-los à igreja amanhã. Têm um filho, Ron, que está
buscando o Senhor. Um pouco extraviado por enquanto, mas está começando a se
entediar do que faz.
—
E muitos outros, pelo que vejo — disse Tal com um sorriso, e entregou a lista a
Guilo. — Designe alguns dos que chegaram recentemente para cuidarem do pessoal
desta lista. Tragam essa gente para a igreja. Quero que todos estejam orando.
Guilo tomou a lista e conferenciou com diversos dos
novos guerreiros.
—
E os parentes, amigos em outros lugares? — perguntou Tal a Scion.
—
Um número mais do que suficiente já está redimido e pronto para orar. Devo enviar
emissários a fim de incumbi-los dessa responsabilidade?
Tal meneou a cabeça.
—
Não posso permitir que guerreiro algum se ausente por muito tempo. Em vez
disso, envie mensageiros aos guardiões das cidades dessas pessoas, e incumbam
os guardiões de fazê-las sentir a responsabilidade de orar pelos seus queridos
daqui.
—
Feito.
Scion pôs mãos à obra, designando mensageiros que prontamente
desapareceram no cumprimento de suas missões.
Guilo também havia enviado os seus guerreiros e estava excitado
em ver a campanha em ação.
—
Gosto da sensação que isto me dá, capitão.
—
É um bom começo — disse Tal.
—
E Rafar? Acha que ele desconfia da sua presença aqui?
—
Nós dois nos conhecemos muito bem.
—
Então ele estará esperando briga, e logo.
—
Justamente o motivo pelo qual não vamos brigar, pelo menos por enquanto. Não
até que a cobertura de orações seja suficiente e saibamos por que Rafar está
aqui. Ele não é príncipe de cidadelas, mas de impérios, e jamais viria por uma
tarefa abaixo do seu orgulho. O que já vimos é muito menos do que o inimigo
planejou. Como vai o Sr. Hogan?
—
Ouvi dizer que o demoniozinho Complacência foi banido por ter fracassado e que
o Baal está furioso.
Tal riu-se.
—
Hogan reviveu como uma semente em hibernação. Natã! Armote! — Eles apareceram
imediatamente. — Vocês têm mais guerreiros agora. Levem quantos precisarem
para cercar Marshall Hogan. Maiores números podem intimidar onde espadas não
podem.
Guilo estava visivelmente indignado e olhou anelante a
espada embainhada. Tal advertiu:
—
Ainda não, bravo Guilo. Ainda não.
—
Esteja no escritório às sete da noite, temos trabalho a fazer. Agora, às
7:10hs, o resto do escritório do Clarim estava deserto e escuro. Marshall e Berenice estavam na sala dos fundos, desencavando dos
arquivos antigas edições. Ted Harmel havia sido muito meticuloso: a maior parte dos números
antigos estavam arrumados cuidadosamente em enormes pastas.
—
Quando Harmel foi expulso da cidade? — perguntou Marshall dando uma olhada
rápida em diversas páginas antigas de uma edição passada.
—
Cerca de um ano — respondeu Berenice, trazendo mais pastas para a grande mesa
de trabalho. — O jornal operou com uma equipe reduzida durante meses antes de
você comprá-lo. Edie, Tom, eu e alguns dos alunos de jornalismo da faculdade o
mantivemos vivo. Algumas edições foram boas, outras saíram com cara de jornal
estudantil.
—
Como esta aqui?
Berenice viu a edição de agosto.
—
Ficaria grata se você não a examinasse muito de perto. Marshall voltou as
páginas de trás para a frente.
—
Quero ver os jornais até a época em que Harmel foi embora.
—
Está bem. Ted se foi no fim de julho. Aqui estão junho... maio... abril. Mas o
que você está procurando?
—
O motivo pelo qual o expulsaram.
—
Você conhece a história, naturalmente.
—
Brummel diz que ele molestou uma menina.
—
Sim, Brummel diz um monte de coisas.
—
Bem, molestou ou não?
—
A menina disse que sim. Ela tinha mais ou menos doze anos, acho, filha de um
dos diretores da faculdade.
—
Qual deles?
Berenice sondou o cérebro, e finalmente forçou a lembrança a sair.
—
Jarred. Adam Jarred. Acho que ele ainda está lá.
—
Ele consta da lista que você conseguiu com Darr?
—
Não. Mas talvez devesse constar. Ted conhecia Jarred muito bem. Os dois
costumavam ir pescar juntos. Ele conhecia a filha, tinha freqüente acesso a
ela, o que ajudou o caso contra ele.
—
Então por que ele não foi processado?
—
Acho que a coisa nunca chegou a esse ponto. Ele foi indiciado perante o juiz
distrital...
—
Baker?
—
Sim, que consta da lista. O caso foi discutido no gabinete do juiz e
aparentemente fizeram um acordo. Ted se foi alguns dias depois.
Marshall deu um tapa raivoso na mesa.
—
Puxa vida, gostaria de não ter deixado aquele sujeito escapar. Você não me
disse que estaria metendo o punho num ninho de vespas.
—
Eu não sabia muita coisa a respeito.
Marshall continuou correndo os olhos pela página à sua frente;
Berenice examinava a edição do mês anterior.
—
Você disse que tudo isso explodiu em julho?
—
Do meio para o fim de julho.
—
O jornal quase nada diz sobre o assunto.
—
É claro, Ted não ia publicar nada contra si mesmo, obviamente. Além disso, nem
precisou; sua reputação estava em frangalhos, afinal de contas. Nossa
circulação caiu criticamente. Diversas semanas se passaram sem pagamento algum.
—
O que é isto?
Os olhos dos dois convergiram para uma carta ao redator
num número de
sexta-feira do começo de julho.
Marshall correu rapidamente os olhos por ela,
murmurando enquanto lia:
"Devo expressar minha indignação pelo tratamento injusto
que este conselho diretor vem recebendo por parte da imprensa local... Os
recentes artigos publicados pelo Clarim de Ashton constituem nada menos
do que impudente mau uso da imprensa, e esperamos que nosso redator local seja
profissional o bastante para averiguar os fatos de agora em diante antes de
imprimir quaisquer outras insinuações infundadas..."
—
Sim! — animou-se Berenice, recordando-se. — Essa foi uma carta de Eugene Baylor
—. Então ela bateu as mãos nos dois lados do rosto e exclamou:—Oh...! Aqueles
artigos! — Berenice começou a voltar apressadamente os números contidos na
pasta de junho. — Sim, aqui está um.
A manchete dizia: "STRACHAN PEDE AUDITORIA".
Marshall leu a primeira sentença: "A despeito de contínua oposição do conselho diretor
da Faculdade Whitmore, o deão da faculdade Eldon Strachan pediu hoje uma
auditoria de todas as contas e investimentos da Faculdade Whitmore, expressando
ainda sua preocupação quanto a recentes alegações de má administração de
fundos."
Os olhos de Berenice rolaram para cima e fitaram os céus enquanto ela dizia:
—
Barbaridade, isto pode ser mais do que um ninho de vespas! Marshall leu um
pouco adiante: "Strachan afirmou haver prova mais do que adequada para justificar uma auditoria mesmo que seja cara e
prematura, segundo o conselho diretor ainda mantém." Berenice explicou:
—
Sabe, não prestei muita atenção quando isso tudo estava acontecendo. Ted era
um tipo agressivo, já havia irritado muita gente antes, e isto parecia apenas
outra coisa política de rotina. Eu não passava de uma repórter na inócua equipe
dos assuntos de interesse humano... que me importava tudo isto?
—
Então — disse Marshall — o deão da faculdade meteu-se em apuros com os
diretores. Parece ter sido um verdadeiro feudo.
—
Ted era muito amigo de Eldon Strachan. Ele tomou partido e os diretores não
gostaram. Aqui está outro, de apenas uma semana mais tarde.
Marshall leu: "DIRETOR MALHA STRACHAN. Eugene
Baylor, membro do Conselho Diretor e tesoureiro geral da Faculdade Whitmore,
acusou hoje o Deão Eldon Strachan de malicioso ataque político, afirmando que Strachan
está usando métodos deploráveis e antiéticos a fim de promover sua própria
dinastia dentro da administração da faculdade." Mais
do que um arrufo inofensivo entre amigos.
—
Pelo que sei, o negócio ficou feio, bem feio. E Ted provavelmente meteu o nariz
um pouco além do que devia. Começou a levar chumbo cruzado.
—
Daí a carta irritada de Eugene Baylor.
—
Além de pressão política, com certeza. Strachan e Ted fizeram muitas reuniões e
Ted estava descobrindo muita coisa, talvez demais.
—
Mas você não tem detalhes...
Berenice ergueu as mãos aos céus e meneou a cabeça.
—
Temos estes artigos, o número do telefone de Ted e a lista.
—
É — disse Marshall, pensativo — a lista. Uma porção dos diretores estão nela.
—
Além do Delegado de polícia e do juiz distrital que arruinou Ted.
—
E que fim levou Strachan?
—
Demitido.
Berenice repassou outras antigas edições do Clarim. Uma página
solta saiu voando e caiu ao chão. Marshall a apanhou. Algo atraiu-lhe a atenção
e ele correu os olhos pela página até que Berenice encontrou o que estava
procurando, um artigo publicado em fins de junho.
—
Sim, aqui está a reportagem — disse ela. — "STRACHAN DEMITIDO. Citando
conflitos de interesse e incompetência profissional como motivos, o conselho
diretor da Faculdade Whitmore exigiu hoje por unanimidade o pedido de demissão
do Deão Eldon Strachan."
—
Um artigo não muito longo — comentou Marshall.
—
Ted publicou porque tinha de fazê-lo, mas é óbvio que evitou dar qualquer
detalhe injurioso. Ele acreditava firmemente que a causa de Strachan era justa.
Marshall continuou a repassar as páginas.
—
O que é isto aqui? "WHITMORE PODE ESTAR DEVENDO MILHÕES, DIZ
STRACHAN" —. Marshall leu o artigo cuidadosamente. — Espere um pouco, ele
diz que a faculdade pode estar em grandes dificuldades, mas não diz como sabe
disso.
—
O negócio foi saindo um pedacinho aqui, outro ali. Nunca chegamos a conseguir
toda a informação até Strachan e Ted serem silenciados.
—
Mas milhões... estamos falando em dinheiro grosso.
—
Mas você vê como tudo se encaixa?
—
É. Os diretores, o juiz, o Delegado de polícia, Young, o tesoureiro, e sabe lá
quem mais, todos ligados a Langstrat e muito quietos a esse respeito.
—
E não se esqueça de Ted Harmel.
—
É, ele também não fala do assunto. Isto é, não fala mesmo. O cara está
mais assustado do que peru em véspera de Natal. Mas ele não foi um membro muito
fiel do grupo, se tomou o partido de Strachan contra os diretores.
—
Foi por isso que o riscaram do mapa, por assim dizer, juntamente com Strachan.
—
Talvez. Por enquanto, temos uma teoria que, por sinal, está bem confusa.
—
Mas temos uma teoria, e a minha ida para a cadeia segue o padrão.
—
Certinho demais por enquanto — pensou Marshall em voz alta. — Precisamos estar
cientes do que estamos dizendo. Estamos falando de corrupção política, abuso de
processo, extorsão, quem sabe o que mais? É melhor estarmos bem seguros do que
estamos fazendo.
—
O que era aquela página ali que caiu?
—
Hein?
—
Aquela que você pegou.
—
Hum. Estava fora de lugar. A data é antiga, de janeiro. Berenice apanhou a
pasta apropriada na prateleira do arquivo.
—
Não quero que os arquivos se misturem — ei, por que você a dobrou toda?
Marshall deu levemente de ombros, fitou-a com muita
brandura e desdobrou a página.
—
Contém um artigo a respeito da sua irmã — disse ele.
Ela apanhou a página que ele segurava e olhou o artigo noticioso. O
título dizia "A MORTE DE KRUEGER CLASSIFICADA DE SUICÍDIO". Ela
abaixou rapidamente a folha.
—
Achei que você não iria querer lembrar-se — disse ele.
—
Eu já a vi antes — disse ela abruptamente. — Tenho uma cópia lá em casa.
—
Eu acabei de ler o artigo.
—
Eu sei.
Ela tirou outra pasta, abrindo-a sobre a mesa.
—
Marshall — disse ela — é melhor você ficar sabendo tudo a esse respeito. O
assunto pode surgir novamente. O caso não está resolvido em minha cabeça, e tem
sido uma batalha muito difícil para mim.
Marshall suspirou e disse:
—
Foi você quem começou isto, não se esqueça.
Berenice manteve os lábios apertados e o corpo reto. Estava tentando ser uma
máquina desinteressada.
Ela apontou para a primeira história, com data de meados de
janeiro: "MORTE BRUTAL NO CAMPUS".
Marshall leu em silêncio. Não estava preparado para os horríveis detalhes.
—
A história não está totalmente correta — comentou Berenice em tom de voz muito
velado. — Eles não encontraram Pat em seu próprio dormitório; ela estava num
quarto desocupado mais adiante no corredor. Parece que algumas das garotas
usavam esse quarto para ficarem sozinhas quando queriam estudar e havia muito barulho
no andar. Ninguém sabia onde ela estava até que alguém viu o sangue escorrendo
por baixo da porta... — A voz falhou e ela fechou com força a boca.
Patrícia Elizabeth Krueger, de dezenove anos, fora encontrada em
um dormitório, nua e morta, a garganta cortada. Não havia sinais de luta, a
faculdade toda estava em estado de choque, não havia testemunhas.
Berenice achou outra página e outra manchete: "NENHUM INDÍCIO NA MORTE
DE KRUEGER". Marshall leu rapidamente, sentindo cada vez mais estar
invadindo uma área muito sensível que não lhe dizia respeito. O artigo
declarava que nenhuma testemunha se havia apresentado, ninguém tinha visto ou
ouvido coisa alguma, não havia nenhum indício de quem o assaltante poderia ser.
—
E você leu o último — disse Berenice. — Eles finalmente classificaram de
suicídio. Decidiram que minha irmã se havia despido e cortado a própria
garganta.
Marshall mostrou-se incrédulo.
—
E ficou por isso mesmo?
—
Ficou por isso mesmo.
Marshall fechou a pasta de mansinho. Ele nunca vira Berenice
parecer tão
vulnerável. A destemida repórter que não se deixava intimidar em uma cela cheia
de prostitutas estava com uma parte de si ainda desnuda e ferida além de
qualquer bálsamo. Ele colocou gentilmente a mão nos ombros da moça.
—
Sinto muito — disse.
—
É por isso que eu vim para cá, como você sabe —. Ela enxugou os olhos com os
dedos e apanhou um lenço de papel para assoar o nariz. — Eu... simplesmente não
consegui deixar as coisas como estavam. Eu conhecia Pat. Conhecia-a melhor do
que qualquer outra pessoa. Ela não era do tipo de gente que faz uma coisa
dessas. Era feliz, bem ajustada, gostava da faculdade. Pelas cartas, parecia
estar bem.
—
Por quê... por que não guardamos tudo e damos a noite por encerrada?
Berenice fez que não ouviu a sugestão.
—
Examinei a disposição do dormitório, o quarto onde ela morreu, a lista dos
nomes de todas as moças que moravam no prédio; conversei com todas elas. Verifiquei os laudos policiais, o laudo do legista,
examinei todos os pertences de Pat. Tentei encontrar a companheira de quarto
de Pat, mas ela já tinha ido embora. Ainda não consigo me lembrar do seu nome. Vi-a uma vez
apenas quando fui lá fazer uma visita.
—
Afinal, resolvi ficar por aqui, arrumar um emprego, esperar e ver o que
acontecia. Eu tinha certa experiência em jornalismo, não foi difícil conseguir
o emprego.
Marshall colocou o braço em torno dos ombros da moça.
—
Bem, ouça. Eu a ajudarei de qualquer maneira que puder. Não precisa carregar
todo esse negócio sozinha.
Ela se descontraiu um pouco, recostando-se contra ele
apenas o suficiente para mostrar que sentia o abraço.
—
Não quero amolar.
—
Você não está amolando. Escute, assim que se sentir preparada, podemos repassar
tudo, examinar tudo de novo. Pode haver ainda alguma pista em algum canto.
Berenice sacudiu os punhos e choramingou:
—
Se ao menos eu conseguisse ser mais objetiva!
Marshall envolveu-a com um risinho gentil, confortante,
e um aperto amistoso.
—
Bem, talvez eu possa cuidar dessa parte. Você está-se saindo bem, Bernie.
Agüente um pouco mais.
Ela era uma boa menina, pensou Marshall e, tanto quanto
conseguia recordar-se, essa fora a primeira vez que a tocara.