— Este é um dia significativo
— disse Langstrat calidamente.
— Sim, é verdade! — disse
Young.
Os outros também concordaram.
Sandy devolveu-lhes os sorrisos. Estava muito impressionada com a reverência
que todos pareciam ter por essa extraordinária mulher, essa extraordinária
pioneira.
Langstrat assumiu a posição
de loto na grande cadeira em que estava sentada à testa do grupo. Diversos
outros que tinham o desejo e a flexibilidade imitaram-na. Sandy apenas
descontraiu-se onde estava, acomodando-se no sofá e reclinando a cabeça de
encontro ao encosto.
— Nosso propósito aqui é o de
combinar nossas energias psíquicas a fim de garantir o sucesso do
empreendimento de hoje. Nossa tão esperada meta breve será realizada: o campus
da Faculdade Whitmore, e depois dele toda a cidade de Ashton, vão tornar-se
parte da Nova Ordem do Mundo.
Todos na sala começaram a
aplaudir. Sandy também aplaudiu, embora não soubesse de fato de que Langstrat
falava. Não obstante, era algo que parecia vagamente familiar. Fora seu próprio
pai quem havia dito algo acerca da existência de gente que desejava tomar a
cidade? Oh, mas ele não podia ter falado sobre a mesma coisa!
— Tenho um maravilhoso novo
Mestre Elevado para lhes apresentar — disse Langstrat, e os rostos em toda a
volta da sala se iluminaram com excitação e expectativa. — Ele viveu muito e
viajou a lugares longínquos, e adquiriu a sabedoria de diversas eras. Veio a
Ashton a fim de supervisionar este projeto.
— Damos-lhe as boas vindas —
disse Young. — Como se chama?
— Seu nome é Rafar. É um príncipe
da Antigüidade, e já reinou sobre a antiga Babilônia. Viveu muitas vidas, e
agora retorna com o propósito de nos permitir beneficiar com a sua sabedoria —.
Langstrat fechou os olhos e respirou profundamente. — Chamemo-lo, e ele nos
falará.
Sandy podia sentir um
mal-estar na boca do estômago. Achou que estava gelada. Os arrepios nos braços
eram suficientemente reais. Mas ela colocou essas sensações sob controle,
fechou os olhos, e começou sua própria descontração, ouvindo atenta o som da
voz de Langstrat.
Os
outros também se descontraíram e entraram em transe profundo. Durante um
momento, a sala ficou em silêncio exceto pelos profundos fôlegos inalados e
exalados por todos os presentes. Então o nome se formou nos lábios de
Langstrat.
— Rafar. . . Todos ecoaram:
— Rafar. . .
Langstrat chamou o nome outra
vez, e continuou chamando, e os outros deixaram que seus pensamentos se
afunilassem àquele único nome enquanto o repetiam baixinho.
— As peças estão-se
encaixando agora — disse. Voltando-se para um auxiliar, perguntou:
— Alguma notícia do Príncipe
Lucius? O auxiliar relatou satisfeito:
— O Príncipe Lucius diz que
averiguou todas as frentes e não encontrou nenhum problema ou resistência.
Rafar agitou dez demônios
monstros com um repassar da asa, e eles se reuniram ao seu lado num instante.
— Venham — disse ele —
terminemos este negócio.
As asas de Rafar agitaram-se
para baixo, e ele arremeteu ao ar, seus dez capangas seguindo-o como guarda de
honra real. Bem acima, a nuvem estendia-se pelo céu como um dossel opressivo a
bloquear a luz, sua sombra do mal e das trevas espirituais caindo sobre a
cidade. Enquanto Rafar deslizava sobre Ashton num arco elevado, podia olhar
para cima e ver as miríades de olhos amarelos e as espadas rubras acenando em
saudação. Ele acenou de volta com a própria espada, e eles soltaram brados de
júbilo, suas incontáveis espadas agitando-se para baixo como um campo invertido
de trigo rubro agitado pelo vento. Eles encheram o ar de enxofre.
À frente e muito abaixo,
encontrava-se o campus Whitmore, a mais madura das ameixas. Rafar diminuiu a
rotação das asas e começou a descer na direção do Prédio da Administração.
Enquanto descia, viu a grande
limusine que levava o Valente subir pela entrada circular e parar em frente da
porta do prédio. O quadro encheu-o de excitação. Chegara o momento! Ele e os
demônios acompanhantes sumiram através do teto do prédio no exato momento em
que o Valente e seu hospedeiro humano emergiam do carro.. . e um pouco antes da
hora em que veria uma fila de carros não muito distantes daquela limusine,
agora encontrando lugares de estacionamento aqui, ali e em toda a parte.
Alf Brummel saiu de chofre do
seu carro. Postou-se apenas um instante, criando coragem, e em seguida
dirigiu-se à porta principal do prédio com passos rígidos, nervosos.
Marshall estacionou seu
carro, e os cinco ocupantes desceram. À volta toda podiam ouvir portas de
carros batendo enquanto o Remanescente encontrava lugares para estacionar e
então se reuniam.
— Brummel não parece muito contente
— observou Marshall. Os outros quatro olharam a tempo de ver Brummel entrar
pela porta da frente.
— Talvez ele vá avisar Kaseph
— disse Berenice.
— E então, onde estão os
nossos amigos poderosos? — perguntou Marshall.
— Não se preocupe... pelo menos
não muito. Eles disseram que estariam aqui.
Susan disse:
— Estou certa de que a
reunião deverá ocorrer na sala de conferência do terceiro andar. É onde o
conselho diretor geralmente se reúne.
— E onde posso encontrar
Sandy? — perguntou Marshall. Susan meneou a cabeça.
— Isso não sei.
Eles se apressaram na direção
do prédio, e de todos os lados o Remanescente convergiu à escadaria da frente.
De súbito, ele ouviu
frenético adejar atrás de si e voltando-se, viu um demoniozinho sentinela, vil
criatura, um fofoqueiro, alçando vôo a fim de lhe falar.
— Príncipe Lucius, há gente
reunindo-se lá embaixo! Eles não são dos nossos! São santos de Deus! — arquejou
a coisinha.
Lucius irritou-se.
— Eu tenho olhos,
insetozinho! — sibilou ele. — Não lhes preste atenção.
— Mas e se eles começarem a
orar?
Lucius agarrou o demoniozinho
por uma asa, e ele pôs-se a esvoaçar em patéticos e diminutos círculos da ponta
do braço do príncipe.
— Você, fique calado!
— Rafar precisa saber!
— Silêncio!
A criaturinha aquietou-se, e
Lucius a levou à orla do teto para breve lição.
— E daí se eles orarem? —
disse Lucius em tom paternal. — Isso os ajudou até agora? Atrapalhou um pouco
que seja o nosso progresso? E você já viu o poder e a força de Baal Rafar, não
viu? — Lucius não pôde evitar o tom sarcástico com o qual acrescentou:
— Você sabe que Rafar é
todo-poderoso, e imbatível, e não precisa da nossa ajuda! — O demoniozinho
ouvia com os olhos esbugalhados. — Não amolemos o grande Baal Rafar com nossas
preocupações insignificantes! Ele pode cuidar deste empreendimento... sozinho!
— Logo o perímetro estará
inteiramente circunscrito — disse ele. — Eles terão envolvido a cidade toda, e
não haverá escape.
— Escape? — disse Tal, o
sobrolho erguido.
— Puramente uma consideração
tática — replicou Guilo, dando de ombros.
— O momento está-se
aproximando muito rápido agora — disse Tal, olhando na direção da faculdade. —
Em apenas alguns minutos, todos os jogadores estarão em seus lugares.
A porta se abriu. Em respeito
e homenagem, eles se postaram rígidos.
E lá estava ele, o Valente,
que nada ficava a dever ao mais horrendo pesadelo.
— Boa tarde a vocês — disse
ele.
— Boa tarde ao senhor —
responderam a Alexander Kaseph os diretores e advogados enquanto ele entrava na
sala e começava a apertar-lhes as mãos.
Ele se deteve por um momento
à porta, escutando atentamente. Estava muito quieto lá dentro. A sessão devia estar
em progresso. Muito devagar, ele girou a maçaneta e abriu a porta apenas o suficiente
para enxergar dentro do aposento. Sim, lá estava a Langstrat meditando, os
olhos cerrados. Era a única com quem Brummel se preocupava, e no momento ela
não estava olhando.
Entrando na sala
silenciosamente, ele encontrou uma cadeira na metade do círculo que rodeava
Langstrat. Correu os olhos à sua volta, avaliando a situação. Sim, estavam
chamando um certo guia espírito. Ele jamais ouvira esse nome específico antes. Essa
entidade devia ser um novo personagem trazido ao projeto desse dia.
Oh, não. Lá estava Sandy
Hogan, também meditando. Ela também estava chamando o nome. Bem, Brummel, o que
você faz agora?
— Nós de fato não sabemos o que vamos
encontrar lá dentro, mas sabemos que precisamos entrar, ao menos para ver se
conseguimos localizar Sandy. Não há dúvida de que esta é uma batalha
espiritual, por isso sabem o que todos têm de fazer.
Todos sabiam, e estavam
prontos. Hank continuou:
— Andy, gostaria que você,
Edith e Mary tomassem conta aqui e dirigissem as orações e a adoração. Eu
entrarei com Marshall e os outros.
Marshall conferenciou com
Berenice.
— Fique aqui para ver quando
os nossos visitantes chegarem. Nós outros entraremos e tentaremos descobrir
onde essa reunião está ocorrendo.
Marshall, Hank, Kevin e Susan
entraram no prédio. Berenice dirigiu-se a um lugar vazio nos degraus e
sentou-se para vigiar e esperar. Não podia deixar de observar o Remanescente.
Havia algo a respeito daquelas pessoas que lhe trazia uma sensação muito
familiar, e muito... bem, muito maravilhosa.
— Deveeeeras! — disse a voz
grave e gutural de Rafar saindo da garganta de Langstrat.
Todos no aposento se
estremeceram. Diversos olhos se abriram com um sobressalto, e depois se
arregalaram ao darem com Langstrat, os olhos esbugalhados, os dentes à mostra,
as costas arqueadas como um leão de bote armado. Brummel só podia encolher-se e
desejar poder desaparecer na cadeira antes que aquela coisa o notasse. Mas ela
estava fitando Sandy, babando.
— Deveeeeras! — disse
novamente a voz. — Vocês se reuniram a fim de verem seu sonho verdadeiramente
realizado? Será feito! — A criatura sentada na cadeira apontou um dedo torto a
Sandy. — E quem é essa nova participante na busca da sabedoria oculta?
— S... Sandy Hogan —
respondeu ela, os olhos ainda fechados. Estava com medo de abri-los.
— Fiquei sabendo que você tem
andado por muitos caminhos com sua instrutora Madeline.
— Sim, Rafar, é verdade.
— Desça dentro de si de novo,
Sandy Hogan, e Madeline a encontrará aí. Esperaremos.
Sandy teve apenas uma fração
de segundo em que perguntar-se como conseguiria descontrair-se o suficiente
para chegar a um estado alterado. Então um espírito limboso atrás dela, com
cara de morte, agarrou-lhe a cabeça com a mão ossuda, e ela afundou imediatamente.
Seus olhos rolaram para cima, ela murchou na cadeira, e sentiu seu corpo se
dissolvendo, juntamente com seus pensamentos racionais e os temores que a
incomodavam. Todas as sensações externas começaram a se desvanecer, e ela
flutuava em puro e extático nada. Ouviu uma voz, muito conhecida.
— Sandy — chamou a voz.
— Madeline — respondeu ela. —
Já vou!
Madeline apareceu das
profundezas de um túnel sem fim, flutuando em sua direção, os braços
estendidos. Sandy dirigiu-se ao túnel a fim de encontrar-se com ela. Madeline
entrou em foco, os olhos brilhantes, o sorriso como cálida luz do sol. Suas
mãos se encontraram e se agarraram com força.
— Bem-vinda! — disse
Madeline.
Alf Brummel viu tudo
acontecer. Podia ver a expressão abobalhada, extática no rosto de Sandy. Eles
iam tomá-la! Tudo o que podia fazer era sentar-se a remexer-se e tremer e suar.
Ouviu o elevador se abrir
adiante no corredor e depois os passos de diversas pessoas. Sim, devia ser
Hogan, o cão de caça, e o homem de oração, Busche, e a pessoa que o Valente
mais detestaria ver com vida: a Serva.
De repente houve um agitar de
asas e frenético arquejar. Um demônio arremeteu pelo corredor em sua direção,
as asas vibrando, a cara cheia de terror.
— Príncipe Lucius! — gritou
ele. — Traição! Fomos logrados! Hogan e Busche estão livres! A Serva está
viva! Weed está vivo!
— Silêncio! — advertiu
Lucius.
Mas o demônio apenas
continuou a arenga:
— Os santos estão reunidos e
orando! Precisa avisar o Baal...
O palavrório do demônio
cessou abruptamente em um gorgolejar sufocado, e ele fitou Lucius com os olhos
cheios de horror e perguntas. Ele começou a encolher. Suas garras tentavam
alcançar Lucius no esforço de manter-se reto. Lucius puxou a espada da barriga
do demônio e revolveu-a num arco chamejante através do seu corpo evanescente. O
demônio desintegrou-se, dissolvido numa lufada de fumaça vermelha.
— Oh... — perguntou ela —
quem são?
— Novos amigos — disse
Madeline. — Novos espíritos guias que a levarão cada vez mais alto.
De repente, Guilo sussurrou:
— Estão descendo!
Todos os olhares se ergueram
e puderam divisar o teto de demônios, aquele cobertor negro tinto de
fervilhante vermelho e amarelo, começando a assentar, chegando cada vez mais
perto da cidade. Logo Ashton estaria soterrada.
Diversos carros estavam
dobrando a Rua da Faculdade. O primeiro deles levava o Promotor Municipal
Justin Parker, o segundo Eldon Strachan e o Secretário da Justiça Norm Mattily,
o terceiro Al Lemley e três agentes da polícia federal. Quando passavam por uma
intersecção, um quarto veículo dobrou à direita e juntou-se ao cortejo. Esse
era o carro que transportava o fiel e leal contador Harvey Cole, com
considerável pilha de papéis ao seu lado no assento.