sexta-feira, 7 de maio de 2021

Este mundo tenebroso - volume 01 - Capítulo 39


 Seguindo as instruções de Juleen Langstrat, todos os mé­diuns sorridentes, juntamente com Sandy e Shawn, aco­modaram-se confortavelmente nas cadeiras e sofás macios, dispostos em tosco círculo em volta da sala.

— Este é um dia significativo — disse Langstrat calidamente.

— Sim, é verdade! — disse Young.

Os outros também concordaram. Sandy devolveu-lhes os sorrisos. Estava muito impressionada com a reverência que todos pareciam ter por essa extraordinária mulher, essa extraordinária pioneira.

Langstrat assumiu a posição de loto na grande cadeira em que estava sentada à testa do grupo. Diversos outros que tinham o desejo e a flexibilidade imitaram-na. Sandy apenas descontraiu-se onde estava, acomodando-se no sofá e reclinando a cabeça de encontro ao encosto.

— Nosso propósito aqui é o de combinar nossas energias psíquicas a fim de garantir o sucesso do empreendimento de hoje. Nossa tão esperada meta breve será realizada: o campus da Faculdade Whit­more, e depois dele toda a cidade de Ashton, vão tornar-se parte da Nova Ordem do Mundo.

Todos na sala começaram a aplaudir. Sandy também aplaudiu, embora não soubesse de fato de que Langstrat falava. Não obstante, era algo que parecia vagamente familiar. Fora seu próprio pai quem havia dito algo acerca da existência de gente que desejava tomar a cidade? Oh, mas ele não podia ter falado sobre a mesma coisa!

— Tenho um maravilhoso novo Mestre Elevado para lhes apre­sentar — disse Langstrat, e os rostos em toda a volta da sala se iluminaram com excitação e expectativa. — Ele viveu muito e viajou a lugares longínquos, e adquiriu a sabedoria de diversas eras. Veio a Ashton a fim de supervisionar este projeto.

— Damos-lhe as boas vindas — disse Young. — Como se chama?

— Seu nome é Rafar. É um príncipe da Antigüidade, e já reinou sobre a antiga Babilônia. Viveu muitas vidas, e agora retorna com o propósito de nos permitir beneficiar com a sua sabedoria —. Langstrat fechou os olhos e respirou profundamente. — Chamemo-lo, e ele nos falará.

Sandy podia sentir um mal-estar na boca do estômago. Achou que estava gelada. Os arrepios nos braços eram suficientemente reais. Mas ela colocou essas sensações sob controle, fechou os olhos, e começou sua própria descontração, ouvindo atenta o som da voz de Langstrat.

Os outros também se descontraíram e entraram em transe pro­fundo. Durante um momento, a sala ficou em silêncio exceto pelos profundos fôlegos inalados e exalados por todos os presentes. Então o nome se formou nos lábios de Langstrat.

— Rafar. . . Todos ecoaram:

— Rafar. . .

Langstrat chamou o nome outra vez, e continuou chamando, e os outros deixaram que seus pensamentos se afunilassem àquele único nome enquanto o repetiam baixinho.

 Rafar estava em pé ao lado da grande árvore morta, observando exultante a nuvem espalhar-se sobre a cidade. Ao som do chamado, seus olhos se entrefecharam com uma expressão muito astuciosa e sua boca distendeu-se lentamente num riso que pôs as presas à mos­tra.

— As peças estão-se encaixando agora — disse. Voltando-se para um auxiliar, perguntou:

— Alguma notícia do Príncipe Lucius? O auxiliar relatou satisfeito:

— O Príncipe Lucius diz que averiguou todas as frentes e não encontrou nenhum problema ou resistência.

Rafar agitou dez demônios monstros com um repassar da asa, e eles se reuniram ao seu lado num instante.

— Venham — disse ele — terminemos este negócio.

As asas de Rafar agitaram-se para baixo, e ele arremeteu ao ar, seus dez capangas seguindo-o como guarda de honra real. Bem acima, a nuvem estendia-se pelo céu como um dossel opressivo a bloquear a luz, sua sombra do mal e das trevas espirituais caindo sobre a cidade. Enquanto Rafar deslizava sobre Ashton num arco elevado, podia olhar para cima e ver as miríades de olhos amarelos e as espadas rubras acenando em saudação. Ele acenou de volta com a própria espada, e eles soltaram brados de júbilo, suas incontáveis espadas agitando-se para baixo como um campo invertido de trigo rubro agitado pelo vento. Eles encheram o ar de enxofre.

À frente e muito abaixo, encontrava-se o campus Whitmore, a mais madura das ameixas. Rafar diminuiu a rotação das asas e começou a descer na direção do Prédio da Administração.

Enquanto descia, viu a grande limusine que levava o Valente subir pela entrada circular e parar em frente da porta do prédio. O quadro encheu-o de excitação. Chegara o momento! Ele e os demônios acom­panhantes sumiram através do teto do prédio no exato momento em que o Valente e seu hospedeiro humano emergiam do carro.. . e um pouco antes da hora em que veria uma fila de carros não muito distantes daquela limusine, agora encontrando lugares de estacio­namento aqui, ali e em toda a parte.

Alf Brummel saiu de chofre do seu carro. Postou-se apenas um instante, criando coragem, e em seguida dirigiu-se à porta principal do prédio com passos rígidos, nervosos.

Marshall estacionou seu carro, e os cinco ocupantes desceram. À volta toda podiam ouvir portas de carros batendo enquanto o Re­manescente encontrava lugares para estacionar e então se reuniam.

— Brummel não parece muito contente — observou Marshall. Os outros quatro olharam a tempo de ver Brummel entrar pela porta da frente.

— Talvez ele vá avisar Kaseph — disse Berenice.

— E então, onde estão os nossos amigos poderosos? — perguntou Marshall.

— Não se preocupe... pelo menos não muito. Eles disseram que estariam aqui.

Susan disse:

— Estou certa de que a reunião deverá ocorrer na sala de confe­rência do terceiro andar. É onde o conselho diretor geralmente se reúne.

— E onde posso encontrar Sandy? — perguntou Marshall. Susan meneou a cabeça.

— Isso não sei.

Eles se apressaram na direção do prédio, e de todos os lados o Remanescente convergiu à escadaria da frente.

 Lucius podia sentir a tensão no ar, como se fosse uma enorme argola de elástico esticada ao limite e prestes a arrebentar-se. Enquanto descia silenciosamente do céu e pousava no teto do prédio Ames Hall, do outro lado do pátio do Prédio da Administração, ele podia ver que a nuvem ainda estava abaixando seu perímetro, estirando espessa cortina em volta de toda a cidade. A atmosfera tornava-se pesada e sufocante com a presença de tantos espíritos fétidos.

De súbito, ele ouviu frenético adejar atrás de si e voltando-se, viu um demoniozinho sentinela, vil criatura, um fofoqueiro, alçando vôo a fim de lhe falar.

— Príncipe Lucius, há gente reunindo-se lá embaixo! Eles não são dos nossos! São santos de Deus! — arquejou a coisinha.

Lucius irritou-se.

— Eu tenho olhos, insetozinho! — sibilou ele. — Não lhes preste atenção.

— Mas e se eles começarem a orar?

Lucius agarrou o demoniozinho por uma asa, e ele pôs-se a esvoaçar em patéticos e diminutos círculos da ponta do braço do prín­cipe.

— Você, fique calado!

— Rafar precisa saber!

— Silêncio!

A criaturinha aquietou-se, e Lucius a levou à orla do teto para breve lição.

— E daí se eles orarem? — disse Lucius em tom paternal. — Isso os ajudou até agora? Atrapalhou um pouco que seja o nosso pro­gresso? E você já viu o poder e a força de Baal Rafar, não viu? — Lucius não pôde evitar o tom sarcástico com o qual acrescentou:

— Você sabe que Rafar é todo-poderoso, e imbatível, e não precisa da nossa ajuda! — O demoniozinho ouvia com os olhos esbugalhados. — Não amolemos o grande Baal Rafar com nossas preocupações insignificantes! Ele pode cuidar deste empreendimento... sozinho!

 Tal permaneceu firme e continuou a vigiar. Guilo foi ficando cada vez mais irrequieto, andando de um lado para outro, olhando de uma ponta da cidade à outra.

— Logo o perímetro estará inteiramente circunscrito — disse ele. — Eles terão envolvido a cidade toda, e não haverá escape.

— Escape? — disse Tal, o sobrolho erguido.

— Puramente uma consideração tática — replicou Guilo, dando de ombros.

— O momento está-se aproximando muito rápido agora — disse Tal, olhando na direção da faculdade. — Em apenas alguns minutos, todos os jogadores estarão em seus lugares.

 Os demônios na sala de conferência podiam senti-lo chegando, e prepararam-se. Os pêlos de seus braços, nucas e costas se arrepiaram. Uma escuridão, uma rastejante nuvem de maldade vinha descendo pelo corredor. Rapidamente, cada qual se inspecionou a fim de as­segurar-se de que nada estivesse fora do lugar, que sua aparência estivesse impecável.

A porta se abriu. Em respeito e homenagem, eles se postaram rígidos.

E lá estava ele, o Valente, que nada ficava a dever ao mais horrendo pesadelo.

— Boa tarde a vocês — disse ele.

— Boa tarde ao senhor — responderam a Alexander Kaseph os diretores e advogados enquanto ele entrava na sala e começava a apertar-lhes as mãos.

 Alf Brummel não tinha o menor desejo de encontrar-se com Alex­ander Kaseph. Até esperou a fim de tomar um elevador diferente. Quando o elevador se deteve no terceiro andar, ele espiou para ver se havia alguém por lá antes de sair. Somente depois de ter ouvido o estalido que a grande porta da sala de conferências mais adiante no corredor fez ao fechar-se foi que se pôs a caminhar pelo corredor, dirigindo-se muito silencioso à Sala 326.

Ele se deteve por um momento à porta, escutando atentamente. Estava muito quieto lá dentro. A sessão devia estar em progresso. Muito devagar, ele girou a maçaneta e abriu a porta apenas o sufi­ciente para enxergar dentro do aposento. Sim, lá estava a Langstrat meditando, os olhos cerrados. Era a única com quem Brummel se preocupava, e no momento ela não estava olhando.

Entrando na sala silenciosamente, ele encontrou uma cadeira na metade do círculo que rodeava Langstrat. Correu os olhos à sua volta, avaliando a situação. Sim, estavam chamando um certo guia espírito. Ele jamais ouvira esse nome específico antes. Essa entidade devia ser um novo personagem trazido ao projeto desse dia.

Oh, não. Lá estava Sandy Hogan, também meditando. Ela também estava chamando o nome. Bem, Brummel, o que você faz agora?

 No lado de fora, o Remanescente estava pronto para receber ordens. Hank e Marshall deram-lhes um muito resumido relatório da presente situação, e a seguir Hank concluiu:

   Nós de fato não sabemos o que vamos encontrar lá dentro, mas sabemos que precisamos entrar, ao menos para ver se conseguimos localizar Sandy. Não há dúvida de que esta é uma batalha espiritual, por isso sabem o que todos têm de fazer.

Todos sabiam, e estavam prontos. Hank continuou:

— Andy, gostaria que você, Edith e Mary tomassem conta aqui e dirigissem as orações e a adoração. Eu entrarei com Marshall e os outros.

Marshall conferenciou com Berenice.

— Fique aqui para ver quando os nossos visitantes chegarem. Nós outros entraremos e tentaremos descobrir onde essa reunião está ocorrendo.

Marshall, Hank, Kevin e Susan entraram no prédio. Berenice di­rigiu-se a um lugar vazio nos degraus e sentou-se para vigiar e esperar. Não podia deixar de observar o Remanescente. Havia algo a respeito daquelas pessoas que lhe trazia uma sensação muito familiar, e muito... bem, muito maravilhosa.

 Rafar e seus dez acompanhantes haviam estado na sala por um bom tempo a esta altura, apenas ouvindo e observando. Afinal, Rafar chegou por trás de Langstrat e cravou bem fundo as garras no crânio da mulher. Ela se contorceu e pareceu sufocada por um instante e então, aos poucos, de forma horrenda, sua fisionomia assumiu indubitavelmente as expressões do próprio Príncipe da Babilônia.

— Deveeeeras! — disse a voz grave e gutural de Rafar saindo da garganta de Langstrat.

Todos no aposento se estremeceram. Diversos olhos se abriram com um sobressalto, e depois se arregalaram ao darem com Langstrat, os olhos esbugalhados, os dentes à mostra, as costas arqueadas como um leão de bote armado. Brummel só podia encolher-se e desejar poder desaparecer na cadeira antes que aquela coisa o notasse. Mas ela estava fitando Sandy, babando.

— Deveeeeras! — disse novamente a voz. — Vocês se reuniram a fim de verem seu sonho verdadeiramente realizado? Será feito! — A criatura sentada na cadeira apontou um dedo torto a Sandy. — E quem é essa nova participante na busca da sabedoria oculta?

— S... Sandy Hogan — respondeu ela, os olhos ainda fechados. Estava com medo de abri-los.

— Fiquei sabendo que você tem andado por muitos caminhos com sua instrutora Madeline.

— Sim, Rafar, é verdade.

— Desça dentro de si de novo, Sandy Hogan, e Madeline a encon­trará aí. Esperaremos.

Sandy teve apenas uma fração de segundo em que perguntar-se como conseguiria descontrair-se o suficiente para chegar a um estado alterado. Então um espírito limboso atrás dela, com cara de morte, agarrou-lhe a cabeça com a mão ossuda, e ela afundou imediata­mente. Seus olhos rolaram para cima, ela murchou na cadeira, e sentiu seu corpo se dissolvendo, juntamente com seus pensamentos racionais e os temores que a incomodavam. Todas as sensações ex­ternas começaram a se desvanecer, e ela flutuava em puro e extático nada. Ouviu uma voz, muito conhecida.

— Sandy — chamou a voz.

— Madeline — respondeu ela. — Já vou!

Madeline apareceu das profundezas de um túnel sem fim, flu­tuando em sua direção, os braços estendidos. Sandy dirigiu-se ao túnel a fim de encontrar-se com ela. Madeline entrou em foco, os olhos brilhantes, o sorriso como cálida luz do sol. Suas mãos se encontraram e se agarraram com força.

— Bem-vinda! — disse Madeline.

Alf Brummel viu tudo acontecer. Podia ver a expressão aboba­lhada, extática no rosto de Sandy. Eles iam tomá-la! Tudo o que podia fazer era sentar-se a remexer-se e tremer e suar.

 Lucius flutuou silenciosamente através do teto do Prédio da Ad­ministração e pousou no terceiro andar, recolhendo as asas atrás de si. Podia ouvir Rafar berrando e se vangloriando na sala dos professores; podia ouvir o Valente repassando os comentários preliminares na sala de conferência. Até aí, nenhum temor ou suspeita.

Ouviu o elevador se abrir adiante no corredor e depois os passos de diversas pessoas. Sim, devia ser Hogan, o cão de caça, e o homem de oração, Busche, e a pessoa que o Valente mais detestaria ver com vida: a Serva.

De repente houve um agitar de asas e frenético arquejar. Um de­mônio arremeteu pelo corredor em sua direção, as asas vibrando, a cara cheia de terror.

— Príncipe Lucius! — gritou ele. — Traição! Fomos logrados! Ho­gan e Busche estão livres! A Serva está viva! Weed está vivo!

— Silêncio! — advertiu Lucius.

Mas o demônio apenas continuou a arenga:

— Os santos estão reunidos e orando! Precisa avisar o Baal...

O palavrório do demônio cessou abruptamente em um gorgolejar sufocado, e ele fitou Lucius com os olhos cheios de horror e per­guntas. Ele começou a encolher. Suas garras tentavam alcançar Lu­cius no esforço de manter-se reto. Lucius puxou a espada da barriga do demônio e revolveu-a num arco chamejante através do seu corpo evanescente. O demônio desintegrou-se, dissolvido numa lufada de fumaça vermelha.

 Do lado de fora, nos degraus da frente, enquanto transeuntes olha­vam e pasmavam, o Remanescente orava.

 Sandy podia ver outros belos seres saindo do túnel atrás de Ma­deline.

— Oh... — perguntou ela — quem são?

— Novos amigos — disse Madeline. — Novos espíritos guias que a levarão cada vez mais alto.

 Alexander Kaseph começou a trocar documentos e contratos im­portantes com os diretores e advogados. Estavam discutindo os pe­queninos detalhes que precisavam ser acertados. A maioria era de pouca importância. Não demoraria muito.

 A nuvem enfim completou o cerco em torno da cidade de Ashton. Tal e sua companhia encontraram-se presos debaixo de espessa e impenetrável tenda de demônios. As trevas espirituais tornaram-se profundas e opressivas. Era difícil respirar. O zumbido constante de asas parecia permear todas as coisas.

De repente, Guilo sussurrou:

— Estão descendo!

Todos os olhares se ergueram e puderam divisar o teto de demô­nios, aquele cobertor negro tinto de fervilhante vermelho e amarelo, começando a assentar, chegando cada vez mais perto da cidade. Logo Ashton estaria soterrada.

Diversos carros estavam dobrando a Rua da Faculdade. O primeiro deles levava o Promotor Municipal Justin Parker, o segundo Eldon Strachan e o Secretário da Justiça Norm Mattily, o terceiro Al Lemley e três agentes da polícia federal. Quando passavam por uma intersecção, um quarto veículo dobrou à direita e juntou-se ao cortejo. Esse era o carro que transportava o fiel e leal contador Harvey Cole, com considerável pilha de papéis ao seu lado no assento.

 Tal segurava agora uma trombeta dourada na mão, agarrando-a com muita força, cada músculo e cada tendão retesados. — Preparem-se! — ordenou ele.